Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 01/09/2015
Orçamento
no vermelho é uma maneira de o Palácio do Planalto confrontar o
Congresso, responsabilizando-o pelo fato de suas lideranças terem
rejeitado a proposta de recriação da CPMF
A presidente Dilma Rousseff decidiu jogar no colo do Congresso o rombo
nas contas públicas, ao encaminhar a proposta de Orçamento da União para
2016 com deficit de R$ 30,5 bilhões, o que representa 0,5% do Produto
Interno Bruto (PIB), de acordo com o ministro do Planejamento, Nelson
Barbosa. Argumenta que a proposta é mais realista. Será?
Na verdade,
se considerarmos as projeções feitas para a economia em 2016, a proposta
é furada: o documento encaminhado ao Congresso prevê crescimento
econômico de 0,2%, quando a maioria dos analistas já dá como certa que a
recessão deste ano, estimada em 2,5%, deve se projetar para o ano que
vem. A inflação estimada pelo governo também é falsa, pois nada garante
que ficará em 5,4%, com o governo gastando mais do que arrecada.
O
governo também faz projeções otimistas quanto a novas fontes de
arrecadação, como o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF)
sobre as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social, que seria de R$ 11,2 bilhões, e a ampliação das concessões e
vendas de imóveis, com a qual espera arrecadar mais R$ 37,3 bilhões.
Orçamento
no vermelho é uma maneira de o Palácio do Planalto confrontar o
Congresso, responsabilizando-o pelo fato de suas lideranças terem
rejeitado no nascedouro a proposta de recriação do antigo imposto do
cheque, a CPMF (Contribuição sobre Operações Financeiras).
Anunciada na
quinta-feira, rejeitada pelo vice-presidente Michel Temer; pelos
presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL); e por lideranças empresariais, a proposta foi
abortada pela presidente Dilma Rousseff, depois de uma reunião com seus
ministros, no sábado.
Enquanto a criação de mais impostos ronda o
Congresso, a proposta orçamentária não apresenta o corte de ministérios
prometido pela presidente Dilma com pompa e circunstância. O ministro do
Planejamento anunciou que o governo pretende cortar 10 pastas, o que
reduziria para 29. Além disso, está sendo analisada a extinção de mil
cargos comissionados.
Segundo Barbosa, a economia seria de
“algumas centenas de milhões de reais”. A expectativa é de que o
anúncio, a ser negociado com os partidos aliados, seja feito até o fim
deste mês. A mudança nem de longe representa uma reforma administrativa
de verdade, enxugando a máquina pública. É mais um factoide para dizer
que o governo cortou na própria carne.
O governo não conseguiu fazer
um ajuste fiscal, continuará gastando mais do que arrecada e ampliando a
dívida pública. A consequência pode ser a temida perda do grau de
investimento. Na verdade, uma parte do governo e o PT responsabilizam o
ajuste fiscal pela recessão e o aumento do desemprego.
Essa lógica
deve orientar a mobilização dos 13 petistas que compõem o ministério
para uma maratona de viagens pelo país, de setembro a dezembro, mirando
municípios com mais de 100 mil habitantes. Foram selecionadas 189
cidades. Nas mais importantes, a mobilização será liderada pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nova distância
Enquanto
não há luz no fim do túnel da economia, a situação política continua
indefinida. O PMDB exibirá nesta semana uma série de inserções na TV na
qual se reposicionará em relação ao governo. Um recado para a presidente
Dilma está causando muito desconforto: “A verdade é sempre a melhor
escolha”. O vice-presidente da República, Michel Temer; o ministro da
Aviação, Eliseu Padilha; e o ex-ministro Moreira Franco protagonizam os
filmetes.
Temer, que deixou a coordenação política do governo,
sinaliza distância calculada do governo: “O Brasil sempre vai ser maior e
mais importante do que qualquer governo. Esta é a verdade”. O
vice-presidente fala novamente da necessidade de reunificar a sociedade.
No
Palácio do Planalto, porém, a orientação é não passar recibo. Avalia-se
que o PMDB não deixará o governo a curto prazo e que o acordo feito com
o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é robusto o
suficiente para dar certa estabilidade à relação com o Congresso.
Esse
acordo também tem garantido à presidente Dilma Rousseff um certo alívio
em relação ao Tribunal de Contas da União (TCU). Dilma ganhou mais 15
dias para que responda a dois novos questionamentos sobre
irregularidades nos gastos do governo de 2014. O prazo termina em 11 de
setembro. Com isso, a previsão é que o julgamento das contas do governo
ocorra apenas em outubro.
Mesmo que as contas venham a ser rejeitadas
pelo TCU, recente liminar do ministro Luiz Barroso determinou que
contas sejam examinadas em sessão do Congresso e não pela Câmara e pelo
Senado, separadamente. Com isso, a iniciativa de pautar a matéria saiu
das mãos de Eduardo Cunha para as de Calheiros, ou seja, o presidente do
Senado pode matar no peito a apreciação das contas de 2014, jogando-as
para as calendas.
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