Correio Braziliense - 27/09/2015
A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado
Uma das consequências intangíveis da morte de Tancredo Neves (PMDB), digamos assim, talvez tenha sido fato de o país não ter passado por uma experiência de governo liberal. A derrota da ditadura militar foi protagonizada por uma ampla frente política hegemonizada por políticos liberais, sob a liderança de Ulysses Guimarães, mas não resultou em sua chegada ao poder por uma fatalidade.
O governo de José Sarney, o vice que assumiu, premido por uma Constituinte democrata radical, pela retirada em ordem dos militares e pela hiperinflação, não pode ser caracterizado como um governo liberal, embora tenha o mérito de ter conduzido a transição à democracia.
Grosso modo, diametralmente opostos, os governos de Collor de Mello, neoliberal, e Itamar Franco, nacional-desenvolvimentista, também fugiram do perfil liberal. O mesmo ocorreu com os governos de Fernando Henrique Cardoso, de caráter social-liberal, e de Lula, protagonista de um neopopulismo que derivou na roubalheira revelada pela Operação Lava-Jato.
O castilhismo
O “castilhismo” de Dilma é um ponto fora da curva, mas serve de referência para o debate sobre as dificuldades de tradução das ideias liberais e, de um modo geral, das políticas clássicas no Brasil. Todas as ideias que chegam por aqui, de alguma forma, são mitigadas pelas características ibéricas de elites, como o velho patrimonialismo, que está vivíssimo, e também do povo, que ressuscita o “sebastianismo” cada vez que aparece um salvador da pátria.
O melhor exemplo de “tradução” perversa das ideais liberais no Brasil talvez seja a Constituição de 1824, de autoria de dom Pedro I, que institucionalizou a monarquia após a Independência — num contraponto aos Estados Unidos — e introduziu, como cláusula pétrea, o direito à propriedade privada na legislação brasileira. Com isso, a nascente aristocracia brasileira garantiu segurança jurídica ao regime escravocrata, que sofria forte oposição da Inglaterra, sustentando-o até 1888.
Após a abolição, a monarquia ruiu. Mesmo com a proclamação da República, no ano seguinte, a revolução burguesa no Brasil só veio a se completar mais de cem anos depois da Independência, com a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Sua vitória, porém, foi também uma nova derrota das ideais liberais pelo “castilhismo” gaúcho. Desde então, nenhum partido político conseguiu representar de forma robusta as ideais liberais no Brasil.
O “castilhismo” é uma vertente do positivismo cujo principal ideólogo foi o político gaúcho Júlio de Castilhos. Substitui a ideia liberal do equilíbrio entre as diferentes ordens de interesse, como elemento fundamental da organização da sociedade, pela ideia de moralização dos indivíduos através da tutela do Estado. Para os castilhistas, a falência da sociedade liberal decorreria das transações empíricas, fruto da procura de interesses materiais.
O slogan “pátria educadora” é uma tradução perfeita dessa concepção de tutela do Estado sobre a sociedade. Do ponto de vista prático, no governo Dilma, essa concepção gerou incrível sucessão de intervenções desastrosas nas atividades econômicas do país. O resultado é a desorganização da economia.
A retórica das “virtudes republicanas”, usada e abusada na gestão petista, acabou desmascarada pela Operação Lava-Jato. Revelou-se, por trás da atuação do PT e seus aliados, “sórdidos interesses materiais” que supostamente o governo petista pretendera combater. A “faxina” ensaiada por Dilma no começo do primeiro mandato, na verdade, está sendo feita pelo “poder moderador” da Justiça Federal, o que nada mais é do que a afirmação do velho princípio liberal do equilíbrio entre os poderes.
A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado, ao intervencionismo na economia, à cobrança exagerada de impostos, ao excesso de regulação cartorial, aos achaques, à corrupção e aos serviços públicos ineficientes. Isso se reflete com muita força nas redes sociais e nos protestos de rua contra o governo. A expansão do mercado interno via consumo, do empreendedorismo e das atividades de serviços, que agora se retraem, ampliou a base social do liberalismo individual, como ideologia e concepção política. Mas não há um partido que o represente.
3 comentários:
Azedo, a concepção castilhista retratada no seu artigo não difere da concepção comuno-fascista do "homem novo" a ser construído pelo Estado. Deste ponto de vista, o castilhismo é um subgrupo do comuno-fascismo.
Azedo, bom dia! Se não há um partido que represente as idéias liberais, como será resolvida a situação pela qual estamos passando com os partidos que nos representam.
Rose Mari, hoje existe o partido Novo, que sustenta as ideias liberais, o número do partido é o 30. Foi aprovado pelo TSE há menos de um mês e concorrerá às eleições do ano que vem!
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