quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Jogo de máscaras

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/09/2015
 
O que será que levou Dilma e Cunha ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Lula nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto


A presidente Dilma Rousseff recebeu em audiência ontem seu mais figadal adversário político, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para uma conversa cuja versão tornada pública pelo parlamentar teria sido das mais republicanas. Dilma estaria preocupada com a chamada pauta-bomba, principalmente quanto aos salários de diversas corporações, entre as quais delegados, procuradores de estados e municípios e integrantes da Advocacia-Geral da União.

Segundo Cunha, Dilma manifestou preocupação com projetos que geram gastos, mas não pediu para que o Congresso aprove aumento de impostos, como a recriação da CPMF, proposta anunciada na semana passada e logo engavetada em razão das reações contrárias. “A preocupação é o Orçamento, o deficit e o aumento da despesa pública por projetos que possam ser aprovados e que têm impacto orçamentário”, disse Cunha.

O presidente da Câmara aproveitou a oportunidade para demonstrar que sua relação com o Planalto é “institucional”, embora tenha reiterado que está em oposição ao governo. Dilma teria aberto um “canal de diálogo” com Cunha. “O que ela quis fazer, politicamente, é discutir um problema que está afetando as contas públicas do país, para ter o canal aberto para diálogo nas circunstâncias que forem necessárias”, disse ele.

O que será que os levou ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto. Dilma governa aos trancos e barrancos (a oposição diz que ela “desgoverna”) e teme um processo de impeachment; Cunha foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por supostamente ter recebido US$ 5 milhões de propina oriunda da compra de dois navios-sonda pela Petrobras.

Lula atuou como bombeiro para evitar efeitos colaterais na disputa, isto é, que a CPI da Petrobras, que Cunha controla, faça uma política de terra arrasada, convocando pessoas próximas ao ex-presidente da República, como o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Por isso, Dilma a marcou a audiência com Cunha.

Nada disso, entretanto, deve mudar a rota da crise política, que se retroalimenta da recessão, do desemprego, da inflação e da alta do dólar, de um lado, e da Operação Lava-Jato, de outro. Cerca de 100 políticos já estariam sob investigação. Com certeza, 47 integram o Congresso. Ninguém sabe ao certo quem são a maioria dos envolvidos, supõe-se que sejam os enrolados de sempre. Mas os possíveis acusados sabem o que fizeram no esquema de propina e isso cria um ambiente de muita apreensão tanto na Câmara quanto no Senado.

Ontem, a Polícia Federal indiciou o ex-ministro da casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o empreiteiro Gerson Almada, da Engevix, por envolvimento no desvio de R$ 56 milhões da Petrobras. De outra parte, o Ministério Público Federal denunciou o almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva e executivos da Andrade Gutierrez e da Engevix, num total de 15 pessoas. Ou seja, é uma marcha inexorável, que cedo ou tarde chegará aos parlamentares e demais políticos envolvidos no escândalo.

Orçamento
 
O Palácio do Planalto parece apostar no acuo dos parlamentares envolvidos no escândalo da Lava-Jato ao encaminhar para o Congresso uma proposta orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões. Apesar da grita da oposição, que pede a devolução da proposta para o Executivo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), não pretende fazê-lo. Cunha apoia essa decisão.

Retórica oposicionista à parte, um dos líderes mais importantes da oposição minimiza a polêmica. Argumenta que toda proposta orçamentária “é uma peça de ficção” e que há uma “tempestade em copo d´água”. Nos bastidores, avaliava-se que a inusitada proposta de Orçamento para 2016 seria resultado da luta na equipe econômica.

Estão em disputa aberta os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, cada vez mais prestigiado no Palácio do Planalto, e da Fazenda, Joaquim Levy, cada dia mais jururu. Quem pontifica e dá as cartas é o chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante. Perdida, Dilma concorda com Barbosa, mas tem medo da saída de Levy.

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