Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/10/2015
Dilma admitiu que as medidas
adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a
afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento
A presidente Dilma
Rousseff ainda não se convenceu de que o Brasil tem problemas estruturais
na economia. Foi o que deixou claro ontem, ao discursar na Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), perante os líderes
mundiais, em que pesem a maior recessão dos últimos 25 anos, a marca de
um milhão de trabalhadores demitidos, o dólar acima dos R$ 4 e uma
dívida pública que cresce astronomicamente e já chegou a R$ 2,68
trilhões.
Em 20 minutos de discurso, disse que a economia
brasileira é “mais forte e sólida” do que em anos anteriores: “A lenta
recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities
incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização
cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da
arrecadação, levando a restrições nas contas públicas. O Brasil, no
entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são
conjunturais e, diante desta situação, estamos reequilibrando o
Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, gastos de
custeio e parte do investimento”.
Dilma admitiu que as medidas
adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a
afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento:
“Propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas.
Essas iniciativas visam a reorganizar o quadro fiscal, reduzir a
inflação, consolidar a estabilidade macroeconômica e garantir a retomada
do crescimento com distribuição de renda.” Em nenhum momento a
presidente da República admitiu a necessidade de reformas para a
economia voltar a crescer. Essa é uma palavra que não existe no seu
dicionário.
Na verdade, a presidente da República lançou o país
num impasse: quer que o Congresso aumente impostos para bancar os gastos
do governo, cujo orçamento cresce mais do que o Produto Interno Bruto
(PIB); ocorre que a sociedade não suporta mais a carga tributária, o que
gera um ambiente contrário no parlamento. É um empate, que gera um
circulo vicioso. O risco Brasil eleva o dólar, que aumenta a inflação,
que eleva os juros, que aumenta a dívida pública, que inibe o
crescimento, que reduz a inflação e joga a arrecadação pra baixo.
O
Brasil não é a China, que tem mais de US$ 3,5 trilhões de reservas e
pode queimar mais de US$ 400 bilhões no câmbio; está mais para Rússia,
cujas reservas caíram de US$ 500 bilhões para US$ 300 bilhões e, mesmo
assim, não conseguiu segurar o câmbio. Com US$ 370 bilhões em reservas, o
Banco Central (BC) não tem cacife para bancar o jogo pesado com os
especuladores, se nada for feito para efetivamente reduzir os gastos do
governo. Dilma acredita que pode bancar esse jogo, como deu a entender
seu discurso na ONU, mas o mercado pensa diferente. E os indicadores não
mentem.
Oposição petista
Quem também pensa
diferente, mas com sinal trocado, são os economistas do PT, ligados à
Fundação Perseu Abramo, que ontem divulgou documento com duras críticas à
política econômica. O documento “Por Um Brasil Justo e Democrático”,
não poupa críticas ao ajuste fiscal proposto pelo governo e acusa Dilma
de ser prisioneira dos banqueiros, numa alusão ao ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, que o PT pretende derrubar na reforma ministerial.
A
fundação é presidida por Marcio Pochmann, que comandou o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) até 2012. Embora não seja endossado
pelo PT publicamente, o texto reflete a opinião da maioria dos
dirigentes do partido: “A lógica que preside a condução do ajuste é a
defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles
querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar
bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da
força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social.”
No
Congresso, este é o discurso dos parlamentares petistas; nos movimentos
sociais, mais ainda. “O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa
recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da
capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é
a regressão no emprego, nos salários, no poder aquisitivo e nas
políticas sociais”, sintetiza o documento.
Amanhã haverá uma
reunião em Brasília do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os
parlamentares petistas para discutir a reforma ministerial. A prioridade
da reestruturação do governo não é a aprovação do ajuste fiscal e a
gestão da crise, é barrar a possibilidade de abertura de um processo de
impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ocorre que a permanência
de Dilma no cargo depende muito mais da estabilização da economia.
Aparentemente, porém, essa é uma falsa contradição. Lula quer antecipar a
votação do pedido de impeachment pela Câmara e derrotar a oposição,
antes que a crise se agrave ainda mais no plano social e o PMDB possa
dar o bote.
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