Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense; 05/02/2015
As agências do Estado encarregadas de zelar pelo desenvolvimento do país foram tomadas de assalto
A
presidente Dilma Rousseff ocupa o vértice de um sistema de poder que
entrou em xeque. O primeiro sinal de que a reeleição não foi suficiente
para mantê-lo foi a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da
Fazenda. Essa opção representa uma ruptura com a “matriz econômica” que
havia adotado, cujo eixo era o fortalecimento e a ampliação de um modelo
esquizofrênico de capitalismo de Estado. Por mais que negue, essa
ruptura está em pleno curso. Se for obstruída, terá graves consequências
econômicas, políticas e sociais.
De onde vem a esquizofrenia? Do
fato de ser um projeto fora do tempo e de lugar. Historicamente, o
capitalismo de Estado foi uma via de industrialização para os países de
desenvolvimento capitalista tardio. Serviram-se dele, bem ou mal, as
ditaduras fascistas, os governos populistas da América Latina e os
regimes socialista do Leste europeu. O líder russo Vladimir Lênin chegou
a dizer que o capitalismo de Estado era a antessala do socialismo.
Essa
via de industrialização deu-se pela presença do Estado na indústria de
base e pela substituição de importações de bens de consumo pelo setor
privado. No Brasil, o processo de substituição de importações foi
concluído durante o regime militar, cuja intervenção na atividade
econômica faria corar o presidente Getúlio Vargas, que se matou em 1954
diante da deposição iminente por militares que tomariam o poder em 1964.
Esse
modelo se esgotou porque o Estado brasileiro perdeu capacidade de
financiamento, a partir da crise do petróleo da década de 1980, e o país
mergulhou progressivamente na hiperinflação, principalmente no governo
Sarney. A alternativa à substituição de importações era a integração
competitiva à economia mundial.
Esse foi o foco do Plano
Real, programa de estabilização iniciado no governo Itamar Franco e
concluído nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso,
ministro da Fazenda do antecessor. Para isso, foi preciso salvar o
sistema financeiro, reduzir a intervenção do Estado na economia,
privatizar as empresas de infraestrutura e adotar uma política monetária
cujo eixo eram o câmbio flutuante, a meta de inflação e o superavit
primário.
A crise do modelo
Esse “tripé” foi mantido pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afinal sem ele não seria possível
viabilizar o bem-sucedido programa de transferência de renda. Mas, na
crise mundial de 2008, essa estratégia começou a ser substituída pela
chamada “nova matriz econômica”, que jogou o tripé para o espaço. A
economia passou a girar com câmbio artificialmente controlado, taxa de
inflação no teto da meta e o deficit fiscal mascarado pela
“contabilidade criativa”. Foi preciso elevar a taxa de juros para
impedir uma explosão inflacionária. Resultado: o país parou.
O
modelo de capitalismo de Estado adotado, porém, favoreceu a formação de
grandes monopolistas nacionais e promoveu uma brutal transferência de
renda do setor público para esses grupos. Paralelamente, as agências do
Estado encarregadas de zelar pelo desenvolvimento do país foram tomadas
de assalto pelo partido no poder e seus aliados. Formou-se um sistema de
poder, à margem da legítima representação do Congresso, embora com o
beneplácito dos principais dirigentes. Seu vértice hoje é ocupado pela
presidente Dilma Rousseff.
Na base do sistema de poder, a
Petrobras foi encarregada de alavancar a política industrial e a
política de ciência e tecnologia, com a formação de um cluster de
empresas subsidiárias e de fornecedores que se estendeu do complexo
petroquímico à indústria metalmecânica. Recebeu uma missão que estava
acima das possibilidades reais. Mas não foi só isso. A Operação
Lava-Jato, da Polícia Federal, que apura os escândalos da Petrobras,
está nos revelando que esse modelo de capitalismo de Estado também foi
aparelhado para financiar a hegemonia do partido no poder e de aliados. É
esse sistema de poder que está em crise.
A maior parte das
doações das empresas envolvidas no escândalo aos partidos no governo
foi feita de acordo com a legislação vigente, mas a origem do
dinheiro é criminosa porque vem de contratos superfaturados obtidos em
licitações fraudulentas. É aí que está o problema
político-institucional.
A eleição na Câmara dos Deputados, na
qual o PT foi alijado da Mesa e das principais comissões, revela que
esse sistema de poder está à beira do colapso. O PMDB está enredado na
Operação Lava-Jato, mas não tem um centro de comando, nem as mesmas
responsabilidades do PT. Essa fissura é a primeira onda de um tsunami
que pode varrer o Congresso e a Esplanada dos Ministérios quando os
nomes de autoridades e políticos envolvidos no escândalo forem
revelados.
12 comentários:
Mais uma ótima análise para ajudar a entender o momento atual. Abraço José Cruz
Nada como uma pessoa que conheça História e Economia para, em poucos parágrafos, explicar tudo o que está acontecendo no Brasil, e porque.
Parabéns Azedo
A maturidade te fez muito bem embora você na juventude não fosse exatamente um voluntarista!
Ótimo texto,simples e precisa a sua análise.
Hélvio Varjão
Rio
O que está em crise, de forma exposta desde 2008, é a economia capitalista. Num processo de contínua concentração da renda, não é difícil perceber que vai acabar em crise. O capitalismo no Brasil segue a regra geral.
Perfeito amigo Azedo. Parabéns
Muito bom Azedo. Parabéns!!!
Como sempre: Excelente análise crítica.
Pra piorar a situação, primo, o governo não se deu conta de que manter-se fiel à irresponsabilidade de que tudo será resolvido com o seu marketing político mentiroso nos levará a um perigoso caos social. A Direita está eufórica. Ultimamente estamos assistindo a uma vergonhosa manobra do ex-presidente Lula, que pra mim é um dos maiores crápulas da política nacional, "nunca antes na história desse país" já visto, conclamando setores ditos sociais, sustentados pelo Estado aparelhado, a se manifestar contra a atual situação, tentando desvincular o PT da crise, ao ceder enormes espaços ao PMDB, que está mordendo a isca. Desde a redemocratização do país, a ascenção de Lula e o PT sempre foi tida como fator de desagregação da Esquerda e de
um posterior fortalecimento da Direita. O que estamos vivenciando hoje? Aquele "povo"da década de oitenta sabia das coisas.
Brilhante, brilhante! Lúcido. Vou compartilhar essa análise
o artigo é brilhante mais falta uma coisa essencial: como podemos corrigir à situaçao? qual é o remedio. A enfermidade o Azedo mostrou, mais o tratamento desta doença, qual é ele? gilberto T. santana
Uma excelente aula de sábado para refletir no domingo e começar a agir. Bravo pela clareza e informações.
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