Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 03/02/2015
Dilma tenta construir um divisor de águas entre o seu mandato e os políticos envolvidos no escândalo da Petrobras
Hamlet, a
obra do dramaturgo inglês William Shakespeare, escrita por volta de
1601, caiu no gosto do povo quando a Inglaterra sonhava em tornar-se a
nova potência imperial. A “Invencível Armada” espanhola tinha sido
derrotada, os Países Baixos estavam revoltados e poderoso Felipe II da
Espanha havia morrido. Shakespeare, porém, não escreveu uma obra
ufanista: resolveu tratar das conspirações e traições da Corte, dos
bastidores espúrios da luta pelo poder.
A tragédia conta que
Hamlet, o principal protagonista da peça, fez-se de louco para dar a
impressão de ser incapaz de compreender o que estava se passando no
reino. Agiu assim para sobreviver. O velho Rei da Dinamarca acabara de
morrer. Seu irmão, Cláudio, alegando uma possível invasão das forças
norueguesas de Fortimbrás, casara-se com a viúva e assumira o trono.
Contudo, o espectro do rei aparece à noite para o filho e exige
vingança, pois fora assassinado pelo próprio irmão.
A frase “há
algo de podre no reino da Dinamarca” é de um oficiais da corte. A
expressão correu o mundo, ao lado daquela que resume toda a sua
dramaturgia: “Ser ou não ser”. Continua sendo usada até hoje quando há
indícios de que algo grave e indecente está acontecendo nos bastidores
de um governo. A podridão está oculta, mas o odor que exala toma conta
dos ambientes oficiais, como se houvesse um rato morto atrás do trono.
Hamlet
se faz de louco, mas não consegue esconder a própria náusea: “Ó Deus,
meu Deus, que fatigantes, insípidas, monótonas e sem proveito as
práticas do mundo, todas, me parecem! Que nojo o mundo, este jardim de
ervas daninhas que crescem até dar semente…” Parece que a presidente
Dilma Rousseff se comporta na política como o personagem shakespeariano.
As articulações do Palácio do Planalto no Congresso foram tão
estapafúrdias que dão a impressão de que a presidente se fez de louca
como um Hamlet de saias.
O que será?
Dilma operou nas eleições da Câmara e do Senado contra a
orientação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo grupo foi
alijado da cozinha do Palácio do Planalto. O ministro da Casa Civil,
Aloizio Mercadante, e ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas,
que estão sendo chamados de incompetentes pelos aliados no Congresso,
trabalharam para enfraquecer o PMDB no Senado e derrotá-lo na Câmara. O
resultado foi um desastre.
Não há uma explicação lógica para a
estratégia adotada, a não ser que a presidente Dilma tenha informações
sobre os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato que ainda não vieram
a público. Como se sabe, antes de montar seu ministério, havia dito que
consultaria o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre as
autoridades citadas nas delações premiadas do doleiro Alberto Yousseff e
do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. O Ministério Público
Federal, à época, considerou a declaração impertinente. Portanto,
oficialmente o governo nada sabe. Mas age como se soubesse.
Na
Câmara, a Operação Lava-Jato é aguardada como se fosse um strike, mas o
novo presidente da Casa, Eduardo Cunha, repudia qualquer insinuação de
que esteja envolvido no caso e desafia quem quiser a prová-lo. Como suas
diferenças com Dilma Rousseff são bem antigas, pode-se atribuir o que
houve às idiossincrasias presidenciais.
No Senado, porém, o caso é
diferente. Renan Calheiros, reeeleito para o comando da Casa, é um aliado de primeira hora, mesmo assim o governo estimulou a candidatura
de Luiz Henrique (PMDB-SC), parceiro de Dilma em Santa Catarina. E tentou
articular um novo eixo de sustentação na base governista com
peemedebistas não alinhados com Calheiros. Depois, teve que correr atrás
do prejuízo e garantir-lhes os votos da bancada do PT.
O esforço
de montar um novo dispositivo parlamentar fora do controle dos caciques
do PMDB também foi antecedido por medidas para reduzir a influência do
antigo Campo Majoritário do PT do governo. Como se sabe, o grupo ao qual
pertence Lula teve suas principais lideranças condenadas no Ação Penal
470, do Supremo Tribunal Federal, o chamado processo do mensalão.
É
voz corrente no Congresso que Dilma tenta construir um divisor de águas
entre o seu mandato e os políticos envolvidos no escândalo da
Petrobras. O desfecho da operação, porém, fez com que se tornasse ainda
mais refém do PMDB, ou melhor, do vice-presidente Michel Temer, de
Calheiros e de Cunha. Dependerá dessa troika a sua sustentação política…
ou não!
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