Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 06/11/2014
Ontem foram
revelados os dados da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) que o Palácio do Planalto proibiu que fossem divulgados
antes das eleições: a extrema pobreza voltou a subir
Obra monumental do escritor francês
Victor Hugo, Os Miseráveis (Saraiva, 2 volumes) foi um sucesso literário
desde o lançamento simultâneo, em 1862, nas cidades de Paris, Leipzing,
Bruxelas, Budapeste, Milão, Roterdã, Varsóvia e Rio de Janeiro. Narra a
corrupta política francesa entre a derrota de Napoleão em Waterloo, em
1815, e os motins de junho de 1832, no conturbado reinado de Luís
Felipe, início da uma crise que resultou na brevíssima Segunda República
e, depois, no 18 Brumário de Luís Bonaparte (1851), a grande farsa
restauradora da aristocracia francesa, já ultrapassada pela burguesia e
pelo capitalismo.
Os Miseráveis rasga ao véu que encobria a
pobreza, a miséria, a exploração da criança, o abandono dos idosos. É um
livro triste, constrangedor, que mostra a pobreza de forma nua e crua e
transforma em grandes personagens da saga humana pessoas que viviam na
ignorância, sem possibilidades de estudos nem oportunidades de trabalho,
numa monumental descrição do outro lado de uma sociedade que gostava de
opulência e ostentação, mas dava os primeiros passos para a
modernidade, no rastro das ideias do Iluminismo e da Revolução Francesa
de 1789.
O herói do livro é Jean Valjean, um homem muito pobre
que para salvar a família da fome é forçado a roubar um simples pão.
Desde então é condenado e preso pela polícia. Porém, quando está
terminando de cumprir a pena, ele foge e acaba sendo condenado
novamente. Fez isso algumas vezes e acaba passando 19 anos preso por ter
roubado apenas um pão.
A saga de Valjean pautou a questão social
para sempre e o tema da miséria passou a ser um dos eixos da luta
política até os nossos tempos. Na recente disputa eleitoral, toda a
estratégia de campanha da presidente Dilma Roussff apostou na
contradição entre pobres e ricos e na bandeira do combate à miséria, que
o PT procurou monopolizar, com um discurso no qual acusava a oposição
de apresentar propostas que aumentariam os indicadores de pobreza no
país.
A miséria censurada
Ontem foram
revelados os dados da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) que o Palácio do Planalto proibiu que fossem divulgados
antes das eleições. Após uma década de queda na miséria, o número de
brasileiros em condição de extrema pobreza voltou a subir em 2013. O
país tinha 10,08 milhões de miseráveis em 2012, contra 10,45 milhões um
ano depois, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). O aumento é de 3,7%.
Durante a campanha, Dilma vetou a
divulgação dos resultados porque isso poderia desconstruir seu discurso
eleitoral e desnudar o fato de que o baixo índice de crescimento
econômico pode colocar em risco as conquistas sociais proporcionadas por
programas de transferência de renda do governo, como o Bolsa Família. O
fato provocou uma crise no órgão.
O cálculo leva em conta o
número de indivíduos extremamente pobres com base nas necessidades
calóricas — aquelas com renda insuficiente para consumir uma cesta de
alimentos com o mínimo de calorias para suprir uma pessoa de forma
adequada, com base em recomendações da FAO e da OMS. Essa é a primeira
alta da série histórica do indicador, com início em 2004. Desde 2003 —
quando o Brasil possuía 26,24 milhões de pessoas na miséria, o número de
miseráveis caía continuamente, chegando a uma queda de 61% até 2012.
No
decreto do plano Brasil sem Miséria — nele, a renda familiar de até R$
77 por mês, per capita, é o limite da extrema pobreza no país. Por esta
estimativa, os dados do Ipea mostram que a proporção de miseráveis, em
relação a outras faixas, cresceu de 3,6%, em 2012, para 4% no ano
passado. Em compensação ao aumento da miséria, o número de pessoas
pobres caiu de 30,35 milhões em 2012 para 28,69 milhões em 2013 — uma
redução de 5,4%. Esse é o lado bom, pois revela que uma parcela da
população, aquela que consegue manter algum nível de atividade
produtiva, consegue escapar da iniquidade social. Uma parte dos que deixaram de ser pobres, porém, pode ter voltado à miséria, mas a pesquisa não esclarece isso.
O principal
fator de redução da pobreza no Brasil não é o Bolsa Família, é a
recuperação do salário mínimo, que serve de referência para mais 45
milhões de pessoas no Brasil e deve passar de R$ 724 para R$ 779,79 a
partir de janeiro de 2015. O percentual de correção do salário mínimo,
pela proposta do governo, será de 7,71% no próximo ano. O governo previa
que o salário mínimo superasse a barreira dos R$ 800 em 2015, mas o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficou abaixo do que se
esperava. É mais um resultado negativo do primeiro mandato de Dilma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário