Nas Entrelinhas: Luiz Carlos AZedo
Correio Braziliense - 09/11/2014
O governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial
para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica,
transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação”
O Brasil é um pais
que gosta de mitigar suas contradições e conflitos sociais. Um belo
exemplo é o que se faz com as favelas brasileiras. Poucos países do
mundo passaram por uma degradação urbana como o nosso, onde o padrão de
moradia popular passou a ser a favelização. Basta olhar para a paisagem
para ver a crescente expansão do número de moradores nas favelas das
nossas cidades.
A solução para o problema é chamar a favela
de bairro, com maciços investimentos em serviços, o que é bom, mas
nenhuma preocupação em mudar o padrão das moradias, que vão se
reproduzindo e se ampliando, com as lajes e puxadinhos, mal-ventiladas e
mal-iluminadas, ao longo de becos, vielas e escadarias. Com a elevação
do padrão de consumo, da renda e da oferta de serviços, chamar a favela
pelo seu verdadeiro nome passou a ser elitismo e discriminação. É mais prudente chamar de "comunidade".
É
óbvio que existem favelas no Rio de Janeiro que são verdadeiros cartões
postais, elevadas à condição de bairros de classe média, seja pela
excelente localização e facilidades de acesso — como Chapéu Mangueira,
Pavão e Pavãozinho e Vidigal —, seja pela valorização dos imóveis depois
que deixaram de ser domínio absoluto do tráfico de drogas. Mas são
exceções. A maioria das favelas nas cidades brasileiras continua
merecendo o nome. O pior é que não param de crescer.
O que
está por trás dessa degradação das cidades brasileiras? Um modelo
macroeconômico cujos pólos dinâmicos são a construção civil e o mercado
imobiliário, pela capacidade de gerar empregos e captar a poupança
familiar, e o transporte individual, que absorve a produção de
automóveis e alimenta a rede de serviços ao seu redor. Como esse mercado
não é acessível à grande massa da população, a ocupação urbana
irregular passa a ser opção para quem não pode pagar alugueres mais
caros e é obrigado a andar de ônibus, trem ou metrô.
No
discurso político que fomenta e legitima esse processo outra palavra mágica
chama-se “nova classe média”. A mesma borracha que apaga do dicionário a
palavra favela, tenta apagar miséria e pobreza, que caracterizam as
condições de vida dessas pessoas. A gana atrás de votos se encarrega de
construir o discurso populista que mascara a realidade e mantém de pé o
novo fetiche: virar classe média num passe de mágica.
A miséria da política
O
fetichismo é uma relação social entre pessoas que foi “coisificada”, ou
seja, é mediatizada por coisas. O resultado é a aparência de uma
relação direta entre as coisas e não entre as pessoas. Sendo assim, as
pessoas agem como coisas e as coisas, como pessoas. É uma fenômeno que
está na essência do capitalismo, no qual a troca de mercadorias é a
única maneira em que os diferentes produtores se relacionam entre si.
O
governo vende a ideia de que está promovendo uma revolução social no
país, o que não é bem o caso. A ascensão social à classe média depende
mais do esforço individual e das condições da economia do que das
políticas públicas, cuja obrigação é garantir a igualdade de
oportunidades. As políticas de transferência de renda apenas mitigam a
miséria e a pobreza, mas estão sendo transformadas num grande fetiche.
O
Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, resolveu criar
indicadores que alteram a condição social da população de baixa renda
mitigando indicadores sobre suas condições de vida. Por exemplo, está fora da condição de miserável quem tem renda acima de R$ 70.
É
sério isso? Claro que não, tanto que a população miserável do país,
pela primeira vez desde quando foi criado esse indicador, aumentou em
3,7% em 2012 em vez de diminuir. Em números absolutos, passou de 10,08
milhões para 10,45 milhões de indivíduos na iniquidade social absoluta.
Acontece
que o governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial
para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica,
transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação” (em inglês,
“better off”). Segundo esses critérios, a “pobreza crônica” no ano
passado caiu de 1,4% para 1,1% da população. Para onde foram esses
pobres, voltaram a ser miseráveis ou melhoraram de vida?
A
resposta está nos critérios de acesso a serviços públicos e bens: água,
esgoto, luz, escola, celular, geladeira, televisão e computador. A renda
média per capita dos pobres caiu de R$ 47 para R$ 45. Todavia, por
causa desses indicadores, 5% da população mais pobre melhorou de vida.
Ou seja, já podem dizer que estão “better off”. É isso aí!
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