Correio Braziliense - 12/11/2014
A saída de Marta Suplicy da Esplanada dos Ministérios é como a ponta de um iceberg, que revela a profunda insatisfação dos petistas de São Paulo com o Palácio do Planalto
A ministra da Cultura anunciou ontem, com estardalhaço, que deixava o governo — intenção que revelara à presidente antes mesmo da viagem de Dilma para Aratu (BA), onde descansou após as eleições. Houve um apelo para que continuasse no cargo até que o substituto fosse anunciado, mas a senadora paulista resolveu encerrar o expediente mais cedo e divulgou carta na qual fez os agradecimentos de praxe, mas explicitou as divergências com os rumos do governo.
“Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e a credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isso é o que, hoje, o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera”, disparou.
A notícia da demissão pegou a presidente Dilma de surpresa em Doha, no Catar, onde desembarcou na tarde de ontem, numa escala a caminho da reunião do G20, que será na Austrália. Contrasta fortemente com o estoicismo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, cuja demissão foi anunciada em plena campanha eleitoral. Até hoje, espera-se o anúncio do substituto dele no cargo.
Marta retomará sua cadeira no Senado. Eleita por São Paulo, tem mandato até 2018, mas quer disputar a prefeitura paulistana e pretende ir às prévias partidárias para ocupar a vaga do prefeito Fernando Haddad (PT), que anda mal das pernas.
Iceberg paulista
A primeira reação no Palácio do Planalto à demissão de Marta foi criticá-la. A decisão foi classificada de “deselegante” por um dos ministros da Casa. Na bancada do PT, o líder Humberto Costa (PE) se encarregou de vazar para a imprensa que a senadora paulista será tratada a pão e água, sem direito a cargo na Mesa ou presidência de comissão. Ou seja, será enquadrada na primeira categoria de contradição, isto é, como adversária do governo e do partido. Pode ser um tiro no próprio pé.
A saída de Marta da Esplanada é como a ponta de um iceberg, pois reflete a profunda insatisfação dos petistas de São Paulo com o Palácio do Planalto. A senadora paulista caiu em desgraça quando apoiou o movimento “Volta, Lula”, no começo do ano passado. Foi escanteada da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes pela candidatura de Alexandre Padilha, que foi um fiasco, independentemente de seu apoio, pois o ex-ministro da Saúde só faltou ser carregado nos ombros pelo ex-presidente Lula.
A decisão de deixar o governo não foi um gesto inopinado, foi amadurecida desde quando a presidente Dilma encarregou o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira de coordenar a campanha à reeleição na área cultural, mobilizando artistas e intelectuais. Num evento no Rio de Janeiro, ao qual Marta compareceu ao lado de Dilma, foi articulado uma espécie de desagravo ao ex-ministro, que atuou contra Marta da mesma forma como havia feito para desestabilizar sua antecessora, Ana de Hollanda.
Outro ministro que manda sinais de insatisfação é o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que também já está demitido do cargo. Durante o governo Lula, era o único que entrava no gabinete do presidente da República sem ser anunciado. Foi tratado como uma espécie de espião do antigo chefe no gabinete presidencial, mas cumpriu suas tarefas no governo sem reclamar. Era o bombeiro do Palácio do Planalto junto aos movimentos sociais e teve um importante papel na campanha, ao reaproximá-los de Dilma, sobretudo no segundo turno.
Mesmo assim, Gilberto Carvalho caiu em desgraça e não sabe o que vai fazer no futuro governo. Fala-se que será o homem encarregado da Funai, que virou uma panela de pressão. Sua importância no segundo mandato servirá como uma espécie de termômetro da relação de Dilma Rousseff com o ex-presidente Lula. Nesse caso, porém, trata-se de uma contradição não antagônica.
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