Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/10/2014
A
montagem da nova equipe do governo passa pela substituição das peças
que enguiçaram e não deram conta do recado, a começar pelo ministro da
Fazenda
A
presidente Dilma Rousseff foi reeleita porque deu uma guinada à esquerda
no discurso de campanha, escondeu os aliados à direita que poderiam
tisnar o discurso “coração valente” — Collor, Barbalho, Kassab, Maluf, Costa
Neto, Renan, Sarney — e apostou todas as fichas no legado social dos
oito anos de governo Lula. Também turbinou alguns projetos sob medida
para o discurso da igualdade de oportunidades, com o Minha Casa, Minha
Vida e o Pronatec, além do Bolsa Família e do Mais Médicos, sobre os
quais o PT espalhou boatos de que seriam extintos caso a oposição
vencesse as eleições. Esse foi o lado A da Dilma, que acusou a oposição
de querer promover a alta dos juros, o desemprego e a privatização dos
bancos públicos.
Vitoriosa, em férias na base naval de Aratu, na
Bahia, um paraíso ecológico no estado onde o ex-governador Jaques
Wagner deu-lhe a mais retumbante e surpreendente vitória nas eleições,
Dilma tem um encontro marcado com o seu lado B, aquele que quase deu a
vitória à oposição: o baixo crescimento econômico, a alta da inflação, o
maior déficit fiscal desde o Plano Real, o colapso iminente do setor
elétrico, a seca no Sudeste, os altos índices de criminalidade, os
atrasos nas grandes obras de infraestrutura, o mau atendimento à
população na saúde, na educação fundamental e nos transportes etc. Ou
seja, precisa cuidar da banda do governo que fracassou no primeiro
mandato.
A montagem da nova equipe passa pela substituição das
peças que enguiçaram e não deram conta do recado, a começar pelo
ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, tão logo a eleição acabou,
disse que o resultado era a aprovação, pela população, da política
econômica atual. É por aí que começa o enrosco da Dilma A com a Dilma B.
Todo mundo sabe que Mantega só fez o que a presidente da República
queria. Antes de escolher o novo ministro, Dilma precisa decidir se vai
abandonar a “economia política” e deixar a Fazenda a cargo de um
profissional do mercado. Se não for isso, provavelmente será uma troca
de seis por meia dúzia.
Depois da encruzilhada da economia
(crescem as críticas dos petistas, por causa da alta dos juros e do
aumento das tarifas de energia, além do ajuste fiscal que está sendo
preparado por Mantega a pedido do própria presidente da República), há
que cuidar de outras pastas que ficaram mal na fita. É o caso do
Ministério da Justiça, cujo titular, José Eduardo Cardozo, está com a
cabeça a prêmio por causa da atuação da Polícia Federal. Único dos “três
porquinhos” da campanha de 2010 que se manteve no governo durante todo o
mandato, é o responsável por uma das áreas pior avaliadas do governo.
Cardozo tem a confiança de Dilma, mas nunca teve a simpatia do
ex-presidente Lula e sofre duras críticas da cúpula petista, que o
considera uma espécie de rainha da Inglaterra por causa da Operação
Lava-Jato. Dilma gostaria de mantê-lo no ministério até que abrisse uma
nova vaga para ministro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Outra
pasta em disputa é a das Comunicações, cujo ministro, Paulo Bernardo, é
um dos derrotados na eleição, porque a candidatura da ex-ministra Gleisi
Hoffmann, sua esposa, fracassou na disputa pelo governo do Paraná. A
bancada petista na Câmara se mobiliza para emplacar no lugar dele o
atual ministro de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, cuja tarefa
seria implantar o projeto de controle social da mídia. É mais uma
encruzilhada para Dilma, que precisa decidir se vai mesmo partir pra
cima dos meios de comunicação, como os colegas da Argentina, da Bolívia e
da Venezuela, ou se pretende “desestressar” a relação com a mídia.
Nesse caso, pode optar, por exemplo, pelo ex-governador da Bahia Jaques
Wagner, que sempre foi hábil negociador e teve amplo acesso à imprensa. O
petista não está interessado em substituir Berzoini na articulação
política do Palácio do Planalto, prefere ir para a Esplanada.
Capital político
Na
próxima quarta-feira, a cúpula do PMDB vai se reunir para discutir a
participação no governo, já que Edison Lobão (MA), das Minas Energia, e
Garibaldi Alves (RN), da Previdência, estão voltando ao Senado. Caciques
do PMDB, como o senador Eunício de Oliveira (CE) e o presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), derrotados pelo PT nos seus
estados, estão com uma conta sem tamanho para apresentar ao Palácio do
Planalto na reforma ministerial. Qual será o lado do PMDB no novo
governo?
De agosto a 25 de outubro, Dilma conseguiu melhorar
progressivamente a avaliação de seu desempenho, que chegou a 58% de
aprovação, contra 37% de desaprovação. Para 46% dos eleitores, o governo
é ótimo ou bom; 30% o consideram regular; e 23%, ruim ou péssimo. Essa
foi a maior proeza do marqueteiro João Santana. O horário eleitoral,
porém, já acabou e a percepção da população voltará a ser aquela do
cotidiano, confrontada com as promessas de campanha. A presidente da
República não tem muito tempo para conciliar o lado A de seu governo com
o lado B, sob risco de sofrer um desgaste de imagem muito grande antes
mesmo de assumir o segundo mandato.
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