domingo, 6 de setembro de 2015

Uma vela pra Deus, outra pro diabo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 06/09/2015

Dilma precisa buscar o superavit de 0,7% do Orçamento de 2016 previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que até hoje não foi aprovada pelo Congresso.  E promover um ajuste pra valer nos programas e subsídios do governo
 
Uma velha raposa do PMDB costuma dizer que erro na política não tem conserto, tem apenas compensação, o que nem sempre é possível no tempo desejado. Por isso mesmo, é preciso errar pouco e menos que os adversários — e nunca repetir os mesmos erros. O problema da presidente Dilma Rousseff é que erra muito, quase sempre não admite o erro e quando o faz, na maioria das vezes, não tem mais jeito.

Dispensa maiores comentários a sucessão de erros que levou o país à crise econômica que estamos vivendo, que vão da redução forçada dos juros às “pedaladas fiscais”, passando pela desorganização do setor elétrico, pelas trapalhadas na política de concessões de infraestrutura e pelos sacrifícios impostos à Petrobras ao segurar o aumento dos combustíveis. Deixemos de lado, por enquanto, a vista grossa diante dos escândalos investigados na Operação Lava-Jato.

Na semana passada, a presidente da República cometeu dois erros quase fatais: anunciou a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque, sem consultar os aliados políticos e os empresários amigos, e depois encaminhou ao Congresso uma proposta de Orçamento da União com um deficit de R$ 30,5 bilhões, mesmo assim, segundo os analistas, subestimado. O rombo poderia chegar aos R$ 60 bilhões.

Dilma acendeu uma vela para o diabo. Provocou um afastamento ainda maior do vice-presidente Michel Temer, que foi atropelado pela proposta de recriação do imposto quando se reunia com empresários e, de bate-pronto, anunciou que a medida não teria a menor chance de ser aprovada no Congresso. E, por muito pouco, também não ficou sem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que fora derrotado pela “turma do Palácio” na discussão sobre o Orçamento.

A “turma do Palácio” é formada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante; pelo secretário-geral da Presidência, Miguel Rosseto; pelo “faz-tudo” de Dilma, Giles Azevedo, que cerraram fileiras em torno do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o pai da proposta orçamentária no vermelho. Esse grupo fez tudo o que podia para isolar Levy e forçá-lo a se demitir. O problema é que houve forte reação do mercado, principalmente dos pesos pesados da economia que apoiam a presidente da República.

Dilma foi obrigada a acender uma vela para Deus. Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional, falou com a presidente da República sobre a gravidade da situação e os riscos de perder Levy. O porta-voz do mercado financeiro foi o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que depois esteve com Dilma e advertiu a presidente da República dos riscos que a economia estava correndo por causa da proposta de orçamento deficitário. O primeiro sintoma de que algo mais grave estava para acontecer foi a disparada do dólar.

Para ficar de bem com Deus, Dilma precisa buscar o superavit de 0,7% do Orçamento de 2016 previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que até hoje não foi aprovada pelo Congresso.  E promover um ajuste pra valer nos programas e subsídios do governo. Sem isso, o país não terá a menor chance de manter o grau de investimentos. Foi esse o teor da conversa de Dilma com Levy, cujas exigências foram aceitas para que permanecesse no governo.

Combinar com a base

 
Pode-se concluir que o pior já passou, mas não é o caso. A “turma do Palácio” não está só. O PT e seus aliados à esquerda, articulados aos movimentos sociais, querem a cabeça de Levy. Não concordam com o ajuste, já começam a mobilizar suas bases para se opor a ele. Apostam numa guinada populista de Dilma, que foi o que ela ensaiou na semana passada e voltou atrás. Ou seja, o ajuste está ainda por um fio.

Essa movimentação errática de Dilma na economia tem simetria com seus ziguezagues na política, onde a situação se complicou muito com a saída de Michel Temer da articulação política. O vice-presidente da República diz que não moverá uma palha para apear Dilma do poder, mas também não acredita que ela consiga terminar o mandato se mantiver os atuais índices de rejeição popular.

Ao tratar as coisas como elas são, sem subterfúgios, Temer começa a fazer um contraponto ao discurso da presidente da República, que minimiza a crise e continua a prometer saídas fáceis para a situação. Sinaliza um progressivo afastamento do PMDB, que somente não é maior por causa da Operação Lava-Jato, que investiga os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre outros caciques políticos.

As dores de cabeça de Dilma, porém, continuam por causa da possível rejeição das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), do julgamento dos gastos de campanha eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, agora, por um pedido de impeachment apresentado pelo ex-deputado e jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que pode receber apoio da oposição.

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