quarta-feira, 30 de abril de 2014

A travessia da Copa


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 30/04/2014

A margem de segurança para a reeleição de Dilma Rousseff estreitou-se. É quase certo que haverá dois turnos. Outros indicadores da pesquisa apontam nessa direção

 Confirmou-se a tendência de queda gradativa da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas de intenção de votos, segundo divulgou ontem a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Levantamento realizado pelo Instituto MDA revelou uma perda de seis pontos em comparação com fevereiro, quando a candidata do PT registrou 43,7%. Dilma agora tem 37%. Pré-candidato pelo PSDB, o senador Aécio Neves subiu 4,6 pontos (de 17% para 21,6%), enquanto Eduardo Campos, do PSB, variou 1,9% para cima (de 9,9% para 11,8%), na margem de erro, portanto. A pesquisa fez recrudescer as declarações no campo governista de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será candidato, mas o “Volta, Lula!” está mais forte do que nunca.

A margem de segurança para a reeleição de Dilma Rousseff estreitou-se. É quase certo que haverá dois turnos. Outros indicadores da pesquisa apontam nessa direção. Além da vantagem de Dilma para os demais candidatos ter diminuído para menos de 4 pontos, nas simulações de segundo turno, o favoritismo da presidente também recuou. Mesmo assim, ela ainda venceria Aécio Neves (PSDB-MG) com 39,2% dos votos contra 29,3% do tucano (antes a vantagem era de 46,6% contra 23,4%). Na simulação com Campos, Dilma tinha 48,6% das intenções e caiu para 41,3%, enquanto o ex-governador pernambucano cresceu de 18% para 24%.

Tudo indica que a capacidade de governança é o principal problema da atual chefe do Executivo. O índice de aprovação do governo caiu de 36,4%, em fevereiro deste ano, para 32,9%. A avaliação negativa aumentou de 24,8% para 30,6% e a regular diminuiu de 37,9% para 35,9%. A aprovação do desempenho pessoal de Dilma foi contaminada pelo desempenho do governo: caiu de 55% para 47,9%, enquanto o percentual que desaprova a administração aumentou de 41% para 46,1%. Vem daí a maior dificuldade para estancar a queda dos últimos meses. A pesquisa entrevistou 2.002 pessoas de cinco estados, das cinco regiões do país, entre 20 e 25 de abril.

De olho no caneco
Os estrategistas do Palácio do Planalto torcem para que a Copa do Mundo dê um refresco para a presidente Dilma Rousseff, tirando do foco os escândalos envolvendo a Petrobras e outros temas negativos na economia, na educação, na saúde e nos transportes. O tema da violência é uma incógnita, pois tudo indica que está recrudescendo com a aproximação dos jogos da Copa do Mundo. É senso comum a ideia de que a conquista do título pela Seleção Brasileira no certame mudaria o humor da população, com impacto favorável à reeleição de Dilma nas pesquisas de opinião. A recíproca, nesse caso, seria verdadeira para a oposição, em caso de derrota, o que nenhum coração patriótico deseja.

O raciocínio governista é ainda mais complexo porque imagina que a Copa do Mundo servirá para destacar o papel de Dilma como realizadora das obras necessárias ao evento e ofuscar os candidatos de oposição, que ficarão sem palanque durante os jogos. Por esse cálculo, a Copa do Mundo seria a oportunidade de sustentar o favoritismo até o início do horário eleitoral, em 15 de agosto, neutralizando assim os que defendem a candidatura do ex-presidente Lula tanto no PT como nos partidos aliados. Nada garante, porém, que a exposição privilegiada de Dilma não provoque a radicalização dos protestos contra a Copa, direcionando-os contra ela própria.

O melhor mesmo é deixar a Copa do Mundo fora disso, até porque uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. Sempre é bom lembrar que o célebre primeiro ministro bitânico Winston Churchill foi um dos quatro grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial, ao lado dos presidentes Franklin Delano Roosevelt (EUA), Josef Stálin (extinta União Soviética) e Charles De Gaulle (França), mas perdeu as eleições, em 1945, para os trabalhistas liderados por Clement Attlee, só voltando ao poder em 1951, aos 76 anos, com a vitória dos conservadores nas urnas. 

Olha o Leão
Termina hoje o prazo para a entrega da declaração do imposto de renda da pessoa física. Apesar do baixo crescimento, a Receita Federal anunciou que o governo arrecadou R$ 293,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano — um “recorde” para o período, em termos reais, ou seja, já descontada a inflação.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Subiu no telhado


Luiz Carlos Azedo - 28/04/2014
Correio Braziliense ( Nas Entrelinhas) 
Estado de MInas (Em Dia Com a Política)
Dilma enfrenta agora uma situação nova: com a possibilidade cada vez maior de uma disputa em dois turnos, por uma série de razões, mesmo estando hoje em vantagem nas pesquisas, a reeleição subiu no telhado. Vejamos as razões:

 A candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff enfrenta um momento crítico. Não é por causa do movimento “Volta, Lula!”, que entrou em convulsão com a CPI da Petrobras e a Operação Lava-Jato, mas por causa das pesquisas de opinião, que registram queda gradativa das intenções de voto da candidata petista (de 44% para 38%, segundo o Datafolha) e, mais ainda, da avaliação de seu desempenho no governo (63% dizem que Dilma fez menos do que esperavam, revelou a mesma pesquisa). Até recentemente considerada favorita absoluta nas eleições deste ano, Dilma enfrenta agora uma situação nova: com a possibilidade cada vez maior de uma disputa em dois turnos, por uma série de razões, mesmo estando hoje em vantagem nas pesquisas, a reeleição subiu no telhado. Vejamos as raz ões:

A economia vai mal
Previsões de que a inflação deste ano deve ultrapassar 6,5% tiram o sono de Dilma Rousseff. Especialmente porque a taxa de crescimento continua baixa, e elevar ainda mais os juros pode jogar o país numa recessão. A contenção de tarifas públicas para segurar a inflação já é vista como uma bomba-relógio pelos analistas e começa a ser denunciada pelos candidatos adversários. Além disso, a condução da política econômica afasta grandes investidores de projetos de infraestrutura e outros negócios. A ponto de o Planalto vazar a informação de que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, está escalado para substituir o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antes mesmo do pleito, se for preciso. Trata-se de uma tentativa de recuperar a confiança do mercado.

Petrobras no pelourinhoA CPI da Petrobras é uma pedra no sapato do governo, com ingredientes explosivos por causa da sucessão de fatos que vinculam o doleiro preso Alberto Youssef ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, também em cana, e ao deputado André Vargas (sem partido-PR) e alguns petistas. O parlamentar se desfiliou do PT na sexta, mas arrastou para o olho do furacão o candidato a governador de São Paulo Alexandre Padilha (PT), que é o principal palanque regional de Dilma. Como essas denúncias são resultado de vazamentos de investigações da Polícia Federal, mesmo que o governo consiga domar a CPI, isso não significa que se verá livre de novos escândalos.

A violência nas ruas
Por mais que o Planalto jogue o problema no colo dos governadores, aliados ou não, o tema da violência tende a desgastar o governo federal, quando nada pelo trabalho insuficiente para desmantelar as redes de tráfico de armas e de drogas. Nas cidades, além dos conflitos com o crime organizado, às vésperas da Copa do Mundo, a inquietação social também se ampliou, com a multiplicação de atos de vandalismo e confrontos violentos com policiais encarregados de garantir a ordem pública por causa de problemas nas áreas sociais: transportes, saúde, habitação. O governo prometeu soluções e não as entregou. Dilma tenta manter a bandeira da ordem em mãos, mas não se faz isso sem combater a violência.
Aliança com o PMDB
Deve-se ao vice-presidente Michel Temer, principalmente, a manutenção da aliança do PMDB com o PT, o que garantirá à presidente Dilma, com os demais aliados, o dobro do tempo de televisão de que disporão os adversários do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), e do PSB, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. Entretanto, nos estados, a tensão entre PT e PMDB continua grande, principalmente no Rio de Janeiro e no Ceará, que sempre marcharam com o PT. O resultado disso é que as dissidências do PMDB estão fortalecendo os palanques de Aécio e de Eduardo na maioria dos estados.

A unidade do PSDB Aécio conseguiu unir o PSDB em torno da candidatura dele, isolando o ex-governador paulista José Serra, seu desafeto interno, com quem pode até vir a compor a chapa, se depender das articulações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Além de subir o tom dos ataques contra o governo, com auxílio do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Aécio ampliou a interlocução com setores empresariais descontentes com a política econômica de Dilma. Simultaneamente, busca atrair partidos da base governista. Os estrategistas de Dilma contavam com a divisão do PSDB, principalmente em São Paulo, o que não ocorreu.

A terceira via
Outra pedra no sapato de Dilma Rousseff é Marina Silva, cuja candidatura presidencial conseguiu inviabilizar. A ex-petista se filiou ao PSB e acaba de consolidar a chapa de Eduardo Campos ao assumir a condição de vice, como havia anunciado. Além disso, Dilma empurrou o candidato pernambucano para o campo da oposição no segundo turno, mesmo que ele fique fora da disputa. A inclusão do Porto de Suape no espectro de investigações que o PT pretendia adicionar à CPI da Petrobras foi um erro estratégico do Planalto, provocado pela bancada petista de Pernambuco.
Diante desse quadro, as fichas de Dilma para reverter a queda nas pesquisas serão apostadas no pronunciamento em rede de tevê e rádio que ela pretende fazer para comemorar o Primeiro de Maio, e no programa de televisão do PT que vai ao ar no próximo dia 15, quando, novamente, aparecerá ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas variáveis acima, porém, não serão alteradas somente no gogó.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Nervos em frangalhos

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/04/2014

O PT ainda acredita que pode domar uma CPI exclusiva. Para isso conta com dois aliados de peso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que já deu declarações contra a decisão da ministra do STF Rosa Weber, e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira

O deputado André Vargas (PT-PR) não tem a menor chance de escapar de uma cassação pela Câmara. A sentença foi antecipada não pelo relator do seu caso, o deputado Julio Delgado (PSB-MG), temido por ter sido o algoz do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu — ainda preso em regime fechado na Papuda (DF) —, mas pelo presidente do PT, Rui Falcão, que foi à tevê pedir sua renúncia imediata. Vargas passou a tarde e a noite de quarta-feira reunido com seus colegas de legenda, em Brasília, mas resistiu às pressões, aos prantos. Mesmo diante dos apelos dos amigos, que acham essa atitude uma imolação em praça pública, reiterou que resistirá e não renunciará ao mandato. Ninguém tem dúvida de que o Conselho de Ética proporá sua cassação e que a mesma será aprovada em plenário, com votos da maioria da bancada petista. Além disso, Vargas corre o risco de ser expulso da legenda.

Por que Vargas não renuncia logo e põe um ponto final na própria agonia? Segundo interlocutores, porque perdeu as condições de agir racionalmente e atribui sua desgraça à presidente Dilma Rousseff, que supostamente estaria interessada em transformá-lo em bode expiatório de toda a crise do PT envolvendo a Petrobras. Ao sangrar em praça pública, o parlamentar tolamente acredita que acabará por desgastar e inviabilizar a candidatura à reeleição da presidente da República. Ex-vice-presidente da Câmara, Vargas era um dos líderes do Volta, Lula! e imagina que ainda contaria com a solidariedade de outros parlamentares, mas o clima não é bem esse. É um auto-engano. Só lhe resta o consolo dos amigos.

Outros supostos envolvidos na operação Lava-Jato andam como baratas tontas pelo Congresso. Um dos que virou zumbi é o deputado baiano Luiz Argôlo, do recém-criado Partido da Solidariedade, o SDD. A Polícia Federal também interceptou conversas do parlamentar com o doleiro preso Alberto Yousseff . Ex-integrante do PP, Argôlo ameaça chutar o pau da barraca e falar tudo o que sabe sobre o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, preso com o doleiro. É pressionado a renunciar pelo líder da bancada, deputado Fernando Francischini (SDD-PR), que é ex-delegado da Polícia Federal com fama de ferrabrás e tenta preservar a nova legenda de envolvimento no escândalo.

CPI exclusiva

A tensão na base governista aumentou ainda mais porque a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber determinou que o Senado instale uma CPI exclusiva — como queria a oposição — para investigar a Petrobras. A decisão ainda pode ser revisada pelo plenário, pois o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já anunciou que pretende recorrer. A rigor, Renan, que está em Roma, não pode impedir a instalação da CPI. Ontem, o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), que é candidato a presidente da República, pediu ao vice-presidente da Casa, senador Jorge Viana (PT-AC), que solicitasse aos líderes de bancada a indicação dos integrantes da CPI. No fim da tarde, o líder do PT, Humberto Costa (PE), passou a admitir a instalação da CPI exclusiva.

 A CPI foi convocada para investigar a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006, um negócio que gerou prejuízo de US$ 530 milhões à Petrobras, segundo a presidente da empresa, Maria das Graças Foster, que considerou a operação um mau negócio. O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli defende a empreitada e disse que a presidente Dilma Rousseff é corresponsável pela compra, o que irritou o Palácio do Planalto e provocou a mobilização do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), para jogar água fria na fervura. Gabrielli é outro que anda com os nervos à flor da pele.

Apesar de tanta confusão, o PT ainda acredita que pode domar uma CPI exclusiva. Para isso conta com dois aliados de peso no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que já deu declarações contra a decisão da ministra do STF Rosa Weber, e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), ambos interessados em manter seus respectivos partidos em posições chaves na Petrobras. A estratégia governista continua sendo empurrar tudo com a barriga e ameaçar ampliar o espectro de investigação da CPI para os contratos de obras do metrô de São Paulo e do Porto de Suape (Pernambuco). Em termos eleitorais, até agora, esse tem sido um jogo de perde-perde.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

A maldição de Rangel

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 23/04/2014

Ao segurar os reajustes da gasolina e do diesel e ao derrubar as tarifas de energia por decreto, o Brasil está flertando com soluções que poderão provocar um ajuste brutal de preços logo após as eleições

Um dos mais criativos economistas brasileiros foi Ignácio de Mourão Rangel, que encabeça o panteão dos nossos desenvolvimentistas ao lado de Celso Furtado. É dele um dos principais alertas de que o velho modelo de substituição das importações estava esgotado e de que um novo ciclo de crescimento dependeria de um robusto programa de concessões de serviços, ou seja, de privatizações. Fez isso logo após a crise do petróleo da década de 1970 — que pegou o então presidente Ernesto Geisel de calças curtas e levou ao fracasso o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Rangel concluiu, à época, que o Estado brasileiro já não tinha condições de investir em infraestrutura para ingressar num novo ciclo de modernização.

Polêmico e ousado, aos 76 anos, citando Erasmo e seu “Elogio à loucura”, em 1990, Rangel resolveu fazer um elogio à inflação, eterno objeto de seus estudos sobre economia brasileira. Segundo ele, a partir da Revolução de 1930, a inflação em diversos momentos impediu que a economia deslizasse para o fundo do poço da recessão e permitiu que amadurecessem as mudanças institucionais necessárias aos investimentos não especulativos, viabilizando a industrialização do país. Na época, lutava-se para sair da hiperinflação. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil fez as privatizações, até hoje contestadas pelo PT, mas o Plano Real optou por combater radicalmente a inflação e estabilizar a moeda com o famoso tripé câmbio flutuante, superávit fiscal e meta de inflação.

Está voltando

 
Desde então, manter a inflação sob controle foi a regra de ouro da política econômica. Até que a presidente Dilma Rousseff exumou as lições de Rangel. Conforme destacou o repórter Deco Bancillon, ontem, no Correio, desde o início de 2011, quando a presidente tomou posse, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a carestia oficial no país, avançou 22%. Ou seja, em média, a cada ano, a inflação engoliu 6% da renda da população. A nossa carestia só não foi maior do que a da Venezuela, Argentina e Uruguai, que combatem a inflação com congelamentos de preços.

Ao segurar os reajustes da gasolina e do diesel e ao derrubar as tarifas de energia por decreto, o Brasil está flertando com soluções que poderão provocar um ajuste brutal de preços logo após as eleições. O governo não admite esse estratagema, que seria um estelionato eleitoral. Dilma diz que isso é terrorismo da oposição, porém, economistas ligados ao Palácio do Planalto, como Luiz Gonzaga Belluzzo, começam a admitir que a coisa está ficando feia. Há quatro anos, o custo de vida sobe muito acima do centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%. Em 2014, a estimativa da instituição é de que os preços ultrapassem os 6%. Pelos cálculos do mercado, o IPCA romperá o teto da meta, de 6,5%, entre maio e junho próximos, e encerrará o ano em 6,47% — a maior taxa desde 2011.

Apostas eleitorais

 
Ao estimular o consumo, Dilma Rousseff manteve satisfatório nível de emprego e elevou o poder de compra da população, o que lhe rende votos. Mas, se perder o controle sobre a inflação, corre riscos eleitorais que já se traduzem na queda de aprovação de seu governo e do seu modo de governar nas pesquisas. Além disso, o aumento da taxa de juros, que já está em 11%, já diminuiu o poder de compra, mas não conseguiu segurar a inflação de alimentos. Na verdade, a vida anda mais difícil para a nova e a velha classes médias.

O Palácio do Planalto não tem controle sobre variáveis externas que podem fazer a inflação disparar, por exemplo, a evolução da taxa de juros americana e os preços das commodities. E ainda há riscos internos, que estão no terreno das especulações da oposição, como a ameaça de racionamento de energia e um eventual fiasco na Copa Mundo. O maior problema, porém, talvez seja a maldição de Ignácio Rangel, para quem a nossa inflação se exacerba, não nos períodos de prosperidade, mas quando não há crescimento porque o governo não fez a sua parte.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Medeia

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/04/2014

Dilma tem ganas de poder. Pretende se reeleger e trabalha para isso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega


A história de Medeia é um clássico da mitologia grega, consagrado na tragédia de Eurípedes, cuja primeira encenação ocorreu em 431 a.C., no começo da Guerra do Peloponeso. É um retrato dramático das forças antagônicas que governam a alma humana. Medeia, a personagem principal, luta com todas as forças e todas as armas contra adversidades da sua vida. Na obra de Eurípedes, Jasão e Medeia, como refugiados, vivem em Corinto com seus dois filhos. O rei Creonte convence Jasão a abandoná-la e se casar com sua filha; para tanto, expulsa Medeia e os dois filhos da cidade. Egeu, rei de Atenas, concede asilo a Medeia, mas a feiticeira decide se vingar de Jasão. Primeiro, através de um ardil, mata Creonte e a filha dele; a seguir, mata os próprios filhos e foge num carro alado, cedido pelo deus Hélio, seu avô.

O mito de Medeia apresenta o retrato psicológico de uma mulher simultaneamente tomada pelo amor e pelo ódio. Ela é a esposa abandonada, a estrangeira perseguida. Rebela-se contra o mundo que a rodeia e rejeita o conformismo tradicional. Tomada de fúria, assume a vingança como objetivo e exerce seu poder de persuasão, usa as palavras como armas terríveis. Uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal, Medeia narra o drama da mulher que deixa tudo — sua pátria, sua família e seus sonhos — para seguir ao lado de um grande amor. Foi capaz de qualquer atitude para atender os caprichos de Jasão, mas acaba abandonada.

Medeia de Eurípedes foi filmada pelo italiano Pier Paolo Pasolini e pelo dinamarquês Lars Von Trier. Inspira a feiticeira de Capitão Marvel, história em quadrinhos do genial roteirista Bill Parker e do desenhista CC Becker. Também é Joana, a personagem central do musical A gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975, a partir de um roteiro de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça para a televisão. Na obra, a tragédia se desenrola numa favela carioca.

Jasão

 
O mito de Medeia tem tudo a ver com os riscos do “Volta, Lula!”. A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituir Dilma Rousseff como candidata do PT, a cada dia que passa, deixa de ser apenas um desejo de petistas e empresários, contrariados por terem sido excluídos da cozinha do Palácio do Planalto, para se tornar uma possibilidade real, diante da má avaliação do governo e da gradativa queda da presidente nas pesquisas. Cada vez que Lula intensifica sua agenda para fortalecer os petistas nos estados e mete a colher na campanha de reeleição de Dilma, mais forte se torna o desejo de que seja ele o candidato por parte de aliados e eleitores.

Dilma, porém, tem ganas de poder. Pretende mesmo se reeleger e trabalha intensamente para isso. Lula sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega, com Dilma no papel de Medeia, a mulher abandonada, disposta a se vingar da traição. É inimaginável uma disputa eleitoral com Lula candidato e Dilma contrariada na Presidência, com a caneta cheia de tinta e a alma tomada pela frustração e pelo ódio. As contradições que isso despertaria, entretanto, podem ser avaliadas a partir de episódios, como a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras, que opõem Dilma e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de um lado, e Lula e o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli, de outro; ou o caso de Rosemary Névoas Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo e assessora de confiança de Lula, defenestrada por Dilma logo no começo de seu mandato.

Têm razão, pois, os que trabalham para manter a candidatura de Dilma colada à imagem de Lula, na esperança de que essa unidade mantenha o favoritismo da presidente da República nas eleições deste ano. Por causa do desempenho do governo, é cada vez maior a possibilidade de a disputa contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB-PE) ir para o segundo turno. É aí que o “Volta, Lula!” pode despertar as forças poderosas do Monte Olimpo, mas só há uma hipótese de remover Dilma da disputa pela reeleição com sucesso — se ela própria matar sua candidatura.

domingo, 20 de abril de 2014

Tanques no Rio até o fim da Copa

Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense 
Domingo, 20 / abril / 2014 | Caderno - Política

 Tropas do Sul do país reforçarão a segurança no Complexo da Maré e protegerão a Linha Vermelha, com acesso rápido ao Maracanã, a partir de 31 de maio
Tropas e blindados do Rio Grande do Sul e do Paraná serão deslocados para o Rio de Janeiro para reforçar a pacificação do Complexo da Maré, a partir de 31 de maio, e permanecerão na cidade até o fim de julho, ou seja, após a Copa do Mundo, sob responsabilidade do Comando Militar do Sul. O general de brigada Mauro Sinott Lopes, comandante da 6ª Brigada de Infantaria Blindada (“Brigada Niederauer”), localizada em Santa Maria (RS), assumirá o comando da Força de Pacificação, que terá a estrutura de uma Brigada, com 2.100 homens. O emprego de tropas do Sul dificulta o acesso dos traficantes às informações.

A operação faz parte da estratégia do Palácio do Planalto para garantir a realização da Copa do Mundo, sem maiores transtornos, o que influi mudanças na legislação penal para punir com maios rigor manifestantes que utilizarem a violência e praticarem atos de vandalismo.  Na última quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff, durante a 42ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o apelidado “Conselhão”, no Palácio do Planalto, afirmou que não permitirá que a Copa do Mundo de 2014 seja “contaminada” por eventuais episódios de violência e prometeu “segurança pesada” durante o período.

A utilização de tropas do Sul do país para conter distúrbios não é novidade na história do Brasil — vale lembrar que foram os soldados gaúchos que derrotaram e massacraram os jagunços de Antônio Conselheiro na quarta campanha da Guerra de Canudos, sob comando do general Carlos Machado Bittencourt. Estão sendo empregadas com base no novo conceito de “Operações no Amplo Espectro” desenvolvido pelo Exército, que inclui “operações ofensivas, defensivas, de pacificação e apoio a órgãos governamentais ou autoridades civis, no mesmo espaço físico, de forma simultânea ou sucessiva”. Esse conceito foi incorporado à legislação de “Garantia da Lei e da Ordem”, que substitui a velha doutrina de segurança nacional do regime militar, que via manifestações populares como “subversão” e seus líderes, como “inimigos internos”.

O Exército pretende deslocar 800 homens de Santa Maria (grupo de comando, um batalhão de pacificação e destacamento logístico); e tanques de Santa Rosa (um esquadrão de cavalaria mecanizada), no Rio Grande do Sul; e blindados sobre rodas de Cascavel (dois pelotões de infantaria mecanizada), no Paraná; além de dois batalhões da Brigada de Paraquedistas e um batalhão de fuzileiros navais do Rio de Janeiro, que já estão na Maré. Pela primeira vez, serão utilizados os 13 veículos blindados de transporte de tropas sobre rodas Guarani recém-entregues ao Batalhão de Infantaria Mecanizada de Cascavel, que são considerados um meio ideal para operações de pacificação. O governo encomendou a fabricação de 2.044 blindados dessa série para reaparelhar o Exército.

Haiti é aqui
Desde o último dia 30, 2,5 mil homens do Exército, Marinha e Polícia Militar, com o apoio de 20 blindados, já ocupam o conjunto de favelas do Complexo da Maré, onde vivem 130 mil pessoas, às margens das Linhas Vermelha e Amarela e a Avenida Brasil, principais vias de acesso ao Rio de Janeiro. A experiência adquirida em missões de paz no Haiti já foi usada antes nos Complexos do Alemão e da Penha e nas favelas da Rocinha e do Vidigal.

Mais da metade dos soldados e oficiais que participam dessa operação já estiveram no Haiti e foram treinados no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), criado em 2005, na Vila Militar, em Deodoro, no Rio de Janeiro. Centro de referência internacional para esse tipo de operação, no local há um simulador para treinar patrulhas e uma equipe de pesquisadores realiza estudos sobre o chamado “transtorno de estresse pós-traumáticos” — perturbação psíquica causada pela ansiedade — , que atingem entre 8% e 10 % dos soldados nesses tipo de operações e são a principal causa de incidentes graves envolvendo inocentes.

Contra mascarados e policiais violentos


Luiz Carlos Azedo - Caderno - Política
Correio Braziliense, domingo, 20 / abril / 2014 

Projeto que será apresentado na próxima terça, com a finalidade de inibir manifestações durante a Copa, prevê punições mais duras para lesões corporais e crimes contra o patrimônio


O senador Pedro Taques (PDT-MT) prepara o relatório final sobre o projeto de lei que estabelece regras para conter as manifestações públicas, do qual é relator. Deve ser apresentado na terça-feira. O substitutivo endurecerá os crimes praticados por vândalos mascarados, ao fundir propostas dos senadores Armando Monteiro (PTB-PE) e Vital do Rêgo (PMDB-PB), e também pune com rigor maior policiais que cometerem arbitrariedades, com sugestões do Ministério da Justiça que lhe foram entregues pelo ministro José Eduardo Cardozo, na quarta-feira passada.

“A ideia é que possamos trabalhar neste projeto para que ele possa produzir efeitos na Copa do Mundo. Mas uma legislação, principalmente a penal, não pode ser feita com debates emocionais ou de afogadilho. Não é isso que nós queremos. Precisamos garantir a liberdade de manifestação em locais públicos, bem como coibir atos de violência”, explica o senador Pedro Taques.

 O substitutivo de Pedro Taques estava praticamente pronto, na semana passada, porém, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desistiu de enviar à Câmara dos Deputados um projeto de lei para conter a violência em manifestações de rua. Executivo e Legislativo decidiram centrar esforços no texto apresentado pelo pedetista, que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

“O Brasil é um país democrático e não se cogita coibir as manifestações populares”, explica Taques. O senador, que é ex-procurador da República, prevê alterações no Código Penal “para elevar a pena para o crime de dano ao patrimônio; agravar a qualificação do homicídio doloso se praticado em protestos públicos; e o aumento da pena da lesão corporal praticada nas manifestações”.

V de Vingança
Um dos temas mais polêmicos do projeto é a questão do uso de máscaras por manifestantes, muito comum nos protestos de rua desde junho do ano passado. Destacam-se nesse aspecto o cybergrupo Anonymous, inspirado no personagem mascarado do filme V de Vingança (o católico inglês Guy Fawkes, que tentou explodir o parlamento britânico e matar o Rei Jaime I, que era protestante, em 1605), e os black blocks, que se utilizam de máscaras de gás ou cobrem o rosto durante os enfrentamentos com a polícia. Ambos os grupos fazem parte do movimento de protesto Não vai ter Copa.

Para Pedro Taques, “não é possível, no Brasil, proibir o uso de máscaras, embora haja quem defenda que sim”. Mas sua utilização “será considerada um agravante para quem cometer crime”. Outro assunto polêmico é a punição de policiais que cometerem abuso de poder, incorporada ao projeto por sugestão do Ministério da Justiça. “Estou estudando as propostas para concluir o meu relatório”, explica.

 Depois que for votado no Senado, o projeto segue para a Câmara. A intenção do governo é que a proposta seja aprovada antes da Copa do Mundo, que começa em 12 de junho. Lesão corporal, homicídios e danos ao patrimônio público e privado terão penas mais severas. “Por exemplo, para o homicídio qualificação, a pena é de 6 a 20 anos; criamos um agravante para a prática de homicídio com a utilização de máscaras, cuja pena passaria a ser de 12 a 30 anos”.

A nova legislação sobre manifestações não tem nada a ver com o projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo, em tramitação no Congresso. De autoria dos senadores Marcelo Crivella (PRB/RJ), Ana Amélia (PP/RS) e Walter Pinheiro (PT/BA), a proposta prevê limitações ao direito à greve, além de considerar atos de manifestações, sob determinadas circunstâncias, terrorismo. O projeto “define crimes e infrações administrativas com vistas a incrementar a segurança da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de Futebol de 2014, além de prever o incidente de celeridade processual e medidas cautelares específicas, bem como disciplinar o direito de greve no período que antecede e durante a realização dos eventos, entre outras providências”.



sexta-feira, 18 de abril de 2014

Fio desencapado

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/042014

Ninguém sabe muito bem o que André Vargas pretende fazer, embora o processo de cassação já tenha sido iniciado no Conselho de Ética da Câmara


As intenções de voto na presidente Dilma Rousseff (PT) variaram de 40% em março para 37% neste mês, segundo pesquisa Ibope divulgada ontem. Ainda assim, se a eleição fosse hoje, ela venceria Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). O problema é que as eleições serão em 5 de outubro e, antes disso, Dilma precisa estancar a queda gradativa que vem sofrendo na avaliação dos eleitores. Se Dilma cair mais cinco pontos até o fim de maio, pode se tornar irrefreável o “Volta, Lula!”

Dilma acumula 37% em dois cenários. No primeiro, Aécio aparece com 14% e Eduardo Campos com 6%. Em seguida, Pastor Everaldo (PSC), com 2%; Denise Abreu (PEN), 1%; e Randolfe Rodrigues (PSol), 1%. Eymael (PSDC), Levy Fidélix (PRTB), Mauro Iasi (PCB) e Eduardo Jorge (PV) não alcançaram 1%. Brancos ou nulos somaram 24%; os que não sabem em quem votar ou não responderam, 13%. No segundo cenário, Aécio está em segundo lugar com 14%, e Marina Silva em terceiro, com 10%. Os demais são Pastor Everaldo (2%); Denise Abreu, Randolfe Rodrigues e Eduardo Jorge (1% cada); e Eymael, Levy Fidélix e Mauro Iasi (0%). Brancos e nulos são 23% e não sabem/não responderam, 12%.

 A pesquisa amplia a tensão interna no PT, que está em alta voltagem por causa da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que flagrou um propinoduto entre o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. Ambos estão presos. O envolvimento do ex-vice-presidente da Câmara André Vargas (PT-PR) com o doleiro deixou o PT na berlinda. O petista renunciou ao cargo, mas não ao mandato. A cúpula do PT e o governo pressionam o parlamentar para que o faça com urgência, com objetivo de evitar desgastes para o governo e o partido. Vargas resiste às pressões e pretende usar a tribuna da Câmara para se defender. A avaliação dos marqueteiros de Dilma Rousseff é de que o caso da Petrobras ainda pode causar um grande estrago. Ontem, no programa de tevê do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), partiu pra cima do governo.

Dilma tenta preservar sua imagem ao sair em defesa da Petrobras, mas cobra a apuração dos malfeitos de seus diretores, linha reforçada pela presidente da empresa, Maria das Graças Foster, na terça-feira, ao depor na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, quando reiterou que a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, foi um mau negócio. Segundo a presidente Dilma, o conselho administrativo da empresa, que presidia à época, teria sido induzido a erro pelo ex-diretor da área internacional Nestor Cerveró. Ocorre que a maioria do PT não aceita essa interpretação, blindou o ex-presidente da Petrobras Sérgfio Gabrielli e saiu até em defesa de Cerveró, quando prestou depoimento à Comissão de Controle e Fiscalização Financeira da Câmara, na quarta-feira.

O governo ainda tenta evitar a instalação de uma CPI exclusiva, a pretexto de investigar também o cartel do Metrô de São Paulo e as obras do Porto de Suape, em Pernambuco, mas o caso será decidido mesmo é pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima semana. André Vargas (PT-PR), porém, tornou-se um fio desencapado na história. Ninguém sabe muito bem o que pretende fazer, embora o processo de cassação já tenha sido iniciado no Conselho de Ética da Câmara. O fato , porém, é que Dilma Rousseff quer distância do “malfeitos” investigados pela Polícia Federal na gestão de Sérgio Cabrielli, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos bastidores, comanda a blindagem do ex-presidente da Petrobras. É mais combustível para o “Volta, Lula!”

Gabriel García Márquez


 Aos 87 anos, faleceu ontem, na Cidade do México, um gigante da literatura universal: o escritor colombiano Gabriel García Márquez, que lutava contra um câncer linfático desde 1999. Gabo sofria de demência senil e perda da prodigiosa memória. Se Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, abriu a cortina que encobria a idade média, Cem anos de solidão, sua obra-prima, publicado em 1967, desnudou a América espanhola. Foi traduzida para 35 idiomas e já vendeu mais de 50 milhões de exemplares. Romance seminal do realismo fantástico — gênero latinoamericano da segunda metade do século XX —, Cem anos de solidão se passa na fictícia aldeia de Macondo e acompanha, ao longo de gerações, a saga da família Buendía.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O melhor negócio do mundo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/04/2014

Com prejuízo de US$ 530 milhões, a Petrobras desistiu de vender Pasadena: "Temos uma refinaria que opera com segurança e que, em janeiro, fevereiro e março, deu resultado positivo", explica a presidente da Petrobras

 John Davison Rockefeller Nixon nasceu em 8 de julho de 1839, nos EUA, em uma família modesta e muito religiosa. Com 16 anos, começou a trabalhar como contabilista num grande armazém de retalho. Três anos mais tarde, pediu demissão e iniciou seu próprio negócio: passou a ser o principal concorrente de seu ex-patrão. Na Guerra Civil americana, vendeu roupa para o Exército da União; também negociava farinha, sal, sementes e carne de porco. Após a guerra, comprou uma refinaria de petróleo e começou a fabricar querosene para os lampiões das residências americanas. Em 1865, fundou a Standard Oil Company.

Chegou a controlar 90% das refinarias instaladas nos Estados Unidos, até a Suprema Corte americana acabar com o seu monopólio e ordenar a criação de mais de 30 companhias petrolíferas, origem das gigantes Exxon, Chevron, Atlantic, Mobil e Amoco. Jonh Rockefeller já era o homem mais rico do mundo, com uma fortuna pessoal de U$ 318 bilhões, e passou a se dedicar a projetos filantrópicos, com destaque para a construção da Universidade de Chicago, além de museus, bibliotecas e do instituto de pesquisas médicas que leva o nome dele. É de Rockefeller a frase de que “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor é uma empresa de petróleo mal-administrada”.

Pasadena


A frase de Rockefeller serve como uma luva para ilustrar o longo depoimento de ontem da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Com todas as letras, ela disse que o Conselho de Administração da estatal aprovou a compra de Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, sem saber de cláusulas importantes do contrato — a Put Option e a Marlin, que não constavam do resumo executivo apresentado pela diretoria Internacional da estatal na reunião que aprovou a compra de 50% da refinaria em 3 de fevereiro de 2006. “Hoje, olhando aqueles dados, não foi um bom negócio. Isso é inquestionável do ponto de vista contábil. Mesmo que margens voltem a valores mais altos, a Petrobras hoje tem outras prioridades”, disse Graça.

“Pagamos pela refinaria US$ 885 milhões, e a Astra pagou US$ 360 milhões. Fora isso, houve juros, honorários que pagamos por conta desse processo (arbitral e judicial), que caminhou até 2012”, disse Graça. O valor total investido foi US$ 1,25 bilhão. Hoje, a Petrobras avalia Pasadena como um “empreendimento de baixo retorno sobre o capital investido”. Com prejuízo de US$ 530 milhões, a Petrobras desistiu de vender a planta americana: “Temos uma refinaria que opera com segurança e que, em janeiro, fevereiro e março, deu resultado positivo”, explica a presidente da Petrobras.

Fogo cruzado
 
Ontem, Graça Foster ficou no meio do fogo cruzado entre senadores da oposição e governistas. Os primeiros cobravam mais explicações sobre Pasadena e outros negócios da Petrobras; os segundos, exumavam velhos discursos nacionalistas. A presidente da Petrobras defendeu a presidente Dilma Rousseff. Reiterou que a então presidente do conselho de administração da empresa não fora informada pela diretoria executiva sobre duas cláusulas que contribuíram para o aumento do valor pago pela estatal na aquisição de Pasadena. Pisava em ovos para não jogar o problema no colo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E poupou de críticas diretas o seu antecessor, Luís Sergio Gabrielli. Pura esquizofrenia. Os investimentos feitos em Pasadena não serão recuperados. Mesmo que a refinaria seja “desinvestida”, eufemismo adotado pela Petrobras para a venda de ativos comprados por Gabrielli que não são considerados bons negócios.

O ex-presidente da empresa tinha como homens de confiança os ex-diretores Nestor Cerveró, que ocultou as informações sobre as cláusulas prejudiciais à Petrobras, e Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal (PF) há duas semanas, na Operação Lava Jato, que revelou conexões do doleiro Alberto Youssef e a Petrobras. O governo tenta evitar a instalação de uma CPI exclusiva, a pretexto de investigar também o cartel do Metrô de São Paulo e as obras do Porto de Suape, em Pernambuco. Ontem, os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), José Agripino (DEM-RN) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) fizeram um apelo à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que decida favoravelmente ao pedido de CPI exclusiva. A ministra só tomará a decisão depois do feriado prolongado da semana santa. Enquanto isso, o deputado André Vargas (PT-PR), envolvido no caso, resiste a pressões para renunciar ao mandato por medo de ter a própria prisão decretada. Cobra solidariedade do PT para evitar a cassação do mandato e aumenta a tensão nos bastidores do caso.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Onde foi que Dilma errou?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/04/2014

Bem que a presidente Dilma tentou promover uma grande guinada na economia, até de forma audaciosa, quando resolveu baixar os juros a fórceps e estimular ainda mais a demanda por produtos e serviços de parte da população


As coisas não vão muito bem para a presidente Dilma Rousseff, que luta para manter sua candidatura no PT e se reeleger ao cargo. O caminho para isso está sendo mais árduo e perigoso do que aquele que a levou ao Palácio do Planalto, em 2010, na onda de popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando era a todo-poderosa chefe da Casa Civil e o país crescia a 7,5%. Onde foi que Dilma errou? À primeira vista, seu maior problema era a condução política da relação com o Congresso e os aliados, porém, bem ou mal manteve a sua base de apoio e, até aqui, tem uma ampla coalizão política engajada na reeleição. Tudo indica que o seu maior erro foi de condução da política econômica.

Esse debate ganha força. Além do choque de interpretações entre os economistas neoliberais, social-liberais e desenvolvimentistas, que recrudesceu, instalou-se uma disputa política entre governo e oposição em torno do tema. Antes a discussão era pautada por forte viés ideológico, devido à maior intervenção do governo nos negócios, raiz do contencioso de Dilma com os grandes empresários do país. Agora, o debate é mais objetivo: a inflação continua alta e os juros estão na lua, atingem o bolso da população e repercutem nas pesquisas de opinião. A política econômica deixou de ser um tema do mundo acadêmico e dos meios empresariais e financeiros para ganhar centralidade política na disputa eleitoral.

Fracasso da mudança


 Bem que a presidente Dilma tentou promover uma guinada na economia, até de forma audaciosa, quando resolveu baixar os juros a fórceps e estimular ainda mais a demanda por produtos e serviços. Por trás da decisão, estava a ideia de que era preciso não só ampliar o poder de consumo da população, mas consolidar em termos qualitativos a chamada nova classe média — ou seja, o contingente de eleitores com os quais, até as manifestações de junho do ano passado, o Palácio do Planalto contava para reeleger Dilma Rousseff de barbada.

São os 29 milhões de pessoas que entraram para a classe C entre 2003 e 2009, segundo estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV), ampliando esse contingente da população para 94,9 milhões, ou seja, 50,5% da população brasileira, com renda média entre R$ 1.126 a R$ 4.854. Até que ponto o inexplicável adiamento do Pnad Contínua para 2015 e toda essa confusão no IBGE pode mascarar o que está acontecendo com essa parcela da população, diante do baixo crescimento e da alta da inflação? Como se sabe, a presidente da instituição, Wasmália Bivar, e mais cinco dos oito membros do conselho do IBGE consideraram que seria arriscado mobilizar o corpo técnico para as divulgações da Pnad Contínua até o fim do ano em vez de concentrar o foco na reformulação metodológica que permita gerar um resultado mais preciso sobre a renda domiciliar per capita nas unidades da Federação.

Mas voltemos ao tema original: Dilma obrigou o Banco Central (BC) a baixar os juros para 7,5%, mexeu no rendimento das cadernetas de poupança, congelou o preço dos combustíveis, reduziu as tarifas de energia, aumentou o controle sobre outras tarifas públicas, expandiu o crédito imobiliário, desonerou automóveis e eletrodomésticos e expandiu o gasto público, tudo para manter a economia crescendo. Algo deu errado, o cobertor ficou curto: o governo começou a mascarar as contas públicas e alguns indicadores; o mercado ficou inseguro e os investidores puxaram o freio de mão. A inflação saiu do controle e o Banco Central (BC), que havia apostado na estratégia, foi obrigado a elevar os juros novamente, que já estão em 11%, ou seja, acima do patamar que Dilma encontrou quando assumiu o cargo, que era de 10,75%. Pelo andar da carruagem, terá que pedir pelo amor de Deus para o BC aumentar os juros mais um pouquinho e segurar a inflação abaixo do teto da meta de 6,5%. Pura ironia!

E a Petrobras, hein?


Não dá pra não falar da Petrobras, que virou caso de polícia. Será que a presidente Dilma Rousseff sabia do que estava para acontecer quando escreveu aquela nota tirando o corpo fora da duvidosa decisão de comprar a refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, origem de toda essa crise na empresa? Governo e oposição se digladiam no Supremo Tribunal Federal para decidir se a CPI que vai investigar a empresa terá foco apenas na estatal ou investigará também o cartel dos metrôs e a construção do Porto de Suape. Nos bastidores, diz-se que há 42 parlamentares federais envolvidos no escândalo, que já pôs no pelourinho o deputado petista André Vargas (PR). Esse inquérito estaria em segredo de Justiça.
 

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Teses e antíteses sobre a reforma


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/04/2014

O tema da reforma política reaparece sempre que o governo enfrenta dificuldades no Congresso e tem avaliações negativas nas pesquisas


A presidente Dilma Rousseff recebeu ontem cerca de 30 jovens representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil no Palácio do Planalto e, para surpresa geral, cobrou mobilização das entidades juvenis para pressionar o Congresso Nacional pela aprovação da reforma política. A avaliação de Dilma é que, sem pressão das ruas, a bancada governista não tem força suficiente para aprovar as mudanças no Congresso. A presidente da República chegou a comparar a necessidade de pressão pela reforma política ao movimento Diretas Já, que, entre 1983 e 1984, pediu a volta das eleições diretas no país. Cá entre nós, sem entrar no mérito do assunto, seria mais fácil a presidente da República mobilizar os jovens se propusesse a legalização da maconha, como fez seu colega do Uruguai, José Mujica; ou do aborto, como pleiteiam as mulheres que protestam contra os estupros, temas com muito mais apelo perante os jovens.

 “Ela disse que não é uma questão só de caneta, que a maioria que ela tem no Congresso não é uma maioria em todos os temas, e que é preciso uma conjuntura que envolva as ruas para pressionar o Congresso a fazer a reforma política”, disse um dos participantes. Dilma tentou resgatar, com os jovens, uma proposta que apresentou logo após as manifestações de meados do ano passado, que pegaram o governo de surpresa e fez seus índices de aprovação desabarem. A proposta consistia na convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política, antes das eleições, e foi rechaçada pelo Congresso, que considerou a ideia golpista. Tudo indica que a presidente da República pretende reapresentar a proposta como plataforma política da campanha à reeleição.

O tema da reforma política reaparece sempre que o governo enfrenta dificuldades no Congresso e tem avaliações negativas de desempenho nas pesquisas de opinião. É uma espécie de panaceia para todos os males, principalmente diante da rejeição da sociedade às práticas dos partidos políticos. Se a base governista pressiona o governo por mais cargos e verbas, a culpa do fisiologismo não é do governo, mas do grande número de partidos e do voto proporcional unipessoal. Se integrantes do PT e seus aliados estão envolvidos em escândalos de corrupção, todo dinheiro envolvido é caixa dois eleitoral e a culpa é do atual sistema de financiamento de campanha. Se a sociedade não quer nem ouvir falar de política, a causa é a proliferação de pequenos partidos e por aí vai. A solução milagrosa é a realização de uma reforma política que implante o voto em lista, o financiamento público de campanha e reduza o quadro partidário a três ou quatro grandes legendas. Será?

Manifestações
No encontro com os jovens, Dilma se comprometeu a não enviar ao Congresso projetos de lei que endureçam o controle sobre manifestações. “Ela anunciou que não enviará ao Congresso nenhuma lei que venha para aumentar a repressão sobre os movimentos sociais. Isso é muito importante, porque hoje os movimentos de rua, assim como a juventude negra e pobre, sofre muita repressão policial”, disse a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Vic Barros. Contraditoriamente, porém, para agilizar a votação de regras para regulamentar as manifestações de rua antes da Copa do Mundo, o Palácio do Planalto optou por enviar sugestões ao senador Pedro Taques (PDT-MT), relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de uma proposta sobre o assunto.

“Após verificarmos que há grande harmonização de ideias, achamos correto concentrar tanto as contribuições do Executivo quanto as do Legislativo no relator Pedro Taques, porque isso agilizaria a tramitação”, disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Durante a reunião de Dilma com os jovens, o rapper Mc Chaveirinho, representante da Associação dos Rolezinhos, cobrou do governo uma linguagem mais informal e próxima da juventude, principalmente nas periferias. “A gente quer curtir o shopping sim, mas queremos trazer o rolezinho para a comunidade, que é lá que está faltando cultura”, disse. Representante do Movimento Passe Livre, Clédson Pereira reclamou que, desde a última reunião do movimento com o governo, em 2013, a pauta de reivindicações ligadas ao transporte público não foi adiante. “Neste momento, a gente enfrenta forte aumento de passagem em quatro capitais do país e uma intensificação de políticas e projetos de lei para repressão das manifestações”, advertiu.

Palestra 
A biografia Marighella — O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras) será lançada amanhã em Brasília, na II Bienal Brasil do Livro e da Leitura, a partir das 20h, no Auditório Jorge Amado, por coincidência, amigo do protagonista do livro. O jornalista Mario Magalhães, autor do livro vencedor do Prêmio Jabuti, fará a palestra “Marighella: a batalha das biografias e o direito à memória”.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Homem ao mar!

Nas Entrelinhas; Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/04/2014

 A estratégia apontada por Lula é evitar que a CPI da Petrobras tenha atuação parecida com a dos Correios, que resultou em cassações de mandatos pela Câmara e na Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o comando do petroleiro e jogou um dos seus tripulantes ao mar, o deputado André Vargas (PT-PR), suspeito de envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal. “Espero que ele consiga convencer a sociedade e explicar que não tem nada além de uma viagem de avião porque, no fim, quem paga o pato é o PT. Torço que não seja nada além de uma viagem, o que já é um erro”, afirmou o ex-presidente. Vargas é vice-presidente da Câmara e pediu afastamento de 60 dias do mandato, depois do surgimento de novas denúncias contra ele: mensagens trocadas com o doleiro sobre contratos de uma empresa de fachada com o Ministério da Saúde.
 
Em meio ao mar encapelado do Congresso, onde o governo tenta evitar a instalação de uma CPI para investigar negócios temerários e suspeitas de corrupção na Petrobras, Lula resolveu assumir o timão para levar o barco petista ao porto seguro. Ontem, em conversa com blogueiros, tratou de desmentir os boatos de que substituiria a presidente Dilma Rousseff como candidato do PT à Presidência da República, que recrudesceram no fim de semana, devido à queda da petista na pesquisa de intenções de voto do Datafolha, divulgada sábado. “Minha candidata é a Dilma Rousseff. Se vocês puderem contribuir para acabar com essa boataria toda, vocês estarão contribuindo para a democracia no Brasil”, disse.

Segundo Lula, Dilma é “disparadamente” a melhor pessoa para o cargo. O problema, porém, é que nove entre 10 petistas e seus aliados pensam exatamente o contrário. E não é à toa, pois o próprio ex-presidente estimulou as articulações de políticos e empresários governistas que desejam a sua volta ao poder, com críticas à atuação de Dilma Rousseff na gestão da economia e no seu relacionamento com os políticos. A mesma pesquisa de opinião que registrou a queda de Dilma mostrou também que Lula continua sendo o candidato mais competitivo do PT e, ainda por cima, seria aquele que mais se identificaria, até agora, com o desejo de mudança dos eleitores. Ou seja, sua entrevista foi uma espécie de vacina para impedir a desestabilização da candidatura de Dilma à reeleição. 

Petrobras
Na verdade, Lula vê a CPI da Petrobras como uma ameaça real ao projeto petista de poder. O escândalo ganhou maior dimensão política por causa de uma nota de Dilma, na qual acusou o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró de omitir informações fundamentais ao conselho de administração da empresa, quando o mesmo decidiu aprovar a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. O ex-presidente tenta desqualificar a CPI na entrevista: “Normalmente, em época de eleição, quando a oposição não tem bandeira, não tem programa e não tem voto, a oposição então levanta essa ideia de se fazer uma CPI”.

A estratégia apontada por Lula é evitar que a CPI da Petrobras tenha atuação parecida com a dos Correios, que resultou em cassações de mandatos pela Câmara e na Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão. “Então, eu acho que nesse aspecto o PT tem que ir para cima. Eu vou contar uma coisa para vocês, de coração. Eu espero que o PT tenha aprendido a lição do que significou a CPI do mensalão. Essa CPI deixou marcas profundas nas entranhas do PT. Se o PT tivesse feito o debate político no momento que tinha que fazer o debate político, e não tivesse ficado esperando uma solução jurídica, possivelmente a história fosse outra.”

Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal preso pela Polícia Federal (PF) há duas semanas, durante a Operação Lava-Jato, é o elo entre o doleiro Alberto Youssef e a Petrobras. Suspeito de participação em esquema de lavagem de dinheiro num caso aparentemente sem relação com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, grampos da investigação revelariam um propinoduto que supostamente o ligaria à empresa. Costa era um dos diretores mais importantes da Petrobras na gestão de Sérgio Gabrielli, época em que Dilma, por ser ministra da Casa Civil, presidia o conselho de administração. O caso de Cerveró, responsável pela análise técnica da compra de Pasadena, é perfumaria diante do que pode surgir a partir desse personagem. Diante disso, é preferível lançar André Vargas ao mar e embananar a instalação da CPI. Cristão novo na cúpula do PT, nem de longe tem o prestígio de outros dirigentes que, mesmo assim, perderam os mandatos e estão presos, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e os ex-deputados João Paulo Cunha e José Genoino.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Entrevista: ex-guerrilheiro narra atuação na ALN nos anos de chumbo

Atirador da ALN acredita que equívocos na estratégia da guerrilha foram cruciais para o fracasso dos movimentos que lutaram contra a ditadura

Luiz Carlos Azedo
Publicação: 07/04/2014 17:39 Atualização: 07/04/2014 19:27

Takao Amano, ex-guerrilheiro de São Paulo nos chamados anos de chumbo no Brasil (Reprodução/Google)
Takao Amano, ex-guerrilheiro de São Paulo nos chamados anos de chumbo no Brasil

Discreto, o advogado trabalhista Takao Amano, o “Jorge”, 66 anos, é considerado um gentleman pelos colegas do Sindicato dos Médicos de São Paulo. De fala mansa, educadíssimo, nos chamados anos de chumbo, porém, foi um dos principais guerrilheiros urbanos do estado paulista, quando era um dos atiradores da Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização criada pelo líder comunista Carlos Marighella, que surgiu de uma dissidência do antigo Partido Comunista Brasileiro, o Agrupamento Comunista de São Paulo. O minimanual do guerrilheiro urbano, escrito por Marighella, era o livro de cabeceira da ultraesquerda armada no mundo inteiro.

Nesta entrevista ao Correio, Takao Amano conta como se formou a ALN em São Paulo e narra sua atuação na guerrilha. Participou de mais de 20 ações armadas, entre elas, o assalto ao trem pagador da ferrovia Santos-Jundiaí, em 10 de agosto de 1968, e o tiroteio de Suzano, durante assalto à agência local da União de Bancos Brasileiros, no qual morreu o investigador José de Carvalho, e duas pessoas que passavam pelo local foram feridas. Baleado na coxa, Takao foi operado por Boanerges Massa na residência do casal Carlos Henrique Knapp e Eliane Toscano Zamikhoski.


Preso numa emboscada em São Paulo, em setembro de 1969, levou um tiro de Winchester 44 na perna. Fez parte do grupo de 70 presos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) de Carlos Lamarca, no Rio de Janeiro, em setembro de 1971.

Banido do país, foi para o Chile e, depois, para Cuba, onde se reintegrou ao PCB. Quando houve a anistia, era o seu representante na Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD), em Budapeste. Na volta ao Brasil, foi preso novamente, em dezembro de 1982, durante o 7º Congresso do PCB, sendo eleito para o seu Comitê Central.


Quando você decidiu participar da luta armada?


Foi no processo de discussão das teses do 6º Congresso do PCB, em 1966, quando havia uma polarização entre duas tendências. Uma considerava ainda válida a linha política da Declaração de Março de 1958, apesar da derrota que o partido sofreu em 1964, e outra ala acreditava que o partido deveria ter se preparado para reagir ao golpe, que vinha sendo preparado desde o suicídio de Getúlio Vargas. A ideia era, a partir do movimento da luta armada, formar uma frente anti-imperialista e organizar um exército capaz de tomar o poder.

Quem liderava essa corrente?


Carlos Marighela, Joaquim Câmara Ferreira (Toledo), Mário Alves, Jacó Gorender, Apolônio de Carvalho e Pedro Pomar, que formara PCdoB com João Amazonas. Marighella, Toledo e alguns companheiros do comitê estadual do PCB criaram uma tendência denominada Agrupamento Comunista de São Paulo, com a concepção de que a “ação faz a vanguarda”, ou seja, o processo da luta é que criaria o partido político, o braço político de um exército revolucionário. Mário Alves, Gorender e Apolônio formaram o PCBR.

Foi aí que você se ligou ao Marighella?


Era da base de São Miguel Paulista. No racha, fiquei ligado a Argonauto Pacheco (ex-vereador de Aracaju), Costa Pinto (jornalista), Oswaldo Lourenço (estivador), Rafael Martinelli (ferroviário), Cícero Viana (advogado) e outros. Recrutei companheiros jovens da USP para a dissidência. Nós trouxemos praticamente 80% da base estudantil do PCB. No início de 1969, a maioria foi compor o setor militar da ALN, comandado pelo Carlos Eduardo Pires Fleury, que consta da lista dos desaparecidos. Desde 1968, já estava designado para o setor militar, integrando o grupo Tático Armado coordenado pelo Marco Antônio Brás de Carvalho.

De quantas ações armadas você participou?


Umas 20: expropriações de carros, de armamentos, de explosivos, de bancos e de carros pagadores. O caso do trem pagador foi uma ação especular, todas as informações foram dadas pelo Martinelli. Geralmente, eu fazia a cobertura dessas operações. Nós precisávamos de recursos e de armas para a implantação de uma guerrilha rural. Quem chefiava o grupo era o Marquito, até ser assassinado. Aí, assumiram o Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, que também foi morto, e o Aton Fon Filho. Os dois tinham feito treinamento em Cuba. Como havia umas 50 pessoas, formaram-se dois grupos. Eu e o Celso Horta, que está vivo, coordenávamos um. O outro era coordenado pelo Carlos Eduardo Pires Fleury e o Manoel Cirilo de Oliveira Neto, que também está vivo. Ele participou do sequestro do embaixador norte-americano, com o Toledo e o Jonas. Era excelente motorista.

Você participou de algum sequestro?

Não, como tem pouco japonês no Rio, o Toledo achou melhor eu ficar de fora do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick.

Você foi ferido duas vezes em tiroteios com a polícia. Como foi isso?

A primeira vez foi em Suzano. Entramos no banco, alguém do lado de fora percebeu e chamou a polícia. Houve troca de tiros na fuga, fui baleado na perna. Depois, ficamos sabendo que, nesse tiroteio, um policial foi ferido. A segunda vez foi em 23 de setembro, após o sequestro de Charles Elbrick. Sofremos uma emboscada, eu e o Carlos Lethestin, que continua vivo. Ele era o motorista, foi atingido no braço e na perna, que quebraram. Saí pelo lado do carona e corri dois quarteirões, mas não aguentei. Um tiro de Winchester 44 me acertou a perna, o buraco era enorme.

Foi muito torturado?

Fomos levados para a Rua Tutóia, centro da Operação Bandeirantes. Colocaram a gente numa maca e começaram a dar choques elétricos. A tática deles era tirar qualquer informação em 24 horas, para evitar a fuga dos companheiros. Chegamos por volta das 20h e fomos torturados até meia-noite, mas o sangramento provocou nossa transferência para o hospital militar naquela madrugada. No dia seguinte, de manhã, começou tudo novamente. Nos fundos do hospital, havia um quartinho só para tortura.

Você era considerado exímio atirador pelos órgãos de repressão...

Era amador. Fizemos treinamento no meio do mato, pouco usei armas em ação. O único tiroteio foi o de Suzano. Usava uma metralhadora INA, calibre 45, que era pequena e simples de montar, cabia numa mala 007. Nós a pegamos da PM de São Paulo. Meu irmão, João Amano, que havia prestado serviço militar na Aeronáutica, nos deu orientação de tiro. Ele também foi preso, mas tinha emprego fixo, uma vida normal. Fiz acareação com ele, apanhei muito, e ele também, mas nós negamos tudo. No julgamento, ele foi absolvido por falta de provas. Eu já estava no exílio, banido.

Quando você foi trocado pelo embaixador suíço?


Em 11 de janeiro de 1971, fomos todos para o Galeão, tinha gente de várias regiões do país, e fomos levados para o Chile. De lá, fui para Cuba, onde houve uma cisão na ALN. A grande maioria montou o Molipo (Movimento de Libertação Popular) em Cuba. A ALN estava morrendo na cidade e deixara de fazer o trabalho estratégico na área rural. No fim de 1972, eles voltaram e foram dizimados. De 30 pessoas, sobraram três ou quatro. Um deles é o José Dirceu.

Houve infiltração?


É muito discutível. O cabo Anselmo estava em Cuba, com ex-militares da VPR. Os cubanos davam guarida a ele. Há muita discussão se ele já era infiltrado antes do golpe ou se tornou agente duplo depois. É uma coisa a ser pesquisada. Os sobreviventes não sabem dizer o que ocasionou a prisão do grupo.

Qual a conclusão a que você chegou sobre a luta armada?


O caminho da violência já estava posto. A direita era golpista. Desde a volta do Getúlio Vargas, em vários momentos, tentaram o golpe. No período de Juscelino, houve Aragarças e a República do Galeão. Na renúncia do Jânio, tentaram impedir a posse do Jango. Os ânimos estavam acirrados, e o país, dividido. Havia a crise econômica, e a situação internacional era tensa. A Revolução Cubana estava fresquinha, a Guerra do Vietnã vivia uma escalada e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos crescia. Tudo isso criava uma espécie de sedução pela luta armada. Havia mais emoção do que razão.

Você acha que a luta armada tinha chance de dar certo?


Nós acreditávamos, mas sabemos que fomos derrotados. Alguns dizem que a ditadura só foi violenta após o AI-5. Não é verdade, basta ver a lista de cassações do AI-1 e as prisões, inclusive com a de militares.

Você fez autocrítica?


Aquilo que nós fizemos não se pode apagar. Se você pegar os processos, verá que foi um movimento grande. O PCB rachou de Norte a Sul. Em São Paulo, no Rio, em Minas e no Rio Grande do Sul havia muita gente disposta a partir para a luta armada. Nós pecamos pela chamada pressa pequeno-burguesa. Era um processo de longo prazo. O caso da tomada da Rádio Nacional, com uma locução do Marighella dizendo que era o ano da guerrilha nacional, mostra a precipitação. O método da guerrilha é a surpresa. Se você avisa que vai lá, está dizendo: “Me esperem”. Na guerra, se você erra, é derrotado. Erramos, mas não se pode mudar o que aconteceu. O PCB nos responsabilizou pelo endurecimento do regime, não concordo com isso. O regime era uma ditadura militar.

O golpe visto de hoje

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 07/04/2014



 Não existe democracia sem o Congresso funcionando livremente. O papel dele na realização de bons governos, porém, depende da forma como se relaciona com o Executivo.


O que nos liga ainda hoje ao golpe de 1964, no qual lideranças militares e civis destituíram um presidente constitucionalmente eleito, João Goulart, e implantaram uma ditadura que durou mais de 20 anos? Sem dúvida, é a defesa dos valores democráticos. A defesa da democracia contra a “ameaça comunista” foi um mito criado para justificar o regime militar, pois não havia a menor chance de os comunistas derrotarem Juscelino Kubitschek nas eleições de 1965. Também é um mito pós-democratização a ideia de que as forças de esquerda que defendiam as reformas de base “na marra” e, depois, promoveram a “resistência armada” ao regime militar apoiavam a democracia, pois queriam mudar as regras do jogo para conquistar o poder.

Visto de tão longe, isso parece não ter importância. Hoje, os ex-integrantes das organizações que participaram da luta armada já não pregam as mesmas ideias de outrora, haja visto a presidente Dilma Rousseff, ela própria uma ex-guerrilheira, que recentemente defendeu a preservação da Lei da Anistia tal como se encontra. Os militares linhas-duras, entre os quais muitos ex-torturadores, também não têm influência na caserna, onde predominam a hierarquia e a disciplina imposta pela Constituição de 1988 e pelos regulamentos militares. Tanto que o Ministério da Defesa resolveu fazer sindicâncias nas instalações militares que foram utilizadas como centros de tortura.

As Forças Armadas deram um passo para reconhecer seus erros e os ex-guerrilheiros fazem autocrítica da luta armada. Ambos dificilmente fariam as mesmas coisas para chegar ou se manter no poder. Diante da consolidação do regime democrático e do fato de que já não existe a Guerra Fria, isso seria praticamente impensável. Quando olhamos ao redor, para os nossos vizinhos da Argentina, da Bolívia e da Venezuela, porém, vemos que o caldo de cultura das velhas tentações golpistas latino-americanas está vivíssimo. De parte da velha direita, já que a esquerda chegou ao poder; e da nova esquerda, quando corre o risco de perdê-lo em razão do fracasso de sua estratégia “anti-imperialista” de desenvolvimento.

A velha direita ficou órfã. Os Estados Unidos de Barack Obama optaram por outras formas de intervenção política, depois do fracasso da estratégia de seus antecessores, como ocorreu na Venezuela nos primeiros anos do governo bolivariano de Chávez — embora a espionagem eletrônica esteja aí para provar que os serviços secretos monitoram quase tudo. No Brasil, mesmo que a democracia não seja um valor universal para todos os atores políticos, o fato de termos um processo eleitoral de massas, com apuração instantânea e limpa, faz com que a nossa ordem constitucional, a cada eleição, se torne mais robusta. As agressões ao nosso Estado de direito democrático são de outra ordem, estão mais ligadas aos velhos costumes políticos.

Crise dos partidos

Vem daí a desmoralização dos políticos, dos partidos e do próprio Congresso, no bojo de uma crise do sistema representativo, cujas origens são estruturais. Decorre da formação dos grandes meios de comunicação de massa e do surgimento de novos sujeitos sociais, como os movimentos de gênero e de minorias. Essa crise foi aprofundada pela internet e as redes sociais. É cada vez menor o papel dos partidos na formação da opinião pública, ou como porta-vozes dos interesses da sociedade na vida cotidiana, embora mantenham o monopólio do poder político. Trata-se de um fenômeno global.

Há 50 anos, o xis da questão na desestabilização política do governo Jango foi a péssima relação entre o Executivo e o Congresso, a partir do plebiscito que restabeleceu o presidencialismo, e de sua frustrada tentativa de decretar o estado de sítio, rejeitado pelo Congresso. Jango pretendia fazer reformas por decreto e convocar uma Constituinte. Não foi à toa que o próprio parlamento legitimou a ação dos militares golpistas, quando Jango se deslocou de Brasília para o Rio Grande do Sul, com o propósito de restabelecer a rede de apoio que garantira a sua posse em 1962. Como se sabe, a história se repete como farsa ou como tragédia.

No Brasil imediatamente pós-regime militar, o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em meio a escândalos de corrupção e um amplo movimento de massas, resultou na renúncia e na posse do vice, Itamar Franco, com o país mergulhado na hiperinflação. Não houve interferência dos militares, foi um ajuste de contas das forças políticas que perderam a eleição para a Presidência. Collor fora um candidato outsider, considerado aventureiro pelos demais caciques políticos. Muito mais do que os casos de corrupção, o que determinou sua queda foi ter confrontado o Congresso. Desde então, nenhum presidente da República descuidou de manter uma ampla base parlamentar, mesmo em sacrifício do programa de governo. Graças a isso, Fernando Henrique Cardoso aprovou o direito à uma reeleição, uma das pretensões de Jango que o levaram ao exílio.

Não existe democracia sem o Congresso funcionando livremente. O papel dele na realização de bons governos, porém, depende da forma como se relaciona com o Executivo. Sempre que o parlamento é afrontado ou desmoralizado, quem perde é a democracia. Em geral, tal fenômeno decorre da conduta das forças que estão no poder, que ditam o padrão de atuação de sua base parlamentar — para o bem ou para o mal. Basta ver o que está acontecendo agora, no caso da CPI da Petrobras.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A CPI do caos

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 04/04/2014

Uma CPI em plena campanha eleitoral pode virar um furacão. Basta surgir um documento comprometedor ou um dos investigados resolver falar 

 A estratégia da presidente Dilma Rousseff para enfrentar a CPI da Petrobras parece seguir a Teoria do Caos, criada pelo meteorologista Edward Lorentz, que simulou no computador a evolução das condições climáticas. Ele imaginava que pequenas modificações nas condições iniciais acarretariam alterações também pequenas na evolução do quadro como um todo, porém, o resultado foi o contrário: provocaram efeitos desproporcionais. Para períodos curtos (um ou dois dias), os efeitos eram insignificantes; quando o período era longo (cerca de um mês), as pequenas modificações produziam padrões totalmente diferentes, até exagerados: “O bater das asas de uma borboleta aqui, pode gerar um furacão no outro lado do mundo”, afirmou Lorentz.

Efeito Borboleta
A frase é mais verdadeira do que se imagina, pois sua fórmula matemática permite explicar quase todos os fenômenos que acontecem no universo, da formação de cabelos à movimentação das estrelas nas galáxias. Demonstra um padrão de organização dentro de um fenômeno desorganizado, ou seja, dentro de uma aparente casualidade. No caso da CPI da Petrobras, porém, a estratégia de provocar o caos é de alto risco. Tudo começou com um tiro no pé da própria presidente Dilma Rousseff, que acusou o então diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, de omitir informações ao Conselho de Administração da empresa sobre o contrato de compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Segundo a presidente da República, só aprovou a compra porque não tinha informações corretas. Era presidente do Conselho de Administração da empresa à época em que chefiava a Casa Civil do governo Lula. A compra da refinaria causou prejuízos da ordem de US$ I bilhão à Petrobras.

A transação é objeto de investigação do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Cerveró foi demitido da empresa por ordem de Dilma, mas o ex-presidente Sérgio Cabrielli ainda defende a operação. Na quarta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, atual presidente do Conselho de Administração, contrariou a presidente da República e, estranhamente, defendeu a operação: “Tenho certeza de que o conselho agiu corretamente na ocasião. O conselho é formado por pessoas da mais alta competência dos setores público e privado. Analisou com toda a discriminação e a profundidade necessárias”, declarou. Na mesma quarta-feira, o advogado de Cerveró havia dito que todos os integrantes do conselho receberam o contrato de compra com 15 dias de antecedência.

A tempestade
A Petrobras está no meio da tempestade. A oposição quer investigar também os indícios de pagamento de propina a funcionários da petroleira pela companhia holandesa SBM Offshore; as denúncias de que plataformas estariam sendo lançadas ao mar sem equipamentos primordiais de segurança; e o suposto superfaturamento na construção de refinarias no Rio de Janeiro e Maranhão. Para impedir as investigações, parlamentares da base pedem apuração de denúncias sobre prática de cartel na aquisição dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal, obras do porto de Suape e contratos específicos da refinaria de Abreu e Lima. Miram os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição; e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que concorrerá Presidência da República.

Uma CPI em plena campanha eleitoral pode virar um furacão. Basta surgir um documento comprometedor ou um dos investigados resolver falar o que sabe, como aconteceu na CPI dos Anões, que atingiu em cheio a liderança do PMDB na Câmara, em 1993, e na dos Correios, em 2005, que recentemente levou a cúpula do PT à cadeia. Mesmo quando houve pizza, os envolvidos  amargaram desgastes eleitorais. No caso da CPI do Caos, o preço a pagar aos aliados também não será pequeno. A manobra de Renan Calheiros no Senado pode ter outros objetivos além de ganhar tempo e lavar as mãos, como Pilatos. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), e o líder da bancada do PMDB, senador Eunício de Oliveira (PMDB-AL), que recusaram convites para as pastas da Integração Nacional e do Turismo, são candidatos aos governos do da Paraíba e do Ceará, respectivamente.
Uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar, além da Petrobras, o cartel no metrô de São Paulo e as obras do porto de Suape, em Pernambuco, estados governados por oposicionistas, foi protocolada ontem. Subscrevem a proposta 219 deputados e 32 senadores, segundo anunciou o líder do governo no Congresso Nacional, José Pimentel (PT-CE). É a resposta do Palácio do Planalto ao pedido de CPI para investigar a Petrobras protocolado pela oposição no Senado, cuja instalação o presidente da Casa, Renan Calheiros, encaminhou para avaliação à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). PT e PMDB se uniram para barrar as investigações porque as diretorias da Petrobras e suas subsidiárias formam um espécie de condomínio dos partidos da base do governo.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

A Operação Brother Sam

O plano da Casa Branca previa o apoio militar a um governo provisório e o desembarque de tropas se houvesse intervenção cubana ou soviética em apoio a João Goulart. Foi aprovado pelo presidente Kennedy


 Um dos temas mais controversos sobre 1964 é a ameaça de um desembarque de tropas norte-americanas no Brasil, caso o presidente João Goulart decidisse resistir ao golpe de Estado que o derrubou. Como se sabe, o golpe foi deflagrado pelo general Mourão Filho, que deslocou tropas de Juiz de Fora (MG) para o Rio de Janeiro, em 31 de março, ação que surpreendeu os próprios conspiradores, com exceção do governador de Minas, Magalhães Pinto, que estava em linha direta com o embaixador norte-americano Lincoln Gordon. A divulgação dos documentos relativos aos governos Kennedy e Johnson pela Casa Branca, ao longo dos anos, reforçou a tese de que a causa principal do golpe foi a Guerra Fria e não, necessariamente, fatores políticos internos, como a crise econômica, a quebra de hierarquia nas Forças Armadas e as eleições presidenciais marcadas para 1965.

O que foi a Guerra Fria? Uma corrida armamentista protagonizada pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Os soviéticos acreditavam que o equilíbrio estratégico-militar permitiria o avanço dos comunistas e seus aliados nos países da América Latina, da África e da Ásia, que se libertavam do colonialismo. Os Estados Unidos apostavam em intervenções militares para deter esse avanço, mas dependiam de apoio interno para serem bem-sucedidos. A tentativa de instalação de mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, a pedido de Fidel Castro, após a fracassada invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos, deixara o mundo à beira de um conflito nuclear.

Milhões de dólares
A Operação Brother Sam foi concebida nesse contexto, a partir de uma reunião entre o presidente John Kennedy e o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, da qual também participou o secretário assistente de Estado Richard Goodwin. Gordon defendeu a tese de que os Estados Unidos deveriam deixar claro para a oposição a Jango que não eram contra um golpe militar. Deu-se, a seguir, o seguinte diálogo:

Gordon — Ele (Goulart) está entregando o maldito país aos…

Kennedy — Aos comunistas.

Goodwin — (…) Nós podemos muito bem querer que eles (a oposição) assumam o poder até o fim do ano, se puderem.

Conta o historiador Carlos Fico, no pequeno grande livro O Golpe de 1964 (FGV Editora) que Kennedy autorizou a remessa de US$ 5 milhões para financiar a campanha da oposição a Goulart em 1962. Não foi suficiente para desestabilizar o governo. Depois, cancelou uma viagem ao Brasil e despachou em seu lugar Robert Kennedy, secretário de Justiça, em outubro de 1962, para pressionar Jango a demitir assessores e controlar os gastos públicos.

Não foi preciso
Jango havia assumido o poder depois de um acordo com as forças políticas que elegeram Jânio Quadros e tentaram impedir sua posse, após a renúncia do presidente da República. Depois do triunfo eleitoral de 1962, convocou um plebiscito para restabelecer o presidencialismo. Sua vitória foi esmagadora, mas deixou-o em minoria no Congresso. Diante disso, Kennedy determinou a elaboração de um “plano de contingência” para a eventualidade de Jango instalar uma “república sindicalista” e perder o controle do país para os comunistas, como sugeria o embaixador Lincoln Gordon, que estava em contato com os conspiradores brasileiros.

O plano da Casa Branca previa o apoio militar a um governo provisório e o desembarque de tropas se houvesse intervenção cubana ou soviética em apoio a João Goulart. Foi aprovado pelo presidente Kennedy antes de ser assassinado, em 1963. Mas serviu de base para o presidente Lindon Johnson mobilizar um porta-aviões, um porta-helicópteros, seis contratorpedeiros e quatro petroleiros para eventual apoio ao governador de Minas, Magalhães Pinto, e ao general Mourão Filho, em 31 de março de 1964. Como João Goulart não reagiu ao golpe, a operação foi abortada pelo general Castello Branco, que disse a Gordon que o apoio militar norte-americano era dispensável.