quarta-feira, 2 de abril de 2014

A Operação Brother Sam

O plano da Casa Branca previa o apoio militar a um governo provisório e o desembarque de tropas se houvesse intervenção cubana ou soviética em apoio a João Goulart. Foi aprovado pelo presidente Kennedy


 Um dos temas mais controversos sobre 1964 é a ameaça de um desembarque de tropas norte-americanas no Brasil, caso o presidente João Goulart decidisse resistir ao golpe de Estado que o derrubou. Como se sabe, o golpe foi deflagrado pelo general Mourão Filho, que deslocou tropas de Juiz de Fora (MG) para o Rio de Janeiro, em 31 de março, ação que surpreendeu os próprios conspiradores, com exceção do governador de Minas, Magalhães Pinto, que estava em linha direta com o embaixador norte-americano Lincoln Gordon. A divulgação dos documentos relativos aos governos Kennedy e Johnson pela Casa Branca, ao longo dos anos, reforçou a tese de que a causa principal do golpe foi a Guerra Fria e não, necessariamente, fatores políticos internos, como a crise econômica, a quebra de hierarquia nas Forças Armadas e as eleições presidenciais marcadas para 1965.

O que foi a Guerra Fria? Uma corrida armamentista protagonizada pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Os soviéticos acreditavam que o equilíbrio estratégico-militar permitiria o avanço dos comunistas e seus aliados nos países da América Latina, da África e da Ásia, que se libertavam do colonialismo. Os Estados Unidos apostavam em intervenções militares para deter esse avanço, mas dependiam de apoio interno para serem bem-sucedidos. A tentativa de instalação de mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, a pedido de Fidel Castro, após a fracassada invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos, deixara o mundo à beira de um conflito nuclear.

Milhões de dólares
A Operação Brother Sam foi concebida nesse contexto, a partir de uma reunião entre o presidente John Kennedy e o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, da qual também participou o secretário assistente de Estado Richard Goodwin. Gordon defendeu a tese de que os Estados Unidos deveriam deixar claro para a oposição a Jango que não eram contra um golpe militar. Deu-se, a seguir, o seguinte diálogo:

Gordon — Ele (Goulart) está entregando o maldito país aos…

Kennedy — Aos comunistas.

Goodwin — (…) Nós podemos muito bem querer que eles (a oposição) assumam o poder até o fim do ano, se puderem.

Conta o historiador Carlos Fico, no pequeno grande livro O Golpe de 1964 (FGV Editora) que Kennedy autorizou a remessa de US$ 5 milhões para financiar a campanha da oposição a Goulart em 1962. Não foi suficiente para desestabilizar o governo. Depois, cancelou uma viagem ao Brasil e despachou em seu lugar Robert Kennedy, secretário de Justiça, em outubro de 1962, para pressionar Jango a demitir assessores e controlar os gastos públicos.

Não foi preciso
Jango havia assumido o poder depois de um acordo com as forças políticas que elegeram Jânio Quadros e tentaram impedir sua posse, após a renúncia do presidente da República. Depois do triunfo eleitoral de 1962, convocou um plebiscito para restabelecer o presidencialismo. Sua vitória foi esmagadora, mas deixou-o em minoria no Congresso. Diante disso, Kennedy determinou a elaboração de um “plano de contingência” para a eventualidade de Jango instalar uma “república sindicalista” e perder o controle do país para os comunistas, como sugeria o embaixador Lincoln Gordon, que estava em contato com os conspiradores brasileiros.

O plano da Casa Branca previa o apoio militar a um governo provisório e o desembarque de tropas se houvesse intervenção cubana ou soviética em apoio a João Goulart. Foi aprovado pelo presidente Kennedy antes de ser assassinado, em 1963. Mas serviu de base para o presidente Lindon Johnson mobilizar um porta-aviões, um porta-helicópteros, seis contratorpedeiros e quatro petroleiros para eventual apoio ao governador de Minas, Magalhães Pinto, e ao general Mourão Filho, em 31 de março de 1964. Como João Goulart não reagiu ao golpe, a operação foi abortada pelo general Castello Branco, que disse a Gordon que o apoio militar norte-americano era dispensável.

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