Nas Entrelinhas: Luiz carlos Azedo
Correio Braziliense - 31/12/2014
Levy
concorda com a tese de que a elevação do salário real muito acima do
PIB, ou seja, maior do que o aumento de produtividade da economia, acaba
por ser um dos fatores de inflação
A presidente Dilma Rousseff,
quando nem sonhava em morar no Palácio da Alvorada, abriu uma lojinha de
utilidades domésticas vendidas a R$ 1,99, mas o negócio não deu certo.
Pois bem, parece que a vingança veio agora, no ajuste fiscal, que
começou a ser anunciado na segunda-feira com a revisão das pensões e do
seguro desemprego. Contra todas as expectativas, na antevéspera do
ano-novo, Dilma resolveu tungar o salário mínimo, que deveria ser de R$
790 e foi reduzido para R$ 788, em decreto publicado ontem.
Como
diria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só quem vive do mínimo
sabe o que uma dona de casa pode fazer com R$ 2 num fim de feira ou na
lojinha de utilidades domésticas. Parece pouco, mas essa diferença vai
impactar a economia em R$ 752,8 milhões em 2015. O Congresso Nacional
estimava o valor do salário mínimo em R$ 790 para fixação do Orçamento
de 2015, ainda não aprovado.
O piso é reajustado conforme o
crescimento da economia de dois anos atrás, mais a variação da inflação
deste ano, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC),
que ainda não está apurado. O governo usou uma estimativa. Ironicamente,
a decisão simboliza a mudança de rumos na economia, com a entrada em
cena do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
A política
anterior era focada na expansão dos gastos públicos e na transferência
de renda para as camadas mais pobres da população, via elevação do valor
real do salário mínimo e programas sociais, como o Bolsa Família. Levy
concorda com a tese de que a elevação do salário real muito acima do
PIB, ou seja, maior do que o aumento de produtividade da economia, acaba
por ser um dos fatores de inflação. Essa é a nova linha da política
econômica.
Os jabutis
Mas vamos esquecer a
lojinha de R$ 1,99 e tratar de outro assunto do momento: a montagem da
equipe de governo. A nova fornada de ministros reforça a tese de que a
presidente da República está mais preocupada com a blindagem do governo
no Congresso do que com a implementação de políticas públicas. Segundo a
velha tese de Vitorino Freire, um pernambucano que fez política no
Maranhão, “jabuti não sobe em árvore”. Ele dizia que, ao se avistar um
quelônio num galho, é melhor não mexer, porque pode ter sido mão de
gente. O que não falta são jabutis no novo ministério.
Estão
muito bem representados na Esplanada, por seus apadrinhados, o
vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB); o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); o senador Jader Barbalho (PMDB-PA),
uma espécie de vice-rei do Norte; o presidente do PP, senador Ciro
Nogueira (PI); o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (PP),
milagrosamente salvo de cassação numa controvertida decisão do Tribunal
Superior Eleitoral; o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo
Edir Macedo; e o ex-deputado Valdemar Costa Neto, que, mesmo preso, continua
dando as cartas no PR. Só o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não foi
contemplado na reforma, mesmo assim — sem que Dilma saiba —, deve ter
aliados bem instalados em alguns ministérios.
Dilma fez, ainda,
uma manobra de flanco para atazanar a oposição, fortalecendo aliados que
foram derrotados nos estados com uma posição robusta na equipe de
governo. Também está criando um polo de poder no PT, o que é uma espécie
de ajuste de contas com a turma do “Volta, Lula”. Os petistas gaúchos
nunca mandaram tanto no Palácio do Planalto. Entretanto, a 24 horas da
posse, claudica para fechar a composição do ministério. Ontem, anunciou a
volta de Juca Ferreira para a pasta da Cultura, frustrando os
paulistas, que defendiam o nome do escritor Fernando Morais contra a
volta do agitador cultural baiano. Pode ter sido um gesto de prudência,
pois ele desestabilizou Ana de Hollanda e trabalhou contra a senadora
Marta Suplicy (PT-SP), que ocuparam a pasta no governo Dilma. Faltam
ainda 14 ministros.
Ano velho
Os presos da
Operação Lava-Jato receberam ontem a última visita do ano de familiares
na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Seria hoje, mas foi
antecipada. Os diretores de algumas das maiores empreiteiras do país,
como a OAS, a Camargo Corrêa e a Mendes Júnior, foram impedidos de
receber comidas especiais ou bebidas alcoólicas. O presidente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, negou
ontem pedido de liberdade do lobista Fernando Antonio Falcão Soares,
conhecido como Fernando Baiano, suposto operador do PMDB no esquema de
corrupção na Petrobras.
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