domingo, 24 de agosto de 2014

Aves não dão leite

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/08/2014

 A grande oposição unificou o discurso contra o voluntarismo e o intervencionismo do governo na economia. Há, porém, contradições profundas entre Aécio e Marina.

Velho professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, o economista pernambucano Aírton Albuquerque costumava ilustrar suas aulas para os calouros com uma provocação. Dizia que a economia era como as aves: poderiam cantar, falar, nadar, lutar e até voar, mas jamais dariam leite. Ou seja, haveria mais de uma maneira de resolver os problemas da sociedade, mas todas teriam que respeitar as limitações objetivas de sua base produtiva.
É mais ou menos essa a discussão que começa a se estabelecer como um divisor de águas entre a presidente Dilma Rousseff, que disputa a reeleição, e os candidatos de oposição, Aécio Neves (PSDB) e, agora, Marina Silva (PSB). O pano de fundo da discussão é o fracasso da estratégia econômica do governo para a retomada do crescimento.

Dilma esgrime o regime de pleno emprego e os programas de transferência de renda como trunfos de sua gestão, com o argumento de que preferiu não sacrificar o povo ao enfrentar a crise mundial. Insiste nas políticas de desoneração fiscal com chapéu alheio (quebrou estados e municípios) e nas medidas de estímulo ao crédito popular (endividou as famílias).

Isso, entretanto, reforça as preocupações de empresários e investidores com o caráter errático e a falta de consistência da atual política econômica. Para sustentar essa retórica, Dilma recorre a artifícios que minam a sua credibilidade com os agentes econômicos, como acontece com as contas do Tesouro.
No momento, o Ministério da Fazenda viola as regras do jogo do sistema financeiro, ao se socorrer de forma mascarada à Caixa Econômica Federal, para pagar o Bolsa Família, o seguro desemprego e os abonos salariais, e ao Banco do Brasil, para bancar os subsídios agrícolas, que estão sendo questionados até pelo Banco Central.

Blindagem

Essas práticas vêm sendo duramente criticadas pelo candidato do PSDB, senador Aécio Neves, desde as comemorações dos 20 anos do Plano Real. O posicionamento do tucano sobre a política econômica está mais em sintonia com os grandes grupos empresariais que apoiavam o governo e, agora, buscam uma alternativa à política econômica atual.

Houve também um reposicionamento da candidata do PSB, Marina Silva, em relação aos grandes temas econômicos. Defensora da chamada nova economia e líder ambientalista mundial, a ex-senadora sofre duros ataques dos governistas, que a acusam de ser contra o desenvolvimento, opinião compartilhada por setores do empresariado, principalmente do agronegócio.

Marina surpreendeu ao defender o famoso tripé da estabilização econômica — meta de inflação, câmbio flutuante e superavit fiscal —- e jogar a toalha quanto à blindagem da política monetária, ao admitir a autonomia formal do Banco Central (BC).

Com isso, a grande oposição unificou o discurso contra o voluntarismo e o intervencionismo do governo na economia. Há, porém, contradições profundas entre Aécio e Marina. Não bastam o saneamento das contas públicas e a blindagem da política monetária, na avaliação dos agentes econômicos. Uma política econômica exitosa, que enfrente os problemas de infraestrutura e da produtividade, pressupõe segurança jurídica e sustentação política.

É aí que rondam as suspeitas contra Marina Silva, que já é considerada uma alternativa de poder. Os agentes econômicos têm em relação à candidata do PSB mais desconfianças do que aquelas que haviam sinalizado em relação ao ex-governador Eduardo Campos, de quem ela era a vice, antes de ele ser afastado da disputa por sua morte trágica.

Lado a lado

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está convencido de que Dilma Rousseff corre sério risco de perder as eleições se for para o segundo turno, seja contra Aécio Neves, seja contra Marina Silva. Por isso, pôs o pé na estrada para gravar os programas eleitorais de Dilma ao lado da petista.



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