A reforma política não passa no Congresso. Somente suas propostas mais casuístas, como a janela para o troca-troca partidário, têm chances de aprovação
Por LuizCarlos Azedo
O tema de reforma política está de volta ao Congresso como uma esperteza dos seus líderes. Não tem nada a ver com cotas de passagens aéreas, verbas indenizatórias, verbas de gabinetes e salários dos deputados e senadores. É puro diversionismo. A maioria dos parlamentares não quer mudar as regras do jogo pelas quais foram eleitos, nem mesmo para as eleições de 2014. Além disso, nada indica que a reforma vá melhorar o nosso sistema de representação ou resolver a crise de identidade dos partidos.
A “Rede”
Não sou tão radical quanto meu amigo Raulino, o Camarada Xis, “lua preta” carioca, para quem a “Rede” formada na internet mais cedo ou mais tarde acabará suplantando os partidos na representação dos interesses da sociedade. Seja do mundo do trabalho ou dos negócios, da cultura ou dos relacionamentos “cibertribais”, a distância física entre o Parlamento e o cidadão parece ainda mais sideral quando a opinião pública entra em ação (ativa ou reativamente) por meio da “Rede”. Esse problema, a reforma política sequer tangencia. Mas, felizmente, pode ser superado por meio da própria “Rede”. Isto é, se o Congresso cair na real e souber usar a “convergência de mídia” para se conectar permanentemente à sociedade, via internet. Diria que a crise ética do Congresso, um xeque-mate em velhos costumes políticos, não será superada sem o trabalho parlamentar e extraparlamentar conectado à “Rede”. Os meios tecnológicos e financeiros para isso estão dados; a vontade política, porém, parece que é da época do cinema mudo.
Mesmo assim, permanece a questão fulcral: não existe democracia sem partidos políticos. A representação corporativa no Congresso (reeditada por lobbies e agências privadas ), sem a existência de partidos livres, é uma premissa do fascismo. No Brasil, isso aconteceu na Constituinte de 1936, convocada por Getúlio Vargas para implantar o Estado Novo. É bom lembrar que a aversão aos partidos políticos, em geral, tem três grandes vertentes: à esquerda, o anarquismo; à direita, o autoritarismo; e, como massa de manobra, a alienação. A ojeriza aos políticos e seus partidos é simpática, mas por si só não é uma atitude democrática. E a vala comum em que estão sendo lançados todos os políticos nivela a política por baixo e contribui para a sobrevivência dos maus políticos. Alimenta a “crise de vocação” para a política entre os cidadãos. Daqui a pouco será mais difícil encontrar vocações políticas entre lideranças autênticas da sociedade do que jovens celibatários com vontade de ser padre.
A reforma
Eis o arremedo de reforma em pauta na Câmara: a “lista fechada” de candidatos a vereador, deputado estadual e deputado federal priva o eleitor de escolher seu candidato. Os eleitos sairão da lista feita pela burocracia partidária. O “financiamento público” irá sobretudo para os grandes partidos do status quo. Candidatos não poderão arrecadar pequenas doações de militantes pela internet. A “fidelidade partidária” será rompida pela janela do troca-troca de partido um ano antes da eleição. A regra de inelegibilidade, a pretexto de moralizar a política, fortalecerá as oligarquias regionais e a “partidarização” da Justiça estadual. O fim das coligações proporcionais liquidará os pequenos partidos renovadores ou representantes de minorias. A redistribuição do tempo de televisão dos partidos que não lançarem candidatos majoritários subordinará os sistemas de aliança a prefeitos, governadores e ao presidente da República. A cláusula de barreira será o golpe de misericórdia nos que resistirem à concentração da representação política nos grandes partidos, cassando o mandato dos representantes de minorias.
A pseudorreforma tem um viés “americanista”, cujo objetivo é forçar a construção de um sistema partidário bipolar protagonizado pelo PT e pelo PSDB. A reforma política da Itália de 2008 teve objetivo semelhante. Fruto de um acordo tácito entre Walter Veltroni, líder do Partido Democrático, e o magnata Sílvio Berlusconi, facilitou a unificação da direita italiana no Partido da Liberdade. Resultado: Veltroni perdeu a eleição e Berlusconi voltou ao poder pela terceira vez, com apoio da maioria dos trabalhadores assalariados. A velha esquerda (Reconstrução Comunista, Verdes, Esquerda Democrática) foi varrida do Parlamento.
Avalio que a reforma política não passa no Congresso. Somente suas propostas mais casuístas, como a janela para o troca-troca partidário, têm chance de aprovação. A grande mudança possível no nosso sistema eleitoral, o voto distrital puro ou misto, sequer foi cogitada. Essa, sim, seria capaz de aperfeiçoar nossa democracia de massas. Como? Ao aproximar o eleitor de seu representante no Congresso, baratear a eleição e facilitar a fiscalização dos parlamentares por seus representados.
Publicada hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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