Correio Braziliense : 07/01/2017
O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”
Desde o início da Operação Lava-Jato, o Palácio do Planalto sustenta o discurso de que é preciso salvar da insolvência as empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras, até para obter o ressarcimento do dinheiro desviado dos cofres públicos. Argumenta que a economia não pode ser prejudicada, é preciso salvar o emprego e a engenharia nacional estaria em risco de sobrevivência.
O mesmo discurso foi entoado pelos advogados das empresas, cujos executivos e alguns proprietários estavam diretamente envolvidos no escândalo, a ponto de alguns serem presos. Ao apagar das luzes de 2015, no vácuo do recesso do Congresso e do Judiciário, e em meio ao clima de Jingle Bells – “Bate o sino, pequenino, sino de Belém...” – que caracteriza as viradas do ano-novo, o governo fez dois movimentos para salvar as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras.
O primeiro é um verdadeiro presente de Mamãe Noel, que está dando a maior confusão. A MP 703, de 18 de dezembro, alterou as regras dos acordos de leniência. As punições foram abrandadas e o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) acabaram escanteados das negociações dos acordos, que somente apreciarão como fatos consumados. O segundo foi a tunga de R$ 133 milhões no orçamento da Polícia Federal, limitando ainda mais sua capacidade operacional nas investigações.
As duas medidas causaram forte reação das duas corporações envolvidas nas investigações, os procuradores federais e os delegados federais, respectivamente. Mas é o Tribunal de Contas de União (TCU), o órgão externo de controle das finanças públicas, que está estrilando mais por não participar das negociações dos acordos. O envolvimento do TCU, porém, politiza o assunto, porque remete à rejeição das contas de Dilma Rousseff de 2014 e à discussão sobre o impeachment.
Mas é evidente que a mudança da legislação terá impacto na Operação Lava-Jato. Foi feita para acelerar acordos de leniência que estavam sendo negociados discretamente pela Controladoria-Geral da União com seis das 26 empresas envolvidas no escândalo da Petrobras. A primeira é a UTC Engenharia, cujo proprietário, Ricardo Pessoa, liderou o cartel de empreiteiras do esquema de propina, aderiu à delação premiada e hoje goza do regime de prisão domiciliar.
Engevix, Galvão Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Toyo Setal são as demais empresas da lista. Os acordos implicam no ressarcimento dos prejuízos comprovados, mas as mudanças nas regras do jogo são vistas pelos investigadores da Lava-Jato como uma espécie de pacto entre o governo e os empreiteiros, uma vez que a MP já em vigor permite que as empresas continuem a prestar serviços ao governo.
“Omertà”
A salvação das empresas, porém, seria uma espécie de moeda de troca para evitar novas delações premiadas. Segundo procuradores e delegados, o silêncio dos empresários protegeria os agentes políticos envolvidos no escândalo. Diga-se de passagem, os mesmos que podem garantir a aprovação das mudanças contidas na MP na Câmara e no Senado.
Como se sabe entre os advogados que atuam na Lava-Jato, o entendimento geral é de que as delações premiadas somente estão ocorrendo em razão da prisão preventiva dos acusados: diretores e gerentes da Petrobras, empreiteiros e executivos de empresas, lobistas e doleiros. A manutenção dessas prisões pelo Supremo Tribunal Federal, que tem rejeitado quase todos os pedidos de habeas corpus, fez com que as delações funcionassem como uma espécie de efeito dominó.
Entretanto, o impacto das investigações nas empresas, que quase entraram em colapso, também foi determinante para que as delações ocorressem. No caso dos proprietários que aderiram à delação premiada, esse era o caminho para obter os acordos de leniência para salvar as empresas. Agora, com as novas regras, não é mais. Uma coisa independerá da outra. Os investigadores temem que as empresas pactuem uma linha de defesa comum e novamente recorram ao pacto de silêncio, uma espécie de “omertà” mafiosa.
O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”, um problema da teoria dos jogos muito estudado pelos criminalistas. Funciona assim: A e B, são presos pela polícia, que tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: confessar e testemunhar contra o outro. Se um deles permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro decide sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro.
Com a delação premiada, é mais difícil manter esse tipo de pacto de silêncio. É o que aconteceu na Operação Lava-Jato.
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