Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/01/2016
 Os instrumentos tradicionais da política
 monetária não são suficientes para controlar a inflação. Mesmo os 
economistas liberais já não acreditam nisso 
O poema épico Nevoeiro, de
 Fernando Pessoa, ilustra bem a situação que o Brasil está passando. É o
 último de sua obra mais importante, Mensagem, no qual o genial poeta 
português resgata o passado de glórias de Portugal na tentativa de 
contribuir para que a nação superasse a decadência econômica e a 
desorientação política em que se encontrava. Lançada em 1934, a obra é 
dividida em três partes: Brasão, na qual canta a formação da 
nacionalidade, os heróis lendários e históricos; Mar Português, que 
narra as descobertas, a aventura marítima e a conquista do Império; e O 
Encoberto, a decadência e a esperança, impregnada de “sebastianismo”. 
Modernista, Pessoa dialoga com o renascentismo de Os Lusíadas, a 
obra-prima de Luís Vaz de Camões. Nevoeiro é o último dos 44 poemas de 
Mensagem:
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
O
 poema serve de metáfora para a crise política (Nem rei nem lei), de 
valores (Ninguém conhece que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem) e
 de identidade (Tudo é incerto e derradeiro/ Tudo é disperso, nada é 
inteiro) que Portugal atravessava na época, mas serve de boa analogia 
para os problemas que estamos enfrentando. O primeiro deles é a falta de
 liderança da presidente Dilma Rousseff para conduzir o país a um porto 
seguro. Sem apoio popular e credibilidade, a presidente da República não
 consegue oferecer uma alternativa efetiva para a crise. Tudo fica no 
blablablá.
A crise de valores é o segundo grande problema, 
desnudado pela Operação Lava Jato. As iniciativas no sentido de barrar 
as investigações sobre o escândalo da Petrobras mostram que a fronteira 
entre o mal e o bem no mundo político deixou de existir, pois as 
iniciativas do governo são todas no sentido de dificultar ou esvaziar as
 investigações. A mais recente foi revelada ontem: o relator da polêmica
 medida provisória dos acordos de leniência, deputado Vicente Cândido, 
quer conceder anistia aos proprietários e executivos condenados na 
Operação Lava-Jato caso suas empresas façam os acordos e restituam o 
dinheiro desviado ao Erário. O grande objetivo da medida provisória é 
permitir que essas empresas continuem prestando serviços ao governo.
A
 crise de identidade dos partidos políticos é o terceiro, a principal 
delas representada pelo “transformismo” petista, que passou a operar a 
política como balcão de negócios. Nada mais natural no capitalismo, mas 
esse papel caberia um partido conservador, tradicional, e não a um 
partido que chegou ao poder com um discurso “classista”. Essa crise se 
agrava ainda mais porque estabelece um conflito entre a política 
praticada pelo governo e as reivindicações dos movimentos sociais que 
ainda lhe dão sustentação.
A crise econômica, porém, 
se aprofunda e dela emerge a crise social. Com recessão de quase 4%, 
inflação acima de 10% e taxa de desemprego da ordem de 9%, o governo não
 sabe para que lado pretende ir. Os instrumentos tradicionais da 
política monetária já não são suficientes para controlar a inflação. 
Mesmo os economistas liberais já não acreditam nisso, em razão do fato 
de o governo insistir em gastar mais do que arrecada. Por isso, o Banco 
Central terá que fazer uma escolha de Sofia: aumentar ou não os juros, 
que já estão em 14,25% (Selic) e podem passar a 14,50%. Se não 
aumentar, será sócio da inflação alta; se o fizer, do desemprego. A 
missão do BC, porém, é controlar a moeda.Se não cuidar disso, quem o fará?
O governo, porém, continua recorrendo a subterfúgios para gastar mais 
do que deveria. Desconsidera o fato de que esse não é apenas um problema
 legal, que pode inclusive motivar a aprovação do impeachment da 
presidente Dilma Rousseff, mas um fator de desequilíbrio econômico e 
desestabilização da moeda. Pagou as “pedaladas fiscais” de 2014 e 2015, 
num total de R$ 55 bilhões, com recursos da “Conta Única” do Tesouro no 
Banco Central. Transformou em moeda circulante os superavits financeiros
 de diversos contas de fundos federais, que agora serão gastos como o 
governo quiser. O saldo da “Conta Única” é de R$ 1 trilhão. É muita 
tentação!

 
 
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