Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/01/2016
O
modelo de financiamento adotado não é compatível com o sistema
eleitoral vigente — as eleições proporcionais — devido ao número de
candidatos e ao tamanho dos colégios eleitorais
Há uma desorientação
geral nos partidos políticos quanto ao financiamento das campanhas
eleitorais, em razão das novas regras estabelecidas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), que proibiu o financiamento privado de pessoas
jurídicas, e do Tribunal Superior Eleitoral, que estabeleceu os limites
das doações individuais para cada partido, município por município, com
base nos gastos declarados pelas legendas nas eleições passadas.
Como
quase tudo o que acontece quanto às relações entre a União e os demais
entes federados, a fórmula seguiu os preceitos positivistas que fundaram
a República: partiu-se do princípio de que todos os políticos
defenderão o bem comum. Na prática, a maioria defende as respectivas
corporações ou os grupos econômicos aos quais estão ligados, por razões
geográficas ou ramos de negócio. Raros são aqueles que ainda se elegem
pelo voto de opinião. Quando isso acontece, muitas vezes, o voto é uma
forma de protesto contra a política e os políticos.
Criou-se,
porém, um “buraco negro” na legislação: partidos e candidatos não sabem
como vão financiar a próxima campanha eleitoral. A cúpula dos partidos
políticos lava as mãos. Como as eleições são municipais, os caciques vão
determinar suas prioridades e ver o que vai acontecer, para depois
mudar a legislação, como sempre fazem, quando estiverem em jogo os
mandatos estaduais e federais. Mesmo com a elevação dos valores do Fundo
Partidário, que foram triplicados, as verbas disponíveis para o
financiamento público, via as direções nacionais dos partidos, são
consideradas insuficientes para bancar os custos da campanha nos
municípios.
Marqueteiros e dirigentes partidários avaliam que as
campanhas terão que se redimensionar, com mais peso às redes sociais e
ao corpo a corpo com os eleitores, o chamado pé no barro. Os programas
de televisão, porém, continuarão a fazer a diferença junto à grande
massa de eleitores que só se interessa pela política às vésperas da
eleição. E continuarão sendo como um vestido de noiva, isto é, quanto
mais caro, mais bonito. Além disso, houve a “mercantilização” absoluta
das campanhas eleitorais, mesmo em pequenos municípios do interior. São
raros os militantes que ainda fazem campanha sem receber algum dinheiro
em troca.
Essa “profissionalização” de cabos eleitorais e equipes
de campanha é uma espécie de dependência química. Um verdadeiro
exército mercenário vive agora uma crise de abstinência, pois as
eleições se aproximam e o dinheiro que costumava circular nas campanhas
eleitorais até agora não apareceu. Haja vista que, segundo a ONG
Transparência Brasil, as campanhas municipais custaram R$ 4,6 bilhões há
quatro anos; em 2014, nas eleições nacionais e estaduais, o
financiamento superou R$ 5 bilhões.
O Fundo Partidário, a ser
repartido entre todas as legendas, será de R$ 819 milhões. É quase três
vezes maior do que o de 2014 (R$ 289,5 milhões), porém, menor do que o
liberado no ano passado: R$ 867,5 milhões. Diante disso, avalia-se que
os prefeitos candidatos à reeleição e candidatos apoiados pelas máquinas
municipal, estaduais e federal terão maiores chances. Contarão com os
funcionários contratados pelas administrações, além da ajuda de
fornecedores, para estruturar suas campanhas. Mas isso, é bom lembrar,
também implica em risco de cassação por abuso do poder econômico.
Remendos
A
proibição do financiamento de empresas às campanhas eleitorais pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) teve amplo apoio da opinião pública, mas
nem por isso deixou de ser uma intervenção errática e intempestiva no
processo político, como outras decisões da Corte. Como o STF e o TSE só
decidem sobre assunto provocado pelos partidos políticos ou terceiros, o
que explica essas decisões, o Judiciário não tem a prerrogativa de
propor uma reforma política, o que caberia ao Executivo, muito menos de
aprová-la, o que cabe ao Congresso. Faz apenas remendos.
O grande
problema é que o modelo de financiamento adotado não é compatível com o
sistema eleitoral vigente — as eleições proporcionais — que implicam em
campanhas dispendiosas devido ao número de candidatos e ao tamanho dos
colégios eleitorais. Seria mais coerente a adoção do voto distrital ou
distrital misto, o que poderia ter sido feito como experiência nessas
eleições municipais, por lei ordinária, ou seja, sem necessidade de
emendas à Constituição. Ocorre que a maioria dos partidos e dos
políticos, principalmente os deputados, desacostumados às disputas
majoritárias, são contra a mudança.
Em tese, o novo sistema de
financiamento estimula pequenas doações de pessoas físicas, o que
contribuiria para resgatar a militância partidária e democratizar as
campanhas eleitorais, inibindo o poder econômico. Entretanto, a
desmoralização da política e dos partidos, devido aos escândalos e à
corrupção, afasta os cidadãos da política e inibe as doações. Na
prática, quem já tem um caixa dois de campanha fará uso dele nas
eleições de forma dissimulada. O forte da Justiça Eleitoral não é
impedir que isso ocorra, é evitar fraudes na votação e na apuração. Caso
também o fosse, não haveria Operação Lava-Jato.
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