Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 05/04/2015
A esperta estratégia de deixar o câmbio e a inflação fazerem o serviço sujo do ajuste fiscal tem seu preço
Sabe o que significa lame duck? Na gíria política norte-americana, é o
político em fim de mandato, em minoria no parlamento, sem poder ou
influência, que apenas aguarda a posse do sucessor. A expressão surgiu
de um velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead
duck, isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”.
Ocorre
que um prefeito, governador ou presidente da República jamais será um
pato morto, sempre terá algum poder para ajudar os aliados ou prejudicar
os adversários. Ou seja, é melhor chamá-lo de “pato manco”. Se essa
prudência serve para um político em fim de mandato, o que dirá então
para uma presidente da República que acaba de ser reeleita, como é o
caso de Dilma Rousseff.
E o “voo da galinha”? É uma gíria de
economistas, que tem a ver com certa característica da economia
brasileira, incapz de ter um crescimento sustentável. Galinhas são
animais que ainda encontramos vivos em sítios e quintais de subúrbios;
nos grandes centros urbanos, hoje, só abatidas, depenadas e congeladas,
no freezer do supermercado. Raramente podemos vê-las voando. Ela precisa
de espaço para ganhar impulso e dar seu voo curto.
Dilma venceu
as eleições em 2010 graças a um voo de galinha da economia, cujo PIB
cresceu 7,5% naquele ano e 3,9%, em 2011. Mas aterrissou em 2012, com um
crescimento do PIB de 1,8% — em valores revisados pelo IBGE no mês
passado. Como uma czarina da economia, a presidente da República tentou
fazê-la voar novamente, com anabolizantes, mas a galinha não aguentou o
tranco.
Com a queda forçada dos juros e expansão do crédito ao
consumidor, desonerações fiscais e contenção artificial das tarifas
públicas, o Brasil cresceu 2,7% em 2013. No ano passado, como o governo
maquiou as contas públicas, “pedalou” parte das dívidas para este ano e
gastou muito mais do que arrecadou. Resultado: o país parou. O
crescimento do PIB de 2014 foi de apenas 0,1%, ou seja, quase nada. Tudo
isso foi mascarado pela maciça propaganda oficial e, nas eleições,
pelos programas eleitorais do PT.
O ajuste fiscal
Em
começo de mandato, a presidente Dilma, porém, ainda sonha com um novo
voo de galinha. Esse é o discurso oficial para aprovação do ajuste
fiscal pelo Congresso. Ou seja, a promessa de que após os sacrifícios
que estão sendo impostos ao país, haverá um novo ciclo de crescimento.
O
discurso do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai na mesma direção,
com objetivo de acalmar a base do governo e agradar a presidente da
República. Mas ele sabe que as contas da equipe econômica não fecham,
que a recuperação da economia não está garantida para 2016 e que o
ajuste fiscal, politicamente, é uma negociação na qual terá que fazer
mais concessões. Além disso, a esperta estratégia de deixar o câmbio e a
inflação fazerem o serviço sujo do ajuste tem seu preço.
Vejamos
o caso das dívidas dos estados e municípios, cuja votação foi adiada
para esta semana. A federalização das dívidas estaduais, no governo
Fernando Henrique Cardoso, foi um dos pilares do Plano Real. Mas os
juros cobrados pelo Ministério da Fazenda na renegociação foram elevados
demais, o que fez com que os saldos devedores das novas dívidas dos
estados, mesmo com os pagamentos anuais realizados, crescessem de forma
insuportável.
A renegociação das condições pactuadas em 1997 é
uma reivindicação antiga de governadores e prefeitos. Agora, com o
cobertor curto, o estresse acumulado ao longo dos anos pelo custo
excessivo da dívida federalizada resultou num projeto de lei aprovado
pela Câmara e na pauta do Senado que corrige seu saldo devedor. O
Tesouro Nacional terá uma perda estimada de R$ 3 bilhões nas receitas
com essa mudança de indexador. O que Levy negocia é o adiamento da
mudança do indicador para 2016 porque conta com esses recursos para o
ajuste fiscal. Bom, se for bem-sucedido, o problema estará apenas adiado
por um ano.
Vamos supor, porém, que o ajuste seja feito com
pleno êxito e venha mais um voo de galinha no fim de 2016. Mesmo assim a
presidente Dilma Rousseff não ficará livre da síndrome do pato manco. A
pesquisa Ibope/CNI, realizada entre 21 e 25 de março, mostra que sua
gestão é considerada ruim ou péssima por 64% dos brasileiros, índice
igual ao do presidente José Sarney em julho de 1989, no auge da
hiperinflação e no fim de seu mandato. Apenas 12% dos entrevistados a
consideram boa ou ótima.
Dilma perdeu a principal base eleitoral
do governo, desde a eleição de Lula em 2002: 60% dos mais pobres, 56%
dos menos escolarizados e 55% dos eleitores do Nordeste consideram o
governo ruim ou péssimo. Além disso, 76% da população avaliam que o
segundo mandato de Dilma está pior do que o primeiro; e 55% acreditam
que o restante do mandato será ruim ou péssimo. Para muitos analistas,
essa fratura na base social é irreversível.
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