Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 01/04/2015
Enquanto o ajuste fiscal navega como pau de enchente no Congresso, a
situação da economia se agrava. Os números são bem piores
do que o esperado
Todas as fichas do governo foram apostadas na negociação do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o PMDB para aprovação do ajuste
fiscal pelo Congresso. Não é um acordo fácil, apesar do desempenho do
ministro na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado ontem ter sido
considerado satisfatório pelo governo e pelos caciques do PMDB. Os
líderes do partido fizeram um acordo com Levy em relação às dívidas dos
estados.
O projeto aprovado pela Câmara obriga o governo a abater parte da
dívida que estados e prefeituras têm com a União, medida que teria, em
um ano, impacto da ordem de R$ 3 bilhões para o Executivo. De acordo com
Levy, o governo não pode deixar de ganhar essa receita.
Na verdade, a reunião de ontem da CAE foi cercada de grande
expectativa, mas acabou como uma espécie de Batalha de Itararé (SP),
aquela que seria uma carnificina entre governistas e rebeldes na
Revolução de 1930, mas acabou não acontecendo, porque os moradores
receberam Getúlio Vargas em festa.
Na audiência pública, Levy fez um aceno ao PT ao dizer que o Brasil
foi um dos únicos países que baixou imposto nos últimos anos — "fizemos
mais cortes de impostos do que ampliação de gastos, em comparação com
outros países" — e outro para o PMDB, ao sustentar que o ajuste é uma
"plataforma para a retomada do crescimento".
Também mandou confete para o PSDB: "FHC mudou o câmbio e mudou o
ajuste fiscal, que de 1994 a 1998, tinha sido uma economia mais
relaxada. Ele fez um ajuste fiscal importante para reequilibrar e voltar
a dar condições de competitividade".
O discurso de Joaquim Levy foi um recado de que governistas e
oposicionistas estão na mesma canoa ameaçada de naufrágio, do ponto de
vista da crise econômica. Isto é, precisam do ajuste fiscal para evitar o
desastre nos estados e municípios que controlam.
Nas futuras votações
do Congresso é que saberemos se esse discurso colou. Ontem, deu uma
desanuviada nas negociações em relação ao indexador das dívidas dos
estados e municípios e à convalidação dos incentivos fiscais dos
estados.
Levy chegou ao Congresso fortalecido pelo fato de a presidente
Dilma ter digerido as críticas que fizera a ela, na semana passada,
durante encontro com professores e ex-alunos da Universidade de Chicago,
da qual foi aluno. Também foi beneficiado pelo discurso de Dilma
Rousseff na posse do novo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva.
A presidente da República acenou com uma espécie de bandeira branca
para a mídia: "A liberdade de imprensa, para mim e para o meu governo, é
uma das pedras fundadoras da democracia. A liberdade de expressão da
qual a liberdade de imprensa é uma pedra fundamental é a grande
conquista do processo de redemocratização do nosso país".
Dilma também mandou sinais de fumaça para a oposição: "Liberdade de
expressão e liberdade de imprensa são, sobretudo, o exercício do
direito de ter opiniões, do direito de criticar e apoiar, tanto
políticas quanto o governo. O direito de ter oposições e o direito de
externá-las sem consequências e sem repressão", afirmou.
Estados e municípios
Levy negociou uma alternativa à mudança em 30 dias no indexador da
dívida dos estados e municípios, aprovada pela Câmara na semana passada,
que tem impacto fiscal estimado em R$ 3 bilhões ao ano. A proposta dele
é manter os indexadores das dívidas como estão durante o ano,
ressarcindo os estados e os municípios no fim de 2015. "Para os estados,
também está sendo um ano de desafio", afirmou.
A proposta dividiu o Senado, a ponto de o colégio de líderes ter
proposto a inversão da pauta de ontem, para votar primeiro a
consolidação dos incentivos fiscais concedidos pelos estados e só depois
o indexador das dívidas.
A maioria dos senadores, independentemente dos partidos, temia que a
sessão fosse esvaziada depois da votação do acordo indexador. "Esse não
é um assunto partidário nem de governo. Esse é um assunto dos estados,
que essa Casa representa", justificava o senador Walter Pinheiro
(PT-BA). Após a inversão da pauta, a votação das propostas foi adiada
para a próxima semana. Ponto para Levy.
Suspeitava-se de uma acordo de Levy com os governadores de São
Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB); do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão
(PMDB-RJ); e de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), para esvaziar a
votação da consolidação dos incentivos concedidos pelos demais estados,
na guerra fiscal contra a Região Sudeste.
Levy acena com uma mudança no Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), com uma alíquota maior no destino, onde a
mercadoria é consumida, do que na origem, onde ela é produzida, para
pôr um fim ao contencioso entre os estados. Essa é mais uma polêmica,
pois os senadores querem criar dois fundos, um de compensação e outro de
desenvolvimento, para aceitar a proposta.
Enquanto o ajuste fiscal navega como pau de enchente no Congresso, a
situação da economia se agrava. O Banco Central divulgou ontem os
resultados das contas públicas em fevereiro. Os números são bem piores
do que o esperado: as receitas subiram 0,1%, e as despesas, 5,5%. Em
fevereiro, foram R$ 2,3 bilhões no vermelho, ou seja, mais dificuldade
para alcançar a economia de R$ 66 bilhões prevista como meta para o
superavit primário.
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