Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/03/2014
Deputados e senadores talvez tenham mais desenvoltura no trato de
grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas
públicas
Uma
das maneiras de traçar uma linha divisória entre os políticos é uma
clássica definição de Max Weber, em notável conferência realizada em
1918, na Alemanha, intitulada “A política como vocação”. A definição
weberiana de político é nua e crua: o homem que se entrega à política,
aspira ao poder — seja porque o considere como instrumento a serviço da
consecução de outro fim, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder
“pelo poder” para gozar do sentimento de prestígio que ele confere.
Sendo assim, haveria dois tipos de políticos: aqueles que “vivem para a
política” e aqueles que “vivem da política”.
Para Weber, “todo
homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não
impede que a diferenciação econômica dos que “vivem para” e dos que
“vivem da” política seja relevante. Segundo ele, nem o operário, nem o
empresário estão disponíveis suficientemente para a política. Por isso,
para a sobrevivência dos partidos políticos — e da própria democracia — é
preciso a existência de pessoas que “vivam da” política e a tenham como
atividade principal. A consequência prática é uma camada numerosa de
dirigentes políticos formada a partir de critérios plutocráticos: o
partido que tem mais recursos econômicos para disponibilizar políticos
profissionais elege mais e tem mais poder. Vem daí, por exemplo, a crise
atual entre PT e PMDB.
Nas democracias ocidentais, capitalistas,
a política como bem comum ou como negócio também seria um divisor de
águas do que se convencionou chamar de esquerda e de direita,
respectivamente. Não é isso, porém, que ocorre de fato no Congresso. No
Brasil, todos os políticos se dizem defensores do bem comum e jamais
aceitam publicamente a condição de que veem a política como negócio,
além de raros serem aqueles que aceitam a condição de político de
direita, conservador ou reacionário nem sequer neoliberal. E a esquerda
já não é a mesma de outrora.
A negociação
A
maioria dos nossos deputados e senadores talvez tenha mais desenvoltura
no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de
políticas públicas, que, aliás, estão hegemonizadas por grandes
interesses privados. Não levam em conta os aspectos que envolvem a
chamada vida banal, ou seja, a eficiência e a qualidade dos serviços
públicos que são efetivamente prestados aos cidadãos comuns no seu dia a
dia. O Palácio do Planalto estimula esse status quo porque isso
facilita a dominação de Estado e interdita o debate sobre o acerto ou
não de suas decisões pelo Parlamento e pela sociedade. E la nave vá, até
que surja uma crise.
Foi o que ocorreu na semana passada entre a
presidente Dilma Rousseff e sua própria base, com a formação de um
“blocão” independente encabeçado pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).
Não há precedentes de uma derrota tão esmagadora do governo como a da
semana passada, quando foi aprovada a criação de uma comissão externa
para investigar denúncias contra funcionários da Petrobras e o governo
contou somente com 28 votos em plenário. Também foi inédita a convocação
de 10 ministros pelas comissões da Câmara num único dia.
O
artífice da derrota de Dilma Rousseff foi Cunha, que o Palácio do
Planalto tenta desmoralizar e isolar, porque seria um parlamentar que vê
a “política como negócio”. Ora, essa é essência do sistema de forças
governistas no Congresso e do aggiornamento do PT, cuja bancada hoje tem
muita desenvoltura ao atuar junto ao mundo empresarial. Aconselhada
pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo vice-presidente
Michel Temer, que conhecem os bastidores do Congresso e das negociações
com a base, Dilma Rousseff recuou e abriu negociações com Cunha. O
ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi encarregado de
recebê-lo no Palácio do Planalto para tratar dos “pleitos” dos rebeldes.
É preferível manter o monopólio dos grandes negócios no país no
Executivo e confinar as negociações com os aliados da base governista à
“pequena política”.
Mercadante foi autorizado a negociar a
liberação de verbas, nomeações para cargos no governo e estatais,
espaços eleitorais nos estados, concessões de emissoras de rádio,
atendimento de demandas de evangélicos, toda sorte de reivindicações
individuais da bancada rebelde. O problema é que Cunha sabe das coisas e
meteu o pé na porta. Já provou que é capaz de barrar na Câmara dos
Deputados grandes acertos feitos pelo governo no meio empresarial, como
ocorreu, por exemplo, na MP dos Portos. Quer ser tratado como grande
interlocutor no Congresso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário