Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José
Genoino dificilmente será cassado. É o chamado "efeito Orloff": eu sou
você amanhã
Notificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as prisões
decretadas na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, a Mesa Diretora
da Câmara tentou iniciar ontem o processo de cassação do deputado
federal José Genoino (PT-SP), único parlamentar dos condenados na Ação
Penal 470 cuja sentença transitou em julgado. Mas o processo não andou
porque parlamentares petistas pediram vista, adiando a decisão. Genoino
estava preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, e, ontem, ganhou o
direito de cumprir pena no hospital ou em casa, provisoriamente, devido
ao seu estado de saúde. De acordo com a decisão do STF, o ex-presidente
do PT deve perder o mandato automaticamente por ter sido condenado, mas
o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou
que o processo siga a mesma tramitação ocorrida no caso do deputado
Natan Donadon (sem-partido-RO).
Como se sabe, após o Supremo ter condenado Donadon a 13 anos de prisão
por peculato e formação de quadrilha, o plenário da Câmara, em votação
secreta, absolveu o deputado no processo de cassação de mandato. Foram
233 votos favoráveis ao parlamentar, 131 votos contrários e 41
abstenções. Ele também está preso na Papuda. A decisão trouxe grande
desgaste para a Câmara e seu presidente, mas era parte de uma estratégia
que visava a criar um precedente em relação aos condenados da Ação
Penal 470 que ainda exercem mandato: além de Genoino, os deputados Pedro
Henry (PP-GO), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP).
O deputado federal Natan Donadon foi condenado em
definitivo pelo STF a partir de atos ilícitos que praticara quando
exercera a função de diretor financeiro da Assembleia Legislativa de
Rondônia. Há meses cumpre pena privativa de liberdade no Presídio da
Papuda, em Brasília, mas continua com o mandato. Transitada em julgada,
sua condenação implicaria na cassação, nos termos do artigo 55º, inciso
VI, da Constituição Federal, mas não perdeu o mandato porque a votação
foi secreta. Houve manobra nos bastidores da sessão para criar um
impasse entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal quanto à questão
dos mandatos. Na verdade, a intensa mobilização para levar o caso
Donadon a plenário, e não decidi-lo no âmbito da Mesa Diretora, nada
teve a ver com o desejo de salvá-lo. Deputado do chamado baixo clero,
Donadon nunca foi prestigiado entre os cardeais da Câmara. Tratava-se de
criar o paradigma para lidar com os deputados condenados pelo Supremo
no processo do mensalão.
Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José
Genoino, que se licenciou do mandato para tratar da saúde e que pleiteia
a aposentadoria por invalidez (um direito adquirido graças às
contribuições para o instituto de previdência dos parlamentares), sabe
que o petista dificilmente será cassado. Genoino é querido pelos colegas
e sempre teve atuação destacada. Quando houve as cassações por falta de
ética do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-presidente do
PTB Roberto Jefferson, também condenados na Ação Penal 470, a situação
era muito diferente. O PT e o PMDB viviam às turras, a oposição tinha
mais força em plenário e o país ainda estava sob o impacto do relatório
da CPI dos Correios. Além disso, os dois eram considerados arrogantes
pelos colegas. Tanto era assim que o deputado João Paulo Cunha (PT-SP),
ex-presidente da Casa, escapou da cassação sem renunciar ao mandato. Foi
salvo pelos próprios colegas. À época, Genoino estava sem mandato.
Por tudo isso, a próxima semana promete fortes emoções no Congresso. O
Senado já aprovou uma lei que determina a cassação automática de mandato
dos parlamentares condenados criminalmente, mas isso ainda depende do
referendo da Câmara. Por sua vez, os deputados aguardam a aprovação do
fim do voto secreto no Congresso pelos senadores. Esse jogo de empurra
deveria ter se resolvido nesta semana, mas ficou para a próxima. Nada
garante que termine. Por isso mesmo, caso se confirme a votação do
pedido de cassação de Genoino, em escrutínio secreto, provavelmente o
desfecho da votação será igual ao do caso Donadon. Ou seja, o petista
não será cassado. Para muitos parlamentares, que respondem a processos
na Justiça, o caso Genoino teria o chamado "efeito Orloff": eu sou você
amanhã.
O discurso do PT e de seus aliados no mundo jurídico, no sentido de
desqualificar a Ação Penal 470 como um julgamento justo, estigmatizar o
presidente do STF, Joaquim Barbosa, como magistrado que atropela a boa
norma jurídica e de tratar os condenados do mensalão como presos
políticos — e não como políticos que foram presos por crimes comuns —
faz parte de uma estratégia para preservar os mandatos de Genoino e de
João Paulo e desmoralizar as decisões da Corte Suprema quanto ao
mensalão. No Estado Democrático de Direito, quem faz as leis não
interpreta as leis. Por isso, estamos na iminência de um impasse
institucional entre o Legislativo e o Judiciário, que passarão a ser
Poderes independentes e desarmônicos, com a ajuda do presidente do STF,
Joaquim Barbosa, que pesou a mão ao mandar Genoino para a cadeia sem
considerar a saúde frágil dele.
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