Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo |
Correio Braziliense - 20/11/2013 |
O
velho padrão de financiamento da política -- em bom português, o saque
aos cofres públicos por meio do superfaturamento -- está esgotado
De toda a polêmica sobre a Ação Penal 470, que levou à condenação o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, a questão central é a existência ou não do mensalão — que o PT diz ser um caixa dois de campanha oriundo de um empréstimo bancário. Sobre ela, porém, os políticos deveriam tirar a seguinte conclusão: trata-se de um erro de conceito. Foi-se a época em que o destino dado ao dinheiro não declarado da campanha eleitoral distinguia o político honesto do corrupto, desde que o primeiro não usasse o recurso para formar patrimônio — o que é cada vez mais raro —, mas, sim, na campanha propriamente dita. Herança da nossa política tradicional, há muito isso poderia dar cadeia. E agora deu. Essa é a maior lição da Ação Penal 470, que levou à condenação quase todos os réus do escândalo do mensalão. A ideia de que os fins justificam os meios é uma espécie de ovo da serpente da perversão política. E raiz de uma velha tensão entre os políticos e a burocracia nas democracias, que se traduz de forma clássica na definição de Max Weber: os primeiros se movem pela ética das convicções e, os segundos, pela ética da responsabilidade. Essa tensão é que garante a legitimidade dos meios empregados na ação. Na nossa política, porém, isso se traduz pelo senso comum de que os políticos só pensam nas eleições e a burocracia só atrapalha. Um bom exemplo de como isso acontece na prática é o caso das obras da Copa do Mundo, que ganharam um regime especial de contratação, para que as exigências da Fifa fossem cumpridas dentro dos prazos, pois as licitações demoram e dão muito trabalho. O que se viu na Copa das Confederações é que o assunto não se resolve apenas porque os políticos do Congresso facilitam a vida dos políticos do Executivo. O povo nas ruas cobrou outras prioridades das autoridades e tudo indica que, no próximo ano, durante a Copa do Mundo, esse tema ainda dará muitos panos para as mangas da presidente Dilma Rousseff e dos governadores e prefeitos envolvidos diretamente com os jogos, mesmo sendo o futebol uma paixão nacional. Mas, voltando ao tema inicial, no caso da Ação Penal 470, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve desvio de dinheiro público para comprar votos no Congresso, tese que fundamentou o relatório do presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa. Esse entendimento foi, desde o início, contestado pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que hoje atua como advogado no processo, segundo o qual se tratava de um caixa dois de campanha, formado a partir de empréstimos bancários contraídos pelo PT. O fato não seria do conhecimento do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O argumento serviu para evitar um processo de impeachment e grave crise institucional, mas não salvou os envolvidos no escândalo das duras condenações que sofreram. O desfecho do processo provocou um verdadeiro Fla-Flu entre os petistas e a oposição, uns defendendo as condenações, outros criticando. O clima se tornou ainda mais emocional pelo fato de que o ex-presidente do PT José Genoino tem uma cardiopatia grave, que quase já lhe tirou a vida. Acabou condenado por ser corresponsável legal por toda a movimentação financeira do partido. Mas, provavelmente, sabia da heterodoxia do tesoureiro Delúbio Soares. Os políticos governistas dos demais partidos, mesmo aqueles que comandam as legendas de Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-GO), porém, fingem-se de mortos diante das agruras dos aliados. Por quê? Ora, porque sabem que essa é uma batalha perdida na opinião pública, que endossa as condenações, independentemente da qualidade das críticas de juristas e advogados à atuação do presidente do STF, Joaquim Barbosa. No Congresso, há um amplo entendimento de que o velho padrão de financiamento da política — em bom português, o saque aos cofres públicos por meio do superfaturamento — está esgotado. Cada vez mais, a burocracia encarregada de zelar pelos recursos públicos — destaque para o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal, que ganharam autonomia com a Constituição de 1988 — aumenta o grau de eficiência de seus mecanismos de controle e de investigação. O risco que isso traz aos políticos que desviam recursos públicos para campanha é cada vez maior. A velha diferença entre quem formava patrimônio e quem gastava o dinheiro na campanha já não faz o menor sentido. Além disso, a Lei da Ficha Limpa e o desfecho da Ação Penal 470 mostram que a impunidade para esse tipo de prática acabou. |
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Erro de conceito
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2 comentários:
Análise lúcida e precisa!Parabéns ao articulista pelo texto.Parabéns.
Hélvio Varjão
Obrigado pela força, meu caro!!!!
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