Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/07/2014
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União
Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o
“complexo de vira-latas”, entra numa briga de cachorro grande
O Brasil
assinou ontem um acordo com a Rússia, a Índia, a China e a África do
Sul — os demais integrantes dos Brics — para a criação do chamado Novo
Banco de Desenvolvimento (NBD), com sede em Xangai, cujo objetivo será o
financiamento de projetos de infraestrutura em países emergentes. É um
contraponto ao Banco Mundial e o coroamento de uma guinada na política
externa brasileira iniciada no governo Lula. O NBD terá o capital
inicial de US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os membros
fundadores.
Além da intensificação das trocas comerciais já existentes, o acordo
abre uma nova possibilidade de financiamento para as grandes
empreiteiras brasileiras que atuam no exterior, principalmente na
África, e para a ampliação das exportações de commodities agrícolas e de
minérios. A Índia terá o direito de indicar o primeiro presidente e, a
Rússia, o presidente do Conselho de Governadores. O presidente do
Conselho de Administração será um brasileiro. A África do Sul sediará o
Centro Regional Africano do banco. Haverá rotatividade na presidência da
instituição.
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União
Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o
“complexo de vira-latas”, dirão os porta-vozes do Palácio do Planalto,
mas entra numa briga de cachorro grande: a queda de braço da Rússia com
os países da Otan (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França,
principalmente) por áreas de influência no Leste Europeu e a forte
concorrência entre os EUA e a China pelo controle dos mercados
afro-asiáticos.
Índia e África do Sul são importantes, mas não protagonizam a grande
política mundial, atuam como coadjuvantes. Têm, porém, indiscutível peso
regional e são players do Hemisfério Sul. O Brasil até agora não havia
conseguido chegar a acordos com a Rússia e a China em relação a questões
importantes para nossa diplomacia brasileira. Como a indicação de um
nome de consenso para presidir o Banco Mundial ou a reestruturação do
Conselho de Segurança da ONU, com a entrada do Brasil e da Índia no
restrito grupo de países com poder de veto sobre decisões da guerra e da
paz no mundo.
Aposta de risco
A presidente
Dilma Rousseff fez uma aposta de risco ao aprofundar essa estratégia
diplomática, que se sustenta nas contradições Norte-Sul. O acrônimo Bric
foi uma criação do economista Jim O’Neil, do Goldman Sachs, num um
estudo de 2001 intitulado “Building better global economic Brics”. Ele
acreditava que Brasil, Rússia, Índia e China, as chamadas potências
emergentes, teriam um papel proeminente no desenvolvimento da economia
mundial.
O’Neil excluiu a Coreia do Sul e o México desse conjunto por considerar
esses países desenvolvidos e plenamente integrados à Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1948 para gerir
a reconstrução europeia (o Plano Marshall), sob os princípios da
democracia e da economia de mercado.
O que o economista do Goldman Sachs não previu foi que o líder russo
Vladimir Putin agarraria a tese com unhas e dentes para tirar a Rússia
do isolamento e formar um novo bloco geopolítico, para o qual foi
fundamental a inclusão da África do Sul, cuja economia nem de longe se
equipara às dos demais integrantes do grupo. O país de Nelson Mandela,
porém, tem um papel estratégico para o reposicionamento da África nas
relações Norte-Sul.
Em tese, a formação do banco e a criação do fundo de estabilização de
US$ 100 bilhões também são uma vitória da diplomacia brasileira. O novo
presidente chinês, Xi Jinping, aderiu ao projeto. Com isso, foram
criadas instituições de socorro aos países parceiros em caso de
turbulências financeiras à margem do Fundo Monetário Internacional
(FMI), que impõe rigoroso controle de contas públicas e outras
exigências para liberar recursos.
Agora, quando governos da América Latina, da África e da Ásia estiverem
com problemas temporários no balanço de pagamentos, poderão pedir
recursos e recebê-los em dólares; em contrapartida, fornecerão sua moeda
aos países contribuintes. Ou seja, a China, responsável por US$ 41
bilhões; o Brasil, a Índia e a Rússia, por US$ 18 bilhões cada; e a
África do Sul, que entrou com US$ 5 bilhões.
Essa estratégia brasileira, porém, é objeto de grande polêmica nos
nossos meios financeiros, empresariais e diplomáticos, pois distancia o
Brasil dos Estados Unidos e da União Europeia. Ainda mais porque o
Mercosul, para esses críticos, virou um entrave ao comércio do Brasil
com os países desenvolvidos e à própria integração econômica
latino-americana.
O recrudescimento dessas críticas decorre do fato de que as economias
mais desenvolvidas começam a sair da crise global, enquanto os Brics
enfrentam um cenário de baixo crescimento, com exceção da China. Mesmo
assim, o gigante asiático, que é a segunda economia do mundo, reduziu o
ritmo. Além disso, tornou-se um voraz concorrente da nossa indústria.
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