Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Brazilinse - 31/05/2015
O modelo adotado por
Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff,
no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em
colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego
O historiador inglês Eric
Hobsbawm (1917-2012) foi o mais importante observador ocular, digamos
assim, do século 20. O jargão jornalístico é válido porque nos deixou
uma obra de grande fôlego, na qual sujeito e objeto se confundem em
razão de sua militância acadêmica e política ininterrupta. Na sua
historiografia houve lugar para tudo e para todos, da História social do
jazz (Editora Paz e Terra) — referência para o estudo da música popular
ou erudita, da história cultural dos Estados Unidos e da arte como
resistência à opressão — à robusta trilogia Era das revoluções, Era do
capital e Era dos impérios (Paz e Terra). Mas o que serve para intitular
esta coluna é sua autobiografia, Tempos interessantes (Cia. das
Letras), na qual narra sua vida em meio às grandes experiências do
século passado.
Observador atento das vicissitudes da política
brasileira, pois aqui esteve diversas vezes e mantinha ligações
estreitas com universidades, intelectuais e movimentos sociais, Hobsbawm
morreu de pneumonia, ainda lúcido, aos 95 anos. Um ano antes de
falecer, em 13 de abril de 2011, o historiador afirmou que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia ajudado “a mudar o
equilíbrio do mundo ao trazer os países em desenvolvimento para o centro
das coisas”. Ele se reunira com o líder petista na residência do
embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe. Sua rápida
entrevista teve ampla repercussão no Brasil, o que deixou eufóricos os
petistas.
“Lula fez um trabalho maravilhoso não somente para o
Brasil, mas também para a América do Sul”, disse. Em relação ao seu
papel após o fim do mandato, Hobsbawm afirmou que o petista estava
“ciente de que entregou o cargo para um outro e não pode parecer que
está no caminho desse novo presidente”. Seu fã de carteirinha — “quando
ele virou presidente, minha admiração ficou quase ilimitada” —, Hobsbawm
foi mais cauteloso com a presidente Dilma Rousseff: “Acredito, pelo que
ouço, que a presidente Dilma tem sido extremamente eficiente até agora,
mas até o momento não tenho como dizer muito mais”.
O fim da utopia
Diz-se
que os historiadores não devem fazer previsões sobre o futuro, apenas
traduzir o que aconteceu com rigor metodológico. Marxista, Hobsbawm se
arriscava durante as suas entrevistas, como foi o caso — mas nem tanto
quando escrevia. Como teve uma carreira longeva e muito produtiva, foi
um grande intérprete de seu tempo. Na virada do século, viu o colapso de
suas utopias, com a queda do muro de Berlim e a dissolução da União
Soviética. Após o fim da guerra, viu a esquerda europeia derivar para o
centro, o fim do socialismo como uma ideia-força do movimento operário e
sindical, o choque de civilizações entre Oriente e Ocidente e o
ressurgimento do chauvinismo e da xenofobia na Europa. Não há nova
utopia, nem novos paradigmas para a sociedade desejada. Ao contrário,
persistem os velhos conflitos que serviram de estopim para duas guerras
mundiais e a tragédia humanitária na África.
O modelo adotado por
Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff,
no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em
colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego, sem
qualquer perspectiva de saída a curto e médio prazos. O novo
“capitalismo de Estado” implementado pelo PT no poder — que na velha
visão leninista seria a antessala do socialismo — resultou no desastre
econômico, político e ético a que todos assistimos. E que agora caminha
para a crise social. O neopopulismo que mobilizou sua base eleitoral,
com um discurso nacional-desenvolvimentista já sexagenário, agora evolui
na direção da desestabilização política do próprio governo, em razão
das tentativas de radicalização dos movimentos sociais, principalmente o
movimento sindical, em oposição ao ajuste fiscal que Dilma se viu
obrigada a fazer. Essa radicalização é estimulada pelo próprio
ex-presidente Lula, para se manter como alternativa eleitoral em 2018.
Do
ponto de vista das novas gerações, que buscam uma alternativa de
futuro, o Brasil vive tempos desinteressantes, ou seja, um grande déjà
vu, com a sensação, para os mais velhos, de que já vimos esse filme. A
elite, enredada na crise ética e política e desgastada pela crise
econômica e pelos seculares problemas nacionais, não consegue oferecer
alternativas duradouras para o desenvolvimento do país. O principal
partido no poder, o PT de Lula e Dilma, perdeu o protagonismo para o
aliado que sempre espezinhou, o PMDB, que é uma legenda de vocação
parlamentarista, fisiológica e patrimonialista. Os partidos de oposição,
por sua vez, não são capazes de galvanizar a insatisfação popular, que
se manifesta nas redes sociais e em grandes protestos de massa,
descolada das instituições políticas. Pode ser que disso tudo resultem
tempos mais interessantes. Por enquanto, não é caso, ficou claro com o
arremedo de reforma política aprovado pela Câmara.
domingo, 31 de maio de 2015
quinta-feira, 28 de maio de 2015
A CPI da bola
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 28/05/2015
Com a prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marín, o vento virou a favor de Romário, que fez um gol de placa: vai investigar os cartolas do futebol.
O senador Romário conseguiu criar no Senado a CPI da CBF, antiga promessa de campanha que nunca fora à frente porque a bancada da bola, cujo principal representante é o deputado Vicente Cândido (PT-SP), diretor de relações internacionais da entidade, sempre teve muita força na Câmara. Quando deputado, o ex-craque não conseguiu emplacar a CPI porque a Copa do Mundo de 2014 era o grande circo preparado para a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Romário, que manifestou o desejo de ser o relator da comissão, afirmou que serão investigadas as gestões dos três últimos presidentes da entidade, incluindo a gestão de Ricardo Teixeira.
Mas agora, com a prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marín, o vento virou a favor de Romário, que fez um gol de placa com a CPI da CBF. Ontem, a presidente Dilma Rousseff deu uma espécie de sinal verde para a CPI: “Acredito que toda investigação sobre essa questão é muito importante. Acho que ela vai permitir uma maior profissionalização do futebol. Não vejo como isso pode prejudicar o futebol brasileiro. Acho que só vai beneficiar o Brasil. E acho que, se tiver de investigar, que investigue todas as Copas, todas as atividades”, disse, durante entrevista na Cidade do México.
A prisão de Marin e outros dirigentes da FIFA foi a notícia do dia em todo o mundo. A polícia Suíça prendeu-os num hotel em Zurique, às vésperas do congresso da entidade, a pedido das autoridades norte-americanas. Quatorze pessoas – nove dirigentes da Fifa e cinco executivos de marketing esportivo – são acusados de crimes como extorsão e lavagem de dinheiro. A reeleição do presidente da Fifa, Joseph Blatter, à frente da entidade desde 1998, subiu no telhado. Ele disputa o quinto mandato.
A investigação americana é conduzida pelo FBI e abrange casos de corrupção nos últimos vinte anos. O esquema teria movimentado mais de US$ 150 milhões. Todos os presos serão extraditados para os Estados Unidos. Eles são acusados de recebimento de propina dos organizadores das copas da Rússia, em 2018, e do Catar, em 2022, a dirigentes da Fifa, para garantir que os países fossem escolhidos como sedes; de superfaturamento do contrato da CBF com uma empresa de fornecimento de material esportivo; e da compra de direitos de transmissão por agências de marketing esportivo dos seguintes campeonatos: Copa América Centenária, edições da Copa América, Libertadores da América e Copa do Brasil (torneio de clubes brasileiros). O esquema Blatter entrou em colapso porque começou a operar no novo e já milionário soccer (futebol) norte-americano, despertando a atenção do FBI.
Segundo o Departamento de Justiça americano, seis acusados já se declararam culpados. Um deles é figurinha carimbada no Brasil: José Hawilla, que já está condenado, fez uma espécie de acordo de delação premiada. Ele é dono da empresa de marketing esportivo Traffic, que negocia direitos de competições com a Conmebol, Concacaf e a CBF. Hawilla é também acionista da TV Tem, uma das afiliadas da TV Globo. Ontem, a Polícia Federal brasileira fez uma operação de busca e apreensão na agência de marketing esportivo Klefer, do ex-presidente do Flamengo Kleber Leite. A empresa é a responsável pela venda dos direitos de transmissão das eliminatórias da Copa de 2018 e da Copa do Brasil. Ou seja, estão seguindo o dinheiro.
Marta livre
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem derrubar uma regra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determinava a perda do mandato de um político eleito pelo sistema majoritário – senadores, prefeitos, governadores e presidente – que mudasse de partido. Por maioria de votos, os ministros entenderam que esses cargos pertencem à pessoa eleita e não ao partido pelo qual foi eleita. A decisão beneficia a senadora Marta Suplicy (SP), que deixou o PT e estava ameaçada de perder o mandato pela cúpula da legenda, que pretendia exigir na Justiça Eleitoral a sua substituição por um suplente filiado à legenda. Essa possibilidade existirá apenas para cargos do sistema proporcional – vereadores e deputados estaduais e federais. Marta pretende disputar a Prefeitura de São Paulo, possivelmente pelo PSB.
Bateu no teto
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), perdeu o rumo com a derrota da proposta de distritão, na terça-feira à noite. Mesmo com o apoio do PCdoB e do Solidariedade, a proposta de mudança do sistema eleitoral obteve apenas 210 votos, quando precisava de 308. A forma açodada como conduziu a votação da reforma política desgastou Cunha, que até então parecia imbatível em plenário. Acabou derrotado pela própria Casa que preside. Como a votação da reforma estava organizada em função de aprovação do distritão, e isso não aconteceu, as demais votações, ontem, foram arrastadas e tumultuadas.
Correio Braziliense - 28/05/2015
Com a prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marín, o vento virou a favor de Romário, que fez um gol de placa: vai investigar os cartolas do futebol.
O senador Romário conseguiu criar no Senado a CPI da CBF, antiga promessa de campanha que nunca fora à frente porque a bancada da bola, cujo principal representante é o deputado Vicente Cândido (PT-SP), diretor de relações internacionais da entidade, sempre teve muita força na Câmara. Quando deputado, o ex-craque não conseguiu emplacar a CPI porque a Copa do Mundo de 2014 era o grande circo preparado para a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Romário, que manifestou o desejo de ser o relator da comissão, afirmou que serão investigadas as gestões dos três últimos presidentes da entidade, incluindo a gestão de Ricardo Teixeira.
Mas agora, com a prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marín, o vento virou a favor de Romário, que fez um gol de placa com a CPI da CBF. Ontem, a presidente Dilma Rousseff deu uma espécie de sinal verde para a CPI: “Acredito que toda investigação sobre essa questão é muito importante. Acho que ela vai permitir uma maior profissionalização do futebol. Não vejo como isso pode prejudicar o futebol brasileiro. Acho que só vai beneficiar o Brasil. E acho que, se tiver de investigar, que investigue todas as Copas, todas as atividades”, disse, durante entrevista na Cidade do México.
A prisão de Marin e outros dirigentes da FIFA foi a notícia do dia em todo o mundo. A polícia Suíça prendeu-os num hotel em Zurique, às vésperas do congresso da entidade, a pedido das autoridades norte-americanas. Quatorze pessoas – nove dirigentes da Fifa e cinco executivos de marketing esportivo – são acusados de crimes como extorsão e lavagem de dinheiro. A reeleição do presidente da Fifa, Joseph Blatter, à frente da entidade desde 1998, subiu no telhado. Ele disputa o quinto mandato.
A investigação americana é conduzida pelo FBI e abrange casos de corrupção nos últimos vinte anos. O esquema teria movimentado mais de US$ 150 milhões. Todos os presos serão extraditados para os Estados Unidos. Eles são acusados de recebimento de propina dos organizadores das copas da Rússia, em 2018, e do Catar, em 2022, a dirigentes da Fifa, para garantir que os países fossem escolhidos como sedes; de superfaturamento do contrato da CBF com uma empresa de fornecimento de material esportivo; e da compra de direitos de transmissão por agências de marketing esportivo dos seguintes campeonatos: Copa América Centenária, edições da Copa América, Libertadores da América e Copa do Brasil (torneio de clubes brasileiros). O esquema Blatter entrou em colapso porque começou a operar no novo e já milionário soccer (futebol) norte-americano, despertando a atenção do FBI.
Segundo o Departamento de Justiça americano, seis acusados já se declararam culpados. Um deles é figurinha carimbada no Brasil: José Hawilla, que já está condenado, fez uma espécie de acordo de delação premiada. Ele é dono da empresa de marketing esportivo Traffic, que negocia direitos de competições com a Conmebol, Concacaf e a CBF. Hawilla é também acionista da TV Tem, uma das afiliadas da TV Globo. Ontem, a Polícia Federal brasileira fez uma operação de busca e apreensão na agência de marketing esportivo Klefer, do ex-presidente do Flamengo Kleber Leite. A empresa é a responsável pela venda dos direitos de transmissão das eliminatórias da Copa de 2018 e da Copa do Brasil. Ou seja, estão seguindo o dinheiro.
Marta livre
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem derrubar uma regra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determinava a perda do mandato de um político eleito pelo sistema majoritário – senadores, prefeitos, governadores e presidente – que mudasse de partido. Por maioria de votos, os ministros entenderam que esses cargos pertencem à pessoa eleita e não ao partido pelo qual foi eleita. A decisão beneficia a senadora Marta Suplicy (SP), que deixou o PT e estava ameaçada de perder o mandato pela cúpula da legenda, que pretendia exigir na Justiça Eleitoral a sua substituição por um suplente filiado à legenda. Essa possibilidade existirá apenas para cargos do sistema proporcional – vereadores e deputados estaduais e federais. Marta pretende disputar a Prefeitura de São Paulo, possivelmente pelo PSB.
Bateu no teto
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), perdeu o rumo com a derrota da proposta de distritão, na terça-feira à noite. Mesmo com o apoio do PCdoB e do Solidariedade, a proposta de mudança do sistema eleitoral obteve apenas 210 votos, quando precisava de 308. A forma açodada como conduziu a votação da reforma política desgastou Cunha, que até então parecia imbatível em plenário. Acabou derrotado pela própria Casa que preside. Como a votação da reforma estava organizada em função de aprovação do distritão, e isso não aconteceu, as demais votações, ontem, foram arrastadas e tumultuadas.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
A contradição do ajuste
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/05/2015
O Brasil precisa de reformas estruturantes, ou seja, de um ajuste de caráter permanente, que crie condições para a retomada do crescimento em bases sustentáveis.
Por mais que o Palácio do Planalto reitere seu apoio ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma contradição do ajuste fiscal mantém as dúvidas do mercado quando à verdadeira opção feita pela presidente Dilma Rousseff em relação à condução da economia: a necessidade de aumentar os impostos porque a conta não fecha, mesmo com um corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União.
Intramuros, essa contradição divide a equipe econômica em dois grupos: o de Joaquim Levy, que até agora vem tendo a solidariedade do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que tenta domar a inflação; e o do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, representado na equipe econômica pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. A presidente Dilma Rousseff, como se sabe, inclinou-se pelo segundo. Quando nada porque sofre pressões do PT, que defende o aumento de impostos e refuga na hora de aprovar o ajuste fiscal.
O Palácio do Planalto tenta conter a rebelião do PT contra o ajuste, que foi estimulada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma tentativa desesperada da legenda no sentido de fugir às próprias responsabilidades pela situação grave em que a economia se encontra. O partido surfou na onda do crescimento mundial durante o governo Lula e faturou eleitoralmente a política de expansão de crédito e transferência de renda mantida durante o primeiro mandato de Dilma, mesmo num cenário internacional adverso.
Deixemos de lado o escândalo da Petrobras e o desgaste do partido, cujo tesoureiro está preso, por causa da Operação Lava Jato. Agora, a conta da gastança chegou. O PT manobra para jogar o ônus do ajuste nos ombros do PMDB e de Levy, mas as raposas peemedebistas, sob comando do vice-presidente Michel Temer, exigem que a fatura seja dividida. Caso contrário, o ajuste não será aprovado.
Não é outro o motivo do adiamento do projeto que acaba com as desonerações da folha de pagamento, objeto de forte lobby industrial na Câmara, e a manobra do próprio governo para não votar no Senado o fim do fator previdenciário, deixando a medida provisória que trata das pensões e aposentadorias caducar. Nada disso, porém, resolve a contradição. A conta não fecha porque o governo não quer cortar na própria carne.
Mais de 20 mil cargos comissionados, outros milhares de terceirizados, 39 ministérios, carros oficiais, milhares de celulares, passagens aéreas, diárias, horas extras, alugueres, o que não falta é onde cortar despesas de custeio e com pessoal. Mas isso significa abrir mão de aparelhos e cabos eleitorais. Não, a opção do governo é cortar recursos destinados aos estados e municípios e investimentos, principalmente nas áreas de saúde, educação, transportes, saneamento e segurança pública.
Depois do ajuste
Nesse cenário, o mercado vê com desconfiança o futuro imediato. O crédito dado a Joaquim Levy é mais ou menos como aquele que é dado aos bombeiros quando há um incêndio: só eles podem salvar os que estão sendo atingidos pelas chamas. Mas isso não significa que os bombeiros possam reconstruir o prédio em chamas.
O Palácio do Planalto promete que o país retomará o crescimento no segundo semestre, que os investimentos voltarão ao país num passe de mágica. Não é assim que as coisas acontecem. Não adianta vender otimismo contra o chamado “instinto animal” do mercado.A depressão tem causas objetivas.
Vejamos novamente o caso das desonerações: o relator Leonardo Picciani (PMDB-RJ) negocia com setores empresariais – transportes, comunicações, alimentação – exceções que podem chegar a R$ 4,5 bilhões, ou seja, quase 30% da receita estimada com o pacote. Não deixa de ser uma resistência ao aumento de impostos, mas de onde virá a compensação dessas perdas? Não será do corte de despesas. Provavelmente o governo encontrará outro meio para aumentar a arrecadação. Reajustando alíquotas de taxas e tarifas que não dependam da aprovação do Congresso.
O Brasil precisa de reformas estruturantes, ou seja, de um ajuste de caráter permanente, que crie condições para a retomada do crescimento em bases sustentáveis. Não há a menor chance de isso ocorrer durante o governo Dilma Rousseff, o que deixa o país mais ou menos na situação da Argentina, onde os investidores nacionais e estrangeiros estão aguardando a saída da presidente Cristina Kirchner para acreditar novamente nos bons negócios.
Correio Braziliense - 27/05/2015
O Brasil precisa de reformas estruturantes, ou seja, de um ajuste de caráter permanente, que crie condições para a retomada do crescimento em bases sustentáveis.
Por mais que o Palácio do Planalto reitere seu apoio ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma contradição do ajuste fiscal mantém as dúvidas do mercado quando à verdadeira opção feita pela presidente Dilma Rousseff em relação à condução da economia: a necessidade de aumentar os impostos porque a conta não fecha, mesmo com um corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União.
Intramuros, essa contradição divide a equipe econômica em dois grupos: o de Joaquim Levy, que até agora vem tendo a solidariedade do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que tenta domar a inflação; e o do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, representado na equipe econômica pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. A presidente Dilma Rousseff, como se sabe, inclinou-se pelo segundo. Quando nada porque sofre pressões do PT, que defende o aumento de impostos e refuga na hora de aprovar o ajuste fiscal.
O Palácio do Planalto tenta conter a rebelião do PT contra o ajuste, que foi estimulada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma tentativa desesperada da legenda no sentido de fugir às próprias responsabilidades pela situação grave em que a economia se encontra. O partido surfou na onda do crescimento mundial durante o governo Lula e faturou eleitoralmente a política de expansão de crédito e transferência de renda mantida durante o primeiro mandato de Dilma, mesmo num cenário internacional adverso.
Deixemos de lado o escândalo da Petrobras e o desgaste do partido, cujo tesoureiro está preso, por causa da Operação Lava Jato. Agora, a conta da gastança chegou. O PT manobra para jogar o ônus do ajuste nos ombros do PMDB e de Levy, mas as raposas peemedebistas, sob comando do vice-presidente Michel Temer, exigem que a fatura seja dividida. Caso contrário, o ajuste não será aprovado.
Não é outro o motivo do adiamento do projeto que acaba com as desonerações da folha de pagamento, objeto de forte lobby industrial na Câmara, e a manobra do próprio governo para não votar no Senado o fim do fator previdenciário, deixando a medida provisória que trata das pensões e aposentadorias caducar. Nada disso, porém, resolve a contradição. A conta não fecha porque o governo não quer cortar na própria carne.
Mais de 20 mil cargos comissionados, outros milhares de terceirizados, 39 ministérios, carros oficiais, milhares de celulares, passagens aéreas, diárias, horas extras, alugueres, o que não falta é onde cortar despesas de custeio e com pessoal. Mas isso significa abrir mão de aparelhos e cabos eleitorais. Não, a opção do governo é cortar recursos destinados aos estados e municípios e investimentos, principalmente nas áreas de saúde, educação, transportes, saneamento e segurança pública.
Depois do ajuste
Nesse cenário, o mercado vê com desconfiança o futuro imediato. O crédito dado a Joaquim Levy é mais ou menos como aquele que é dado aos bombeiros quando há um incêndio: só eles podem salvar os que estão sendo atingidos pelas chamas. Mas isso não significa que os bombeiros possam reconstruir o prédio em chamas.
O Palácio do Planalto promete que o país retomará o crescimento no segundo semestre, que os investimentos voltarão ao país num passe de mágica. Não é assim que as coisas acontecem. Não adianta vender otimismo contra o chamado “instinto animal” do mercado.A depressão tem causas objetivas.
Vejamos novamente o caso das desonerações: o relator Leonardo Picciani (PMDB-RJ) negocia com setores empresariais – transportes, comunicações, alimentação – exceções que podem chegar a R$ 4,5 bilhões, ou seja, quase 30% da receita estimada com o pacote. Não deixa de ser uma resistência ao aumento de impostos, mas de onde virá a compensação dessas perdas? Não será do corte de despesas. Provavelmente o governo encontrará outro meio para aumentar a arrecadação. Reajustando alíquotas de taxas e tarifas que não dependam da aprovação do Congresso.
O Brasil precisa de reformas estruturantes, ou seja, de um ajuste de caráter permanente, que crie condições para a retomada do crescimento em bases sustentáveis. Não há a menor chance de isso ocorrer durante o governo Dilma Rousseff, o que deixa o país mais ou menos na situação da Argentina, onde os investidores nacionais e estrangeiros estão aguardando a saída da presidente Cristina Kirchner para acreditar novamente nos bons negócios.
terça-feira, 26 de maio de 2015
Desonerações e reforma
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/05/2015
Eduardo Cunha não está nem aí para a pressa de Joaquim Levy quanto ao ajuste fiscal, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar na Câmara
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem a sua própria agenda. Ontem, descartou as pressões dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e da Casa Civil, Aloízio Mercadante, para pôr em votação o projeto de lei que acaba com as desonerações sobre a folha de pagamento das empresas. Depois de se reunir com os dois ministros e o vice-presidente Michel Temer, ontem, no Palácio do Planalto, anunciou que somente porá o projeto em votação a partir de 10 de junho. Nesta semana, Cunha pretende votar a toque de caixa a reforma política
Peça importante do ajuste fiscal proposto pelo governo para reduzir gastos e reequilibrar as contas públicas, o projeto da desoneração é que deveria ser votado nesta semana. Mas o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), relator do projeto, resolveu criar uma regra de exceção para as desonerações e forçou o adiamento. Segundo ele, em relação ao setor de transportes, o aumento dos tributos trabalhistas e previdenciários pode reajustar passagens de ônibus e de trem. Outros setores que seriam beneficiados são os de comunicação e de tecnologia da informação, que têm margens estreitas e são empregadores intensivos. Os produtores da cesta básica e outros setores da indústria beneficiados pelas desonerações também fazem lobby no Congresso para serem incluídos na regra de exceção.
Picciani alega que sua equipe está fazendo cálculos, com base em números da Receita Federal, para definir quais setores poderiam continuar com o benefício, mas nos bastidores da Câmara a movimentação dos que serão atingidos pelo fim das desonerações é grande. A Meca da peregrinação é o gabinete de Eduardo Cunha, que estaria por trás do posicionamento do líder do PMDB. Ao lado de outras medidas que sofreram mudanças na Câmara, como o da Previdência, o fim das desonerações trabalhistas é um dos assuntos que tiram o sono do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Desde quanto classificou de “brincadeira” sua adoção pelo ex-ministro Guido Mantega, o que gerou mal-estar no governo, Levy defende o fim das desonerações. Na cúpula do PMDB, porém, muitos avaliam que o governo deveria mudar de paradigma e, em vez de voltar à cobrança sobre a folha de pagamentos, fazê-lo sobre o faturamento, ainda mais depois da regulamentação da terceirização. Ontem, Levy declarou que as “delongas” em torno do ajuste fiscal não favorecem a retomada do crescimento da economia brasileira. Segundo ele, as empresas aguardam a aprovação do ajuste para fazer investimentos.
A fórceps
Cunha não está nem aí para a pressa de Levy, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar por falta de entendimento entre os membros da comissão especial encarregados de apreciar o projeto. Ontem, durante almoço com aliados na residência oficial, Cunha cancelou a reunião da comissão e detonou de vez o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), contrário à aprovação do chamado “distritão”, pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou a coligação. O presidente da comissão, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi designado como um relator ad doc.
A fórceps, Cunha quer aprovar a coincidência de mandatos (mantendo 4 anos para deputados e 8 para senadores), o fim da reeleição, a fidelidade partidária e o “distritão”. Também quer manter a forma de financiamento tanto pública quanto privada, com um teto para as doações. Não existe uma maioria clara sobre o conjunto da obra, mas Cunha acredita que aprovará a reforma assim mesmo. O problema é que ninguém é capaz de prever o mostrengo político que resultará das votações.
Os assuntos mais polêmicos são o “distritão”, o fim da reeleição e a coincidência de mandatos, que muitos interpretam como uma tentativa de engessar o quadro político-partidário e favorecer o PMDB. A conjuntura do país, com o surgimento de uma oposição de massas independente dos partidos políticos, fortaleceu a posição da cúpula do PMDB na condução da reforma política. O partido seria o mais beneficiado pela sua aprovação. A vitória eleitoral de partidos surgidos de movimentos independentes, como o Siriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, reforça a tentativa de engessar o sistema político brasileiro.
Correio Braziliense - 26/05/2015
Eduardo Cunha não está nem aí para a pressa de Joaquim Levy quanto ao ajuste fiscal, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar na Câmara
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem a sua própria agenda. Ontem, descartou as pressões dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e da Casa Civil, Aloízio Mercadante, para pôr em votação o projeto de lei que acaba com as desonerações sobre a folha de pagamento das empresas. Depois de se reunir com os dois ministros e o vice-presidente Michel Temer, ontem, no Palácio do Planalto, anunciou que somente porá o projeto em votação a partir de 10 de junho. Nesta semana, Cunha pretende votar a toque de caixa a reforma política
Peça importante do ajuste fiscal proposto pelo governo para reduzir gastos e reequilibrar as contas públicas, o projeto da desoneração é que deveria ser votado nesta semana. Mas o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), relator do projeto, resolveu criar uma regra de exceção para as desonerações e forçou o adiamento. Segundo ele, em relação ao setor de transportes, o aumento dos tributos trabalhistas e previdenciários pode reajustar passagens de ônibus e de trem. Outros setores que seriam beneficiados são os de comunicação e de tecnologia da informação, que têm margens estreitas e são empregadores intensivos. Os produtores da cesta básica e outros setores da indústria beneficiados pelas desonerações também fazem lobby no Congresso para serem incluídos na regra de exceção.
Picciani alega que sua equipe está fazendo cálculos, com base em números da Receita Federal, para definir quais setores poderiam continuar com o benefício, mas nos bastidores da Câmara a movimentação dos que serão atingidos pelo fim das desonerações é grande. A Meca da peregrinação é o gabinete de Eduardo Cunha, que estaria por trás do posicionamento do líder do PMDB. Ao lado de outras medidas que sofreram mudanças na Câmara, como o da Previdência, o fim das desonerações trabalhistas é um dos assuntos que tiram o sono do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Desde quanto classificou de “brincadeira” sua adoção pelo ex-ministro Guido Mantega, o que gerou mal-estar no governo, Levy defende o fim das desonerações. Na cúpula do PMDB, porém, muitos avaliam que o governo deveria mudar de paradigma e, em vez de voltar à cobrança sobre a folha de pagamentos, fazê-lo sobre o faturamento, ainda mais depois da regulamentação da terceirização. Ontem, Levy declarou que as “delongas” em torno do ajuste fiscal não favorecem a retomada do crescimento da economia brasileira. Segundo ele, as empresas aguardam a aprovação do ajuste para fazer investimentos.
A fórceps
Cunha não está nem aí para a pressa de Levy, sua prioridade no momento é a aprovação da reforma política, que ameaçava naufragar por falta de entendimento entre os membros da comissão especial encarregados de apreciar o projeto. Ontem, durante almoço com aliados na residência oficial, Cunha cancelou a reunião da comissão e detonou de vez o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), contrário à aprovação do chamado “distritão”, pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou a coligação. O presidente da comissão, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi designado como um relator ad doc.
A fórceps, Cunha quer aprovar a coincidência de mandatos (mantendo 4 anos para deputados e 8 para senadores), o fim da reeleição, a fidelidade partidária e o “distritão”. Também quer manter a forma de financiamento tanto pública quanto privada, com um teto para as doações. Não existe uma maioria clara sobre o conjunto da obra, mas Cunha acredita que aprovará a reforma assim mesmo. O problema é que ninguém é capaz de prever o mostrengo político que resultará das votações.
Os assuntos mais polêmicos são o “distritão”, o fim da reeleição e a coincidência de mandatos, que muitos interpretam como uma tentativa de engessar o quadro político-partidário e favorecer o PMDB. A conjuntura do país, com o surgimento de uma oposição de massas independente dos partidos políticos, fortaleceu a posição da cúpula do PMDB na condução da reforma política. O partido seria o mais beneficiado pela sua aprovação. A vitória eleitoral de partidos surgidos de movimentos independentes, como o Siriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, reforça a tentativa de engessar o sistema político brasileiro.
domingo, 24 de maio de 2015
A dura vida banal
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/05/2015
À crise econômica, política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff , não resta dúvida, se somará uma dura crise social
Não, não se trata de uma crônica sobre o cotidiano, que é a praia de craques como Ferreira Gullar, que, na década de 1990, reuniu em livro os textos que escrevera para O Pasquim e o Jornal do Brasil. No antológico A estranha vida banal (José Olímpio), de 1989, o poeta exalta pequenos detalhes do cotidiano, das garrafas de areia colorida feitas nas praias do Tibau, no Rio Grande do Norte, à observação atenta da aranha que caça uma mariposa.
A inspiração vem do professor Milton Santos, o grande geógrafo brasileiro, para quem um dos grandes problemas da globalização é que as políticas públicas foram capturadas pelos grandes interesses econômicos globais e a chamada vida banal foi ignorada pelo poder público, principalmente nos países periféricos.
Esse alheamento não se restringe aos donos do poder e às elites econômicas, mas abarca também a opinião pública — até a hora em que explodem grandes tragédias humanitárias, como as que ocorrem no Mediterrâneo e, bem mais perto daqui, no Haiti. Ou irrompe violência inopinada e brutal, seja o assassinato de um jovem negro por policiais no sul dos Estados Unidos, seja o latrocínio de um médico, a facadas, que pedalava à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal do Rio de Janeiro, por jovens infratores que roubaram sua bicicleta.
A remissão ao falecido professor Milton Santos, um dos maiores intelectuais negros de nosso país, vem a calhar por causa do corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União anunciado na sexta-feira pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. A presidente Dilma Rousseff classificou-o como estritamente necessário, ou seja, nem tão grande que provoque o colapso do governo, nem tão pequeno que não surta o efeito desejado. Sobre os dois aspectos, porém, há controvérsias.
Estima-se que haverá uma contração de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 — o que será o pior resultado em 25 anos. Até então, previa-se que o PIB encolhesse 0,9% neste ano. Os maiores cortes foram efetuados nos ministérios das Cidades (R$ 17,2 bilhões), da Saúde (R$ 1,7 bilhão), da Educação (R$ 9,4 bilhões) e dos Transportes (R$ 5,7 bilhões). Ou seja, o maior impacto do ajuste fiscal será no cotidiano da população, na chamada vida banal.
Sucateamento
Há dois aspectos a considerar. O primeiro, é a política de “focalização” dos gastos sociais nos mais pobres, que se traduziu durante os governos Lula e Dilma na transferência direta de renda para aproximadamente 13 milhões de famílias, uma escala sem precedentes, na qual o corte foi menor: R$ 1,3 bilhão. Essa política social foi eficiente no combate à miséria absoluta e na elevação do padrão de consumo das famílias, mas, em contrapartida, as políticas “universalistas” — na saúde, na educação e nos transportes, principalmente — foram relegadas a segundo plano e sucateadas.
A questão levantada pelo professor Milton Santos ganha ainda mais relevância porque, ainda assim, as políticas universalistas foram aprisionadas por interesses econômicos poderosos. Vêm daí os descalabros da relação entre o SUS e os estabelecimentos de saúde privada; a perversa hegemonia do lobby rodoviário na política de transportes, tanto de cargas como de pessoas; a opção pelo padrão de transporte individual nos centros urbanos em razão dos interesses das montadoras de automóveis; a bolha imobiliária gerada pela especulação nas grandes cidades brasileiras; e a péssima qualidade do ensino brasileiro, cuja expansão se deu em função da acumulação privada e não das reais necessidades do país quanto à formação de mão de obra qualificada e ao exercício da cidadania.
À crise econômica, política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff — cuja responsabilidade recai sobre a forma como conduziu seu primeiro mandato e sobre a gestão anterior, de Luiz Inácio Lula da Silva —, não resta dúvida, se somará uma dura crise social, em razão do impacto que a recessão econômica e os cortes no Orçamento da União terão sobre a vida da população. No momento, o maior deles é o desemprego, principalmente entre os jovens, que já atinge a casa dos 16%. Esse é o segundo aspecto.
Seus efeitos não se restringirão à órbita federal. Um das perversões da fracassada “nova matriz econômica” do governo Dilma foi a queda de arrecadação de estados e municípios, entre outras coisas, porque as desonerações fiscais feitas pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega, incidiram sobre receitas que eram compartilhadas, uma espécie de cortesia com o chapéu alheio. A crise nas administrações locais, que deixa prefeitos e governadores de pires na mão, deve se agravar tremendamente. São as administrações locais que arcam com as demandas sociais do dia a dia da população, na saúde, na educação, nos transportes, nas condições de moradia, ou seja, cuidam — ou deveriam fazê-lo — da chamada vida banal.
Correio Braziliense - 24/05/2015
À crise econômica, política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff , não resta dúvida, se somará uma dura crise social
Não, não se trata de uma crônica sobre o cotidiano, que é a praia de craques como Ferreira Gullar, que, na década de 1990, reuniu em livro os textos que escrevera para O Pasquim e o Jornal do Brasil. No antológico A estranha vida banal (José Olímpio), de 1989, o poeta exalta pequenos detalhes do cotidiano, das garrafas de areia colorida feitas nas praias do Tibau, no Rio Grande do Norte, à observação atenta da aranha que caça uma mariposa.
A inspiração vem do professor Milton Santos, o grande geógrafo brasileiro, para quem um dos grandes problemas da globalização é que as políticas públicas foram capturadas pelos grandes interesses econômicos globais e a chamada vida banal foi ignorada pelo poder público, principalmente nos países periféricos.
Esse alheamento não se restringe aos donos do poder e às elites econômicas, mas abarca também a opinião pública — até a hora em que explodem grandes tragédias humanitárias, como as que ocorrem no Mediterrâneo e, bem mais perto daqui, no Haiti. Ou irrompe violência inopinada e brutal, seja o assassinato de um jovem negro por policiais no sul dos Estados Unidos, seja o latrocínio de um médico, a facadas, que pedalava à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal do Rio de Janeiro, por jovens infratores que roubaram sua bicicleta.
A remissão ao falecido professor Milton Santos, um dos maiores intelectuais negros de nosso país, vem a calhar por causa do corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União anunciado na sexta-feira pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. A presidente Dilma Rousseff classificou-o como estritamente necessário, ou seja, nem tão grande que provoque o colapso do governo, nem tão pequeno que não surta o efeito desejado. Sobre os dois aspectos, porém, há controvérsias.
Estima-se que haverá uma contração de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 — o que será o pior resultado em 25 anos. Até então, previa-se que o PIB encolhesse 0,9% neste ano. Os maiores cortes foram efetuados nos ministérios das Cidades (R$ 17,2 bilhões), da Saúde (R$ 1,7 bilhão), da Educação (R$ 9,4 bilhões) e dos Transportes (R$ 5,7 bilhões). Ou seja, o maior impacto do ajuste fiscal será no cotidiano da população, na chamada vida banal.
Sucateamento
Há dois aspectos a considerar. O primeiro, é a política de “focalização” dos gastos sociais nos mais pobres, que se traduziu durante os governos Lula e Dilma na transferência direta de renda para aproximadamente 13 milhões de famílias, uma escala sem precedentes, na qual o corte foi menor: R$ 1,3 bilhão. Essa política social foi eficiente no combate à miséria absoluta e na elevação do padrão de consumo das famílias, mas, em contrapartida, as políticas “universalistas” — na saúde, na educação e nos transportes, principalmente — foram relegadas a segundo plano e sucateadas.
A questão levantada pelo professor Milton Santos ganha ainda mais relevância porque, ainda assim, as políticas universalistas foram aprisionadas por interesses econômicos poderosos. Vêm daí os descalabros da relação entre o SUS e os estabelecimentos de saúde privada; a perversa hegemonia do lobby rodoviário na política de transportes, tanto de cargas como de pessoas; a opção pelo padrão de transporte individual nos centros urbanos em razão dos interesses das montadoras de automóveis; a bolha imobiliária gerada pela especulação nas grandes cidades brasileiras; e a péssima qualidade do ensino brasileiro, cuja expansão se deu em função da acumulação privada e não das reais necessidades do país quanto à formação de mão de obra qualificada e ao exercício da cidadania.
À crise econômica, política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff — cuja responsabilidade recai sobre a forma como conduziu seu primeiro mandato e sobre a gestão anterior, de Luiz Inácio Lula da Silva —, não resta dúvida, se somará uma dura crise social, em razão do impacto que a recessão econômica e os cortes no Orçamento da União terão sobre a vida da população. No momento, o maior deles é o desemprego, principalmente entre os jovens, que já atinge a casa dos 16%. Esse é o segundo aspecto.
Seus efeitos não se restringirão à órbita federal. Um das perversões da fracassada “nova matriz econômica” do governo Dilma foi a queda de arrecadação de estados e municípios, entre outras coisas, porque as desonerações fiscais feitas pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega, incidiram sobre receitas que eram compartilhadas, uma espécie de cortesia com o chapéu alheio. A crise nas administrações locais, que deixa prefeitos e governadores de pires na mão, deve se agravar tremendamente. São as administrações locais que arcam com as demandas sociais do dia a dia da população, na saúde, na educação, nos transportes, nas condições de moradia, ou seja, cuidam — ou deveriam fazê-lo — da chamada vida banal.
quinta-feira, 21 de maio de 2015
Bicadas tucanas
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 21/05/2015
Diante do agravamento da crise econômica, da desagregação da base política do governo e dos escândalos de corrupção, o PSDB reivindica a condição de única alternativa real de poder ao atual governo.
Foram fortes as bicadas tucanas durante o programa do PSDB de rádio e tevê de terça-feira à noite: atacou frontalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e bateu duro no “estelionato eleitoral” da presidente Dilma Rousseff, ao mostrar suas promessas de campanha eleitoral e confrontá-las com as medidas adotadas pelo governo depois das eleições.
Mas a grande surpresa mesmo foi a oposição sem subterfúgios ao pacote de ajuste fiscal que o governo tenta aprovar no Congresso. Como se sabe, Dilma vem fazendo tudo o que dizia que o PSDB faria se ganhasse as eleições. Aécio, porém, chamou de “injusto” o pacote de ajuste fiscal e defendeu a redução de ministérios, proposta defendida pela bancada do PMDB na Câmara.
Em cadeia nacional de tevê, estrelaram o programa o candidato tucano nas eleições passadas e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que promoveu o mais duro ataque. “Nunca antes na história desse país se errou tanto e se roubou tanto em nome de uma causa”, disse. Foi uma espécie de ajuste de contas: “Os enganos e desvios começaram no governo Lula”.
O programa não ficou apenas na mídia tradicional, houve intensa atuação do PSDB nas redes sociais, num duelo com os petistas, que convocaram um “tuitaço” para responder aos tucanos. As imagens mais fortes do programa foram as do “panelaço” contra a presidente Dilma Rousseff, logo na abertura. Com o slogan “Oposição a favor do Brasil”, o PSDB procurou se ligar às recentes manifestações populares e carimbar os governos Lula e Dilma como responsáveis pelo “petrolão”.
Polarizações
Na oposição desde 2002, o PSDB quer manter a polarização que vem pautando a política brasileira desde 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente pela primeira vez, derrotando Lula. Diante do agravamento da crise econômica, da desagregação da base política do governo e dos escândalos de corrupção, o PSDB reivindica a condição de única alternativa real de poder ao atual governo.
Teve início, porém, um grande realinhamento de forças, cujo catalisador será a reforma política em discussão no Congresso. O mundo político anda inquieto com o surgimento de uma oposição de massas independente, via redes sociais, que não tem uma liderança de visibilidade, mas está organizada em todo território nacional. Protagonistas das manifestações de 15 de março, que surpreenderam políticos e analistas, o movimento aparentemente refluiu, mas organiza uma quixotesca marcha a Brasília, que deve culminar com uma manifestação em 27 de maio defronte ao Congresso.
As últimas eleições presidenciais revelaram os limites dessa polarização PT versus PSDB, que se manteve no segundo turno, mas abriu espaço para a candidatura de Marina Silva, tanto em 2010 quanto em 2014. A ex-senadora acriana, porém, não conseguiu até hoje consolidar um partido próprio, a Rede. Continua filiada ao PSB, que atraiu o PPS para uma fusão e mantém um bloco parlamentar com o Partido Verde e o Solidariedade no Congresso.
A movimentação mais surpreendente, entretanto, ocorre no campo governista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva emite sinais de que pode se descolar do governo Dilma Rousseff e já busca construir uma candidatura em 2018 alavancada pelos movimentos sociais com os quais mantém relações intensas, principalmente a CUT e o MST. De outro lado, o ex-governador Tarso Genro, a partir do Rio de Janeiro, articula uma dissidência petista que se aproxima do PSOL e mantém-se leal à presidente Dilma Rousseff.
Mas o grande jogo, no momento, está sendo feito pelo PMDB, com o vice-presidente Michel Temer no comando das articulações políticas. O cacique peemedebista tanto pode vir a ser o futuro candidato da legenda em 2018, como protagonizar a afirmação radical da vocação parlamentarista do partido, dependendo dos desdobramentos políticos da crise e dos resultados das eleições do ano que vem. É o que se fala nos bastidores do Congresso.
Correio Braziliense: 21/05/2015
Diante do agravamento da crise econômica, da desagregação da base política do governo e dos escândalos de corrupção, o PSDB reivindica a condição de única alternativa real de poder ao atual governo.
Foram fortes as bicadas tucanas durante o programa do PSDB de rádio e tevê de terça-feira à noite: atacou frontalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e bateu duro no “estelionato eleitoral” da presidente Dilma Rousseff, ao mostrar suas promessas de campanha eleitoral e confrontá-las com as medidas adotadas pelo governo depois das eleições.
Mas a grande surpresa mesmo foi a oposição sem subterfúgios ao pacote de ajuste fiscal que o governo tenta aprovar no Congresso. Como se sabe, Dilma vem fazendo tudo o que dizia que o PSDB faria se ganhasse as eleições. Aécio, porém, chamou de “injusto” o pacote de ajuste fiscal e defendeu a redução de ministérios, proposta defendida pela bancada do PMDB na Câmara.
Em cadeia nacional de tevê, estrelaram o programa o candidato tucano nas eleições passadas e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que promoveu o mais duro ataque. “Nunca antes na história desse país se errou tanto e se roubou tanto em nome de uma causa”, disse. Foi uma espécie de ajuste de contas: “Os enganos e desvios começaram no governo Lula”.
O programa não ficou apenas na mídia tradicional, houve intensa atuação do PSDB nas redes sociais, num duelo com os petistas, que convocaram um “tuitaço” para responder aos tucanos. As imagens mais fortes do programa foram as do “panelaço” contra a presidente Dilma Rousseff, logo na abertura. Com o slogan “Oposição a favor do Brasil”, o PSDB procurou se ligar às recentes manifestações populares e carimbar os governos Lula e Dilma como responsáveis pelo “petrolão”.
Polarizações
Na oposição desde 2002, o PSDB quer manter a polarização que vem pautando a política brasileira desde 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente pela primeira vez, derrotando Lula. Diante do agravamento da crise econômica, da desagregação da base política do governo e dos escândalos de corrupção, o PSDB reivindica a condição de única alternativa real de poder ao atual governo.
Teve início, porém, um grande realinhamento de forças, cujo catalisador será a reforma política em discussão no Congresso. O mundo político anda inquieto com o surgimento de uma oposição de massas independente, via redes sociais, que não tem uma liderança de visibilidade, mas está organizada em todo território nacional. Protagonistas das manifestações de 15 de março, que surpreenderam políticos e analistas, o movimento aparentemente refluiu, mas organiza uma quixotesca marcha a Brasília, que deve culminar com uma manifestação em 27 de maio defronte ao Congresso.
As últimas eleições presidenciais revelaram os limites dessa polarização PT versus PSDB, que se manteve no segundo turno, mas abriu espaço para a candidatura de Marina Silva, tanto em 2010 quanto em 2014. A ex-senadora acriana, porém, não conseguiu até hoje consolidar um partido próprio, a Rede. Continua filiada ao PSB, que atraiu o PPS para uma fusão e mantém um bloco parlamentar com o Partido Verde e o Solidariedade no Congresso.
A movimentação mais surpreendente, entretanto, ocorre no campo governista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva emite sinais de que pode se descolar do governo Dilma Rousseff e já busca construir uma candidatura em 2018 alavancada pelos movimentos sociais com os quais mantém relações intensas, principalmente a CUT e o MST. De outro lado, o ex-governador Tarso Genro, a partir do Rio de Janeiro, articula uma dissidência petista que se aproxima do PSOL e mantém-se leal à presidente Dilma Rousseff.
Mas o grande jogo, no momento, está sendo feito pelo PMDB, com o vice-presidente Michel Temer no comando das articulações políticas. O cacique peemedebista tanto pode vir a ser o futuro candidato da legenda em 2018, como protagonizar a afirmação radical da vocação parlamentarista do partido, dependendo dos desdobramentos políticos da crise e dos resultados das eleições do ano que vem. É o que se fala nos bastidores do Congresso.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Chumbo trocado
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/05/2015
Renan saiu chamuscado da votação que aprovou a indicação de Fachin, mas não virou um pato manco. A rejeição de Patriota foi um recado do PMDB de que a vitória de Dilma não foi tão grande
Por 52 votos a favor e 27 contra, o Senado aprovou ontem a indicação do advogado Luiz Edson Fachin para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), na vaga aberta pela aposentadoria de Joaquim Barbosa. O Palácio do Planalto comemorou a aprovação como uma grande vitória política da presidente Dilma Rousseff, o que não deixa de ser verdade, pois a petista bancou seu indicado contra todas as pressões, principalmente do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Mas não se esperava, porém, que outro indicado por Dilma Rousseff fosse rejeitado pelo plenário do Senado: o diplomata Guilherme Patriota, por apertados 38 votos contra 37, não teve o nome aprovado para ocupar o cargo de representante permanente do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA). A votação ocorreu momentos antes de o plenário iniciar a análise do nome de Fachin.
No xadrez do Senado, é inédita uma derrota como a sofrida por Renan Calheiros. Seus aliados não escondiam dos interlocutores a opinião de que o peemedebista, na queda de braço com a presidente da República, havia avançado mais do que poderia. A rejeição de Fachin, embora não fosse inédita, seria um fato que não ocorre há mais de 100 anos.
A maioria a favor de Fachin era tão ostensiva que somente um senador se inscreveu para falar em plenário contra a indicação, Magno Malta (PR-ES), que pediu a palavra pouco antes de se iniciar a votação para justificar seu voto, que teve motivações religiosas. A aprovação, porém, não foi uma vitória apenas de Dilma. Foi muito compartilhada, não ocorreria se contasse apenas com o apoio do Palácio do Planalto.
Pesaram a favor do jurista o forte lobby do mundo jurídico e o apoio unânime da bancada do Paraná, liderada pelo senador tucano Alvaro Dias (PSDB), que neutralizou as acusações de que o advogado e professor de direito será um ministro petista – muitas das quais partiam de seus próprios companheiros de bancada do PSDB. Fachin defende teses polêmicas em relação à propriedade privada, à família patriarcal unicelular e ao aborto – razão da rejeição de evangélicos ao seu nome –, mas minimizou essas questões durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na semana passada.
Perdas e danos
O maior ruído em relação à indicação de Fachin foi devido ao fato de que advogou quando era procurador do estado do Paraná, o que foi apontado pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) como inaceitável em se tratando de um postulante a ministro do STF. Fachin teve que fazer uma campanha de marketing sem precedentes para neutralizar as críticas à sua indicação; de certa forma, chega ao Supremo Tribunal Federal desgastado pela longa batalha que travou no Senado.
Renan saiu chamuscado da votação que aprovou a indicação de Fachin, mas não virou um pato manco na presidência do Senado. A rejeição do nome de Patriota foi um recado do PMDB de que a vitória de Dilma não foi tão grande como ela gostaria. Os mesmos senadores peemedebistas que fizeram um piquenique na sombra de Renan, ao negociar seus pleitos com o Palácio do Planalto para aprovar o nome do jurista, votaram pela rejeição do diplomata, contra o qual não havia nada além da falta de consenso em relação à política externa brasileira.
Guilherme é irmão do ex-ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota. A rejeição ao nome dele é uma derrota séria do governo federal no Congresso, pois a indicação de diplomatas é atribuição da Presidência da República. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lamentou o fato, com o argumento de que foi a primeira vez que um diplomata de carreira teve o nome rejeitado pelo plenário do Senado. Mas levou um chega pra lá de Renan, que desqualificou a crítica ao dizer que era atribuição do Senado aprovar ou não a indicação.
Como a política externa brasileira é muito contestada na Comissão de Relações Exteriores, hoje presidida pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), há de se avaliar que nada será como antes na nomeação de diplomatas para cargos importantes que envolvam as relações do Brasil com a América Latina.
Correio Braziliense - 20/05/2015
Renan saiu chamuscado da votação que aprovou a indicação de Fachin, mas não virou um pato manco. A rejeição de Patriota foi um recado do PMDB de que a vitória de Dilma não foi tão grande
Por 52 votos a favor e 27 contra, o Senado aprovou ontem a indicação do advogado Luiz Edson Fachin para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), na vaga aberta pela aposentadoria de Joaquim Barbosa. O Palácio do Planalto comemorou a aprovação como uma grande vitória política da presidente Dilma Rousseff, o que não deixa de ser verdade, pois a petista bancou seu indicado contra todas as pressões, principalmente do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Mas não se esperava, porém, que outro indicado por Dilma Rousseff fosse rejeitado pelo plenário do Senado: o diplomata Guilherme Patriota, por apertados 38 votos contra 37, não teve o nome aprovado para ocupar o cargo de representante permanente do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA). A votação ocorreu momentos antes de o plenário iniciar a análise do nome de Fachin.
No xadrez do Senado, é inédita uma derrota como a sofrida por Renan Calheiros. Seus aliados não escondiam dos interlocutores a opinião de que o peemedebista, na queda de braço com a presidente da República, havia avançado mais do que poderia. A rejeição de Fachin, embora não fosse inédita, seria um fato que não ocorre há mais de 100 anos.
A maioria a favor de Fachin era tão ostensiva que somente um senador se inscreveu para falar em plenário contra a indicação, Magno Malta (PR-ES), que pediu a palavra pouco antes de se iniciar a votação para justificar seu voto, que teve motivações religiosas. A aprovação, porém, não foi uma vitória apenas de Dilma. Foi muito compartilhada, não ocorreria se contasse apenas com o apoio do Palácio do Planalto.
Pesaram a favor do jurista o forte lobby do mundo jurídico e o apoio unânime da bancada do Paraná, liderada pelo senador tucano Alvaro Dias (PSDB), que neutralizou as acusações de que o advogado e professor de direito será um ministro petista – muitas das quais partiam de seus próprios companheiros de bancada do PSDB. Fachin defende teses polêmicas em relação à propriedade privada, à família patriarcal unicelular e ao aborto – razão da rejeição de evangélicos ao seu nome –, mas minimizou essas questões durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na semana passada.
Perdas e danos
O maior ruído em relação à indicação de Fachin foi devido ao fato de que advogou quando era procurador do estado do Paraná, o que foi apontado pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) como inaceitável em se tratando de um postulante a ministro do STF. Fachin teve que fazer uma campanha de marketing sem precedentes para neutralizar as críticas à sua indicação; de certa forma, chega ao Supremo Tribunal Federal desgastado pela longa batalha que travou no Senado.
Renan saiu chamuscado da votação que aprovou a indicação de Fachin, mas não virou um pato manco na presidência do Senado. A rejeição do nome de Patriota foi um recado do PMDB de que a vitória de Dilma não foi tão grande como ela gostaria. Os mesmos senadores peemedebistas que fizeram um piquenique na sombra de Renan, ao negociar seus pleitos com o Palácio do Planalto para aprovar o nome do jurista, votaram pela rejeição do diplomata, contra o qual não havia nada além da falta de consenso em relação à política externa brasileira.
Guilherme é irmão do ex-ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota. A rejeição ao nome dele é uma derrota séria do governo federal no Congresso, pois a indicação de diplomatas é atribuição da Presidência da República. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lamentou o fato, com o argumento de que foi a primeira vez que um diplomata de carreira teve o nome rejeitado pelo plenário do Senado. Mas levou um chega pra lá de Renan, que desqualificou a crítica ao dizer que era atribuição do Senado aprovar ou não a indicação.
Como a política externa brasileira é muito contestada na Comissão de Relações Exteriores, hoje presidida pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), há de se avaliar que nada será como antes na nomeação de diplomatas para cargos importantes que envolvam as relações do Brasil com a América Latina.
terça-feira, 19 de maio de 2015
Semana de R$ 20 bilhões
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/05/2015
O xis da questão é a meta de superavit primário, fixada, este ano, em R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB). Um corte desse tamanho pode paralisar a administração federal
A Câmara e o Senado retomam hoje a votação de medidas do ajuste fiscal, cuja aprovação deixa em suspenso os cortes do Orçamento da União, que podem ser entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, dependendo do que for aprovado. Quem melhor traduziu a situação foi o vice-presidente Michel Temer, num recado para a base aliada do governo, mas principalmente para os petistas que estão rebelados: “Se não houver ajuste, o contingenciamento será muito radical. Se houver ajuste, o contingenciamento será muito menor”, declarou.
No domingo, no Palácio do Alvorada, a presidente Dilma Rousseff debateu o assunto com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy; do Planejamento, Nelson Barbosa; e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Foi uma espécie de 3 a 1 contra Levy, que apresentou uma conta de R$ 80 bilhões. Mercadante e Barbosa acreditam que o contingenciamento pode ser de R$ 60 bilhões e foram apoiados por Dilma. O problema é que a conta não fecha, e as velhas pedaladas e maquiagens nas contas públicas estão fora de cogitação.
O ministro da Fazenda defende a posição de que o ajuste deve ser, no mínimo, de R$ 70 bilhões, mesmo com a aprovação das medidas de ajuste fiscal em tramitação no Congresso. Para ficar nesse patamar, ainda assim, Levy planeja o aumento de impostos, no caso, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, de 15% para 17%, que não depende aprovação do Legislativo.
O xis da questão é a meta de superavit primário, fixada, este ano, em R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB). Mercadante sustenta a posição de que um corte desse tamanho paralisará a administração federal, o que é música para os ouvidos da presidente Dilma. Vem daí a conta de R$ 60 bilhões apresentada por Barbosa. Notícias de universidades sem aulas, hospitais sem remédios e outros fatos negativos minam as convicções presidenciais de que a meta precisa ser atingida de qualquer maneira.
Quem mais apoia o ajuste proposto por Joaquim Levy é o vice-presidente Michel Temer. Deixou isso claro após a conversa com os ministros e os líderes governistas responsáveis pela aprovação das medidas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entendeu o recado e minimizou as interpretações da oposição de que as declarações de Temer representavam uma ameaça ao Congresso, uma espécie de chantagem. “Não acho que seja uma ameaça. Acho que eles têm uma meta, e as formas de atingir essa meta são várias. Se não atingir de um jeito, vai atingir de outro. Eu não encaro isso como ameaça, encaro como realidade”, justificou Cunha.
As votações
O Senado deve votar a Medida Provisória 665/14, sobre seguro-desemprego e abono salarial, mantendo as mudanças feitas pela Câmara. Além da oposição, o que preocupa o governo é a bancada do PT, que está muito dividida. A medida provisória aumenta a quantidade de meses trabalhados antes da demissão que o trabalhador terá de comprovar para pedir o seguro-desemprego. Na primeira solicitação, ele precisará comprovar o recebimento de salários em, pelo menos, 12 meses nos 18 anteriores à data da dispensa. No segundo pedido, comprovar o recebimento de nove salários nos 12 meses anteriores. A partir da terceira solicitação, a regra continua a mesma: comprovar o recebimento nos seis meses anteriores à demissão.
Na Câmara, a pauta prevê a análise do PL nº 863/15, que reduz o benefício da desoneração da folha de pagamento de empresas de 56 setores. O projeto altera as alíquotas de contribuição previdenciária sobre a receita bruta aplicadas para setores da indústria, indo de 1% para 2,5%, e de 2% para 4,5% na área de serviços. O relator, deputado Jorge Picciani (PMDB-RJ), proporá um escalonamento, fazendo com que os novos percentuais só sejam cobrados integralmente a partir de 2017. A mudança frustrará expectativas de arrecadação do governo.
Na berlinda
Aparentemente, o jogo virou a favor do governo para a aprovação, hoje, do nome indicado por Dilma para o Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado gaúcho Luiz Edson Fachin. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), porém, não jogou a toalha: trabalha intensamente para o plenário não aprovar a indicação. A votação é secreta. Fachin precisa de 41 votos a favor.
Correio Braziliense - 19/05/2015
O xis da questão é a meta de superavit primário, fixada, este ano, em R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB). Um corte desse tamanho pode paralisar a administração federal
A Câmara e o Senado retomam hoje a votação de medidas do ajuste fiscal, cuja aprovação deixa em suspenso os cortes do Orçamento da União, que podem ser entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, dependendo do que for aprovado. Quem melhor traduziu a situação foi o vice-presidente Michel Temer, num recado para a base aliada do governo, mas principalmente para os petistas que estão rebelados: “Se não houver ajuste, o contingenciamento será muito radical. Se houver ajuste, o contingenciamento será muito menor”, declarou.
No domingo, no Palácio do Alvorada, a presidente Dilma Rousseff debateu o assunto com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy; do Planejamento, Nelson Barbosa; e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Foi uma espécie de 3 a 1 contra Levy, que apresentou uma conta de R$ 80 bilhões. Mercadante e Barbosa acreditam que o contingenciamento pode ser de R$ 60 bilhões e foram apoiados por Dilma. O problema é que a conta não fecha, e as velhas pedaladas e maquiagens nas contas públicas estão fora de cogitação.
O ministro da Fazenda defende a posição de que o ajuste deve ser, no mínimo, de R$ 70 bilhões, mesmo com a aprovação das medidas de ajuste fiscal em tramitação no Congresso. Para ficar nesse patamar, ainda assim, Levy planeja o aumento de impostos, no caso, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, de 15% para 17%, que não depende aprovação do Legislativo.
O xis da questão é a meta de superavit primário, fixada, este ano, em R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB). Mercadante sustenta a posição de que um corte desse tamanho paralisará a administração federal, o que é música para os ouvidos da presidente Dilma. Vem daí a conta de R$ 60 bilhões apresentada por Barbosa. Notícias de universidades sem aulas, hospitais sem remédios e outros fatos negativos minam as convicções presidenciais de que a meta precisa ser atingida de qualquer maneira.
Quem mais apoia o ajuste proposto por Joaquim Levy é o vice-presidente Michel Temer. Deixou isso claro após a conversa com os ministros e os líderes governistas responsáveis pela aprovação das medidas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entendeu o recado e minimizou as interpretações da oposição de que as declarações de Temer representavam uma ameaça ao Congresso, uma espécie de chantagem. “Não acho que seja uma ameaça. Acho que eles têm uma meta, e as formas de atingir essa meta são várias. Se não atingir de um jeito, vai atingir de outro. Eu não encaro isso como ameaça, encaro como realidade”, justificou Cunha.
As votações
O Senado deve votar a Medida Provisória 665/14, sobre seguro-desemprego e abono salarial, mantendo as mudanças feitas pela Câmara. Além da oposição, o que preocupa o governo é a bancada do PT, que está muito dividida. A medida provisória aumenta a quantidade de meses trabalhados antes da demissão que o trabalhador terá de comprovar para pedir o seguro-desemprego. Na primeira solicitação, ele precisará comprovar o recebimento de salários em, pelo menos, 12 meses nos 18 anteriores à data da dispensa. No segundo pedido, comprovar o recebimento de nove salários nos 12 meses anteriores. A partir da terceira solicitação, a regra continua a mesma: comprovar o recebimento nos seis meses anteriores à demissão.
Na Câmara, a pauta prevê a análise do PL nº 863/15, que reduz o benefício da desoneração da folha de pagamento de empresas de 56 setores. O projeto altera as alíquotas de contribuição previdenciária sobre a receita bruta aplicadas para setores da indústria, indo de 1% para 2,5%, e de 2% para 4,5% na área de serviços. O relator, deputado Jorge Picciani (PMDB-RJ), proporá um escalonamento, fazendo com que os novos percentuais só sejam cobrados integralmente a partir de 2017. A mudança frustrará expectativas de arrecadação do governo.
Na berlinda
Aparentemente, o jogo virou a favor do governo para a aprovação, hoje, do nome indicado por Dilma para o Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado gaúcho Luiz Edson Fachin. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), porém, não jogou a toalha: trabalha intensamente para o plenário não aprovar a indicação. A votação é secreta. Fachin precisa de 41 votos a favor.
domingo, 17 de maio de 2015
O socorro vermelho
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/05/2015
Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos
Um lugar comum dos manuais de gerenciamento de crise é a citação do seu ideograma chinês, que representa também oportunidade. Os chineses levam a sério essa combinação, principalmente quando a crise é dos outros e a oportunidade é, sobretudo, para eles. Não é à toa que o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, desembarca amanhã em Brasília para uma visita oficial, que é aguardada pelo Palácio do Planalto como uma espécie de salvação da lavoura, ou melhor, do governo Dilma Rousseff e de sua fracassada “matriz econômica”.
Não será uma visita trivial. Ela ocorre em momento delicado da vida nacional, com o nosso país mergulhado numa crise tripla — ética, política e econômica —, à beira de se tornar quádrupla, com a social, em razão do desemprego e da inflação. E num contexto mundial em que o eixo do comércio mundial deslocou-se do Atlântico para o Pacífico, protagonizado pela China.
Enquanto a Europa vive uma dramática crise humanitária no Mediterrâneo — a herança colonialista cobra o seu preço —, a China costeia a África e avança pelo Atlântico Sul. Os chineses planejam investir US$ 1,25 trilhão, na próxima década, em várias regiões do mundo. E pretendem replicar na América do Sul a estratégia dos Estados Unidos na Ásia, após a II Guerra Mundial: depois do comércio e dos investimentos, quer suas infraestrutura e logística.
Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos e se tornaram o principal parceiro comercial do Brasil. Ao adiar o lançamento do novo programa de concessões de serviços do setor privado para a primeira semana de junho, Dilma abriu espaço para os investimentos chineses no setor da construção pesada, de logística e de energia.
Previsto para ser anunciado na quinta-feira passada, o governo alegou que não conseguiu fechar os principais mecanismos de financiamento do plano. O novo programa de concessões é considerado vital para salvar o modelo de “capitalismo de Estado” adotado durante o governo Lula, após a crise mundial, que entrou em colapso depois que a Operação Lava-Jato implodiu o cartel da propina e de superfaturamento das obras e serviços da Petrobras, formado pelas maiores empreiteiras do país.
Transoceânica
A menina dos olhos de Dilma Rousseff já não é o mirabolante trem bala Rio-São Paulo, que nunca saiu do papel. Agora, passou a ser o projeto de construir uma megaferrovia que ligaria o Atlântico ao Pacífico por meio de uma parceria com o Peru, no valor de US$ 30 bilhões. O candidato a sócio capitalista do empreendimento, digamos assim, é o governo chinês.
Por quê? Ora, a China é o primeiro mercado para as exportações brasileiras, o que garante um lugar cativo para o país como exportador de commodities de minério e de alimentos na nova divisão internacional do trabalho. Segundo um estudo do Conselho Empresarial Brasil-China, os investimentos anunciados no período de 2007 a 2012 atingiram cerca de US$ 68 bilhões, a metade dos quais já em execução.
O suprimento de commodities, como minério de ferro e petróleo, evoluiu para os setores de energia e telecomunicações e chegou ao setor automobilístico e financeiro, com a presença do ICBC, do Banco da China e do Banco da Construção. A China também está de olho nos aeroportos, mas quer rever a sua participação no Galeão, ao lado da Odebrecht, e exige uma participação menor da Infraero nos novos contratos.
Nos próximos anos, a expansão chegará ao agronegócio e à infraestrutura. É o caso da Ferrovia Lucas do Rio Verde-Campinorte que, em seguida, se bifurcará em duas vias, para o escoamento da soja do Centro-Oeste nos portos do Pará e do Espírito Santo. Caso o consórcio sino-brasileiro venha a vencer a licitação, as empresas chinesas terão uma participação em todas as etapas da exportação da soja: a originação do produto, a logística do escoamento, a comercialização e a distribuição na China.
Correio Braziliense - 17/05/2015
Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos
Um lugar comum dos manuais de gerenciamento de crise é a citação do seu ideograma chinês, que representa também oportunidade. Os chineses levam a sério essa combinação, principalmente quando a crise é dos outros e a oportunidade é, sobretudo, para eles. Não é à toa que o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, desembarca amanhã em Brasília para uma visita oficial, que é aguardada pelo Palácio do Planalto como uma espécie de salvação da lavoura, ou melhor, do governo Dilma Rousseff e de sua fracassada “matriz econômica”.
Não será uma visita trivial. Ela ocorre em momento delicado da vida nacional, com o nosso país mergulhado numa crise tripla — ética, política e econômica —, à beira de se tornar quádrupla, com a social, em razão do desemprego e da inflação. E num contexto mundial em que o eixo do comércio mundial deslocou-se do Atlântico para o Pacífico, protagonizado pela China.
Enquanto a Europa vive uma dramática crise humanitária no Mediterrâneo — a herança colonialista cobra o seu preço —, a China costeia a África e avança pelo Atlântico Sul. Os chineses planejam investir US$ 1,25 trilhão, na próxima década, em várias regiões do mundo. E pretendem replicar na América do Sul a estratégia dos Estados Unidos na Ásia, após a II Guerra Mundial: depois do comércio e dos investimentos, quer suas infraestrutura e logística.
Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos e se tornaram o principal parceiro comercial do Brasil. Ao adiar o lançamento do novo programa de concessões de serviços do setor privado para a primeira semana de junho, Dilma abriu espaço para os investimentos chineses no setor da construção pesada, de logística e de energia.
Previsto para ser anunciado na quinta-feira passada, o governo alegou que não conseguiu fechar os principais mecanismos de financiamento do plano. O novo programa de concessões é considerado vital para salvar o modelo de “capitalismo de Estado” adotado durante o governo Lula, após a crise mundial, que entrou em colapso depois que a Operação Lava-Jato implodiu o cartel da propina e de superfaturamento das obras e serviços da Petrobras, formado pelas maiores empreiteiras do país.
Transoceânica
A menina dos olhos de Dilma Rousseff já não é o mirabolante trem bala Rio-São Paulo, que nunca saiu do papel. Agora, passou a ser o projeto de construir uma megaferrovia que ligaria o Atlântico ao Pacífico por meio de uma parceria com o Peru, no valor de US$ 30 bilhões. O candidato a sócio capitalista do empreendimento, digamos assim, é o governo chinês.
Por quê? Ora, a China é o primeiro mercado para as exportações brasileiras, o que garante um lugar cativo para o país como exportador de commodities de minério e de alimentos na nova divisão internacional do trabalho. Segundo um estudo do Conselho Empresarial Brasil-China, os investimentos anunciados no período de 2007 a 2012 atingiram cerca de US$ 68 bilhões, a metade dos quais já em execução.
O suprimento de commodities, como minério de ferro e petróleo, evoluiu para os setores de energia e telecomunicações e chegou ao setor automobilístico e financeiro, com a presença do ICBC, do Banco da China e do Banco da Construção. A China também está de olho nos aeroportos, mas quer rever a sua participação no Galeão, ao lado da Odebrecht, e exige uma participação menor da Infraero nos novos contratos.
Nos próximos anos, a expansão chegará ao agronegócio e à infraestrutura. É o caso da Ferrovia Lucas do Rio Verde-Campinorte que, em seguida, se bifurcará em duas vias, para o escoamento da soja do Centro-Oeste nos portos do Pará e do Espírito Santo. Caso o consórcio sino-brasileiro venha a vencer a licitação, as empresas chinesas terão uma participação em todas as etapas da exportação da soja: a originação do produto, a logística do escoamento, a comercialização e a distribuição na China.
quinta-feira, 14 de maio de 2015
O tempo fechou novamente
Nas Entrelinhas:Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14052015
Procuradores acreditam que as doações eleitorais serviram para “lavar” dinheiro de propina. A tese é polêmica e contestada por todos os envolvidos
Quando parecia que a situação estava se acomodando em relação à Operação Lava-Jato, uma nova borrasca surgiu no horizonte: o acordo de delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC e da Constran, assinado ontem com a Procuradoria-Geral da República em Brasília, depois de quatro horas de reunião com Rodrigo Janot e procuradores da força tarefa que investiga o caso.
No trato, ele prometeu revelar tudo o que sabe sobre pagamentos de suborno na Petrobras e em outras estatais, o que ameaça trazer para o olho do furacão o Palácio do Planalto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de uma grande empreiteira que até agora não foi denunciada. Pessoa se comprometeu a pagar uma multa de R$ 55 milhões, a segunda mais alta entre os delatores da Operação Lava-Jato. O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco devolveu US$ 97 milhões, o equivalente hoje a R$ 295 milhões.
O Palácio do Planalto volta à berlinda. Pessoa disse que deu R$ 7,5 milhões à campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) no ano passado, negociados com o tesoureiro Edinho Silva, atual ministro de Comunicação Social do governo. No acordo, o empresário afirma que a doação se deu sob ameaça de retaliações em contratos com a Petrobras, acusação que o ministro repudiou de pronto, em nota à imprensa, e que o PT também desmente. Em visita à Câmara, o ministro disse que o valor foi declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O que eu fiz foi arrecadar dentro da legalidade enquanto tesoureiro de campanha. As doações foram legais, declaradas ao TSE”.
A nomeação do ex-deputado e ex-prefeito de Araraquara para a pasta da Comunicação Social serviu como uma espécie de blindagem contra as investigações conduzidas pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, ao lhe garantir foro especial. Saiu, porém, da panela de pressão para cair numa frigideira quente. Tudo, porém, vai depender das provas materiais e de investigações a cargo da Polícia Federal que comprovem as acusações do empresário. Procuradores acreditam que as doações eleitorais serviram para “lavar” dinheiro de propina. A tese é polêmica e contestada por todos os envolvidos.
Encarcerado de 14 de novembro a 28 de abril, Pessoa agora está em prisão domiciliar por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com tornozeleira eletrônica. Era o coordenador do cartel de grandes empreiteiras que se beneficiou do esquema de propina na Petrobras. Seu acordo de delação premiada precisa, ainda, ser homologado pelo ministro do STF Teori Zavascki. A colaboração do empresário com as investigações vinha sendo negociada há meses. Ele vazou muitas informações sobre o escândalo, fez várias ameaças, acabou fazendo o acordo.
Lula reage
Quem anda subindo nas tamancas por causa da Lava-Jato é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começa a ser citado por envolvidos no escândalo da Petrobras em depoimentos da CPI. O escândalo desgastou o PT, motivou mobilizações de rua e panelaços contra a presidente Dilma Rousseff e já começa a desgastar a imagem do líder petista, que parecia revestida de teflon.
Na terça-feira, o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) — condenado no mensalão e preso pela Operação Lava-Jato — afirmou à CPI da Petrobras que foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que colocou Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento. “O diretor de Abastecimento da Petrobras, que se eu não me engano, era um tal de Manso; ele se atritou com a diretoria e o presidente Lula convidou o Paulo Roberto Costa para ser diretor de Abastecimento”, afirmou, ao comentar a nomeação do delator ao cargo, em 2004.
“Isso era a notícia que chegou para mim. O presidente Lula, depois de achar que o Paulo deveria ser diretor de Abastecimento, disse então que ele ficaria na cota de autoridades que poderiam ter a chancela do Partido Progressista”, afirmou Pedro Corrêa. Segundo ele, o acordo teria sido negociado diretamente com Lula pelo ex-deputado José Janene, envolvido no mensalão, que já faleceu.
Lula já havia reagido nas redes sociais ao depoimento do doleiro Alberto Youssef, que também dissera que o petista tinha conhecimento do esquema, segundo alguns ex-ministros. O ex-presidente da República lamentou que “parte da imprensa venha tratando bandidos como heróis”, quando “se prestam a acusar, sem provas, os alvos escolhidos pela oposição; quando se prestam a difamar lideranças que a oposição não conseguiu derrotar nas urnas e teme enfrentar no futuro”.
Pedro Corrêa é acusado de receber R$ 5 milhões do esquema de corrupção e propina na Petrobras, por intermédio do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Youssef, peças centrais das investigações.
Apesar de realizado na segunda-feira, o teor do depoimento de Mendes foi divulgado ontem. O empreiteiro classificou de “extorsão” a exigência do pagamento feita por Youssef. Ele também afirmou como o valor da propina era definido. “Era um valor que ele colocou, de R$ 8 milhões e alguma coisa, e foi pago relativo aos aditivos a serem aprovados, da Replan (Refinaria de Paulínia) e do TABR (Terminal Aquaviário de Barra do Riacho)”, afirmou.
Mendes, que declarou ter acertado o pagamento da propina na sede da empreiteira, em São Paulo, afirmou aos investigadores da Lava-Jato que se reuniu com Yousseff a pedido do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. “Nesta relação que nós temos com a Petrobras, foi feito um pagamento em cima de um pedido, mas, mais que um pedido, uma espécie de pressão”, declarou.
Já o engenheiro da Mendes Júnior José Humberto Cruvinel Rezende declarou, também em depoimento no último dia 11, ter se sentido enganado por ter assinado um contrato com o GFD Investimentos. Ele garantiu à Justiça desconhecer que a empresa era de fachada.
Ontem, em Curitiba, os investigadores ouviram, mais uma vez, o doleiro Alberto Youssef, dois dias depois de ele ter confirmado à CPI da Petrobras ter entregue R$ 6 milhões a Fernando Baiano, considerado o operador do PMDB na Lava-Jato.
O teor dos depoimentos não foi revelado. Baiano, a exemplo do comportamento adotado na CPI, permaneceu calado. Aos deputados, ele afirmou preferir falar as coisas “em juízo”. Seria a primeira vez que Baiano prestaria depoimento à Justiça, desde que se tornou réu. O lobista foi preso em novembro de 2014.
Correio Braziliense - 14052015
Procuradores acreditam que as doações eleitorais serviram para “lavar” dinheiro de propina. A tese é polêmica e contestada por todos os envolvidos
Quando parecia que a situação estava se acomodando em relação à Operação Lava-Jato, uma nova borrasca surgiu no horizonte: o acordo de delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC e da Constran, assinado ontem com a Procuradoria-Geral da República em Brasília, depois de quatro horas de reunião com Rodrigo Janot e procuradores da força tarefa que investiga o caso.
No trato, ele prometeu revelar tudo o que sabe sobre pagamentos de suborno na Petrobras e em outras estatais, o que ameaça trazer para o olho do furacão o Palácio do Planalto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de uma grande empreiteira que até agora não foi denunciada. Pessoa se comprometeu a pagar uma multa de R$ 55 milhões, a segunda mais alta entre os delatores da Operação Lava-Jato. O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco devolveu US$ 97 milhões, o equivalente hoje a R$ 295 milhões.
O Palácio do Planalto volta à berlinda. Pessoa disse que deu R$ 7,5 milhões à campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) no ano passado, negociados com o tesoureiro Edinho Silva, atual ministro de Comunicação Social do governo. No acordo, o empresário afirma que a doação se deu sob ameaça de retaliações em contratos com a Petrobras, acusação que o ministro repudiou de pronto, em nota à imprensa, e que o PT também desmente. Em visita à Câmara, o ministro disse que o valor foi declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O que eu fiz foi arrecadar dentro da legalidade enquanto tesoureiro de campanha. As doações foram legais, declaradas ao TSE”.
A nomeação do ex-deputado e ex-prefeito de Araraquara para a pasta da Comunicação Social serviu como uma espécie de blindagem contra as investigações conduzidas pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, ao lhe garantir foro especial. Saiu, porém, da panela de pressão para cair numa frigideira quente. Tudo, porém, vai depender das provas materiais e de investigações a cargo da Polícia Federal que comprovem as acusações do empresário. Procuradores acreditam que as doações eleitorais serviram para “lavar” dinheiro de propina. A tese é polêmica e contestada por todos os envolvidos.
Encarcerado de 14 de novembro a 28 de abril, Pessoa agora está em prisão domiciliar por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com tornozeleira eletrônica. Era o coordenador do cartel de grandes empreiteiras que se beneficiou do esquema de propina na Petrobras. Seu acordo de delação premiada precisa, ainda, ser homologado pelo ministro do STF Teori Zavascki. A colaboração do empresário com as investigações vinha sendo negociada há meses. Ele vazou muitas informações sobre o escândalo, fez várias ameaças, acabou fazendo o acordo.
Lula reage
Quem anda subindo nas tamancas por causa da Lava-Jato é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começa a ser citado por envolvidos no escândalo da Petrobras em depoimentos da CPI. O escândalo desgastou o PT, motivou mobilizações de rua e panelaços contra a presidente Dilma Rousseff e já começa a desgastar a imagem do líder petista, que parecia revestida de teflon.
Na terça-feira, o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) — condenado no mensalão e preso pela Operação Lava-Jato — afirmou à CPI da Petrobras que foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que colocou Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento. “O diretor de Abastecimento da Petrobras, que se eu não me engano, era um tal de Manso; ele se atritou com a diretoria e o presidente Lula convidou o Paulo Roberto Costa para ser diretor de Abastecimento”, afirmou, ao comentar a nomeação do delator ao cargo, em 2004.
“Isso era a notícia que chegou para mim. O presidente Lula, depois de achar que o Paulo deveria ser diretor de Abastecimento, disse então que ele ficaria na cota de autoridades que poderiam ter a chancela do Partido Progressista”, afirmou Pedro Corrêa. Segundo ele, o acordo teria sido negociado diretamente com Lula pelo ex-deputado José Janene, envolvido no mensalão, que já faleceu.
Lula já havia reagido nas redes sociais ao depoimento do doleiro Alberto Youssef, que também dissera que o petista tinha conhecimento do esquema, segundo alguns ex-ministros. O ex-presidente da República lamentou que “parte da imprensa venha tratando bandidos como heróis”, quando “se prestam a acusar, sem provas, os alvos escolhidos pela oposição; quando se prestam a difamar lideranças que a oposição não conseguiu derrotar nas urnas e teme enfrentar no futuro”.
Pedro Corrêa é acusado de receber R$ 5 milhões do esquema de corrupção e propina na Petrobras, por intermédio do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Youssef, peças centrais das investigações.
Repasse ao doleiro
O ex-vice-presidente da Mendes Júnior Sérgio Cunha Mendes confirmou ter repassado R$ 8 milhões ao doleiro Alberto Youssef. O pagamento foi feito em parcelas, a partir de contratos frios firmados com as empresas de fachada GFD Investimentos e Empreiteira Rigidez, controladas por Youssef.Apesar de realizado na segunda-feira, o teor do depoimento de Mendes foi divulgado ontem. O empreiteiro classificou de “extorsão” a exigência do pagamento feita por Youssef. Ele também afirmou como o valor da propina era definido. “Era um valor que ele colocou, de R$ 8 milhões e alguma coisa, e foi pago relativo aos aditivos a serem aprovados, da Replan (Refinaria de Paulínia) e do TABR (Terminal Aquaviário de Barra do Riacho)”, afirmou.
Mendes, que declarou ter acertado o pagamento da propina na sede da empreiteira, em São Paulo, afirmou aos investigadores da Lava-Jato que se reuniu com Yousseff a pedido do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. “Nesta relação que nós temos com a Petrobras, foi feito um pagamento em cima de um pedido, mas, mais que um pedido, uma espécie de pressão”, declarou.
Já o engenheiro da Mendes Júnior José Humberto Cruvinel Rezende declarou, também em depoimento no último dia 11, ter se sentido enganado por ter assinado um contrato com o GFD Investimentos. Ele garantiu à Justiça desconhecer que a empresa era de fachada.
Ontem, em Curitiba, os investigadores ouviram, mais uma vez, o doleiro Alberto Youssef, dois dias depois de ele ter confirmado à CPI da Petrobras ter entregue R$ 6 milhões a Fernando Baiano, considerado o operador do PMDB na Lava-Jato.
O teor dos depoimentos não foi revelado. Baiano, a exemplo do comportamento adotado na CPI, permaneceu calado. Aos deputados, ele afirmou preferir falar as coisas “em juízo”. Seria a primeira vez que Baiano prestaria depoimento à Justiça, desde que se tornou réu. O lobista foi preso em novembro de 2014.
quarta-feira, 13 de maio de 2015
O relatório Castro
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/05/2015
Quase sempre a votação da reforma política resulta em mudanças cosméticas no sistema eleitoral e na legislação partidária, uma maneira de mudar para manter tudo como está
O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) apresentou ontem seu relatório sobre a reforma política, no qual defende propostas que vão do fim da reeleição à substituição do voto proporcional pelo chamado “distritão”. A discussão da reforma política na Câmara dos Deputados, com suas idas e vindas, porém, costuma ser mitigada pela síndrome do peru às vésperas do Natal, que costuma atacar a maioria dos deputados nessa questão. Como se sabe, não adianta convidar esse galiforme para a ceia porque sabe que vai morrer.
É que a maioria dos deputados teme mexer no sistema que garantiu a eleição deles. Isso gera uma força de inércia nas votações. Quase sempre a votação da reforma política resulta em mudanças cosméticas no sistema eleitoral e na legislação partidária, uma maneira de mudar para manter tudo como está. No parecer apresentado à comissão especial da reforma política na Câmara, Marcelo Castro propõe o estabelecimento de eleições unificadas, o fim da reeleição para cargos do Executivo e estabelece que os prefeitos eleitos em 2016 ficarão apenas dois anos no poder.
Castro mudou de posição e adotou o “distritão”, sistema defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O parlamentar defendia o sistema distrital misto, que combina o voto proporcional e o voto majoritário. Nesse caso, os eleitores votam duas vezes, uma para candidatos no distrito e outra para a legenda dos partidos. O “distritão” acaba com as tradicionais eleições proporcionais para deputados, que distribui as vagas na Câmara de acordo com a votação dos partidos ou coligações. Seriam eleitos os candidatos mais votados em cada unidade da Federação.
Outra novidade é a unificação das eleições e a duração dos mandatos, a partir de 2018: todos teriam cinco anos. Os prefeitos eleitos em 2016 teriam um mandato de apenas dois anos, mas poderiam tentar a reeleição pela última vez. Os atuais prefeitos, assim, poderiam chegar a 11 anos no cargo. Cada estado elegeria os três senadores mais bem votados, os três seguintes com maior número de votos seriam eleitos suplentes. Cada partido poderia lançar até três candidatos.
A comissão deve adotar o modelo misto para financiamento de campanha, com doações de pessoas físicas e jurídicas para os partidos, com um teto para doação, a ser regulamentado por projeto de lei. Os programas de tevê seriam protagonizados única e exclusivamente por candidatos, sem efeitos especiais e outros recursos de marketing. O relatório também acaba com as coligações proporcionais, limita o acesso à tevê e radio e ao Fundo Partidário às legendas com mais de 3% de votos no país e 2% nos estados.
Engessamento
A reforma proposta por Castro foi elaborada sob medida para consolidar o poder do PMDB no Congresso, pois pega o PT no pelourinho e o PSDB na oposição. Também engessa o quadro partidário, embora force um realinhamento de forças políticas, com fusões e incorporações de siglas. Para se tornar mais palatável às bancadas, permite a formação de federações de partidos, de caráter nacional e permanente, e abre um prazo para o troca-troca de agremiação sem risco de perda de mandato. É nesse sentido que a mudança na legislação ocorre para manter o controle político do país nas mãos de quem já o detém, tanto em nível nacional como em âmbito regional.
Não há espaço para o surgimento de novos partidos e candidaturas competitivas à Presidência da República a partir dos novos atores políticos, como ocorre na Europa. Para movimentos sociais, como o Vem Pra Rua e o Passe Livre, protagonistas das manifestações de março passado e de junho de 2013, respectivamente, a possibilidade de haver alternativa de poder simplesmente não existirá. Candidaturas avulsas de personalidades, como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, também estão fora de cogitação.
O PT discorda do projeto, ao defender o voto em lista e o financiamento público de campanha. O PSDB propõe o voto distrital e o financiamento misto. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pretende marcar a votação da reforma tão logo a proposta seja aprovada na comissão especial, o que pode ocorrer na quinta-feira. A prioridade dele é aprovar o “distritão” e o fim das coligações.
Correio Braziliense - 13/05/2015
Quase sempre a votação da reforma política resulta em mudanças cosméticas no sistema eleitoral e na legislação partidária, uma maneira de mudar para manter tudo como está
O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) apresentou ontem seu relatório sobre a reforma política, no qual defende propostas que vão do fim da reeleição à substituição do voto proporcional pelo chamado “distritão”. A discussão da reforma política na Câmara dos Deputados, com suas idas e vindas, porém, costuma ser mitigada pela síndrome do peru às vésperas do Natal, que costuma atacar a maioria dos deputados nessa questão. Como se sabe, não adianta convidar esse galiforme para a ceia porque sabe que vai morrer.
É que a maioria dos deputados teme mexer no sistema que garantiu a eleição deles. Isso gera uma força de inércia nas votações. Quase sempre a votação da reforma política resulta em mudanças cosméticas no sistema eleitoral e na legislação partidária, uma maneira de mudar para manter tudo como está. No parecer apresentado à comissão especial da reforma política na Câmara, Marcelo Castro propõe o estabelecimento de eleições unificadas, o fim da reeleição para cargos do Executivo e estabelece que os prefeitos eleitos em 2016 ficarão apenas dois anos no poder.
Castro mudou de posição e adotou o “distritão”, sistema defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O parlamentar defendia o sistema distrital misto, que combina o voto proporcional e o voto majoritário. Nesse caso, os eleitores votam duas vezes, uma para candidatos no distrito e outra para a legenda dos partidos. O “distritão” acaba com as tradicionais eleições proporcionais para deputados, que distribui as vagas na Câmara de acordo com a votação dos partidos ou coligações. Seriam eleitos os candidatos mais votados em cada unidade da Federação.
Outra novidade é a unificação das eleições e a duração dos mandatos, a partir de 2018: todos teriam cinco anos. Os prefeitos eleitos em 2016 teriam um mandato de apenas dois anos, mas poderiam tentar a reeleição pela última vez. Os atuais prefeitos, assim, poderiam chegar a 11 anos no cargo. Cada estado elegeria os três senadores mais bem votados, os três seguintes com maior número de votos seriam eleitos suplentes. Cada partido poderia lançar até três candidatos.
A comissão deve adotar o modelo misto para financiamento de campanha, com doações de pessoas físicas e jurídicas para os partidos, com um teto para doação, a ser regulamentado por projeto de lei. Os programas de tevê seriam protagonizados única e exclusivamente por candidatos, sem efeitos especiais e outros recursos de marketing. O relatório também acaba com as coligações proporcionais, limita o acesso à tevê e radio e ao Fundo Partidário às legendas com mais de 3% de votos no país e 2% nos estados.
Engessamento
A reforma proposta por Castro foi elaborada sob medida para consolidar o poder do PMDB no Congresso, pois pega o PT no pelourinho e o PSDB na oposição. Também engessa o quadro partidário, embora force um realinhamento de forças políticas, com fusões e incorporações de siglas. Para se tornar mais palatável às bancadas, permite a formação de federações de partidos, de caráter nacional e permanente, e abre um prazo para o troca-troca de agremiação sem risco de perda de mandato. É nesse sentido que a mudança na legislação ocorre para manter o controle político do país nas mãos de quem já o detém, tanto em nível nacional como em âmbito regional.
Não há espaço para o surgimento de novos partidos e candidaturas competitivas à Presidência da República a partir dos novos atores políticos, como ocorre na Europa. Para movimentos sociais, como o Vem Pra Rua e o Passe Livre, protagonistas das manifestações de março passado e de junho de 2013, respectivamente, a possibilidade de haver alternativa de poder simplesmente não existirá. Candidaturas avulsas de personalidades, como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, também estão fora de cogitação.
O PT discorda do projeto, ao defender o voto em lista e o financiamento público de campanha. O PSDB propõe o voto distrital e o financiamento misto. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pretende marcar a votação da reforma tão logo a proposta seja aprovada na comissão especial, o que pode ocorrer na quinta-feira. A prioridade dele é aprovar o “distritão” e o fim das coligações.
terça-feira, 12 de maio de 2015
O dispositivo de Temer
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 12/05/2015
O rito de articulações de Temer, porém, é o tradicional: mapeamento dos descontentes, identificação de pleitos e distribuição de cargos. A troca de cargos por votos desgasta o governo e os partidos da base
Há uma correlação direta entre o apoio parlamentar ao ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a capacidade de articulação política do vice-presidente Michel Temer. São duas faces da mesma moeda, como ficou muito claro na aprovação das medidas econômicas na semana passada. Isso significa que os problemas da presidente Dilma Rousseff com o Congresso estejam sob controle? Nem de longe, tanto na Câmara quanto no Senado, a agenda do governo está recheada de perigos.
Dilma ainda enfrenta um ambiente hostil no Congresso, a avaliação de seu governo é negativa e as expectativas quanto ao seu relacionamento com o mundo político continuam péssimas. O que mudou é o posicionamento dos parlamentares em relação ao ajuste fiscal, cada vez mais favorável diante dos sintomas de que a crise é mesmo profunda e que apostar no “quanto pior, melhor” pode ser mau negócio.
Foi esse tipo de raciocínio, por exemplo, que garantiu aos votos do DEM, partido de oposição, às medidas do ajuste na semana passada, aprovadas por uma estreita margem de 25 votos.
O empenho pessoal do ministro Joaquim Levy nas negociações com a base aliada ajudaram a desanuviar o clima das negociações e abriram caminho para as articulações do vice-presidente Michel Temer, que conhece como ninguém a Casa que comandou — tanto no governo Fernando Henrique Cardoso quanto no governo Lula.
O rito de articulações de Temer, porém, é o tradicional: mapeamento dos descontentes, identificação de pleitos e distribuição de cargos. A troca de cargos por votos desgasta o governo e os partidos da base. É assim que o Palácio do Planalto espera garantir a governabilidade, mas isso não favorece a recuperação da popularidade da presidente Dilma Rousseff, que continua muito enfraquecida.
A “terceirização” da condução da economia e, agora, da articulação política, não resolve os problemas da presidente da República como liderança política: já não pode sair às ruas, fazer pronunciamentos de rádio e tevê, nem mesmo ser madrinha de casamento, sem correr o risco de levar uma bruta vaia.
Na cozinha do Palácio do Planalto, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rosseto (Secretaria-Geral da Presidência) e Edinho Silva (Comunição Social) são um espectro do poder do PT no atual governo, cujo eixo de gravidade se mudou para o anexo onde funciona o gabinete do vice-presidente. O ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, para os políticos, estaria mandando mais do que os três juntos, pois Michel Temer delegou a ele a negociação dos cargos de segundo e de terceiro escalões.
Os perigos
Mas os perigos também rondam Levy e Temer na pauta do Congresso. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatina hoje o jurista Luiz Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para o Supremo Tribunal Federal. O jurista passará por constrangimentos pelo fato de ter exercido o cargo de procurador do governo do Paraná e advogar ao mesmo tempo, segundo parecer jurídico do próprio Senado divulgado pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Tem, porém, o apoio da bancada do Paraná, liderada pelo setor tucano Alvaro Dias, que tratou de arranjar outro parecer da consultoria jurídica da Casa dizendo que isso não é problema.
Pode ser que seja. Segundo reportagem do repórter especial João Valadares, publicada no sábado passado pelo Correio, Fachin recebeu como advogado privado da Companhia Paranaense de Energia (Copel) para defender a empresa e emitir pareceres técnicos, cujo sócio majoritário é o Estado do Paraná. Em 2004, Fachin era procurador do Estado e já recebia salário justamente para isso. O governo do Paraná pagou US$ 190 milhões num acordo internacional arbitrado em Paris.
Na Câmara, deverão ser apreciadas duas medidas do ajuste fiscal: a MP nº 664/15, que trata da pensão por morte e auxílio-doença, e a MP nº 668/15, que versa sobre o PIS/Cofins sobre importações. A mais complicada é a que trata da agenda trabalhista, que estressa o PT e o PDT. Na votação da MP nº 665/15, foram 10 os petistas rebeldes, apesar das fortes pressões do Palácio do Planalto. O PDT votou contra, como se fosse um partido de oposição, e deixou pendurado no pincel o seu ministro no governo, Manoel Dias, do Trabalho.
A maior casca de banana, porém, é o projeto de lei projeto que muda o cálculo de correção do FGTS (PL nº 1.358/15), de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que passariam a ter o mesmo índice de reajuste da caderneta de poupança. É uma jogada combinada com o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, que porá outra saia justa no PT e no PDT e deverá contar com o apoio maciço da oposição e da própria bancada do PMDB. A intenção de Cunha é conceder urgência à proposta e iniciar a discussão.
Correio Braziliense - 12/05/2015
O rito de articulações de Temer, porém, é o tradicional: mapeamento dos descontentes, identificação de pleitos e distribuição de cargos. A troca de cargos por votos desgasta o governo e os partidos da base
Há uma correlação direta entre o apoio parlamentar ao ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a capacidade de articulação política do vice-presidente Michel Temer. São duas faces da mesma moeda, como ficou muito claro na aprovação das medidas econômicas na semana passada. Isso significa que os problemas da presidente Dilma Rousseff com o Congresso estejam sob controle? Nem de longe, tanto na Câmara quanto no Senado, a agenda do governo está recheada de perigos.
Dilma ainda enfrenta um ambiente hostil no Congresso, a avaliação de seu governo é negativa e as expectativas quanto ao seu relacionamento com o mundo político continuam péssimas. O que mudou é o posicionamento dos parlamentares em relação ao ajuste fiscal, cada vez mais favorável diante dos sintomas de que a crise é mesmo profunda e que apostar no “quanto pior, melhor” pode ser mau negócio.
Foi esse tipo de raciocínio, por exemplo, que garantiu aos votos do DEM, partido de oposição, às medidas do ajuste na semana passada, aprovadas por uma estreita margem de 25 votos.
O empenho pessoal do ministro Joaquim Levy nas negociações com a base aliada ajudaram a desanuviar o clima das negociações e abriram caminho para as articulações do vice-presidente Michel Temer, que conhece como ninguém a Casa que comandou — tanto no governo Fernando Henrique Cardoso quanto no governo Lula.
O rito de articulações de Temer, porém, é o tradicional: mapeamento dos descontentes, identificação de pleitos e distribuição de cargos. A troca de cargos por votos desgasta o governo e os partidos da base. É assim que o Palácio do Planalto espera garantir a governabilidade, mas isso não favorece a recuperação da popularidade da presidente Dilma Rousseff, que continua muito enfraquecida.
A “terceirização” da condução da economia e, agora, da articulação política, não resolve os problemas da presidente da República como liderança política: já não pode sair às ruas, fazer pronunciamentos de rádio e tevê, nem mesmo ser madrinha de casamento, sem correr o risco de levar uma bruta vaia.
Na cozinha do Palácio do Planalto, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rosseto (Secretaria-Geral da Presidência) e Edinho Silva (Comunição Social) são um espectro do poder do PT no atual governo, cujo eixo de gravidade se mudou para o anexo onde funciona o gabinete do vice-presidente. O ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, para os políticos, estaria mandando mais do que os três juntos, pois Michel Temer delegou a ele a negociação dos cargos de segundo e de terceiro escalões.
Os perigos
Mas os perigos também rondam Levy e Temer na pauta do Congresso. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatina hoje o jurista Luiz Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para o Supremo Tribunal Federal. O jurista passará por constrangimentos pelo fato de ter exercido o cargo de procurador do governo do Paraná e advogar ao mesmo tempo, segundo parecer jurídico do próprio Senado divulgado pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Tem, porém, o apoio da bancada do Paraná, liderada pelo setor tucano Alvaro Dias, que tratou de arranjar outro parecer da consultoria jurídica da Casa dizendo que isso não é problema.
Pode ser que seja. Segundo reportagem do repórter especial João Valadares, publicada no sábado passado pelo Correio, Fachin recebeu como advogado privado da Companhia Paranaense de Energia (Copel) para defender a empresa e emitir pareceres técnicos, cujo sócio majoritário é o Estado do Paraná. Em 2004, Fachin era procurador do Estado e já recebia salário justamente para isso. O governo do Paraná pagou US$ 190 milhões num acordo internacional arbitrado em Paris.
Na Câmara, deverão ser apreciadas duas medidas do ajuste fiscal: a MP nº 664/15, que trata da pensão por morte e auxílio-doença, e a MP nº 668/15, que versa sobre o PIS/Cofins sobre importações. A mais complicada é a que trata da agenda trabalhista, que estressa o PT e o PDT. Na votação da MP nº 665/15, foram 10 os petistas rebeldes, apesar das fortes pressões do Palácio do Planalto. O PDT votou contra, como se fosse um partido de oposição, e deixou pendurado no pincel o seu ministro no governo, Manoel Dias, do Trabalho.
A maior casca de banana, porém, é o projeto de lei projeto que muda o cálculo de correção do FGTS (PL nº 1.358/15), de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que passariam a ter o mesmo índice de reajuste da caderneta de poupança. É uma jogada combinada com o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, que porá outra saia justa no PT e no PDT e deverá contar com o apoio maciço da oposição e da própria bancada do PMDB. A intenção de Cunha é conceder urgência à proposta e iniciar a discussão.
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