terça-feira, 31 de março de 2015
A lógica do dissenso
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 31/03/2014
Lula, no segundo mandato, e a presidente Dilma Rousseff, no primeiro, operaram uma espécie de aggiornamento às avessas, no qual desprezaram os grandes consensos nacionais da transição à democracia
Um regime democrático tem vários pressupostos, dois deles estão imbricados: o direito ao dissenso e à alternância de poder. O direito de se opor ao pensamento majoritário na sociedade é uma prerrogativa das minorias. Já a alternância de poder é a garantia de que a oposição, se for capaz de convencer a maioria de que um determinado projeto, programa ou conjunto de ideias será melhor para a sociedade, pode chegar ao poder — pelo voto.
Nos 12 anos e três meses que exerceram o poder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff revelaram certa dificuldade para conviver com a oposição e para admitir a alternância de poder. A soberba com que trataram as minorias — talvez o melhor exemplo seja a situação dos índios, que nunca protestaram tanto na Esplanada — e a forma como conduziram os processos eleitorais — para ganhar as disputas a qualquer preço — ainda serão matéria-prima para muitas teses acadêmicas.
Curiosamente, dispondo do apoio de amplo leque de forças política no Congresso e da grande massa da população pobre, Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo mandato, e a presidente Dilma Rousseff, no primeiro, operaram uma espécie de aggiornamento às avessas, no qual desprezaram os grandes consensos nacionais construídos ao longo da transição à democracia. No poder, apostaram no dissenso.
Essa aposta vale para a política externa, que deixou o Brasil refém da Venezuela, da Bolívia e da Argentina; para a política econômica, que investiu no capitalismo de Estado, acreditou no declínio dos Estados Unidos e na liderança dos países emergentes para sair da crise; e nas políticas sociais de um modo geral, que focaram o gasto social nos mais pobres e sucatearam a saúde, a educação, os transportes públicos. Grandes momentos dessa política foram o acordo com Irã e a Turquia sobre a questão nuclear ; a suspensão do Paraguai do Mercosul; a mudança do regime de exploração de petróleo para o modelo de partilha, que está por trás da crise da Petrobras; e a intervenção populista no setor elétrico, só para citar alguns casos.
Onde está a saída?
Agora, com o fracasso do modelo petista e a crise do “presidencialismo de coalizão”, a situação é dramática: o PT está cada vez mais isolado, a maioria da sociedade divorciou-se da presidente recém reeleita, e o ex-presidente Lula mergulhou, para preservar a candidatura dele em 2018. A hegemonia petista, imposta de cima para baixo aos aliados políticos e por meio da cooptação dos movimentos sociais tradicionais, parece se desmanchar no ar. A opção pelo dissenso, que é uma prerrogativa das minorias, é um contrassenso para quem exerce o poder num regime democrático.
Na história do Brasil, houve momentos parecidos, como os que levaram à renúncia dos presidentes Jânio Quadros, numa crise até hoje mal explicada, e Fernando Collor de Mello, depois de uma campanha a favor do impeachment. Ambos, porém, eram outsiders políticos (na tradução para o português, a palavra significa intruso, forasteiro e terceiro), o que não é o caso de Lula e de Dilma, embora a presidente da República muitas vezes se comporte como tal.
É um erro supor, porém, que não existe vida inteligente no governo e no PT. Já surgem em seu interior aqueles que começam a identificar esse estado de coisas e buscam um reencontro com a maioria da sociedade e os grande consensos nacionais, mas essa não será uma tarefa fácil. O senso comum petista é apostar numa volta às origens, como Frei Beto, em recente entrevista.
Seu diagnóstico representa o pensamento da maioria dos militantes: “O grave do governo do PT — tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais — foi, ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar sua governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora, o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria — com o perdão da expressão — uma cunha renana para asfixiar o Executivo”.
Para Frei Beto, a saída é o PT ser fiel às suas origens. “Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB.” Só há, porém, duas maneiras de fazer isso: a guinada para o bolivarianismo, o que não é a opção de Dilma, ou futuro desembarque do governo, o que deve passar pela cabeça de Lula, ao propor a criação de uma frente de esquerda, inspirada na Frente Ampla do Uruguai, para abrigar sua candidatura e camuflar o apoio do PT.
domingo, 29 de março de 2015
Dançarinos de gafieira
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 29/03/2015
A crise política que estamos vivendo é consequência de uma incrível sucessão de erros da presidente Dilma Rousseff. Não há possibilidade de saída sem grandes acertos
Filósofo de verdade, Francisco Bosco costuma tirar lições de vida das coisas banais. É um interprete do cotidiano —, das “banalogias”, uma palavra que inventou para intitular um de seus livros de ensaios. Escreve, por exemplo, sobre a gafieira, cujo repertório de passos não é brincadeira: facão, puladinho, gancho, cruzado, peão, balanço, chapéu, pica-pau, raspada, tesoura, bêbado, bicicleta, enceradeira, cadeirinha, tirada, picadinho, floreado, roleta, cavalcante, pescaria, elástico, chicote, parafuso, desmaiada.
Para ele, a ética da gafieira é uma espécie de marco civilizatório, sem a qual todo baile degeneraria em grande confusão, pois as mulheres desacompanhadas são respeitadas e na malandragem reinam a elegância e a picardia. Por isso mesmo, quando a ética é desrespeitada, a coisa fica feia. A grande sutileza da gafieira não são os passos, é a dança que acontece entre eles. O segredo do grande dançarino é aproveitar o erro, criar algo novo a partir dele, como uma espécie de Thelonious Monk: ele “diz no pé” o que o grande pianista negro fazia com as mãos.
Autor dos standards Epistrophy, Round midnight, Blue monk, Straight no chaser e Well, you needn't, Monk era dono de um estilo único e se destacava pelo improviso. Certa vez uma repórter lhe indagou: “E quando você erra a nota?”A resposta foi antológica: “Não existe nota errada, tudo depende da nota que vem depois”. Assim é o craque da dança de salão. Na gafieira, filosofa Bosco, o erro é a origem do verdadeiro acerto, sua condição.
Se a gafieira é espaço do erro, o lugar onde ele perde o sentido negativo e ganha positividade, na grande política a dialética não é muito diferente. Também é feita de erros, jamais do medo de errar. Mas ele precisa ser sucedido por grandes acertos. O medo de errar paralisa o dançarino, inibe seus passos. Só é superado pela capacidade de aproveitar o imprevisto para acertar. Bosco chama isso de “conquista do erro”, a liberdade de desestruturar os passos, desorganizar suas sequências rígidas; a liberdade de saber que há varias possibilidades de dança, que qualquer movimento abre-se para diversos caminhos.
A dama solitária
A crise política que estamos vivendo é consequência de uma incrível sucessão de erros da presidente Dilma Rousseff. Não há possibilidade de saída sem grandes acertos — em dois sentidos: no estrito, é fazer o que se deve com eficiência e firmeza; no amplo, figurado, a construção de grandes acordos e consensos. Ocorre que o Palácio do Planalto optou pelo dissenso. Quando se espera uma saída pela via da ampliação política, o que acontece é o contrário. Frustram-se a sociedade e a própria base do governo. Como houve uma mudança de correlação de forças, na qual a maioria da população deriva à oposição, trata-se de uma rota batida para o impasse.
Na gafeira, a circulação dos dançarinos segue o sentido anti-horário, como se quisessem que o tempo andasse mais devagar do que o relógio. Para não atrapalhar, os inexperientes vão para o meio do salão. Quando o baile enche, as coisas ficam mais confusas. Lembra o nosso filósofo, aparecem os que “andam pelo acostamento, avançam o sinal, não gostam de ser ultrapassados.” É mais ou menos o que está acontecendo na política brasileira.
Como futebol, compara Bosco, a dança de gafieira é uma arte do engano. Cabe ao cavalheiro enganar a dama, ao mesmo tempo em que ele cria condições — pela condução, que é um fundamento importantíssimo — de a dama não se deixar enganar, antes acompanhar o cavalheiro nessa arte de criar um corpo sobre o terreno movediço do engano. “Dama e cavalheiro andam, ou melhor, dançam na corda bamba do engano: os dois à altura do engano — é essa a exigência ética fundamental da gafieira.”
Eclética, a música de gafieira vai do samba-canção ao tango, do xote ao jazz. Dança-se de tudo, mas cada dançarino tem sua predileção. Nesta crise, a presidente Dilma Rousseff está como uma dama solitária, que toda hora é convidada para dançar. O vice-presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), são os donos do salão. Há duas possibilidades: ou Dilma aceita o desafio e faz o puladinho e o cruzado, o picadinho e a roleta, a cadeirinha e o floreado, e dá um couro nos dançarinos, ou pega a bolsa e vai para casa.
Correio Braziliense: 29/03/2015
A crise política que estamos vivendo é consequência de uma incrível sucessão de erros da presidente Dilma Rousseff. Não há possibilidade de saída sem grandes acertos
Filósofo de verdade, Francisco Bosco costuma tirar lições de vida das coisas banais. É um interprete do cotidiano —, das “banalogias”, uma palavra que inventou para intitular um de seus livros de ensaios. Escreve, por exemplo, sobre a gafieira, cujo repertório de passos não é brincadeira: facão, puladinho, gancho, cruzado, peão, balanço, chapéu, pica-pau, raspada, tesoura, bêbado, bicicleta, enceradeira, cadeirinha, tirada, picadinho, floreado, roleta, cavalcante, pescaria, elástico, chicote, parafuso, desmaiada.
Para ele, a ética da gafieira é uma espécie de marco civilizatório, sem a qual todo baile degeneraria em grande confusão, pois as mulheres desacompanhadas são respeitadas e na malandragem reinam a elegância e a picardia. Por isso mesmo, quando a ética é desrespeitada, a coisa fica feia. A grande sutileza da gafieira não são os passos, é a dança que acontece entre eles. O segredo do grande dançarino é aproveitar o erro, criar algo novo a partir dele, como uma espécie de Thelonious Monk: ele “diz no pé” o que o grande pianista negro fazia com as mãos.
Autor dos standards Epistrophy, Round midnight, Blue monk, Straight no chaser e Well, you needn't, Monk era dono de um estilo único e se destacava pelo improviso. Certa vez uma repórter lhe indagou: “E quando você erra a nota?”A resposta foi antológica: “Não existe nota errada, tudo depende da nota que vem depois”. Assim é o craque da dança de salão. Na gafieira, filosofa Bosco, o erro é a origem do verdadeiro acerto, sua condição.
Se a gafieira é espaço do erro, o lugar onde ele perde o sentido negativo e ganha positividade, na grande política a dialética não é muito diferente. Também é feita de erros, jamais do medo de errar. Mas ele precisa ser sucedido por grandes acertos. O medo de errar paralisa o dançarino, inibe seus passos. Só é superado pela capacidade de aproveitar o imprevisto para acertar. Bosco chama isso de “conquista do erro”, a liberdade de desestruturar os passos, desorganizar suas sequências rígidas; a liberdade de saber que há varias possibilidades de dança, que qualquer movimento abre-se para diversos caminhos.
A dama solitária
A crise política que estamos vivendo é consequência de uma incrível sucessão de erros da presidente Dilma Rousseff. Não há possibilidade de saída sem grandes acertos — em dois sentidos: no estrito, é fazer o que se deve com eficiência e firmeza; no amplo, figurado, a construção de grandes acordos e consensos. Ocorre que o Palácio do Planalto optou pelo dissenso. Quando se espera uma saída pela via da ampliação política, o que acontece é o contrário. Frustram-se a sociedade e a própria base do governo. Como houve uma mudança de correlação de forças, na qual a maioria da população deriva à oposição, trata-se de uma rota batida para o impasse.
Na gafeira, a circulação dos dançarinos segue o sentido anti-horário, como se quisessem que o tempo andasse mais devagar do que o relógio. Para não atrapalhar, os inexperientes vão para o meio do salão. Quando o baile enche, as coisas ficam mais confusas. Lembra o nosso filósofo, aparecem os que “andam pelo acostamento, avançam o sinal, não gostam de ser ultrapassados.” É mais ou menos o que está acontecendo na política brasileira.
Como futebol, compara Bosco, a dança de gafieira é uma arte do engano. Cabe ao cavalheiro enganar a dama, ao mesmo tempo em que ele cria condições — pela condução, que é um fundamento importantíssimo — de a dama não se deixar enganar, antes acompanhar o cavalheiro nessa arte de criar um corpo sobre o terreno movediço do engano. “Dama e cavalheiro andam, ou melhor, dançam na corda bamba do engano: os dois à altura do engano — é essa a exigência ética fundamental da gafieira.”
Eclética, a música de gafieira vai do samba-canção ao tango, do xote ao jazz. Dança-se de tudo, mas cada dançarino tem sua predileção. Nesta crise, a presidente Dilma Rousseff está como uma dama solitária, que toda hora é convidada para dançar. O vice-presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), são os donos do salão. Há duas possibilidades: ou Dilma aceita o desafio e faz o puladinho e o cruzado, o picadinho e a roleta, a cadeirinha e o floreado, e dá um couro nos dançarinos, ou pega a bolsa e vai para casa.
quinta-feira, 26 de março de 2015
Desmancha sem bater
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/03/2015
A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato , mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha a ver com isso
“Jornalista não é notícia”, diz um velho jargão das redações. Quando isso acontece, geralmente a vítima costuma ser o próprio. É caso do ex-ministro-chefe da Comunicação Social Thomas Traumann, que ontem pediu demissão do governo. Em nota oficial, o Palácio do Planalto “agradeceu” a participação do jornalista que entrou no governo como assessor do ex-chefe da Casa Civil Antônio Palocci e acabou sucedendo no cargo a sua chefe imediata, Helena Chagas, depois de cair nas graças da presidente Dilma Rousseff por despachar com ela todo dia.
Traumann é o segundo ministro a pegar o boné em menos de uma semana. O outro foi Cid Gomes, que era o titular da Educação e desembarcou em grande estilo, espinafrando a base do governo em plena Câmara, à qual fora convocado para esclarecer em plenário porque havia dito que na Casa há “300, 400 achacadores”. Traumann deixou o Palácio do Planalto cantarolando no Twitter o samba Novos rumos, de Paulinho da Viola: “Todos os anos vividos/ São portos perdidos que eu deixo pra trás;/Quero viver diferente,/ Que a sorte da gente /É a gente que faz”.
O jornalista assumiu o cargo em janeiro de 2014. Desde 2012, porém, atuava como porta-voz da Presidência. Caiu porque vazaram um documento reservado de sua lavra no qual admitia que a comunicação do governo fora “errada e errática”, mas avaliava que “a crise é maior do que isso”. O documento dizia também que os “eleitores de Dilma e Lula estão acomodados brigando com o celular na mão, enquanto a oposição bate panela, distribui mensagens pelo WhatsApp e veste camisa verde-amarela”.
“Furo” do jornal O Estado de S. Paulo, o texto gerou grande polêmica e atiçou a oposição, que pretendia convocar o ministro para dar esclarecimentos ao Senado. Dividido em três partes — onde estamos, como chegamos até aqui e como virar o jogo? —, propôs que a presidente Dilma Rousseff se exponha mais, o que está sendo feito à risca, em vez de mergulhar e escalar um ministro forte como porta-voz, como fazem os políticos matreiros nas crises bravas.
“É preciso que a PR fale mais, explique, se exponha mais, seja nos quebra-queixos pós-eventos, seja respondendo ouvintes da Voz do Brasil (20 milhões de ouvintes), seja com a mídia tradicional (TV aberta, de preferência), seja com a volta das entrevistas por Facebook. Não importa quantos panelaços eles façam” — preconizava na semana seguinte às manifestações de 15 de março.
O mais grave, porém, foi defender o aparelhamento dos meios de comunicação sob controle estatal, o que já vinha acontecendo, por meio da consolidação de “um núcleo de comunicação estatal, juntando numa mesma coordenação a Voz do Brasil, as páginas de sites, Twitter e Facebook de todos os ministérios, o Facebook da Dilma e a Agência Brasil”. Sugeriu ainda que a publicidade oficial em 2015 fosse focada em SãoPaulo, reforçando as parcerias com a prefeitura: “Não há como recuperar a imagem do governo Dilma em São Paulo sem ajudar a levantar a popularidade do Haddad”.
O ex-ministro da Comunicação Social concluiu o documento com uma citação do rei dom José, que após o terremoto de Lisboa (1755) perguntou ao marquês de Alorna o que podia ser feito. Ele respondeu: “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos”. Quem “morreu” no terremoto que abala o governo Dilma foi Traumann, que desejava voltar para o Rio de Janeiro e pleiteava a condição de gerente de comunicação da Petrobras, cargo que agora subiu no telhado. Foi abatido pelo fogo amigo dos petistas que miram o controle das verbas de publicidade do governo. Dilma ficou possessa com a história.
O grande “mordomo” da caso é o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, sob cuja pasta a cúpula do PT gostaria que o orçamento de publicidade ficasse sob controle. Mas é bem possível que vazamento do documento, que fulminou Traumann, tenha ocorrido na cozinha da própria Secretaria de Comunicação da Presidência. O próprio documento é coisa de quem já não tem acesso ou liberdade para conversar com a presidente da República.
Estão cotados para substituí-lo no posto os jornalistas Kennedy Alencar, que foi assessor de Lula e hoje é comentarista da CBN, e Paulo Moreira Leite, ex-diretor da Isto É em Brasília, apresentador da TV Brasil e colunista do jornal digital Brasil 247. Correm por fora o novo diretor-geral da EBC, Américo Martins, o deputado federal Alexandre Molon (PT-RJ), ligado ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o assessor de imprensa Olímpio Cruz Neto, que hoje acompanha Dilma nas viagens.
A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato — o primeiro foi Marcelo Nery, substituído por Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos —, mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha nada a ver com isso.
Correio Braziliense - 26/03/2015
A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato , mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha a ver com isso
“Jornalista não é notícia”, diz um velho jargão das redações. Quando isso acontece, geralmente a vítima costuma ser o próprio. É caso do ex-ministro-chefe da Comunicação Social Thomas Traumann, que ontem pediu demissão do governo. Em nota oficial, o Palácio do Planalto “agradeceu” a participação do jornalista que entrou no governo como assessor do ex-chefe da Casa Civil Antônio Palocci e acabou sucedendo no cargo a sua chefe imediata, Helena Chagas, depois de cair nas graças da presidente Dilma Rousseff por despachar com ela todo dia.
Traumann é o segundo ministro a pegar o boné em menos de uma semana. O outro foi Cid Gomes, que era o titular da Educação e desembarcou em grande estilo, espinafrando a base do governo em plena Câmara, à qual fora convocado para esclarecer em plenário porque havia dito que na Casa há “300, 400 achacadores”. Traumann deixou o Palácio do Planalto cantarolando no Twitter o samba Novos rumos, de Paulinho da Viola: “Todos os anos vividos/ São portos perdidos que eu deixo pra trás;/Quero viver diferente,/ Que a sorte da gente /É a gente que faz”.
O jornalista assumiu o cargo em janeiro de 2014. Desde 2012, porém, atuava como porta-voz da Presidência. Caiu porque vazaram um documento reservado de sua lavra no qual admitia que a comunicação do governo fora “errada e errática”, mas avaliava que “a crise é maior do que isso”. O documento dizia também que os “eleitores de Dilma e Lula estão acomodados brigando com o celular na mão, enquanto a oposição bate panela, distribui mensagens pelo WhatsApp e veste camisa verde-amarela”.
“Furo” do jornal O Estado de S. Paulo, o texto gerou grande polêmica e atiçou a oposição, que pretendia convocar o ministro para dar esclarecimentos ao Senado. Dividido em três partes — onde estamos, como chegamos até aqui e como virar o jogo? —, propôs que a presidente Dilma Rousseff se exponha mais, o que está sendo feito à risca, em vez de mergulhar e escalar um ministro forte como porta-voz, como fazem os políticos matreiros nas crises bravas.
“É preciso que a PR fale mais, explique, se exponha mais, seja nos quebra-queixos pós-eventos, seja respondendo ouvintes da Voz do Brasil (20 milhões de ouvintes), seja com a mídia tradicional (TV aberta, de preferência), seja com a volta das entrevistas por Facebook. Não importa quantos panelaços eles façam” — preconizava na semana seguinte às manifestações de 15 de março.
O mais grave, porém, foi defender o aparelhamento dos meios de comunicação sob controle estatal, o que já vinha acontecendo, por meio da consolidação de “um núcleo de comunicação estatal, juntando numa mesma coordenação a Voz do Brasil, as páginas de sites, Twitter e Facebook de todos os ministérios, o Facebook da Dilma e a Agência Brasil”. Sugeriu ainda que a publicidade oficial em 2015 fosse focada em SãoPaulo, reforçando as parcerias com a prefeitura: “Não há como recuperar a imagem do governo Dilma em São Paulo sem ajudar a levantar a popularidade do Haddad”.
O ex-ministro da Comunicação Social concluiu o documento com uma citação do rei dom José, que após o terremoto de Lisboa (1755) perguntou ao marquês de Alorna o que podia ser feito. Ele respondeu: “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos”. Quem “morreu” no terremoto que abala o governo Dilma foi Traumann, que desejava voltar para o Rio de Janeiro e pleiteava a condição de gerente de comunicação da Petrobras, cargo que agora subiu no telhado. Foi abatido pelo fogo amigo dos petistas que miram o controle das verbas de publicidade do governo. Dilma ficou possessa com a história.
O grande “mordomo” da caso é o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, sob cuja pasta a cúpula do PT gostaria que o orçamento de publicidade ficasse sob controle. Mas é bem possível que vazamento do documento, que fulminou Traumann, tenha ocorrido na cozinha da própria Secretaria de Comunicação da Presidência. O próprio documento é coisa de quem já não tem acesso ou liberdade para conversar com a presidente da República.
Estão cotados para substituí-lo no posto os jornalistas Kennedy Alencar, que foi assessor de Lula e hoje é comentarista da CBN, e Paulo Moreira Leite, ex-diretor da Isto É em Brasília, apresentador da TV Brasil e colunista do jornal digital Brasil 247. Correm por fora o novo diretor-geral da EBC, Américo Martins, o deputado federal Alexandre Molon (PT-RJ), ligado ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o assessor de imprensa Olímpio Cruz Neto, que hoje acompanha Dilma nas viagens.
A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato — o primeiro foi Marcelo Nery, substituído por Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos —, mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha nada a ver com isso.
quarta-feira, 25 de março de 2015
A arte da política
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/03/2015
Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias
Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República a chegar ao poder sem passar pelo parlamento. Assumiu-o como vice do Marechal Deodoro, que renunciou ao cargo. Governou com mão peluda, de 1891 a 1894, com uma visão que não se identificava com as forças econômicas da época. Meio bonapartista, queria construir um governo forte, centralizado e nacionalista, que contrariava a “República dos Fazendeiros”, liberal e descentralizada.
Mas o PRP (Partido Republicano Progressista) decidiu apoiá-lo. A elite política de São Paulo via em Floriano a garantia de sobrevivência da República, a partir do poder central. Floriano, por sua vez, percebia que sem o PRP não teria base política para governar. Seu governo enfrentou grande oposição dos conservadores, inclusive das Forças Armadas. Precisou derrotar duas revoltas da Armada, a segunda com apoio da Marinha norte-americana, que desbloqueou a Baía de Guanabara, e a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, graças ao apoio de Julio de Castilhos, presidente da província e principal ideólogo do positivismo gaúcho. Floriano governou imperialmente, mas passou o poder a Prudente de Moraes, o primeiro presidente eleito.
Como Floriano, outros militares exerceram a Presidência da República sem nenhuma experiência parlamentar: o marechal Castelo Branco e os generais Costa e Silva, Emílio Médice, Ernesto Geisel e João Figueiredo, no regime militar. Getúlio Vargas chegou ao poder como chefe civil da Revolução de 30, um movimento armado, mas era macaco velho da política, com bem sucedida carreira parlamentar. Suicidou-se em 1954, como presidente eleito, para frustrar um golpe militar.
Três artistas
Dilma Rousseff é a primeira presidente civil que chegou ao poder com uma carreira política tecida ao largo do Congresso: primeiro como militante de uma organização guerrilheira, durante a ditadura; depois, como militante política na burocracia gaúcha. Foi nessa condição que caiu nas graças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao integrar a equipe de transição, o que lhe valeu uma ascensão meteórica no governo federal, como ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil. Ungida candidata a presidente da República num “dedazo”, foi eleita por Lula, com o apoio da militância petista.
Seu padrinho político também teve uma breve passagem pelo Congresso, talvez isso tenha pesado na hora da escolha. Trocou o mandato de deputado federal pelo bem sucedido encargo de candidato a presidente da República, que disputou em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006, sendo eleito nas duas últimas vezes. Lula, porém, conviveu intensamente com aqueles que chamou de “300 picaretas” durante a Constituinte.
No Palácio do Planalto, entretanto, Lula revelou-se um artista no trato com os políticos da sua base, compensando a pouca experiência parlamentar com o traquejo de dirigente sindical veterano. A presidente da República, porém, não tem nem uma coisa nem outra. Muito pelo contrário, Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias. Provavelmente, conhece mais de ciência política do que a maioria dos integrantes do Congresso, mas em política como arte — que é aquela que faz e acontece — a sua avaliação está abaixo da crítica.
Na biblioteca do Palácio da Alvorada há pelo menos dois livros intitulados a Arte da política, a biografia do líder do antigo PSD Ernani do Amaral Peixoto, que conta os bastidores da política da ditadura Vargas à eleição de Tancredo Neves, e o livro de memória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo relato vai da resistência ao regime militar à passagem da faixa presidencial ao presidente Lula. Um olhar é liberal-conservador; o outro, digamos, social-liberal.
Os dois poderiam ser muito úteis numa crise que está sendo maior do que Dilma e pode resultar em um impasse institucional. A petista amarga o pior momento no governo, conforme as pesquisas, e lida com três políticos profissionais que parece não levar muito a sério: o vice-presidente Michel Temer, que atua como bombeiro quando o circo pega fogo, e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que volta e meia ateiam fogo à lona.
São três raposas felpudas do Congresso, que comandam o PMDB e estão com o destino nas mãos. Ontem, Cunha salvou o governo de uma nova derrota acachapante na Câmara, ao retirar de votação o projeto que estende o aumento do salário mínimo aos aposentados. E Renan voltou a dizer que o ajuste fiscal somente será aprovado se Dilma reduzir para 20 os 39 ministérios e cortar pela metade os cargos comissionados, a maioria ocupado por militantes petistas. Para não ser abduzida pela crise, é melhor Dilma levar esses e outros artistas do Congresso a sério.
Correio Braziliense - 25/03/2015
Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias
Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República a chegar ao poder sem passar pelo parlamento. Assumiu-o como vice do Marechal Deodoro, que renunciou ao cargo. Governou com mão peluda, de 1891 a 1894, com uma visão que não se identificava com as forças econômicas da época. Meio bonapartista, queria construir um governo forte, centralizado e nacionalista, que contrariava a “República dos Fazendeiros”, liberal e descentralizada.
Mas o PRP (Partido Republicano Progressista) decidiu apoiá-lo. A elite política de São Paulo via em Floriano a garantia de sobrevivência da República, a partir do poder central. Floriano, por sua vez, percebia que sem o PRP não teria base política para governar. Seu governo enfrentou grande oposição dos conservadores, inclusive das Forças Armadas. Precisou derrotar duas revoltas da Armada, a segunda com apoio da Marinha norte-americana, que desbloqueou a Baía de Guanabara, e a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, graças ao apoio de Julio de Castilhos, presidente da província e principal ideólogo do positivismo gaúcho. Floriano governou imperialmente, mas passou o poder a Prudente de Moraes, o primeiro presidente eleito.
Como Floriano, outros militares exerceram a Presidência da República sem nenhuma experiência parlamentar: o marechal Castelo Branco e os generais Costa e Silva, Emílio Médice, Ernesto Geisel e João Figueiredo, no regime militar. Getúlio Vargas chegou ao poder como chefe civil da Revolução de 30, um movimento armado, mas era macaco velho da política, com bem sucedida carreira parlamentar. Suicidou-se em 1954, como presidente eleito, para frustrar um golpe militar.
Três artistas
Dilma Rousseff é a primeira presidente civil que chegou ao poder com uma carreira política tecida ao largo do Congresso: primeiro como militante de uma organização guerrilheira, durante a ditadura; depois, como militante política na burocracia gaúcha. Foi nessa condição que caiu nas graças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao integrar a equipe de transição, o que lhe valeu uma ascensão meteórica no governo federal, como ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil. Ungida candidata a presidente da República num “dedazo”, foi eleita por Lula, com o apoio da militância petista.
Seu padrinho político também teve uma breve passagem pelo Congresso, talvez isso tenha pesado na hora da escolha. Trocou o mandato de deputado federal pelo bem sucedido encargo de candidato a presidente da República, que disputou em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006, sendo eleito nas duas últimas vezes. Lula, porém, conviveu intensamente com aqueles que chamou de “300 picaretas” durante a Constituinte.
No Palácio do Planalto, entretanto, Lula revelou-se um artista no trato com os políticos da sua base, compensando a pouca experiência parlamentar com o traquejo de dirigente sindical veterano. A presidente da República, porém, não tem nem uma coisa nem outra. Muito pelo contrário, Dilma menospreza a atividade parlamentar e não tem paciência para lidar com os políticos. Sucumbe a suas próprias idiossincrasias. Provavelmente, conhece mais de ciência política do que a maioria dos integrantes do Congresso, mas em política como arte — que é aquela que faz e acontece — a sua avaliação está abaixo da crítica.
Na biblioteca do Palácio da Alvorada há pelo menos dois livros intitulados a Arte da política, a biografia do líder do antigo PSD Ernani do Amaral Peixoto, que conta os bastidores da política da ditadura Vargas à eleição de Tancredo Neves, e o livro de memória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo relato vai da resistência ao regime militar à passagem da faixa presidencial ao presidente Lula. Um olhar é liberal-conservador; o outro, digamos, social-liberal.
Os dois poderiam ser muito úteis numa crise que está sendo maior do que Dilma e pode resultar em um impasse institucional. A petista amarga o pior momento no governo, conforme as pesquisas, e lida com três políticos profissionais que parece não levar muito a sério: o vice-presidente Michel Temer, que atua como bombeiro quando o circo pega fogo, e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que volta e meia ateiam fogo à lona.
São três raposas felpudas do Congresso, que comandam o PMDB e estão com o destino nas mãos. Ontem, Cunha salvou o governo de uma nova derrota acachapante na Câmara, ao retirar de votação o projeto que estende o aumento do salário mínimo aos aposentados. E Renan voltou a dizer que o ajuste fiscal somente será aprovado se Dilma reduzir para 20 os 39 ministérios e cortar pela metade os cargos comissionados, a maioria ocupado por militantes petistas. Para não ser abduzida pela crise, é melhor Dilma levar esses e outros artistas do Congresso a sério.
terça-feira, 24 de março de 2015
O mundo é um moinho
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/03/2015
O governo é avaliado como “ótimo” por apenas 1,9% da população; a classificação de péssimo soma 45,6%. A presidente Dilma Rousseff é desaprovada por 77,7%; a aprovação é de apenas 18,9%.
A pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes confirmou a tendência apontada pela pesquisa Datafolha da semana passada, consolidando o impacto das manifestações de 15 de março na população, já que foi realizada entre os dias 16 e 19. Mostra um rosário de informações negativas para a presidente Dilma Rousseff, cujo governo parece estar em colapso para a opinião pública.
A pior das notícias para o Palácio do Planalto, sem dúvida alguma, é a de que Dilma perderia as eleições para Aécio Neves (PSDB) se o pleito fosse hoje: 55,7% votariam no tucano no segundo turno e apenas 16,6% na petista. Votos nulos e brancos somariam 22,3%. No segundo turno da eleição presidencial de 2014, 41,6% dos entrevistados afirmaram ter votado em Dilma Rousseff, e 37,8%, em Aécio Neves. Outros 10,8% disseram ter votado em branco ou nulo.
Isso significa que Dilma venceu as eleições, mas sofreu uma derrota política na sequência do pleito, da montagem do Ministério às manifestações de 15 de março. Menos de 80 dias após a posse, quando o normal seria estar gozando de grande popularidade e apoio político, Dilma está no sal. De onde veio essa reviravolta? Do golpismo da oposição? De uma campanha udenista da imprensa? Da sabotagem dos aliados do PMDB no Congresso? Nada disso, Dilma é que cavou um abismo com os seus pés, para tomar emprestado um lindo verso de Cartola.
Os dados da pesquisa são um massacre: o governo é avaliado como “ótimo” por apenas 1,9% da população; a classificação de péssimo soma 45,6% dos entrevistados. A presidente Dilma Rousseff tem o seu desempenho pessoal desaprovado por 77,7%; a aprovação é de apenas 18,9%.
A ideia de que Dilma Rousseff praticou um estelionato eleitoral está enraizada na população. Por dois motivos: primeiro, porque errou na condução da economia, manipulou os dados oficiais sobre ela e manobrou as políticas públicas irresponsavelmente, com o objetivo de se reeleger. Segundo, porque, em razão disso, está fazendo tudo ao contrário do que havia prometido nas eleições. A realidade não confere com a propaganda que foi ao ar na campanha eleitoral.
Na reunião da coordenação política de ontem, Dilma anunciou que pretende decidir pessoalmente os cortes que serão feitos no Orçamento, a partir de uma lista de prioridades apontadas pelos ministros. Tenta mitigar os efeitos do ajuste e salvar algumas bandeiras de campanha. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, porém, para aprovar o ajuste, o PMDB cobra a redução de 40 para 20 ministérios e um corte de 50% nos milhares de cargos comissionados.
O discurso peemedebista é de quem está disposto a aprovar o ajuste fiscal desde que o PT perca um naco grande de poder. Dilma tenta acalmar os aliados oferecendo o Ministério da Educação a Gabriel Chalita, peemedebista de São Paulo ligado ao vice-presidente Michel Temer, como moeda de troca. É ou não é mais do mesmo?
Economia e éticaO pior é que a insatisfação da opinião pública está concentrada no governo federal, apesar da grande ojeriza da maioria dos cidadãos aos partidos e do desgaste dos políticos. A aprovação dos governadores e prefeitos atingem 24,4% e 26,8%, respectivamente, índice acima do registrado pelo governo federal. Por outro lado, a rejeição aos governadores é de 26,7%; a dos prefeitos, 41,8%, percentuais abaixo do verificado em relação ao Planalto.
A insatisfação com a economia já é grande e tende a aumentar. A expectativa é negativa em relação ao emprego, que sempre foi um ponto forte do governo. Apenas 13,9% acham que vai melhorar nos próximos seis meses, enquanto 45% responderam que ficará igual. Outros 37% apostam numa piora. Segundo a pesquisa, 91,2% afirmam que sentem os reflexos da inflação na própria vida; 95,9% responderam que percebem aumento no preço dos alimentos; 91,2% dizem o mesmo em relação ao transporte. A percepção sobre o aumento dos custos também é vista em relação aos serviços de saúde (84,5%) e no preço da água e luz (97,4%).
Na saúde, 40,1% dizem que vai piorar. Somente 13,3% apostam em melhora. O mesmo ocorre com a educação, sobre a qual 42,2% acreditam que vai piorar, e 15,4% dizem que vai melhorar. Além da economia, as denúncias de corrupção na Petrobras ajudam a pôr a imagem de Dilma à beira do precipício. De acordo com a pesquisa, 85% estão acompanhando o assunto, e 68,9% acreditam que a presidente é culpada pela corrupção.
A grande novidade é 67,9% acharem que Lula é o culpado pelo escândalo, o que limita a capacidade de o ex-presidente influenciar a opinião pública em favor do governo, e reforça a estratégia que adotou na crise: mergulhar. Tudo junto e misturado, agrava-se a situação do governo: 75,4% apostam que o segundo mandato da presidente Dilma será pior do que o primeiro; e 66,9% acreditam que o governo federal não será capaz de reverter a atual crise. Não é outro o motivo de 59,7% dos entrevistados serem a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. E apenas 37,7% serem contra o afastamento dela da Presidência. É de tirar o sono dos governistas.
Correio Braziliense - 24/03/2015
O governo é avaliado como “ótimo” por apenas 1,9% da população; a classificação de péssimo soma 45,6%. A presidente Dilma Rousseff é desaprovada por 77,7%; a aprovação é de apenas 18,9%.
A pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes confirmou a tendência apontada pela pesquisa Datafolha da semana passada, consolidando o impacto das manifestações de 15 de março na população, já que foi realizada entre os dias 16 e 19. Mostra um rosário de informações negativas para a presidente Dilma Rousseff, cujo governo parece estar em colapso para a opinião pública.
A pior das notícias para o Palácio do Planalto, sem dúvida alguma, é a de que Dilma perderia as eleições para Aécio Neves (PSDB) se o pleito fosse hoje: 55,7% votariam no tucano no segundo turno e apenas 16,6% na petista. Votos nulos e brancos somariam 22,3%. No segundo turno da eleição presidencial de 2014, 41,6% dos entrevistados afirmaram ter votado em Dilma Rousseff, e 37,8%, em Aécio Neves. Outros 10,8% disseram ter votado em branco ou nulo.
Isso significa que Dilma venceu as eleições, mas sofreu uma derrota política na sequência do pleito, da montagem do Ministério às manifestações de 15 de março. Menos de 80 dias após a posse, quando o normal seria estar gozando de grande popularidade e apoio político, Dilma está no sal. De onde veio essa reviravolta? Do golpismo da oposição? De uma campanha udenista da imprensa? Da sabotagem dos aliados do PMDB no Congresso? Nada disso, Dilma é que cavou um abismo com os seus pés, para tomar emprestado um lindo verso de Cartola.
Os dados da pesquisa são um massacre: o governo é avaliado como “ótimo” por apenas 1,9% da população; a classificação de péssimo soma 45,6% dos entrevistados. A presidente Dilma Rousseff tem o seu desempenho pessoal desaprovado por 77,7%; a aprovação é de apenas 18,9%.
A ideia de que Dilma Rousseff praticou um estelionato eleitoral está enraizada na população. Por dois motivos: primeiro, porque errou na condução da economia, manipulou os dados oficiais sobre ela e manobrou as políticas públicas irresponsavelmente, com o objetivo de se reeleger. Segundo, porque, em razão disso, está fazendo tudo ao contrário do que havia prometido nas eleições. A realidade não confere com a propaganda que foi ao ar na campanha eleitoral.
Na reunião da coordenação política de ontem, Dilma anunciou que pretende decidir pessoalmente os cortes que serão feitos no Orçamento, a partir de uma lista de prioridades apontadas pelos ministros. Tenta mitigar os efeitos do ajuste e salvar algumas bandeiras de campanha. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, porém, para aprovar o ajuste, o PMDB cobra a redução de 40 para 20 ministérios e um corte de 50% nos milhares de cargos comissionados.
O discurso peemedebista é de quem está disposto a aprovar o ajuste fiscal desde que o PT perca um naco grande de poder. Dilma tenta acalmar os aliados oferecendo o Ministério da Educação a Gabriel Chalita, peemedebista de São Paulo ligado ao vice-presidente Michel Temer, como moeda de troca. É ou não é mais do mesmo?
Economia e éticaO pior é que a insatisfação da opinião pública está concentrada no governo federal, apesar da grande ojeriza da maioria dos cidadãos aos partidos e do desgaste dos políticos. A aprovação dos governadores e prefeitos atingem 24,4% e 26,8%, respectivamente, índice acima do registrado pelo governo federal. Por outro lado, a rejeição aos governadores é de 26,7%; a dos prefeitos, 41,8%, percentuais abaixo do verificado em relação ao Planalto.
A insatisfação com a economia já é grande e tende a aumentar. A expectativa é negativa em relação ao emprego, que sempre foi um ponto forte do governo. Apenas 13,9% acham que vai melhorar nos próximos seis meses, enquanto 45% responderam que ficará igual. Outros 37% apostam numa piora. Segundo a pesquisa, 91,2% afirmam que sentem os reflexos da inflação na própria vida; 95,9% responderam que percebem aumento no preço dos alimentos; 91,2% dizem o mesmo em relação ao transporte. A percepção sobre o aumento dos custos também é vista em relação aos serviços de saúde (84,5%) e no preço da água e luz (97,4%).
Na saúde, 40,1% dizem que vai piorar. Somente 13,3% apostam em melhora. O mesmo ocorre com a educação, sobre a qual 42,2% acreditam que vai piorar, e 15,4% dizem que vai melhorar. Além da economia, as denúncias de corrupção na Petrobras ajudam a pôr a imagem de Dilma à beira do precipício. De acordo com a pesquisa, 85% estão acompanhando o assunto, e 68,9% acreditam que a presidente é culpada pela corrupção.
A grande novidade é 67,9% acharem que Lula é o culpado pelo escândalo, o que limita a capacidade de o ex-presidente influenciar a opinião pública em favor do governo, e reforça a estratégia que adotou na crise: mergulhar. Tudo junto e misturado, agrava-se a situação do governo: 75,4% apostam que o segundo mandato da presidente Dilma será pior do que o primeiro; e 66,9% acreditam que o governo federal não será capaz de reverter a atual crise. Não é outro o motivo de 59,7% dos entrevistados serem a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. E apenas 37,7% serem contra o afastamento dela da Presidência. É de tirar o sono dos governistas.
domingo, 22 de março de 2015
O general e o czar
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Brazliense - 22/03/2015
Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar
Foi assim que Napoleão perdeu a guerra. Em 7 de setembro de 1812, o general Mikhail Kutuzov havia estacionado seus 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150km de Moscou. Às 6h, Napoleão deu início ao ataque com seus 135 mil homens e 587 canhões. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. Foram cerca de 16 horas de confronto, na maior batalha de um só dia das Guerras Napoleônicas.
Apesar de a vitória ter sido francesa, Napoleão amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam quase metade de seu exército: 66 mil homens, um deles, o brilhantes general Bagration, mas não se renderam. A demora na chegada do reforço e o massacre do dia anterior fizeram Kutuzov optar por uma retirada em ordem para o leste.
Foi uma decisão difícil, narrada no romance épico Guerra e Paz por Leon Tolstói, que reproduz o diálogo entre o velho general e Alexandre I, da Rússia. Mesmo sob severas reprimendas do czar, e de boa parte de seu estado-maior, Kutuzov decidiu entregar Moscou sem oferecer combate: “A Rússia é o seu Exército”, disse. Salvá-lo era mais importante do que defender a cidade.
Napoleão entrou em Moscou e encontrou a cidade vazia. Em meio à indisciplina das tropas francesas e à falta de autoridade dos oficiais perante as suas tropas — que não conseguiam impedir o saque, a pilhagem e a deserção dos soldados —, grandes incêndios provocados por arruaceiros e sabotadores acabaram por transformar a cidade em escombros.
Enquanto Napoleão, acampado, esperava a rendição do czar, Kutuzov reforçava e reorganizava o seu exército. As tropas francesas estavam enfraquecidas e com moral baixo. As linhas de abastecimento foram cortadas. Após cinco semanas de acampamento, o imperador francês decidiu dar meia volta e iniciar o seu dramático retorno à França. O resto da história, todos sabem.
Os militares
Guerra e Paz, uma espécie de livro de cabeceira nas academias militares, assim como Os Sertões, de Euclides da Cunha, serviu de manual de manobras dos líderes da Coluna Miguel Costa-Prestes, que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, em dois anos e meio de revolta dos tenentes. São dois livros seminais, que marcaram a formação da oficialidade militar brasileira.
Desde a Guerra da Independência, os militares tiveram um papel decisivo na consolidação do Estado nacional brasileiro, na preservação de nossa integridade territorial e na defesa da ordem. Mas promoveram três rupturas institucionais: a Proclamação da República, a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, no qual destituíram o presidente João Goulart e implantaram uma longa ditadura militar.
A eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, respaldada por grande mobilização popular, em 1985, foi uma grande vitória das forças democráticas, que voltaram ao poder quando o vice José Sarney assumiu a Presidência. Também foi o desfecho de uma gradual, longa e bem-sucedida retirada em ordem dos militares do poder. Seu marco inicial foi o acordo entre a oposição e o general João Figueiredo para a aprovação da chamada anistia recíproca pelo Congresso.
Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar. As Forças Armadas, principalmente o Exército, continuam sendo instituições de enorme prestígio na sociedade. Por que é bom levar isso em conta? Ora, porque o discurso do PT, partido do governo, para intimidar a oposição, acusando-a de golpista, é um grande equívoco. Nenhuma força política responsável deseja os militares de volta ao poder.
A retórica petista, porém, traz à cena política quem está quieto no seu canto, comprometido com o respeito à Constituição, ao dar exagerada importância aos grupos de extrema direita que sonham com uma nova ditadura. Qualquer solução política para a crise do governo Dilma Rousseff, com base na Constituição, mesmo que venha a ser o seu afastamento pelo Congresso — hipótese que, hoje, está fora de cogitação —, será mais democrática do que qualquer intervenção militar. Essa é uma lição da nossa História.
Correio Brazliense - 22/03/2015
Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar
Foi assim que Napoleão perdeu a guerra. Em 7 de setembro de 1812, o general Mikhail Kutuzov havia estacionado seus 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150km de Moscou. Às 6h, Napoleão deu início ao ataque com seus 135 mil homens e 587 canhões. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. Foram cerca de 16 horas de confronto, na maior batalha de um só dia das Guerras Napoleônicas.
Apesar de a vitória ter sido francesa, Napoleão amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam quase metade de seu exército: 66 mil homens, um deles, o brilhantes general Bagration, mas não se renderam. A demora na chegada do reforço e o massacre do dia anterior fizeram Kutuzov optar por uma retirada em ordem para o leste.
Foi uma decisão difícil, narrada no romance épico Guerra e Paz por Leon Tolstói, que reproduz o diálogo entre o velho general e Alexandre I, da Rússia. Mesmo sob severas reprimendas do czar, e de boa parte de seu estado-maior, Kutuzov decidiu entregar Moscou sem oferecer combate: “A Rússia é o seu Exército”, disse. Salvá-lo era mais importante do que defender a cidade.
Napoleão entrou em Moscou e encontrou a cidade vazia. Em meio à indisciplina das tropas francesas e à falta de autoridade dos oficiais perante as suas tropas — que não conseguiam impedir o saque, a pilhagem e a deserção dos soldados —, grandes incêndios provocados por arruaceiros e sabotadores acabaram por transformar a cidade em escombros.
Enquanto Napoleão, acampado, esperava a rendição do czar, Kutuzov reforçava e reorganizava o seu exército. As tropas francesas estavam enfraquecidas e com moral baixo. As linhas de abastecimento foram cortadas. Após cinco semanas de acampamento, o imperador francês decidiu dar meia volta e iniciar o seu dramático retorno à França. O resto da história, todos sabem.
Os militares
Guerra e Paz, uma espécie de livro de cabeceira nas academias militares, assim como Os Sertões, de Euclides da Cunha, serviu de manual de manobras dos líderes da Coluna Miguel Costa-Prestes, que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, em dois anos e meio de revolta dos tenentes. São dois livros seminais, que marcaram a formação da oficialidade militar brasileira.
Desde a Guerra da Independência, os militares tiveram um papel decisivo na consolidação do Estado nacional brasileiro, na preservação de nossa integridade territorial e na defesa da ordem. Mas promoveram três rupturas institucionais: a Proclamação da República, a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, no qual destituíram o presidente João Goulart e implantaram uma longa ditadura militar.
A eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, respaldada por grande mobilização popular, em 1985, foi uma grande vitória das forças democráticas, que voltaram ao poder quando o vice José Sarney assumiu a Presidência. Também foi o desfecho de uma gradual, longa e bem-sucedida retirada em ordem dos militares do poder. Seu marco inicial foi o acordo entre a oposição e o general João Figueiredo para a aprovação da chamada anistia recíproca pelo Congresso.
Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar. As Forças Armadas, principalmente o Exército, continuam sendo instituições de enorme prestígio na sociedade. Por que é bom levar isso em conta? Ora, porque o discurso do PT, partido do governo, para intimidar a oposição, acusando-a de golpista, é um grande equívoco. Nenhuma força política responsável deseja os militares de volta ao poder.
A retórica petista, porém, traz à cena política quem está quieto no seu canto, comprometido com o respeito à Constituição, ao dar exagerada importância aos grupos de extrema direita que sonham com uma nova ditadura. Qualquer solução política para a crise do governo Dilma Rousseff, com base na Constituição, mesmo que venha a ser o seu afastamento pelo Congresso — hipótese que, hoje, está fora de cogitação —, será mais democrática do que qualquer intervenção militar. Essa é uma lição da nossa História.
quinta-feira, 19 de março de 2015
Um olho na praça, outro na rua
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/03/2015
Cid Gomes pula de um barco à beira do naufrágio, na opinião de nove entre 10 aliados da presidente Dilma. O governo atingiu a mais alta taxa de reprovação desde 1992, vésperas do impeachment de Collor
Um dos sintomas de agravamento da crise do governo Dilma Rousseff é a sucessão de fatos fora do controle, que surpreendem quem deveria estar no comando da situação. Foi o que aconteceu ontem com o Palácio do Planalto, que começou o dia com uma solenidade cheia de pompa e circunstância, na qual a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciaram o pacote anticorrupção do governo, e terminou o expediente com o anúncio de que o ministro da Educação, Cid Gomes (Pros), depois de arrumar um bafafá na Câmara dos Deputados, havia pedido demissão.
Apesar da veemente defesa que fez da presidente Dilma na Câmara, o ex-governador do Ceará foi o primeiro integrante do governo a pular fora do barco no segundo mandato. Fez isso em grande estilo, afrontando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e os demais deputados. O piquenique no plenário da Casa apenas roubou a cena do dia armada para melhorar a imagem de Dilma, que anda ruim ou péssima para a maioria dos cidadãos.
Cid Gomes surfou a crise entre a presidente e o Congresso com um olho na rua e outro na Praça dos Três Poderes. Abandonou o plenário da Câmara depois de fazer, da tribuna, um apelo aos deputados “oportunistas”, que detêm cargos na administração federal mas não dão apoio ao governo no Congresso, para que “larguem o osso, saiam do governo”.
Foi à Câmara por convocação, devido a uma declaração dada no último dia 27, durante palestra a estudantes da Universidade Federal do Pará. Na ocasião, Cid afirmou que a Casa tem de 300 a 400 parlamentares que “achacam”. “Eles querem é que o governo esteja frágil, porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais dele, aprovarem as emendas impositivas”, disse em Belém.
No plenário da Câmara, depois de relatar a “conversa informal” com os estudantes, reiterou tudo o que disse, para desconforto de Eduardo Cunha. Houve reação generalizada dos líderes de bancada, mas era tudo o que o ex-governador do Ceará queria para se retirar em protesto e depois pegar o boné em grande estilo.
Quando foi ao Palácio do Planalto, apenas consumou uma decisão que já havia tomado. “A minha declaração na Câmara, é óbvio que cria dificuldades para a base do governo. Portanto, eu não quis criar nenhum constrangimento. Pedi demissão em caráter irrevogável”, declarou.
Mas aproveitou para fazer média com a presidente da República: “O que a Dilma está fazendo é limpar o governo da corrupção. Essa crise de corrupção é uma crise anterior a ela. Ela está limpando e não esta permitindo isso. Está mudando isso. E isso, óbvio, cria desconforto.”
Reforma ministerial
A efêmera passagem pelo Ministério da Educação foi tumultuada pelas mudanças nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com estudantes tendo dificuldades para conseguir o benefício, e uma série de ações na Justiça feitas pelas mantenedoras. Cid disse que não daria o Fies para faculdade que reajustasse a mensalidade acima de 4,5%, mas depois teve de recuar e subir o limite para 6,4%. Ainda assim, o contencioso com as mantenedoras continua.
Cid Gomes não estava preparado para ocupar o cargo de ministro da Educação. A reivindicação dele era o Ministério da Integração Nacional, posição pleiteada também pelo líder do PMDB, Eunício de Oliveira (CE). Acabou na pasta por obra e graça da estratégia montada pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com objetivo de enfraquecer o PMDB, que também passou pela entrega do Ministério das Cidades ao ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD).
Na queda de braço de Dilma Rousseff com o PMDB, as duas pastas eram vistas como mais importantes, em termos de orçamento, do que os ministérios sob controle da legenda. Com a saída do ex-governador do Ceará, abre-se caminho para uma mudança ministerial que aumente a presença da legenda no governo.
Cid Gomes, porém, pula de um barco à beira do naufrágio, na opinião de nove entre 10 aliados da presidente Dilma Rousseff. O governo atingiu a mais alta taxa de reprovação desde 1992, pouco antes do impeachment de Collor, segundo o Datafolha. Para 62% dos entrevistados, a gestão da presidente é ruim ou péssima.
Feita nos dois dias após as manifestações de domingo, a pesquisa mostra que a desaprovação de Dilma subiu 18 pontos desde o começo de fevereiro. Com somente 76 dias de segundo mandato, a aprovação da petista chegou a 13%, queda de 10 pontos em seis semanas. O pessimismo da população é alto: para 69% dos entrevistados, o desemprego deve crescer. A inflação tamnbém, para 77% (em fevereiro, 81% tinham essa opinião). A nota média dada a Dilma é de 3,7%.
Correio Braziliense - 19/03/2015
Cid Gomes pula de um barco à beira do naufrágio, na opinião de nove entre 10 aliados da presidente Dilma. O governo atingiu a mais alta taxa de reprovação desde 1992, vésperas do impeachment de Collor
Um dos sintomas de agravamento da crise do governo Dilma Rousseff é a sucessão de fatos fora do controle, que surpreendem quem deveria estar no comando da situação. Foi o que aconteceu ontem com o Palácio do Planalto, que começou o dia com uma solenidade cheia de pompa e circunstância, na qual a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciaram o pacote anticorrupção do governo, e terminou o expediente com o anúncio de que o ministro da Educação, Cid Gomes (Pros), depois de arrumar um bafafá na Câmara dos Deputados, havia pedido demissão.
Apesar da veemente defesa que fez da presidente Dilma na Câmara, o ex-governador do Ceará foi o primeiro integrante do governo a pular fora do barco no segundo mandato. Fez isso em grande estilo, afrontando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e os demais deputados. O piquenique no plenário da Casa apenas roubou a cena do dia armada para melhorar a imagem de Dilma, que anda ruim ou péssima para a maioria dos cidadãos.
Cid Gomes surfou a crise entre a presidente e o Congresso com um olho na rua e outro na Praça dos Três Poderes. Abandonou o plenário da Câmara depois de fazer, da tribuna, um apelo aos deputados “oportunistas”, que detêm cargos na administração federal mas não dão apoio ao governo no Congresso, para que “larguem o osso, saiam do governo”.
Foi à Câmara por convocação, devido a uma declaração dada no último dia 27, durante palestra a estudantes da Universidade Federal do Pará. Na ocasião, Cid afirmou que a Casa tem de 300 a 400 parlamentares que “achacam”. “Eles querem é que o governo esteja frágil, porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais dele, aprovarem as emendas impositivas”, disse em Belém.
No plenário da Câmara, depois de relatar a “conversa informal” com os estudantes, reiterou tudo o que disse, para desconforto de Eduardo Cunha. Houve reação generalizada dos líderes de bancada, mas era tudo o que o ex-governador do Ceará queria para se retirar em protesto e depois pegar o boné em grande estilo.
Quando foi ao Palácio do Planalto, apenas consumou uma decisão que já havia tomado. “A minha declaração na Câmara, é óbvio que cria dificuldades para a base do governo. Portanto, eu não quis criar nenhum constrangimento. Pedi demissão em caráter irrevogável”, declarou.
Mas aproveitou para fazer média com a presidente da República: “O que a Dilma está fazendo é limpar o governo da corrupção. Essa crise de corrupção é uma crise anterior a ela. Ela está limpando e não esta permitindo isso. Está mudando isso. E isso, óbvio, cria desconforto.”
Reforma ministerial
A efêmera passagem pelo Ministério da Educação foi tumultuada pelas mudanças nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com estudantes tendo dificuldades para conseguir o benefício, e uma série de ações na Justiça feitas pelas mantenedoras. Cid disse que não daria o Fies para faculdade que reajustasse a mensalidade acima de 4,5%, mas depois teve de recuar e subir o limite para 6,4%. Ainda assim, o contencioso com as mantenedoras continua.
Cid Gomes não estava preparado para ocupar o cargo de ministro da Educação. A reivindicação dele era o Ministério da Integração Nacional, posição pleiteada também pelo líder do PMDB, Eunício de Oliveira (CE). Acabou na pasta por obra e graça da estratégia montada pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com objetivo de enfraquecer o PMDB, que também passou pela entrega do Ministério das Cidades ao ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD).
Na queda de braço de Dilma Rousseff com o PMDB, as duas pastas eram vistas como mais importantes, em termos de orçamento, do que os ministérios sob controle da legenda. Com a saída do ex-governador do Ceará, abre-se caminho para uma mudança ministerial que aumente a presença da legenda no governo.
Cid Gomes, porém, pula de um barco à beira do naufrágio, na opinião de nove entre 10 aliados da presidente Dilma Rousseff. O governo atingiu a mais alta taxa de reprovação desde 1992, pouco antes do impeachment de Collor, segundo o Datafolha. Para 62% dos entrevistados, a gestão da presidente é ruim ou péssima.
Feita nos dois dias após as manifestações de domingo, a pesquisa mostra que a desaprovação de Dilma subiu 18 pontos desde o começo de fevereiro. Com somente 76 dias de segundo mandato, a aprovação da petista chegou a 13%, queda de 10 pontos em seis semanas. O pessimismo da população é alto: para 69% dos entrevistados, o desemprego deve crescer. A inflação tamnbém, para 77% (em fevereiro, 81% tinham essa opinião). A nota média dada a Dilma é de 3,7%.
quarta-feira, 18 de março de 2015
À beira do naufrágio
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/03/2014
Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal
Uma das grandes histórias da luta entre o homem e a natureza é a do naufrágio do Endurence, um veleiro de três mastros no qual Sir Ernest Shackleton navegou para a Antártida, em 1914, na Expedição Transantártica Imperial. Lançado ao mar dois anos antes, na Noruega, ficou encalhado no Mar de Weddell e acabou esmagado pelo gelo.
Apesar de muito forte, o casco de carvalho reforçado não tinha o fundo arredondado. Quando veio a invernada, o barco ficou preso, não resistiu à pressão e afundou numa banquisa. Durante 15 meses, 28 homens ficaram à deriva no gelo. Quando o tempo melhorou, divididos em três pequenos botes abertos, suportaram sete dias apavorantes até chegarem à ilha Elephant. No total, foram 497 dias sem pisar em terra firme.
No inóspito local, Shackleton escolheu seis homens para uma travessia quase impossível até a ilha da Geórgia do Sul, a 1.300km de distância. Num bote aberto de 22 pés, em pleno inverno, atravessou o mais temido trecho de oceano do planeta: o Cabo Horn. Foram mais 17 dias e um furacão, que pôs a pique um vapor de 500t com todos os homens a bordo. Os seis homens mantiveram uma rotina de bordo, uma estrutura de comando, um revezamento de tarefas que permitiu a superação das circunstâncias mais adversas que um navegador pode enfrentar.
Devido à I Guerra Mundial, porém, a Inglaterra não dispunha de navios para o resgate. Shackleton percorreu a Argentina, o Uruguai e o Chile para encontrar um navio que suportasse a viagem de volta. Três meses depois, à bordo de um pequeno rebocador, chegou a Ilha Elephant e resgatou os 22 tripulantes que deixara pra trás. Não perdeu nenhum homem. Desde então, o naufrágio do Endurence é um “case” de formação de equipe, liderança e gerenciamento de crise.
A reforma política
O governo de Dilma Rousseff está mais ou menos como o Endurece encalhado no gelo. Até agora, porém, a presidente Dilma Rousseff não revelou as qualidades de Shackleton, cujo livro Sul (Editora Allegro) foi traduzido no Brasil. Quem está preocupado em resgatar do naufrágio iminente a sua tripulação é o vice-presidente Michel Temer (PMDB).
Depois de recusar o tardio convite para integrar o núcleo duro do governo, Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
O projeto de reforma política do PMDB foi coordenado pelo ex-governador fluminense Moreira Franco, a pedido de Temer, e anunciado ontem pela cúpula da legenda. Propõe a adoção do sistema distrital puro, chamado de “distritão”, no qual são eleitos os deputados mais votados por estado, não importa a legenda; mantém o sistema de financiamento público e privado, mas limita as doações de pessoas jurídicas e físicas a um só partido e a um só candidato por cargo.
Também acaba com as coligações eleitorais e mantém o atual dispositivo de fidelidade partidária. Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho que exclui do Congresso as legendas que obtiverem menos de 5% dos votos, em pelo menos um terço dos estados, com pelo menos 2% em cada um deles.
O PMDB quer ainda o fim da reeleição e a coincidência dos mandatos, com eleição geral em 2022. Todos os mandatos teriam cinco anos, com exceção dos senadores, que seriam eleitos para um mandato de 10 anos. Nas eleições do ano que vem, os prefeitos e vereadores seriam eleitos para um mandato de seis anos.
A reforma proposta pelo PMDB provocou uma reação desesperada do PT e aliados no Congresso, que tentam evitar que seja votada. No contexto em que será discutida, nos bastidores já se fala na adoção do modelo francês de parlamentarismo. Argumenta-se que a crise atual desapareceria com a aprovação de um voto de desconfiança pelo Congresso e a formação de nova equipe ministerial — sem impeachment.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto ainda tenta toscamente retomar a iniciativa política. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Institucionais, Pepe Vargas, apresentaram ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as propostas do pacote de combate à corrupção. Dilma fará hoje um oba-oba no Palácio do Planalto para anunciar as medidas. É como falar de corda em casa de enforcado.
Correio Braziliense - 18/03/2014
Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal
Uma das grandes histórias da luta entre o homem e a natureza é a do naufrágio do Endurence, um veleiro de três mastros no qual Sir Ernest Shackleton navegou para a Antártida, em 1914, na Expedição Transantártica Imperial. Lançado ao mar dois anos antes, na Noruega, ficou encalhado no Mar de Weddell e acabou esmagado pelo gelo.
Apesar de muito forte, o casco de carvalho reforçado não tinha o fundo arredondado. Quando veio a invernada, o barco ficou preso, não resistiu à pressão e afundou numa banquisa. Durante 15 meses, 28 homens ficaram à deriva no gelo. Quando o tempo melhorou, divididos em três pequenos botes abertos, suportaram sete dias apavorantes até chegarem à ilha Elephant. No total, foram 497 dias sem pisar em terra firme.
No inóspito local, Shackleton escolheu seis homens para uma travessia quase impossível até a ilha da Geórgia do Sul, a 1.300km de distância. Num bote aberto de 22 pés, em pleno inverno, atravessou o mais temido trecho de oceano do planeta: o Cabo Horn. Foram mais 17 dias e um furacão, que pôs a pique um vapor de 500t com todos os homens a bordo. Os seis homens mantiveram uma rotina de bordo, uma estrutura de comando, um revezamento de tarefas que permitiu a superação das circunstâncias mais adversas que um navegador pode enfrentar.
Devido à I Guerra Mundial, porém, a Inglaterra não dispunha de navios para o resgate. Shackleton percorreu a Argentina, o Uruguai e o Chile para encontrar um navio que suportasse a viagem de volta. Três meses depois, à bordo de um pequeno rebocador, chegou a Ilha Elephant e resgatou os 22 tripulantes que deixara pra trás. Não perdeu nenhum homem. Desde então, o naufrágio do Endurence é um “case” de formação de equipe, liderança e gerenciamento de crise.
A reforma política
O governo de Dilma Rousseff está mais ou menos como o Endurece encalhado no gelo. Até agora, porém, a presidente Dilma Rousseff não revelou as qualidades de Shackleton, cujo livro Sul (Editora Allegro) foi traduzido no Brasil. Quem está preocupado em resgatar do naufrágio iminente a sua tripulação é o vice-presidente Michel Temer (PMDB).
Depois de recusar o tardio convite para integrar o núcleo duro do governo, Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
O projeto de reforma política do PMDB foi coordenado pelo ex-governador fluminense Moreira Franco, a pedido de Temer, e anunciado ontem pela cúpula da legenda. Propõe a adoção do sistema distrital puro, chamado de “distritão”, no qual são eleitos os deputados mais votados por estado, não importa a legenda; mantém o sistema de financiamento público e privado, mas limita as doações de pessoas jurídicas e físicas a um só partido e a um só candidato por cargo.
Também acaba com as coligações eleitorais e mantém o atual dispositivo de fidelidade partidária. Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho que exclui do Congresso as legendas que obtiverem menos de 5% dos votos, em pelo menos um terço dos estados, com pelo menos 2% em cada um deles.
O PMDB quer ainda o fim da reeleição e a coincidência dos mandatos, com eleição geral em 2022. Todos os mandatos teriam cinco anos, com exceção dos senadores, que seriam eleitos para um mandato de 10 anos. Nas eleições do ano que vem, os prefeitos e vereadores seriam eleitos para um mandato de seis anos.
A reforma proposta pelo PMDB provocou uma reação desesperada do PT e aliados no Congresso, que tentam evitar que seja votada. No contexto em que será discutida, nos bastidores já se fala na adoção do modelo francês de parlamentarismo. Argumenta-se que a crise atual desapareceria com a aprovação de um voto de desconfiança pelo Congresso e a formação de nova equipe ministerial — sem impeachment.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto ainda tenta toscamente retomar a iniciativa política. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Institucionais, Pepe Vargas, apresentaram ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as propostas do pacote de combate à corrupção. Dilma fará hoje um oba-oba no Palácio do Planalto para anunciar as medidas. É como falar de corda em casa de enforcado.
terça-feira, 17 de março de 2015
Perdida num labirinto
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/03/2015
Como se não bastassem os problemas da economia e o esgarçamento das relações com o Congresso, Dilma não consegue se descolar do escândalo da Petrobras e do desgaste de seu partido
O labirinto de Creta era um jardim de sebes plantadas deliberadamente para confundir quem nele entrasse, dificultando a saída. Na mitologia grega, teria sido construído por Dédalo, um famoso arquiteto, para alojar o Minotauro — metade homem, metade touro —, a quem eram oferecidos jovens, que morriam devorados. O herói ateniense Teseu conseguiu derrotá-lo e sair do labirinto graças ao novelo que lhe foi dado por Ariadne, princesa de Creta, cujo fio foi desenrolando ao longo do percurso.
Um dia após os protestos contra o governo em várias cidades do país, a presidente Dilma Rousseff parece perdida no grande labirinto que ela mesmo mandou construir, mas do qual não consegue sair. Falta-lhe um fio de Ariadne para escapar do monstro que alimentou durante todo o primeiro mandato e agora ameaça devorá-la. Também não há nenhum herói disposto a salvá-la: nem mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dilma deu entrevista ontem tentando minimizar a crise que o país atravessa e a falta de iniciativa política do governo. “Quando eu vi centenas e milhares de cidadãos se manifestando, não pude deixar de pensar que valeu a pena lutar pela liberdade, valeu a pena lutar pela democracia. Este país está mais forte do que nunca”, declarou.
A presidente da República procurou desfazer a imagem de um governo acuado pela sociedade e isolado politicamente: “Um país amparado na separação, na independência e na harmonia dos Poderes, na democracia representativa, na livre manifestação popular nas ruas e nas urnas se torna cada vez mais impermeável ao preconceito, à intolerância, à violência, ao golpismo e ao retrocesso”.
Durante a entrevista, porém, tratou as manifestações de domingo como se tivessem a mesma dimensão da mobilização chapa-branca promovida pelas centrais sindicais na sexta-feira. Dilma disse que vai dialogar com os manifestantes e que pretende enviar ao Congresso propostas para combater a corrupção.
Soaram falsas, porém, as declarações de humildade. Dilma manteve a retórica oficial, que atribui intenções golpistas à oposição: “Eu tenho certeza de que o que nós queremos é um lugar em que todos possam exercer seus direitos pacificamente, sem ameaça às liberdades civis e políticas”.
Desgaste profundo
Nos bastidores do Planalto, o clima é de insegurança e perplexidade. Pesquisas não oficiais apontam para a queda acelerada dos índices de aprovação do governo e o aumento da rejeição a Dilma, estimativas que deverão ser confirmadas pelo Datafolha e pelo Ibope até o fim da semana. O governo estaria na situação de um paciente terminal na UTI. Poderá sobreviver por longo período, em estado vegetativo, mas somente com a ajuda de aparelhos.
Como se não bastassem os problemas da economia e o esgarçamento das relações com o Congresso, Dilma não consegue se descolar do escândalo da Petrobras e do desgaste de seu partido. Ontem, o PT foi acusado pelo Ministério Público Federal de receber propina do esquema de lavagem de dinheiro investigado pela Operação Lava-Jato.
O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, notoriamente ligado à legenda, foi preso novamente, depois de a investigação comprovar que havia transferido 20 milhões de euros de contas secretas da Suíça para o Principado de Mônaco. Na cúpula petista, há o temor de que acabe fazendo um acordo de delação premiada, por pressão dos familiares.
Na semana passada, em depoimento na CPI da Petrobras, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco acusou diretamente Duque e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, de participação ativa no esquema de corrupção da Petrobras. Vaccari está solto, mas foi denunciado pelo MPF com Duque.
Dilma não pode ser investigada por fato ocorrido antes do exercício do atual mandato. Supostamente, a campanha de 2010 teria recebido doações das empresas envolvidas no esquema de corrupção na Petrobras. A acusação foi denúncia feita por Barusco.
Correio Braziliense - 17/03/2015
Como se não bastassem os problemas da economia e o esgarçamento das relações com o Congresso, Dilma não consegue se descolar do escândalo da Petrobras e do desgaste de seu partido
O labirinto de Creta era um jardim de sebes plantadas deliberadamente para confundir quem nele entrasse, dificultando a saída. Na mitologia grega, teria sido construído por Dédalo, um famoso arquiteto, para alojar o Minotauro — metade homem, metade touro —, a quem eram oferecidos jovens, que morriam devorados. O herói ateniense Teseu conseguiu derrotá-lo e sair do labirinto graças ao novelo que lhe foi dado por Ariadne, princesa de Creta, cujo fio foi desenrolando ao longo do percurso.
Um dia após os protestos contra o governo em várias cidades do país, a presidente Dilma Rousseff parece perdida no grande labirinto que ela mesmo mandou construir, mas do qual não consegue sair. Falta-lhe um fio de Ariadne para escapar do monstro que alimentou durante todo o primeiro mandato e agora ameaça devorá-la. Também não há nenhum herói disposto a salvá-la: nem mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dilma deu entrevista ontem tentando minimizar a crise que o país atravessa e a falta de iniciativa política do governo. “Quando eu vi centenas e milhares de cidadãos se manifestando, não pude deixar de pensar que valeu a pena lutar pela liberdade, valeu a pena lutar pela democracia. Este país está mais forte do que nunca”, declarou.
A presidente da República procurou desfazer a imagem de um governo acuado pela sociedade e isolado politicamente: “Um país amparado na separação, na independência e na harmonia dos Poderes, na democracia representativa, na livre manifestação popular nas ruas e nas urnas se torna cada vez mais impermeável ao preconceito, à intolerância, à violência, ao golpismo e ao retrocesso”.
Durante a entrevista, porém, tratou as manifestações de domingo como se tivessem a mesma dimensão da mobilização chapa-branca promovida pelas centrais sindicais na sexta-feira. Dilma disse que vai dialogar com os manifestantes e que pretende enviar ao Congresso propostas para combater a corrupção.
Soaram falsas, porém, as declarações de humildade. Dilma manteve a retórica oficial, que atribui intenções golpistas à oposição: “Eu tenho certeza de que o que nós queremos é um lugar em que todos possam exercer seus direitos pacificamente, sem ameaça às liberdades civis e políticas”.
Desgaste profundo
Nos bastidores do Planalto, o clima é de insegurança e perplexidade. Pesquisas não oficiais apontam para a queda acelerada dos índices de aprovação do governo e o aumento da rejeição a Dilma, estimativas que deverão ser confirmadas pelo Datafolha e pelo Ibope até o fim da semana. O governo estaria na situação de um paciente terminal na UTI. Poderá sobreviver por longo período, em estado vegetativo, mas somente com a ajuda de aparelhos.
Como se não bastassem os problemas da economia e o esgarçamento das relações com o Congresso, Dilma não consegue se descolar do escândalo da Petrobras e do desgaste de seu partido. Ontem, o PT foi acusado pelo Ministério Público Federal de receber propina do esquema de lavagem de dinheiro investigado pela Operação Lava-Jato.
O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, notoriamente ligado à legenda, foi preso novamente, depois de a investigação comprovar que havia transferido 20 milhões de euros de contas secretas da Suíça para o Principado de Mônaco. Na cúpula petista, há o temor de que acabe fazendo um acordo de delação premiada, por pressão dos familiares.
Na semana passada, em depoimento na CPI da Petrobras, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco acusou diretamente Duque e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, de participação ativa no esquema de corrupção da Petrobras. Vaccari está solto, mas foi denunciado pelo MPF com Duque.
Dilma não pode ser investigada por fato ocorrido antes do exercício do atual mandato. Supostamente, a campanha de 2010 teria recebido doações das empresas envolvidas no esquema de corrupção na Petrobras. A acusação foi denúncia feita por Barusco.
segunda-feira, 16 de março de 2015
Protestos deixam o governo baratinado
O governo da presidente Dilma Rousseff foi alvo de protestos
maciços ontem nos 26 estados da Federação, no Distrito Federal e até em cidades do
exterior. O povo nas ruas entoava palavras de ordem contra a corrupção e reclamava da situação econômica. Gritos de
“Fora Dilma” e “Fora PT” foram ouvidos em todo o país. Grande parte pediu impeachment da presidente. Uma parcela
pequena defendeu intervenção militar e foi criticada pelos demais participantes.
Governistas e oposicionistas agora se digladiam quanto à contabilidade dos protestos, que a PM avaliou ter reunido 1,75 milhão, sendo 1 milhão apenas na principal
manifestação, na Avenida Paulista, em São Paulo. O DataFolha, porém, mediu 210 mil na
Paulista. Cálculos à parte, mesmo assim, foi a maior protesto desde as
“Diretas-Já” e surpreendeu o governo, que está baratinado com a situação. Tanto quanto os militantes petistas, que perderam o monopólio das ações de rua e não conseguem entender o que acontece no país.
A presidente Dilma Rousseff passou o dia de ontem no Palácio
da Alvorada, acompanhando os protestos. Pela manhã, o governo avaliava que seria de menor expressão. Havia comemorado as manifestações sindicais chapa-branca de sexta-feira. No final da tarde, Dilma chamou os ministros para conversar. Estava atônita; fora pega de surpresa pelo tamanho dos protestos, inclusive na Esplanada dos Ministérios.
O estado-maior de Dilma Rousseff não incluiu os aliados, somente os petistas de sua confiança: José Eduardo Cardozo (Justiça)
e Miguel Rosseto (Secretaria-Geral da Presidência), os ministros Aloizio
Mercadante (Casa Civil), Thomas Traumann (Comunicação Social), Jaques Wagner
(Defesa) e Giles Azevedo, assessor especial.
O grupo não representa nada em termos da base do governo Congresso, nem a própria bancada do PT. O ministro das Relações Insitucionais (Articulação Política), Pepe Vargas, sequer foi chamado. Informalmente, já foi demitido. A resposta do governo foi pífia, de quem está tomado pela perplexidade e não tem alternativa a oferecer ao país.
Os ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Miguel Rosseto,
secretário-geral da Presidência, acenaram com três propostas velhas, nas quais ninguém acredita, porque até hoje não foram colocadas em prática: o diálogo
com a sociedade e o Congresso; o pacote anticorrupção, anunciado no auge da
crise de 2013 e que ainda não saiu do papel; e a reforma política, com ênfase
no fim do financiamento empresarial das campanhas políticas.
Oposição
A oposição apóia os protestos e comemora, mas teve presença lateral no movimento. Os
manifestantes não deixaram discursar nem os parlamentares que
defendem o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), que
tenta reunir 1 milhão de assinaturas pela saída de Dilma, foi
vaiado na Avenida Paulista quando seu nome foi anunciado. No Rio de Janeiro, o
deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi impedido de falar no carro de som.
As manifestações, porém, deverão ter impacto no Congresso Nacional, onde a CPI que investiga o escândalo da Petrobras concentra as atenções. As dificuldades do governo para aprovar o pacto fiscal devem aumentar. A tendência dos políticos também é se antecipar ao Palácio do Planalto quanto à reforma política.
Os principais partidos de oposição devem subir o tom contra o governo e aumentar as cobranças em relação à demandas da sociedade, a principal delas quando ao escândalo da Petrobras, cuja apuração o governo, nos bastidores, ainda tenta obstruir. Para isso, oferece acordos de leniência para salvar as empresas envolvidas e acalmar os executivos que ameaçam com novas delações premiadas,
O governo não pode, porém, perder o apoio de sua base no Congresso, na qual o papel fundamental é do PMDB, que controla as duas casas legislativas. Para manter esse apoio, Dilma terá que fazer grandes concessões e fortalecer a presença da legenda aliada no governo, com mudanças ministeriais.
domingo, 15 de março de 2015
A correlação de forças
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/03/2015
O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições
Muitos dos conceitos e métodos de avaliação política têm origem militar, ou melhor, na experiência das guerras civis e das revoluções sociais. Foram elas que abriram o caminho na Europa para o surgimento dos parlamentos e, com a Independência dos Estados Unidos, para a democracia e a política como as conhecemos hoje.
Grandes estadistas, como Churchill, e líderes políticos, como Gandhi, destacaram-se em momentos decisivos da História porque souberam avaliar corretamente a correlação de forças em situações limite. De igual maneira, muitos desastres nacionais e derrotas políticas decorreram de avaliações equivocadas de líderes que foram, digamos, para a lata do lixo da História.
A França de 1789 a 1870 foi o principal modelo para o estudo de estratégia e tática na política. Só em 1871, com a derrota da Comuna de Paris, se esgotaram as tendências surgidas com a Revolução Francesa. As contradições internas que se desenvolveram desde então encontraram sua composição relativa com a Terceira República (1870-1940), quando a França teve 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas cada vez mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870.
O estudo dessas “ondas” leva em consideração três aspectos: a situação internacional, as condições econômicas e sociais (objetivas) e o posicionamento (subjetivo) das forças políticas. Vale a pena usá-lo para entender o que ocorre no país.
Primeiro, o Brasil vive uma crise econômica; a população tem suas expectativas frustradas pela inflação, pelo desemprego e pela recessão. Segundo, a presidente Dilma Rousseff perde apoio da base política e parlamentar e sofre os desgastes causados pela Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, o maior escândalo da história do país.
Ademais, a disputa política entre o governo e a oposição transbordou do Congresso para as ruas, com atores novos que fogem ao controle dos partidos e dos movimentos sociais organizados. Diante disso, o Palácio do Planalto acredita que os protestos da população contra a corrupção, a qualidade dos serviços prestados e a alta do custo de vida estariam sendo manipulados por forças políticas golpistas, empenhadas na deposição da presidente Dilma Rousseff.
Fora, Dilma!
Será isso possível? Historicamente, não seria a primeira vez. Crises políticas resultaram na renúncia ou na deposição de presidentes da República no Brasil em 1930, 1945, 1954, 1962, 1964 e 1992. Ou seja, entre duas guerras mundiais e a Guerra Fria, um ciclo quase tão longo quanto aquele do modelo francês. Não é à toa que o golpe de 1964 está sendo lembrado pelas forças governistas para acusar a oposição de tramar contra democracia.
Na sexta-feira, as centrais sindicais realizaram manifestações para apoiar o governo. Hoje, será a vez da oposição dar o troco: engrossará as manifestações convocadas pelas redes sociais contra o governo. Palavras de ordem como “Fora, Dilma” e “Impeachment já” alimentam esse clima.
Dilma obteve 54,4 milhões (51,64%) de votos no segundo turno; Aécio, 51 milhões (48,36%) . A diferença de 3,4 milhões foi a menor desde a redemocratização. Para vencer, Dilma atraiu as forças políticas à esquerda e movimentos sociais organizados; agora, precisa novamente da retórica “esquerda versus direita” e “pobres contra as elites” para manter esse apoio.
O atual posicionamento dos partidos políticos não muda a correlação de forças, o que só ocorrerá se o PMDB e outras forças centristas se deslocarem para a oposição. A mudança, porém, ocorre, por outro motivo: a crise econômica e o agravamento da situação social deslocam para a oposição os eleitores de Dilma frustrados pelo não cumprimento das promessas de campanha. O governo perdeu a iniciativa política.
Isso significa que a destituição de Dilma seja possível? Mantidas as regras do jogo, é improvável. A guerra fria acabou. A crise é conjuntural. O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições, ou seja, exercer suas funções essenciais, como arrecadar, normatizar e coagir.
Para Dilma sofrer um impeachment nos termos da Constituição, seria preciso provar que cometeu um grave crime no exercício do atual mandato, que mal começou, e o Congresso estar de acordo. Ou, então, o Estado brasileiro entrar em colapso em razão da desobediência civil, o que não é desejável.
Correio Braziliense - 15/03/2015
O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições
Muitos dos conceitos e métodos de avaliação política têm origem militar, ou melhor, na experiência das guerras civis e das revoluções sociais. Foram elas que abriram o caminho na Europa para o surgimento dos parlamentos e, com a Independência dos Estados Unidos, para a democracia e a política como as conhecemos hoje.
Grandes estadistas, como Churchill, e líderes políticos, como Gandhi, destacaram-se em momentos decisivos da História porque souberam avaliar corretamente a correlação de forças em situações limite. De igual maneira, muitos desastres nacionais e derrotas políticas decorreram de avaliações equivocadas de líderes que foram, digamos, para a lata do lixo da História.
A França de 1789 a 1870 foi o principal modelo para o estudo de estratégia e tática na política. Só em 1871, com a derrota da Comuna de Paris, se esgotaram as tendências surgidas com a Revolução Francesa. As contradições internas que se desenvolveram desde então encontraram sua composição relativa com a Terceira República (1870-1940), quando a França teve 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas cada vez mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870.
O estudo dessas “ondas” leva em consideração três aspectos: a situação internacional, as condições econômicas e sociais (objetivas) e o posicionamento (subjetivo) das forças políticas. Vale a pena usá-lo para entender o que ocorre no país.
Primeiro, o Brasil vive uma crise econômica; a população tem suas expectativas frustradas pela inflação, pelo desemprego e pela recessão. Segundo, a presidente Dilma Rousseff perde apoio da base política e parlamentar e sofre os desgastes causados pela Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, o maior escândalo da história do país.
Ademais, a disputa política entre o governo e a oposição transbordou do Congresso para as ruas, com atores novos que fogem ao controle dos partidos e dos movimentos sociais organizados. Diante disso, o Palácio do Planalto acredita que os protestos da população contra a corrupção, a qualidade dos serviços prestados e a alta do custo de vida estariam sendo manipulados por forças políticas golpistas, empenhadas na deposição da presidente Dilma Rousseff.
Fora, Dilma!
Será isso possível? Historicamente, não seria a primeira vez. Crises políticas resultaram na renúncia ou na deposição de presidentes da República no Brasil em 1930, 1945, 1954, 1962, 1964 e 1992. Ou seja, entre duas guerras mundiais e a Guerra Fria, um ciclo quase tão longo quanto aquele do modelo francês. Não é à toa que o golpe de 1964 está sendo lembrado pelas forças governistas para acusar a oposição de tramar contra democracia.
Na sexta-feira, as centrais sindicais realizaram manifestações para apoiar o governo. Hoje, será a vez da oposição dar o troco: engrossará as manifestações convocadas pelas redes sociais contra o governo. Palavras de ordem como “Fora, Dilma” e “Impeachment já” alimentam esse clima.
Dilma obteve 54,4 milhões (51,64%) de votos no segundo turno; Aécio, 51 milhões (48,36%) . A diferença de 3,4 milhões foi a menor desde a redemocratização. Para vencer, Dilma atraiu as forças políticas à esquerda e movimentos sociais organizados; agora, precisa novamente da retórica “esquerda versus direita” e “pobres contra as elites” para manter esse apoio.
O atual posicionamento dos partidos políticos não muda a correlação de forças, o que só ocorrerá se o PMDB e outras forças centristas se deslocarem para a oposição. A mudança, porém, ocorre, por outro motivo: a crise econômica e o agravamento da situação social deslocam para a oposição os eleitores de Dilma frustrados pelo não cumprimento das promessas de campanha. O governo perdeu a iniciativa política.
Isso significa que a destituição de Dilma seja possível? Mantidas as regras do jogo, é improvável. A guerra fria acabou. A crise é conjuntural. O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições, ou seja, exercer suas funções essenciais, como arrecadar, normatizar e coagir.
Para Dilma sofrer um impeachment nos termos da Constituição, seria preciso provar que cometeu um grave crime no exercício do atual mandato, que mal começou, e o Congresso estar de acordo. Ou, então, o Estado brasileiro entrar em colapso em razão da desobediência civil, o que não é desejável.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Centrais sindicais vão às ruas por Dilma
Centrais sindicais vão hoje às ruas de 27 capitais em todo País contra a “ruptura democrática” e pela garantia dos direitos trabalhistas, movimento articulado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), organizadora dos atos, para se contrapor às manifestações convocadas pelas redes sociais para o próximo domingo.
Oficialmente, a CUT nega que os protestos sejam em defesa do governo, mas levanta a bandeira contra o
impeachment da presidente Dilma Rousseff e contra o suposto golpismo da oposição.
A pauta de reivindicações do ato é meio esquizofrênica: ataca o ajuste fiscal e exige maior interlocução
com o Palácio do Planalto. Os atos contam com o apoio, em algumas capitais do
país, do PT, do PCdoB e do PSOL. Com recursos da central, sindicalistas profissionais, empregados de estatais e funcionários públicos ligados ao PT, o protesto será uma típica manifestação chapa branca.
Mas isso não importa. O que mais interessa é saber se terá o apoio da maioria da sociedade ou não.
O mesmo vale para a manifestação de domingo, que é convocada por grupos oposicionistas que atuam nas redes sociais e está sendo apoiada pelos partidos de oposição.
Alguns desses grupos de ativistas das redes pregam o "Fora Dilma!" e o pedem o impeachment da presidente da República por causa do escândalo da Petrobras.
Confronto
O governo tentou convencer os líderes sindicais a desmarcar a manifestação de hoje, mas era tarde demais. Os preparativos para as manifestações já estavam adiantados e o cancelamento dos atos pareceria não um recuo, mas uma debandada petista.
quinta-feira, 12 de março de 2015
O devido processo legal
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 12/03/2014
No Supremo, o temor era que, com apenas quatro integrantes, qualquer empate beneficiasse os réus. Ou que alguém fosse indicado para vaga aberta no Supremo para “matar no peito” o processo.
A ida do ministro José Antonio Dias Toffoli da Primeira para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), articulada pelos ministros Teori Zavascki, relator do processo da Operação Lava-Jato, Celso de Melo e Gilmar Mendes, e confirmada ontem pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, desanuviou o ambiente político no Congresso.
A semana havia começado sob o impacto da abertura de inquérito contra 47 políticos, entre eles os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A Segunda Turma ficará responsável pela análise dos inquéritos e eventuais ações penais relativas ao esquema de corrupção na Petrobras.
Ao completar a vaga aberta na Segunda Turma com a aposentadoria do ex-ministro Joaquim Barbosa e a saída de Lewandowski, fechando a porta para a participação no julgamento de um ministro recém-indicado pela presidente Dilma Rousseff, o estresse causado pela abertura dos inquéritos desapareceu como por encantamento.
Já na terça-feira à noite, numa festa de advogados na Asa Sul, à qual compareceram os ministros Toffoli e Mendes, a rocada no STF já era interpretada nos meios jurídicos e políticos como o sinal de que o xadrez do devido processo legal absorveria o impacto inicial da abertura de inquérito. No Supremo, o temor era que, com apenas quatro integrantes, qualquer empate beneficiasse os réus. Ou que alguém fosse indicado para vaga aberta no Supremo para “matar no peito” o processo.
Temia-se também a mesma turbulência do julgamento do mensalão, que ocorreu no pleno do STF e foi transmitido ao vivo e em cores. Toffoli é o ministro com menos tempo de atuação no tribunal que ainda não exerceu a função e, conforme a tradição, passará a presidir o julgamento da Lava-Jato a partir de maio, mês em que termina o mandato do atual presidente da turma, Teori Zavascki.
“Isso foi um consenso no tribunal e nós demos o devido encaminhamento. Acho que foi uma boa solução para o tribunal e para o Brasil”, disse Mendes. Notoriamente ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, Toffoli faz parte do time de desafetos de estimação da presidente Dilma Rousseff, cujo santo não bate com o dele desde os tempos da Casa Civil.
Toffoli, porém, esteve ontem com a presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Disse que foi à sede do Executivo apenas para tratar de um projeto elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Corte que preside desde maio do ano passado, e não tratou sobre a Lava-Jato. Participaram da reunião os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça).
Nuvens carregadasFoi uma semana de nuvens carregadas e chuvas torrenciais em Brasília. O ex-gerente de Produção da Petrobras Pedro Barusco, ao depor na CPI instalada na Câmara para investigar o escândalo na estatal, disparou um petardo contra a presidente Dilma Rousseff, ao confirmar que teria entregue ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, a quantia de US$ 300 mil provenientes de propina para a campanha de 2010. No mesmo dia, Dilma foi vaiada em São Paulo.
Durante a semana, caciques do PMDB passaram a defender a saída do petista Aloizio Mercadante da Casa Civil da Presidência, atribuindo a ele a responsabilidade pelos erros cometidos pela Palácio do Planalto na condução da articulações políticas. Segundo os peemedebistas, o ministro seria o responsável pelo afastamento do vice-presidente, Michel Temer, do centro das decisões do governo e também pelo isolamento da presidente Dilma Rousseff em seu gabinete.
Em respostas às pressões e boatos, o Palácio do Planalto negou que o ex-presidente Lula teria exigido a cabeça de Mercadante. E durante solenidade no Acre, ao lado do governador Tião Viana (PT), Dilma anunciou que vai incorporar três ministros à coordenação política do governo: Aldo Rebelo (PCdoB), da Ciência e Tecnologia; Gilberto Kassab (PSD), das Cidades; e Eliseu Padilha (PMDB), da Aviação Civil.
A solução não agradou à cúpula do PMDB, que reivindica uma reforma ministerial mais ampla. O presidente do Senado, Renan Calheiros, verbalizou a insatisfação ao dizer que o governo já está “envelhecido”. As pressões dos aliados contra Mercadante, porém, não surtiram efeito. Dilma continua tendo-o como principal auxiliar e leva em conta que o ex-senador deixou de disputar as eleições para comandar a cozinha do Palácio do Planalto a seu pedido.
Correio Braziliense - 12/03/2014
No Supremo, o temor era que, com apenas quatro integrantes, qualquer empate beneficiasse os réus. Ou que alguém fosse indicado para vaga aberta no Supremo para “matar no peito” o processo.
A ida do ministro José Antonio Dias Toffoli da Primeira para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), articulada pelos ministros Teori Zavascki, relator do processo da Operação Lava-Jato, Celso de Melo e Gilmar Mendes, e confirmada ontem pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, desanuviou o ambiente político no Congresso.
A semana havia começado sob o impacto da abertura de inquérito contra 47 políticos, entre eles os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A Segunda Turma ficará responsável pela análise dos inquéritos e eventuais ações penais relativas ao esquema de corrupção na Petrobras.
Ao completar a vaga aberta na Segunda Turma com a aposentadoria do ex-ministro Joaquim Barbosa e a saída de Lewandowski, fechando a porta para a participação no julgamento de um ministro recém-indicado pela presidente Dilma Rousseff, o estresse causado pela abertura dos inquéritos desapareceu como por encantamento.
Já na terça-feira à noite, numa festa de advogados na Asa Sul, à qual compareceram os ministros Toffoli e Mendes, a rocada no STF já era interpretada nos meios jurídicos e políticos como o sinal de que o xadrez do devido processo legal absorveria o impacto inicial da abertura de inquérito. No Supremo, o temor era que, com apenas quatro integrantes, qualquer empate beneficiasse os réus. Ou que alguém fosse indicado para vaga aberta no Supremo para “matar no peito” o processo.
Temia-se também a mesma turbulência do julgamento do mensalão, que ocorreu no pleno do STF e foi transmitido ao vivo e em cores. Toffoli é o ministro com menos tempo de atuação no tribunal que ainda não exerceu a função e, conforme a tradição, passará a presidir o julgamento da Lava-Jato a partir de maio, mês em que termina o mandato do atual presidente da turma, Teori Zavascki.
“Isso foi um consenso no tribunal e nós demos o devido encaminhamento. Acho que foi uma boa solução para o tribunal e para o Brasil”, disse Mendes. Notoriamente ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, Toffoli faz parte do time de desafetos de estimação da presidente Dilma Rousseff, cujo santo não bate com o dele desde os tempos da Casa Civil.
Toffoli, porém, esteve ontem com a presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Disse que foi à sede do Executivo apenas para tratar de um projeto elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Corte que preside desde maio do ano passado, e não tratou sobre a Lava-Jato. Participaram da reunião os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça).
Nuvens carregadasFoi uma semana de nuvens carregadas e chuvas torrenciais em Brasília. O ex-gerente de Produção da Petrobras Pedro Barusco, ao depor na CPI instalada na Câmara para investigar o escândalo na estatal, disparou um petardo contra a presidente Dilma Rousseff, ao confirmar que teria entregue ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, a quantia de US$ 300 mil provenientes de propina para a campanha de 2010. No mesmo dia, Dilma foi vaiada em São Paulo.
Durante a semana, caciques do PMDB passaram a defender a saída do petista Aloizio Mercadante da Casa Civil da Presidência, atribuindo a ele a responsabilidade pelos erros cometidos pela Palácio do Planalto na condução da articulações políticas. Segundo os peemedebistas, o ministro seria o responsável pelo afastamento do vice-presidente, Michel Temer, do centro das decisões do governo e também pelo isolamento da presidente Dilma Rousseff em seu gabinete.
Em respostas às pressões e boatos, o Palácio do Planalto negou que o ex-presidente Lula teria exigido a cabeça de Mercadante. E durante solenidade no Acre, ao lado do governador Tião Viana (PT), Dilma anunciou que vai incorporar três ministros à coordenação política do governo: Aldo Rebelo (PCdoB), da Ciência e Tecnologia; Gilberto Kassab (PSD), das Cidades; e Eliseu Padilha (PMDB), da Aviação Civil.
A solução não agradou à cúpula do PMDB, que reivindica uma reforma ministerial mais ampla. O presidente do Senado, Renan Calheiros, verbalizou a insatisfação ao dizer que o governo já está “envelhecido”. As pressões dos aliados contra Mercadante, porém, não surtiram efeito. Dilma continua tendo-o como principal auxiliar e leva em conta que o ex-senador deixou de disputar as eleições para comandar a cozinha do Palácio do Planalto a seu pedido.
quarta-feira, 11 de março de 2015
O coro dos coxinhas
Nas Entrelinhas : Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/03/2015
Duas crises estão combinadas e podem levar o governo ao nocaute, mas se desenvolvem de forma desigual
O repertório de definições de crise é bastante sortido, tem para todos os gostos.
Das "revolucionárias", nas quais os de baixo já não obedecem e os de cima não conseguem governar; e de "renovação política", em que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu; às "crises econômicas", que são uma ameaça e uma oportunidade para os capitalistas, como no ideograma chinês que representa as duas palavras de uma só vez.
Em bom português, a palavra crise vem do grego krisis (decisão, julgamento), prima do verbo krinein, que quer dizer julgar, decidir, separar — na língua dos pais da filosofia e da democracia. No Dicionário Houaiss, há cinco definições: 1) estado de manifestação aguda ou agravamento de doença, física, mental e emocional; 2) manifestação repentina de um sentimento (ciúme, amabilidade); 3) estado de incerteza e vacilação (fé); 4) fase crítica de uma situação; e 5) momento de desequilíbio emocional.
O marketing ampliou esse espectro: uma crise pode envolver consumidores, clientes e usuários; públicos interno e externo; investidores, comunidades e poder público, além, é claro, das autoridades propriamente ditas, que, para isso, contratam marqueteiros e organizam gabinetes de crise para gerenciar sua imagem.
A presidente Dilma Rousseff, que ontem foi vaiada em São Paulo, ainda não se achou diante da crise que o país e seu governo atravessam. "O Brasil passa por um momento difícil, mais difícil do que tivemos em anos recentes, mas nem de longe estamos vivendo uma crise das dimensões que alguns dizem que estamos vivendo", minimizou, na 21ª Edição do Salão Internacional da Construção, em São Paulo.
Dilma acabara de receber uma bruta vaia ao seguir para o anfiteatro do centro de eventos. Foram cinco minutos de apupos, disparados por trabalhadores que montavam a exposição. Sua reação foi dar meia volta e se afastar, irritada, do local.(https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=M-J-KTWH1I4 )
Depois, a Secretaria de Imprensa da Presidência divulgou nota na qual reiterou que as manifestações contra o governo são legítimas e fazem parte do "jogo democrático", mas criticou atos violentos. Não houve isso.
O grande salto para frente, apregoado na campanha eleitoral, voltou a ser anunciado: "A conjuntura atual é muito mais difícil do que nos últimos anos, mas ela não pode ofuscar os avanços nem tampouco obscurecer que hoje temos as bases, o aprendizado para ir muito mais além do que já fomos, para dar saltos de produção e de competitividade ainda maiores". Quem acredita nisso?
Trata-se a União na ótica das velhas elites do Império, que organizaram o Estado brasileiro antes da formação da nação. Só que os recursos do Tesouro não vêm dos donos do poder, vêm dos impostos pagos pelos contribuintes, que deixam de consumir e poupar para tapar o buraco da gastança que garantiu a reeleição de Dilma. Esse é o grande "estelionato eleitoral" em curso.
Não é à toa que, desde a viagem a Campo Grande, em 3 de fevereiro, Dilma não pode pôr os pés nas ruas sem levar uma vaia; só é aplaudida em ambientes fechados, previamente monitorados por sua "equipe precursora", que já foi muito melhor nesse trabalho.
O problema é que o coro dos "coxinhas", como os petistas chamam os que fazem oposição ao governo, está aumentando com a deriva dos eleitores da presidente da República frustrados porque suas promessas não corresponderem aos fatos, diante da situação da economia e do escândalo da Petrobras.
A crise é desigual e combinada. Vamos por partes. Primeiro, há uma crise econômica decorrente mais do desequilíbrio das contas públicas do que da economia mundial, caso contrário, todos os países do continente estariam na situação da Argentina, da Venezuela e do Brasil, o que não é o caso. Graves problemas de infraestrutura, o desequilíbrio da balança comercial e a queda do preço do petróleo dificultam uma saída de curto prazo.
Segundo, instalou-se uma crise de governabilidade, catalisada pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal, que investiga as principais lideranças do Congresso suspeitas de receberem propina do esquemas de corrupção na Petrobras.
Como as duas coisas não vão acontecer, a crise de representação política e de imagem do governo transbordou para as ruas, que reagem à inflação, ao desemprego, o aumento de impostos, aos apagões, à falta d’água, ao aumento dos combustíveis e da conta de luz, tudo junto e misturado à corrupção na Petrobras e em outras empresas e órgãos públicos. Dilma sintetiza tudo isso.
Correio Braziliense - 11/03/2015
Duas crises estão combinadas e podem levar o governo ao nocaute, mas se desenvolvem de forma desigual
O repertório de definições de crise é bastante sortido, tem para todos os gostos.
Das "revolucionárias", nas quais os de baixo já não obedecem e os de cima não conseguem governar; e de "renovação política", em que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu; às "crises econômicas", que são uma ameaça e uma oportunidade para os capitalistas, como no ideograma chinês que representa as duas palavras de uma só vez.
Em bom português, a palavra crise vem do grego krisis (decisão, julgamento), prima do verbo krinein, que quer dizer julgar, decidir, separar — na língua dos pais da filosofia e da democracia. No Dicionário Houaiss, há cinco definições: 1) estado de manifestação aguda ou agravamento de doença, física, mental e emocional; 2) manifestação repentina de um sentimento (ciúme, amabilidade); 3) estado de incerteza e vacilação (fé); 4) fase crítica de uma situação; e 5) momento de desequilíbio emocional.
O marketing ampliou esse espectro: uma crise pode envolver consumidores, clientes e usuários; públicos interno e externo; investidores, comunidades e poder público, além, é claro, das autoridades propriamente ditas, que, para isso, contratam marqueteiros e organizam gabinetes de crise para gerenciar sua imagem.
A presidente Dilma Rousseff, que ontem foi vaiada em São Paulo, ainda não se achou diante da crise que o país e seu governo atravessam. "O Brasil passa por um momento difícil, mais difícil do que tivemos em anos recentes, mas nem de longe estamos vivendo uma crise das dimensões que alguns dizem que estamos vivendo", minimizou, na 21ª Edição do Salão Internacional da Construção, em São Paulo.
Dilma acabara de receber uma bruta vaia ao seguir para o anfiteatro do centro de eventos. Foram cinco minutos de apupos, disparados por trabalhadores que montavam a exposição. Sua reação foi dar meia volta e se afastar, irritada, do local.(https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=M-J-KTWH1I4 )
Depois, a Secretaria de Imprensa da Presidência divulgou nota na qual reiterou que as manifestações contra o governo são legítimas e fazem parte do "jogo democrático", mas criticou atos violentos. Não houve isso.
Durante o evento, a presidente da República minimizou os problemas
da economia, disse que seus fundamentos são sólidos e que as medidas de
ajuste que o governo tem adotado nos últimos dias não vão comprometer as
conquistas sociais, "tampouco vão fazer o Brasil parar".
O grande salto para frente, apregoado na campanha eleitoral, voltou a ser anunciado: "A conjuntura atual é muito mais difícil do que nos últimos anos, mas ela não pode ofuscar os avanços nem tampouco obscurecer que hoje temos as bases, o aprendizado para ir muito mais além do que já fomos, para dar saltos de produção e de competitividade ainda maiores". Quem acredita nisso?
Para justificar o rombo nas contas públicas, Dilma disse que a
União absorveu "parte importante" da crise entre 2008 e 2014. "Estamos
fazendo ajustes, mas não abdicamos nem abdicaremos em estabelecer as
condições para que, o mais rápido possível, tenhamos uma economia
competitiva e mais dinâmica."
Trata-se a União na ótica das velhas elites do Império, que organizaram o Estado brasileiro antes da formação da nação. Só que os recursos do Tesouro não vêm dos donos do poder, vêm dos impostos pagos pelos contribuintes, que deixam de consumir e poupar para tapar o buraco da gastança que garantiu a reeleição de Dilma. Esse é o grande "estelionato eleitoral" em curso.
Desigual e combinada
Não é à toa que, desde a viagem a Campo Grande, em 3 de fevereiro, Dilma não pode pôr os pés nas ruas sem levar uma vaia; só é aplaudida em ambientes fechados, previamente monitorados por sua "equipe precursora", que já foi muito melhor nesse trabalho.
O problema é que o coro dos "coxinhas", como os petistas chamam os que fazem oposição ao governo, está aumentando com a deriva dos eleitores da presidente da República frustrados porque suas promessas não corresponderem aos fatos, diante da situação da economia e do escândalo da Petrobras.
A crise é desigual e combinada. Vamos por partes. Primeiro, há uma crise econômica decorrente mais do desequilíbrio das contas públicas do que da economia mundial, caso contrário, todos os países do continente estariam na situação da Argentina, da Venezuela e do Brasil, o que não é o caso. Graves problemas de infraestrutura, o desequilíbrio da balança comercial e a queda do preço do petróleo dificultam uma saída de curto prazo.
Segundo, instalou-se uma crise de governabilidade, catalisada pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal, que investiga as principais lideranças do Congresso suspeitas de receberem propina do esquemas de corrupção na Petrobras.
Essas duas crises podem levar o governo ao
nocaute, mas se desenvolvem de forma desigual no tempo e no espaço. A
crise econômica demanda que a base política, acuada pelas denúncias,
aprove um conjunto de medidas impopulares a toque de caixa. A crise
política, para se resolver no curto prazo, exigiria um haraquiri
coletivo das principais lideranças da base do governo no Congresso.
Como as duas coisas não vão acontecer, a crise de representação política e de imagem do governo transbordou para as ruas, que reagem à inflação, ao desemprego, o aumento de impostos, aos apagões, à falta d’água, ao aumento dos combustíveis e da conta de luz, tudo junto e misturado à corrupção na Petrobras e em outras empresas e órgãos públicos. Dilma sintetiza tudo isso.
terça-feira, 10 de março de 2015
Outros poderes se "alevantam"
A Operação Lava-Jato revelou também as existência de um
“criptogoverno” mafioso, corrupto e corruptor, formado por políticos,
funcionários públicos, executivos e grandes empresas
A frase é do veterano líder sindical Luís Tenório de Lima, que a usava sempre que alguma coisa ocorria de maneira diferente da imaginada ou prevista. Serve sob medida para intitular a coluna de hoje. Um dos articuladores da chapa Jânio-Jango na eleição de outubro de 1960, Tenorinho ajudou a cristianizar o marechal Henrique Teixeira Lott (PSD).
Graças à manobra eleitoral, o ex-ministro do Trabalho João Goulart foi eleito vice-presidente da República, com apoio maciço dos sindicatos paulistas. O resto da história todos conhecem: Jânio renunciou e Jango virou o presidente da República, mas foi derrubado pelos militares em 1964, após anunciar a intenção de decretar as chamadas reformas de base, que o Congresso não aprovava.
Reminiscências históricas à parte, vem aí um ato sindical convocado pela CUT e o PT para 13 de março, mesma data do Comício da Central de 1964, pretexto para o golpe de Estado contra Jango. E uma manifestação nacional convocada pelas redes sociais para 15 de março, que pode ganhar as conotações conservadoras da Marcha com Deus pela Família e a Liberdade, que reuniu 500 mil pessoas, em 19 de março, e se repetiu, digamos, com 1 milhão de coxinhas nas ruas em 2 de abril daquele ano fatídico.
A classe média voltou-se contra o governo e apoiou os políticos de oposição e militares golpistas. Aviso logo: sou daqueles que acham que história só se repete como farsa ou como tragédia. Os líderes dos partidos de oposição foram escaldados pelo golpe e o regime militar, não vejo muito sentido nessa história de que pretendam uma ruptura institucional ao aderir aos protestos populares contra o governo Dilma. Isso é do jogo democrático!
Tenorinho entra nessa história por outro motivo: um velho artigo do mestre Norberto Bobbio, intitulado Os meandros do poder, escrito no auge da crise política italiana de 1980. (in As ideologias e o poder em crise, Editora UnB). Faz parte de uma série sobre o que chamou de “mau governo”.
Inspirado na microfísica do poder de Foucault, Bobbio afirma que “a ideia tradicional de que o poder reside numa pessoa, numa restrita classe política ou em determinadas instituições colocadas no centro do sistema social é enganadora. O poder está em qualquer lugar, como o ar que se respira”.
“Não compreendeu a estrutura ou o movimento de um sistema social aquele que não se deu conta de que este é constituído por uma densa e complexa interrelação de poderes”, afirma. O poder não estaria apenas difuso e repartido, mas disposto em estratos que se distinguem um dos outros por diferente graus de “visibilidade”.
Bobbio identificou três esferas de poder: o emergente e público, que é o governo propriamente dito; o semi-submerso ou semipúblico, que chamou de “sub-governo”, que são suas agências e aparatos públicos, por onde passa a política econômica e o governo da economia; e a faixa de poder submerso, oculto ou invisível, que poderia ser chamada de “criptogoverno”.
Podres poderes
Segundo Bobbio, na medida em que o Estado liberal clássico foi sendo ampliado na direção do Estado de bem-estar social, o espaço do “sub-governo” se ampliou tremendamente, em estreita relação com o governo autêntico. Mas, em contrapartida, tem um nexo duplo com o que seria o “criptogoverno”.
Dirigentes dessas entidades, designados ou diretamente nomeados pelos partidos de governo pelo sistema de loteamento, através da função latente que a eles é atribuída, passam a prover o financiamento “oculto” dos partidos ou canalizar para eles os recursos financeiros de que têm necessidade para garantir a própria sustentação e para ganhar “consensos” ( que nesse caso Bobbio trata como uma mercadoria igual a todas as outras).
Essa leitura de Bobbio ajuda a entender o que aconteceu na Itália, onde os grandes partidos do pós-guerra foram tragados pela Operação Mãos Limpas, e nos dá uma pista para compreender melhor a gravidade do escândalo revelado pela Operação Lava-Jato, que agora chegou ao Congresso e ameaça implodir o nosso “presidencialismo de coalizão”.
Num paralelo rápido, a investigação sobre os desvios de recursos da Petrobras e de outras estatais, com superfaturamento de obras e serviços, mostra-nos as conexões entre o governo propriamente dito, as agências e as empresas de um “sub-governo” legalmente constituído, mas transformado em caixa preta. A Operação Lava-Jato revelou também as existência de um “criptogoverno” mafioso, corrupto e corruptor, formado por políticos, funcionários públicos, executivos e grandes empresas fornecedoras do Estado para dar as cartas no jogo político.
Tudo isso precisa ser passado a limpo, porque a democracia é idealmente o governo do poder visível e não dos podres poderes ocultos a serviço do saque do Tesouro, do enriquecimento ilícito e do abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais, para perpetuar no poder grupos políticos e partidos.
Leia também: http://blogdoazedo.blogspot.com.br/2014/10/burgueses-e-proletarios.html
A frase é do veterano líder sindical Luís Tenório de Lima, que a usava sempre que alguma coisa ocorria de maneira diferente da imaginada ou prevista. Serve sob medida para intitular a coluna de hoje. Um dos articuladores da chapa Jânio-Jango na eleição de outubro de 1960, Tenorinho ajudou a cristianizar o marechal Henrique Teixeira Lott (PSD).
Graças à manobra eleitoral, o ex-ministro do Trabalho João Goulart foi eleito vice-presidente da República, com apoio maciço dos sindicatos paulistas. O resto da história todos conhecem: Jânio renunciou e Jango virou o presidente da República, mas foi derrubado pelos militares em 1964, após anunciar a intenção de decretar as chamadas reformas de base, que o Congresso não aprovava.
Reminiscências históricas à parte, vem aí um ato sindical convocado pela CUT e o PT para 13 de março, mesma data do Comício da Central de 1964, pretexto para o golpe de Estado contra Jango. E uma manifestação nacional convocada pelas redes sociais para 15 de março, que pode ganhar as conotações conservadoras da Marcha com Deus pela Família e a Liberdade, que reuniu 500 mil pessoas, em 19 de março, e se repetiu, digamos, com 1 milhão de coxinhas nas ruas em 2 de abril daquele ano fatídico.
A classe média voltou-se contra o governo e apoiou os políticos de oposição e militares golpistas. Aviso logo: sou daqueles que acham que história só se repete como farsa ou como tragédia. Os líderes dos partidos de oposição foram escaldados pelo golpe e o regime militar, não vejo muito sentido nessa história de que pretendam uma ruptura institucional ao aderir aos protestos populares contra o governo Dilma. Isso é do jogo democrático!
Tenorinho entra nessa história por outro motivo: um velho artigo do mestre Norberto Bobbio, intitulado Os meandros do poder, escrito no auge da crise política italiana de 1980. (in As ideologias e o poder em crise, Editora UnB). Faz parte de uma série sobre o que chamou de “mau governo”.
Inspirado na microfísica do poder de Foucault, Bobbio afirma que “a ideia tradicional de que o poder reside numa pessoa, numa restrita classe política ou em determinadas instituições colocadas no centro do sistema social é enganadora. O poder está em qualquer lugar, como o ar que se respira”.
“Não compreendeu a estrutura ou o movimento de um sistema social aquele que não se deu conta de que este é constituído por uma densa e complexa interrelação de poderes”, afirma. O poder não estaria apenas difuso e repartido, mas disposto em estratos que se distinguem um dos outros por diferente graus de “visibilidade”.
Bobbio identificou três esferas de poder: o emergente e público, que é o governo propriamente dito; o semi-submerso ou semipúblico, que chamou de “sub-governo”, que são suas agências e aparatos públicos, por onde passa a política econômica e o governo da economia; e a faixa de poder submerso, oculto ou invisível, que poderia ser chamada de “criptogoverno”.
Podres poderes
Segundo Bobbio, na medida em que o Estado liberal clássico foi sendo ampliado na direção do Estado de bem-estar social, o espaço do “sub-governo” se ampliou tremendamente, em estreita relação com o governo autêntico. Mas, em contrapartida, tem um nexo duplo com o que seria o “criptogoverno”.
Dirigentes dessas entidades, designados ou diretamente nomeados pelos partidos de governo pelo sistema de loteamento, através da função latente que a eles é atribuída, passam a prover o financiamento “oculto” dos partidos ou canalizar para eles os recursos financeiros de que têm necessidade para garantir a própria sustentação e para ganhar “consensos” ( que nesse caso Bobbio trata como uma mercadoria igual a todas as outras).
Essa leitura de Bobbio ajuda a entender o que aconteceu na Itália, onde os grandes partidos do pós-guerra foram tragados pela Operação Mãos Limpas, e nos dá uma pista para compreender melhor a gravidade do escândalo revelado pela Operação Lava-Jato, que agora chegou ao Congresso e ameaça implodir o nosso “presidencialismo de coalizão”.
Num paralelo rápido, a investigação sobre os desvios de recursos da Petrobras e de outras estatais, com superfaturamento de obras e serviços, mostra-nos as conexões entre o governo propriamente dito, as agências e as empresas de um “sub-governo” legalmente constituído, mas transformado em caixa preta. A Operação Lava-Jato revelou também as existência de um “criptogoverno” mafioso, corrupto e corruptor, formado por políticos, funcionários públicos, executivos e grandes empresas fornecedoras do Estado para dar as cartas no jogo político.
Tudo isso precisa ser passado a limpo, porque a democracia é idealmente o governo do poder visível e não dos podres poderes ocultos a serviço do saque do Tesouro, do enriquecimento ilícito e do abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais, para perpetuar no poder grupos políticos e partidos.
Leia também: http://blogdoazedo.blogspot.com.br/2014/10/burgueses-e-proletarios.html
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