Correio Braziliense - 25/12/2013
Nossa festa de Natal tem raízes bem mais antigas do que o nascimento de Jesus, mas sua forma atual data de aproximadamente 350 d.C., quando o papa Julio I resolveu transformar a Saturnália, que ocorria no solstíscio de inverno, numa festa cristã. Os romanos comemoravam intensamente o fim do ano agrário e religioso e a chegada do novo ano, com esperança de boas colheitas e dias melhores. Já então havia intensa troca de presentes.
Foram os norte-americanos — sempre eles – que deram ao Natal o caráter consumista de hoje, logo após a independência. Em Nova York, cidade fundada pelos holandeses, tiraram Papai Noel da sacristia para as portas das lojas. Inspirados na figura de São Nicolao, bispo de Mira, na Turquia, que gostava de distribuir presentes para comemorar o nascimento de Jesus — tradição que remonta aos Reis Magos Belchior, Baltazar e Gaspar —, os cartunistas Washington Irvin e Thomaz Nast deram ao Bom Velhinho o ar bonachão que se universalizou. Se Papai Noel fosse brasileiro, minha lista de presentes seria a seguinte:
Atendimento no SUS — Nosso Sistema Único de Saúde (SUS) precisa urgentemente de uma reforma. Ninguém aguenta mais a demora na marcação das consultas e no atendimento de urgência. No primeiro caso, acabaram com as filas marcando consultas para meses depois da entrega das senhas; no segundo, o sujeito somente é atendido se chegar na horizontal. Tem ainda a maracutaia dos planos de saúde, que enrolam as remoções dos hospitais públicos para não fazer cirurgias de emergência na rede privada. Falta também um plano de carreira que resgate o humanismo das profissões da área de saúde, principalmente dos médicos, sem termos que recorrer a médicos cubanos e de outras nacionalidades.
Educação de qualidade — A educação básica no Brasil foi universalizada, mas o ensino público deixa muito a desejar. Com 50 milhões de jovens, o Brasil vive o paradoxo de importar mão de obra para os setores mais dinâmicos da economia por falta de qualificação adequada dos nossos trabalhadores. Nos setores tradicionais da economia, sobra mão de obra. O desemprego é mascarado pela existência de 10 milhões jovens que nem estudam nem trabalham. Não é à toa que essa garotada nem-nem foi pra rua e pôs a boca no trombone: mais escolas e mais empregos de qualidade!
Transporte digno — Quem não quer um carro novo de presente de Natal? Todo mundo, é claro, mas isso não resolve o problema da mobilidade de nossas cidades, que já não suportam tantos automóveis. Eles ocupam 90% das vias e transportam de 10% a 15% da população, enquanto ônibus, metrôs e trens andam superlotados. Além disso, as passagens custam muito caro. Se houvesse transporte de massa digno, ninguém precisaria de automóvel para se deslocar de casa para a escola ou o trabalho. Mesmo os que têm veículos próprios.
Segurança pública — Cadê o Amarildo? Cadê o Antônio? Ambos sumiram, no Rio de Janeiro e em Brasília, respectivamente, em razão da violência policial. Segurança e respeito aos direitos humanos precisam andar juntas, inclusive nas prisões, verdadeiras masmorras medievais. O autoritarismo secular de nossa estrutura de poder está entranhado nas nossas polícias, que precisam mudar de paradigma, principalmente a militar, cujos métodos de atuação obedecem aos conceitos de guerra e não os da paz.
Proteção à infância — A parcela mais pobre da população brasileira, principalmente nas cidades, precisa de um programa de segurança familiar com foco nas crianças e adolescentes. De cada dez crianças em situação de risco, todas têm famílias desestruturadas, cujos integrantes, em sua maioria, são atendidos por diversos programas sociais — municipais, estaduais e federais —, inclusive o Bolsa Família, mas ninguém é responsável pelo conjunto da obra. As crianças vivem nas ruas, comem num lugar, pegam roupas em outro, dormem em abrigos ou debaixo de marquises, acabam zumbis do crack. Deveriam ser identificadas, cadastradas, frequentar escolas em horário integral e ter as respectivas famílias monitoradas.
Ética na política — Nem é preciso tecer muitos comentários sobre esse assunto. O brasileiro não confia nos partidos, nos políticos e no Congresso e tem bons motivos para isso. É preciso renovar os nossos costumes e as instituições políticas, para que o bem comum predomine em relação ao fisiologismo e ao patrimonialismo.
P.S.: a propósito, faço um pedido muito especial: um presente bacana e singelo para Maria Antônia, a filha caçula do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Ela tem apenas 3 anos e sente muita falta do pai.
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