Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo |
Correio Braziliense - 02/12/2013Os partidos e seus líderes não são capazes de traduzir da forma correta os anseios por mudanças que as pesquisas apontam. Tanto o governo como a oposição ensaiam seus discursos para isso, mas não empolgam |
O Brasil tem tudo para dar muito certo, sabe-se disso. Os potenciais do nosso país, desde a carta de Pero Vaz Caminha, são cantados em prosa e verso. Não faltam obras de intelectuais brasileiros e até estrangeiros que apontam para o nosso futuro promissor, como nos clássicos de Affonso Celso, "Porque me ufano do meu país", escrito em 1900, e de Stefan Zweig, "Brasil, um país do futuro", de 1941, escrito em alemão e traduzido para o português. Sucessos absolutos à época em que foram lançadas, as duas obras alimentaram o ufanismo e o patriotismo de gerações e até hoje são estudadas.
O conde Affonso Celso escreveu para os filhos, após a queda da monarquia. É uma profissão de fé, na qual afirma: "No Brasil, com trabalho e honestidade, conquistam-se quaisquer posições. Encontra-se a mais larga acessibilidade a tudo, no meio de condições sociais únicas, sem distinção e divergência de classes, em perfeita comunicação e homogeneidade da população. A esperança constante de uma situação melhor anima a todos, e é esse o eficaz incentivo da indústria humana."
Austríaco-alemão, que fugiu do nazismo e se matou 15 meses após se encantar com o Brasil, Zweig escreveu em pleno Estado Novo. Por isso, acabou injustamente acusado de fazê-lo sob encomenda para Getúlio Vargas: "Alguém que acabou de fugir da absurda exaltação da Europa, saúda aqui a ausência completa de qualquer odiosidade na vida pública e particular, primeiramente como coisa inverossímil e depois como imenso benefício. A terrível tensão que há um decênio repuxa os nossos nervos, aqui desaparece, quase completamente; todos os antagonismos, mesmo os sociais, aqui, são muitíssimo menos acentuados e não têm uma seta envenenada. Aqui a política, com todas as perfídias, ainda não é o ponto cardeal da vida privada, não é o centro de todo o pens ar e sentir."
As duas obras apresentam incrível atualidade. Primeiro, refletem o discurso recorrente dos governantes brasileiros, mesmo naqueles momentos em que o país enfrenta dificuldades, diante das quais seus críticos são acusados de derrotistas e traidores da pátria. Foi assim, por exemplo, durante o regime militar, com a famosa campanha do "Ame-o ou deixe-o". Ainda é assim, nos dias de hoje, toda vez que o governo se vê criticado pela oposição por uma razão ou outra.
Temos boas razões para acreditar num futuro melhor. Bem ou mal, o Estado brasileiro hoje tem bases mais democráticas: os governos são eleitos pelo voto secreto, direto e universal; os legislativos funcionam com ampla liberdade; os partidos são livres; o Judiciário tem plena autonomia e independência para julgar. A economia brasileira é uma das cinco maiores do mundo. A nossa sociedade civil se destaca pela complexidade e diversidade. Mas a política, amarrada no fisiologismo e no patrimonialismo, na hora em que essas três esferas esperas públicas se relacionam, não diz a que veio. Prisioneira das elites, trava o desenvolvimento do país. A atividade produtiva não tem a escala necessária para superar nossas desigualdades sociais, que são sempre mascaradas.
Isso gera um mal-estar na sociedade brasileira difuso, que ainda não foi devidamente esclarecido. As manifestações de junho passado foram um reflexo disso. Os partidos e seus líderes não são capazes de traduzir da forma correta os anseios por mudanças que as pesquisas apontam. Tanto o governo como a oposição ensaiam seus discursos para isso, mas não empolgam a opinião pública. Enquanto isso, velhos preconceitos e iniquidades continuam vivíssimos. E nos assombram de repente, das formas mais inesperadas, ora num quebra-quebra de trens, hora num arrastão de crianças e adolescentes na praia. Ou como aqueles jovens pobres, negros e pardos que na tarde de sábado correram para dentro de um shopping de Vitória (ES), que é a quarta cidade do país em qualidade de vida, com medo da polícia. Assustaram lojistas e consumidores e aí mesmo é que foram presos, e obrigados a sentarem no chão e tirarem as camisas, de forma humilhante. Nada mais faziam do que se divertir num baile funk quando a polícia chegou para acabar com a festa.
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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
Apesar do nosso ufanismo
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