segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A outra margem

Por Luiz Carlos Azedo
Com Leonardo Santos

A presidente Dilma Rousseff, ao ser empossada no posto máximo da República, disse em seu discurso que assumia o cargo como quem chegou à outra margem do rio. A travessia ocorreu sob comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi responsável “pelas mais importantes transformações da vida do país”. Dilma disse isso diante de um presidente Lula em prantos e que, logo depois, ao descer a rampa do Planalto, roubou a cena ao se lançar aos braços do povo.


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A posse de Dilma teve dois momentos simbólicos: a posse propriamente dita e a transmissão do cargo. O primeiro, no Congresso, representou o exercício do poder e a capacidade de governança — que nem sempre são a mesma coisa — por meio e com apoio das instituições republicanas; o segundo momento, no Palácio do Planalto, simbolizou aquele no qual o carisma pessoal e o apoio popular são determinantes para impulsionar as ações de governo, muitas vezes com os partidos e as organizações da sociedade civil à reboque.

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Dilma atribui sua ascensão meteórica à Presidência da República à vontade do povo e ao sucesso de Lula. “Um presidente que mudou a forma de governar e ensinou o brasileiro a confiar no país. Sob a sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da nossa história.” Não deixou dúvidas de que fará um governo de continuidade, sem rupturas: “Minha missão agora é consolidar essa passagem”. O que será mais decisivo para que possa realizar um bom governo nessa outra margem do rio: o apoio das instituições sob sua liderança ou seu prestígio popular, que nem de longe se equipara ao do ex-presidente Lula?

Emoções

Duas vezes Dilma se emocionou ao tomar posse, uma no discurso que fez na Câmara e outra ao encerrar o discurso de posse. Chegou a embargar a voz e teve que interromper sua fala ao lembrar seus companheiros mortos durante o regime militar. Também foi grande a emoção silenciosa da presidente da República quando recebeu as honras militares, logo após descer a rampa do Congresso e receber a salva de 21 tiros de canhão. Foi a volta por cima da ex-guerrilheira, que passou três anos presa e foi barbaramente torturada. Dilma disse, em seu discurso, que não se arrepende de nada do que fez nem guarda ressentimentos sobre os anos de chumbo.

Sinais

O efusivo abraço da secretária de Estado dos Estados Unidos, Hilary Clinton, nos cumprimentos das autoridades estrangeiras à presidente Dilma Rousseff foi um sinal evidente das esperanças de que as relações do Brasil com o governo Barack Obama vivam dias melhores. Quem sucedeu a representante norte-americana nos cumprimentos foi ninguém menos do que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, maior desafeto dos Estados Unidos na América do Sul.

Bunker

Lula pretende descansar durante 20 dias e voltar ao trabalho como nos velhos tempos. Quer reestruturar o Instituto da Cidadania, no bairro do Ipiranga, na capital paulista. É lá o seu velho bunker político, de onde partiu para as quatro caravanas da cidadania que realizou pelo país . Quem está com a tarefa de tirar a poeira dos móveis é Paulo Okamotto, velho companheiro de diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e ex-presidente do Sebrae.

Rachados

Os grandes partidos de oposição começam o ano enfrentando rachas internos. Do lado da oposição, o DEM é o que tem as feridas mais expostas. Uma ala coordenada pelo ex-senador Jorge Bornhausen (DEM-SC) está em pé de guerra com o atual presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). No PSDB, a disputa é entre as correntes ligadas ao ex-governador paulista José Serra e ao senador mineiro Aécio Neves (PSDB-MG).

Hora extra

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou até as l6h de 31 de dezembro em seu gabinete. Ao encerrar o expediente, foi ao gabinete de Gilberto Carvalho (foto), que será o novo secretário-geral da Presidência da República, e pediu para abrir uma garrafa de uísque. Comemoram os minutos finais de seu governo, depois de quatro horas de jornada extra. A agenda oficial fechava ao meio-dia. Os dois choraram.

Tarefa/O ministro Paulo Bernardo deixa a pasta do Planejamento e vai para as Comunicações com uma missão delicada. Acabar com uma crise na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), que nos últimos anos foi sucateada e virou alvo de operação da Polícia Federal. Bernardo quer profissionalizar a empresa. Seu maior problema é um litígio judicial com 1.500 agências franqueadas.

Passivo/ O ministro do Turismo, Pedro Novaes, que teve contas de um motel ressarcidas nas verbas de gabinete da Câmara, assume o cargo com a imagem negativa. Precisa de um grande desempenho à frente da pasta para sobreviver aos quatro anos de mandato.

Dificuldades/O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) anda monitorando o nível de insatisfação dos colegas na Câmara para decidir se vai se lançar como alternativa a Marco Maia (PT-RS) na disputa pela Presidência da Casa. Ontem, estava em campanha aberta na posse de Dilma na Presidência.

Coluna Brasília/DF publicada no Correio Braziliense de 2 de janeiro de 2011 (domingo)

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