Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/07/2015
Folha por folha, os investigadores da Operação Lava Jato estão cada vez mais perto do coração do esquema de propinas que tomou de assalto a Petrobras
Originária da Europa e do norte da África, cultivada no Mediterrâneo desde a Antiguidade, sobretudo na Sicília, a alcachofra ocupa lugar nobre na gastronomia das elites. Na mitologia, nasceu de uma mulher orgulhosa, Cynara, uma bela jovem de cabelos louro-acinzentados que rejeitou o amor de Zeus. O deus grego a transformou em uma planta selvagem e espinhosa. Vem daí seu nome científico: Cynara scolymus ou a planta que espeta, cor de cinza.
A alcachofra voltou à mesa dos poderosos no Renascimento, proveniente da Etiópia, pelas mãos de jardineiros italianos. Catarina de Médici introduziu-a na França, quando se casou com Henrique II. Desde então, faz parte da alta gastronomia francesa. É recomendada como desinfetante para as vias urinárias. Nas folhas e em sua haste, uma substância amarga, a ciarina, estimula secreções do fígado e da vesícula. Também é diurética. Seu tanino tem propriedades antidiarreicas. Cada 100g contém cerca de 60 calorias, cálcio, ferro e fósforo, vitaminas do complexo B, potássio, iodo, sódio, magnésio e ferro.
Comer alcachoras é uma arte. Formada por quatro partes, o fundo fibroso e parte superior das folhas não são comestíveis. O fundo comestível ou “coração” é a parte mais saborosa. A base das folhas é uma delícia para ser consumida só com azeite e limão.
A alcachofra pode ser cozida em panela comum, por cerca de 40 minutos. Em panela de pressão, leva a metade do tempo. Para saber se está cozida, em qualquer um dos casos, puxe uma das folhas, que deverá sair com facilidade. A ponta das folhas não é comestível; as “sedas” também não. Come-se o “coração”, ou fundo, que é a parte mais suculenta; a base das folhas, carnuda, também comestível. O talo, depois de limpo (sem as fibras), pode ser usado em sopas e saladas.
Crua, é só puxar a folha, passar numa poção de tempero (limão, azeite e, se quiser, pimenta-do-reino) e, com os dentes, arrancar a polpa da parte que estava colada na base da alcachofra. O mesmo procedimento é adotado para degustar a alcachofra cozida. Nesse caso, convém utilizar garfo e faca.
Perto do coração
A receita de alcachofra veio a calhar neste domingo, por incrível que pareça, por causa da Operação Lava-Jato. A Polícia Federal, os procuradores da República e o juiz federal Sérgio Moro, que investigam o escândalo, trabalham no caso como quem degusta uma alcachofra. A cada fase da operação, chegam mais perto do coração do esquema de corrupção que tomou de assalto a Petrobras, com possíveis ramificações em outras estatais e órgãos federais.
Além da condenação dos três principais executivos da Camargo Corrêa pelo juiz federal Sérgio Moro a penas que variam de 7 a 15 anos, o MPF denunciou os principais executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez, entre eles seus presidentes, Marcelo Odebrecht, Otávio Marques de Azevedo, respectivamente. Há farta documentação contra eles, principalmente o primeiro.
Na sexta-feira, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância, decretou nova prisão preventiva para o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e mais quatro executivos. Os cinco investigados, que estão presos desde junho, haviam entrado com pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O pedido é resultado das buscas e apreensões realizadas quando os cinco investigados foram presos. “Ocorre que, no curso das investigações, surgiram elementos supervenientes que reforçam a relação entre a Odebrecht e o pagamento de propinas no exterior”, explica o juiz. Segundo Moro, as Cortes nas quais os presos apresentam recursos devem tomar conhecimento das descobertas feitas pela polícia e pelo MPF.
Resguardadas as diferenças de propósito, o celular de Marcelo Odebrecht e os pendrives apreendidos na residência dele parecem as anotações do líder comunista Luiz Carlos Prestes, encontradas após o levante comunista de 1935 no seu aparelho em Ipanema. Ele anotava tudo o que conversava com os companheiros de partido e da Aliança Nacional Libertadora (ANL).
Os documentos estavam num cofre que deveria ter sido explodido quando fosse apertado pela polícia de Filinto Müller, durante a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945), mas o agente alemão da Internacional Comunista (Cominter) que preparou o dispositivo, Johnny de Graaf (que usava o codinome Franz Paul Gruber), era, na verdade, um espião a serviço do Reino Unido. Ele entregou todos.
No caso de Marcelo Odebrecht, não havia um agente duplo, apesar das delações premiadas do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e do ex-gerente da estatal Pedro Barusco. O presidente da empreiteira, como outros executivos presos, alguns dos quais já condenados, não acreditava que pudesse ser preso. Duvidava ainda que a sua casa fosse ser vasculhada pela polícia, fato inédito em se tratando de um empresário do seu tamanho. Por isso, ele também anotava tudo.
Além de produzir provas contra si, Marcelo Odebrecht forneceu pistas que podem não só incriminar os demais envolvidos no caso, como gerar novas investigações, sobre gente que estava acima do bem e do mal até agora. Por exemplo, a polícia quer saber quem é o misterioso “italiano” citado por ele como capaz de desembaraçar negócios da empresa com a Petrobras, como consta de suas anotações. Seria o mesmo GM citado como destinatário de R$ 27 milhões? Ou seja, a PF, o MPF e Sérgio Moro, folha por folha, estão cada vez mais perto do coração do esquema de propinas.
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