Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/01/2015
O recurso ao patriotismo, em situações de paz, é um
velho expediente de governos enfraquecidos, que buscam mais apoio
popular ao associar a oposição aos inimigos externos
Dos gestos da presidente Dilma Rousseff
durante a posse — o que nunca foi o seu forte —, o mais significativo
foi espontâneo, instintivo, do qual se arrependeu imediatamente. Ao
receber os primeiros aplausos das autoridades brasileiras, dos líderes
estrangeiros e dos poucos convidados com acesso ao plenário do
Congresso, a petista ergueu a mão com o punho fechado, que logo abriu ao
tomar consciência da inconveniência dessa atitude num ambiente tão
protocolar. Mas que tinha todo o sentido, se considerarmos o apelo ao
patriotismo do seu discurso de posse.
Dilma prometeu
democratizar o poder, lutar pela reforma política e governar com o povo e
para o povo. Propôs um pacto nacional contra a corrupção. No momento,
essa é a sua maior dor de cabeça, face ao envolvimento de políticos da
base do governo e do seu próprio partido com o escândalo da Petrobras e
as dificuldades financeiras e operacionais que a maior estatal do país
enfrenta.
Disse mais uma vez que seu governo foi o que mais
apoiou o “combate aos malfeitos”, com leis mais severas e autonomia à
Polícia Federal. Anunciou que enviará ao Congresso um novo pacote de
medidas anticorrupção, entre elas a modificação da legislação eleitoral
para tornar crime a prática de caixa dois e outra mudança em lei para
agilizar o julgamento de processos envolvendo desvios de recursos
públicos.
Retórica patriótica
Foi aí que
ganhou força o apelo ao nacionalismo. “Temos muitos motivos para
preservar e defender a Petrobras de predadores internos e de seus
inimigos externos. Vamos apurar tudo de errado que foi feito e
fortalecê-la cada vez mais. Devemos saber apurar sem enfraquecer a
Petrobras”, afirmou. A presidente da República invocou uma “alma
coletiva”, que chamou de “projeto de nação”, o qual seria detentor do
mais profundo e duradouro apoio popular de nossa história democrática.
Como
é de praxe no discurso petista, voltou a caracterizar a ascensão da
legenda ao poder como uma espécie de refundação da República, ao qual
deu ares de nova independência do Brasil, “a partir do extraordinário
trabalho iniciado pelo governo do presidente Lula, continuado por nós”.
Não fez nenhuma autocrítica em relação aos erros do primeiro mandato,
nenhuma referência aos desacertos do governo, como se tivesse vencido as
eleições de lavada, o que não foi o caso. Ignorou a existência da
oposição, que não compareceu à posse, e repetiu o oba oba da campanha
eleitoral:
“Temos hoje a primeira geração de brasileiros que não
vivenciou a tragédia da fome. Resgatamos 36 milhões da extrema pobreza e
22 milhões apenas em meu primeiro governo. Nunca tantos brasileiros
ascenderam às classes médias. Nunca tantos brasileiros conquistaram
tantos empregos com carteira assinada. Nunca o salário mínimo e os
demais salários se valorizaram por tanto tempo e com tanto vigor. Nunca
tantos brasileiros se tornaram donos de suas próprias casas.”
Dilma
tentou caracterizar como projeto de nação o que na verdade é um projeto
de poder do PT, que para viabilizá-lo usou de todos os meios possíveis ,
os imagináveis e alguns inimagináveis. “Este projeto pertence ao povo
brasileiro e, mais do que nunca, é para o povo brasileiro e com o povo
brasileiro que vamos governar.”
O apelo aos excluídos — “uma
população que tinha tão pouco, tornou-se pouco para uma população que
conheceu, enfim, governos que respeitam e que a respeitam, e que
realmente se esforçam para protegê-la” — foi associado ao discurso
mudancista. “O povo brasileiro quer mudanças, quer avançar e quer mais. É
isso que também eu quero. É isso que vou fazer, com destemor mas com
humildade, contando com o apoio desta Casa e com a força do povo
brasileiro.”
O recurso ao patriotismo, em situações de paz, é um
velho expediente de governos enfraquecidos, que buscam mais apoio
popular ao associar a oposição aos inimigos externos. A ditadura
militar, ironicamente, é um exemplo de que isso não dá certo a longo
prazo, ainda que momentaneamente tenha eficácia. Na verdade, essa é a
vacina que o marqueteiro de Dilma Rousseff, João Santana, encontrou para
a borrasca que se aproxima do governo.
A Operação Lava-Jato
deverá ser retomada em fevereiro, com o fim do recesso do Judiciário,
quando serão anunciados os nomes dos políticos e autoridades do governo
envolvidos com o esquema de corrupção da Petrobras. O mais absurdo dessa
estratégia é a subordinação da política de educação à doutrinação
ideológica, que parece ser a prioridade do governo quando Dilma lança
como lema do segundo mandato o slogan: “Brasil, pátria educadora”. Com
outras palavras, foi o que os militares fizeram nos tempos da campanha
do “Ame-o ou deixe-o” do governo do general Emílio Médici, o mesmo que
prendeu e torturou a atual presidente da República, com a Educação Moral
e Cívica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário