Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense e Estado de Minas - 31/03/2014
Quem mandou os militares de volta para a caserna foi o voto popular nas
eleições de 1974, 1978, 1982 e 1986, além da campanha das Diretas Já
“A
verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na
história.” A frase, do ex-ministro do Exército Leonidas Pires Gonçalves,
aos 94 anos, em entrevista à Folha de S. Paulo, merece profunda
reflexão. Fiador da transição à democracia — tanto da eleição de
Tancredo Neves no colégio eleitoral, como da posse do ex-presidente José
Sarney —, o general liderou a retirada em ordem dos militares do poder e
sua volta aos quartéis, onde permanecem, conforme determina a
Constituição de 1988. Houve um grande acordo entre os militares e os
políticos para que a democratização do país se desse sem mais
derramamento de sangue.
Uma parte da esquerda participou da
negociação, que resultou na Lei da Anistia e na derrota do ex-governador
paulista Paulo Maluf no colégio eleitoral, mas um setor mais radical da
oposição, encabeçado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
nunca aceitou o pacto, assim como os militares da chamada linha-dura.
Hoje, por ironia, a presidente Dilma Rousseff é uma ex-militante da luta
armada. A sociedade promove um ajuste de contas político e moral contra
os militares torturadores e assassinos. Quer passar a limpo os porões
do regime militar. A velha guarda militar reage, pois se considera
salvadora da pátria, hipoteticamente ameaçada pelo comunismo durante o
governo deposto de João Goulart.
O positivismo
Exatamente
porque nunca foram intrusos na história — pelo contrário, durante o
império, o Exército é que garantiu a integridade territorial do país –,
os militares foram protagonistas de todas as rupturas institucionais e
tentativas de golpe de Estado ocorridas no Brasil. Influenciados pelo
positivismo de Auguste Comte (1798-1857), destronaram dom Pedro II, em
1889, e proclamaram a república. Os políticos abolicionistas e
republicanos foram meros coadjuvantes; o povo assistiu bestializado à
queda da monarquia constitucional. O positivismo fez escola também entre
os políticos gaúchos, a partir de Júlio de Castilhos, e influenciou
fortemente a esquerda, sobretudo depois que uma ala do movimento
tenentista, liderada pelo capitão Luiz Carlos Prestes, assumiu o comando
do Partido Comunista.
A Revolução de 1930, que levou Getúlio ao
poder e liquidou a República Velha; a Intentona de 1935, em que os
comunistas tentaram tomar o poder; e o golpe do Estado Novo, em 1937, no
qual Getúlio tentou implantar um regime fascista, foram momentos
importantes da nossa história nos quais o povo novamente ficou à margem.
A destituição de Getúlio, em 1945, quando houve a democratização; a
posse de Juscelino Kubitschek, em 1956; a crise da renúncia de Jânio
Quadros e a posse de João Goulart, em 1962, foram momentos em que houve
intensa agitação militar.
Tão forte é a presença do positivismo
na política brasileira que sua fórmula está perpetuada na nossa
bandeira: ordem e progresso. “O amor por princípio, a ordem por base, o
progresso por fim”, ou seja, cada coisa em seu devido lugar para a
perfeita orientação ética da vida social. Durante o regime militar, o
lema ganhou uma interpretação específica: desenvolvimento e segurança,
que se traduziu em projetos faraônicos, como a Transamazônica, e na
violenta repressão à oposição, com torturas e assassinatos.
A guerra fria
O
peso atribuído à Guerra Fria na deflagração do golpe de 1964 é
exagerado e legitima o radicalismo de direita e de esquerda que ocorreu à
época. “O Castelo Branco era um patriota. Deu o golpe na nossa frente”,
disse-me, certa vez, o então secretário-geral do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) Salomão Malina. Herói da tomada de Montese, na Itália,
durante a 2ª Guerra Mundial, Malina fazia parte do grupo de ex-militares
que comandava o antigo Partidão, ao lado de Prestes, Giodondo Dias,
Dinarco Reis e outros ex-oficiais e ex-soldados. No livro A ditadura
envergonhada, Elio Gaspari narra um encontro de Prestes com o líder
soviético Nikita Kruschev, em Moscou, no qual defendeu a reeleição de
Jango e afirmou que o “dispositivo militar” do general Argemiro Assis
Brasil, ministro da Guerra de João Goulart, seria capaz de “cortar a
cabeça” da reação.
A ideia de que o embate entre João Goulart e
os governadores da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais,
Magalhães Pinto, seria decidida por tal dispositivo militar era um
equívoco. Não levou em conta que a agitação e a quebra de hierarquia nas
Forças Armadas acabaria facilitando a vida de velhos conspiradores das
casernas, como os generais Costa e Silva, Ernesto e Orlando Geisel,
Golbery do Couto e Silva e Mourão Filho, esses, sim,
eméritos golpistas. Os generais Humberto Castelo Branco, chefe do
estado-maior, e Amauri Kruel, comandante de São Paulo, aderiram ao golpe
por causa disso, bem como políticos liberais, como Juscelino, que era o
candidato favorito às eleições de 1965, com 37% nas pesquisas.
Não
é exagero afirmar que houve um brutal erro de avaliação da correlação
de forças e de condução política por parte de João Goulart, Leonel
Brizola e Prestes, embora nada justifique o que houve depois disso: a
ditadura fascista. A tese de que o golpe militar poderia ser derrotado
pelas armas justificou outro equívoco: o voluntarismo foquista de Carlos
Marighela e outros líderes, que optaram pela luta armada contra o
regime e foram dizimados. Não tinha a menor chance de dar certo. Quem
mandou os militares de volta para a caserna foi o voto popular nas
eleições de 1974, 1978 e 1982, além da campanha das Diretas Já,
liderada por Ulyssses Guimarães, em 1983/84, e a eleição de Tancredo Neves para a
Presidência no colégio eleitoral, em 1985.
segunda-feira, 31 de março de 2014
O triunfo do golpe sobre a legalidade
sexta-feira, 28 de março de 2014
“Era possível evitar o golpe de 64"
Entrevista //
Marco Antônio Tavares Coelho
Por Luiz Carlos Azedo
O advogado e jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, nascido em Belo Horizonte, em 1926, é o único remanescente da cúpula do PCB em 1964, quando houve o golpe militar que destituiu João Goulart. Era deputado federal pelo estado da Guanabara. Teve o mandato cassado, logo após o golpe; foi preso e barbaramente torturado pelos militares em 1975. Nesta entrevista ao Correio, conta que o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, defendia a reeleição do presidente João Goulart e rejeitava a volta ao poder do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que considera um erro. Revela também que tentou organizar uma resistência armada ao golpe, mas as metralhadoras e os fuzis prometidos por Darcy Ribeiro, chefe de gabinete de Jango, nunca chegaram. “A saída foi cair na clandestinidade e reorganizar o partido, que, naquele momento, ficou desorientado.” (Correio Braziliense, sexta-feira, 28 de março de 2014)
O golpe de 1964 era inevitável?
Não concordo, o golpe poderia ter sido evitado. Mas, para isso, as forças progressistas deveriam ter outro comportamento. Algumas coisas facilitaram o golpe, embora nada o justifique ou o legitime.
Quais foram as causas do golpe?
Foram várias. Em primeiro lugar, é necessário que se leve em conta que a reação, desde a jogada em que quiseram impedir a posse do presidente João Goulart, em 1962, vinha sendo derrotada. Os ministros militares que lançaram o protesto contra a posse do Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, foram obrigados a recuar. Eles nunca se conformaram e se articularam para dar o golpe.
Havia uma situação de radicalização política e crise econômica na época. Por que eles destituíram o presidente Jango?
Naquele momento, havia uma grande campanha das forças progressistas pelas reformas de base, substanciais para enfrentar a crise econômica, mas elas eram consideradas subversivas. Não eram. Por exemplo, a questão da reforma agrária. O San Tiago Dantas e eu preparávamos um projeto de reforma agrária que não violasse as normas constitucionais, mas havia setores que queriam uma reforma mais radical. O Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, lançou um movimento cujo slogan era “Reforma agrária na lei ou na marra”. Era uma dualidade que nós, do PCB, não queríamos aceitar. Houve outros erros das forças progressistas, que precipitaram os acontecimentos.
A sucessão de Jango em 1965, por exemplo?
Realmente, estava em curso a discussão sobre a sucessão presidencial. Em 3 de janeiro de 1964, o Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, deu uma declaração de que o candidato deveria ser o próprio presidente Jango, que não poderia ser candidato. Por cima de todo mundo, lançou essa proposta num programa de televisão, mas isso não era constitucional. Dentro do próprio partido, havia camaradas que não concordavam com a candidatura de Juscelino Kubitschek, que o PSD estava articulando. Se nós tivéssemos recuado e apoiado a candidatura do Juscelino, o golpe seria evitado.
O PCB estava preparando um golpe?
Havia elementos no partido que pensavam dessa forma. O grosso do partido, porém, estava lutando pela legalidade, esse era o nosso problema fundamental. Declarações como essa, de que não seria possível a candidatura de Juscelino, porque seria um retrocesso político, estimularam os golpistas. Por causa disso, o PSD passou a fazer oposição ao governo Jango.
O que aconteceu em 31 de março?
Fui acordado com uma informação de Belo Horizonte, de que a 4ª Região Militar havia se levantado. Em vez de ir para a Câmara, fui para o centro de comunicações do Exército. Lá, recebi informações de que muitos elementos estavam aceitando o golpe, inclusive no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. De lá, segui para uma reunião do secretariado do Comitê Central, na Rua Álvaro Alvim (na Cinelândia, Rio de Janeiro), da qual participaram Prestes, Giocondo Dias e Dinarco Reis, todos ex-militares. Nessa época, Carlos Marighella já não fazia parte do secretariado e fazia agitação lateral.
O que foi discutido?
Na reunião, informei que havia me encontrado com o tenente-coronel Joaquim Inácio Baptista Cardoso, que era comandante da Divisão Blindada do Rio de Janeiro. Ele me contou que acabara de ser solto. Nós sabíamos que quem poderia resolver as coisas era essa divisão. Ele havia sido preso pelos golpistas e destituído do comando de sua tropa, a situação já era irreversível. Prestes propôs que eu fosse me encontrar com o Jango, o que só aconteceu no dia seguinte, em Brasília, com a recomendação de que seria indispensável a demissão do general Amaury Kruel do comando do II Exército. O Jango falou: “Bobagem, ele é muito amigo, acabei de nomear o filho dele represente do Loyd Brasileiro em Nova Orleans, nos EUA”. Fiquei calado, mas nunca mais me esqueci disso. Kruel aderiu ao golpe.
Por que não houve resistência?
Depois de comunicar à direção a resposta de Jango, dirigi-me ao Hotel Nacional para uma reunião com dirigentes e sindicalistas do partido aqui de Brasília, cujo objetivo era preparar a resistência armada ao golpe. O Darcy Ribeiro, que era o chefe de gabinete de Jango e um velho amigo, havia se comprometido a me entregar fuzis e metralhadoras e até me passou uma lista de políticos da UDN e ministros do Tribunal de Justiça que deveriam ser presos. Walter Ribeiro, um dos nossos camaradas do Comitê Central assassinado pela ditadura, era ex-tenente do Exército e orientava os preparativos. Mas não houve distribuição de armas. O grosso do Exército em Brasília já apoiava o golpe de Estado.
Depois que o Jango resolveu ir para o Rio Grande do Sul, em 1º de abril, o senhor foi para onde?
Nós esperávamos que ele resistisse no Rio Grande do Sul. Pretendíamos ir para Trombas e Formoso, em Goiás, onde havia uma guerrilha de camponeses. Mas, como não tínhamos armas, achamos melhor cair na clandestinidade. Alguns colegas da Câmara resolveram pedir asilo nas embaixadas. Alguns foram presos, como Julião. Meu apartamento já havia sido invadido. Mas eu tinha experiência de luta clandestina, decidi ir para São Paulo, por Belo Horizonte e Paracatu, com ajuda da família. Lá, me encontrei com Giocondo Dias e começamos o trabalho de reorganização do partido. Essa clandestinidade durou até 14 de janeiro de 1975, quando fui sequestrado e preso pelo Exército, no Rio de Janeiro.
O senhor foi muito torturado?
Só não fui assassinado como outros companheiros que viviam isolados na clandestinidade porque tinha um compromisso familiar. Pretendia jantar com minha mulher e meu filho, na casa de Helena Besserman, em 16 de janeiro, aniversário do Marquinhos (o jornalista Marco Antônio Tavares Coelho Filho). Teresa sabia que eu só não apareceria se estivesse preso e, por isso, quando não apareci, houve uma mobilização de parentes e amigos para denunciar o meu sequestro e me localizar. Informado, o senador Pedro Simon (MDB-RS) denunciou minha prisão no Senado. Eu era um ex-deputado como Rubem Paiva, que já havia sido assassinado. Quando fui transferido para a Rua Tutóia, em São Paulo, o cardeal Evaristo Arns soube do meu caso e foi lá me visitar. Não puderam me matar.
Marco Antônio Tavares Coelho
Por Luiz Carlos Azedo
O advogado e jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, nascido em Belo Horizonte, em 1926, é o único remanescente da cúpula do PCB em 1964, quando houve o golpe militar que destituiu João Goulart. Era deputado federal pelo estado da Guanabara. Teve o mandato cassado, logo após o golpe; foi preso e barbaramente torturado pelos militares em 1975. Nesta entrevista ao Correio, conta que o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, defendia a reeleição do presidente João Goulart e rejeitava a volta ao poder do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que considera um erro. Revela também que tentou organizar uma resistência armada ao golpe, mas as metralhadoras e os fuzis prometidos por Darcy Ribeiro, chefe de gabinete de Jango, nunca chegaram. “A saída foi cair na clandestinidade e reorganizar o partido, que, naquele momento, ficou desorientado.” (Correio Braziliense, sexta-feira, 28 de março de 2014)
O golpe de 1964 era inevitável?
Não concordo, o golpe poderia ter sido evitado. Mas, para isso, as forças progressistas deveriam ter outro comportamento. Algumas coisas facilitaram o golpe, embora nada o justifique ou o legitime.
Quais foram as causas do golpe?
Foram várias. Em primeiro lugar, é necessário que se leve em conta que a reação, desde a jogada em que quiseram impedir a posse do presidente João Goulart, em 1962, vinha sendo derrotada. Os ministros militares que lançaram o protesto contra a posse do Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, foram obrigados a recuar. Eles nunca se conformaram e se articularam para dar o golpe.
Havia uma situação de radicalização política e crise econômica na época. Por que eles destituíram o presidente Jango?
Naquele momento, havia uma grande campanha das forças progressistas pelas reformas de base, substanciais para enfrentar a crise econômica, mas elas eram consideradas subversivas. Não eram. Por exemplo, a questão da reforma agrária. O San Tiago Dantas e eu preparávamos um projeto de reforma agrária que não violasse as normas constitucionais, mas havia setores que queriam uma reforma mais radical. O Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, lançou um movimento cujo slogan era “Reforma agrária na lei ou na marra”. Era uma dualidade que nós, do PCB, não queríamos aceitar. Houve outros erros das forças progressistas, que precipitaram os acontecimentos.
A sucessão de Jango em 1965, por exemplo?
Realmente, estava em curso a discussão sobre a sucessão presidencial. Em 3 de janeiro de 1964, o Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, deu uma declaração de que o candidato deveria ser o próprio presidente Jango, que não poderia ser candidato. Por cima de todo mundo, lançou essa proposta num programa de televisão, mas isso não era constitucional. Dentro do próprio partido, havia camaradas que não concordavam com a candidatura de Juscelino Kubitschek, que o PSD estava articulando. Se nós tivéssemos recuado e apoiado a candidatura do Juscelino, o golpe seria evitado.
O PCB estava preparando um golpe?
Havia elementos no partido que pensavam dessa forma. O grosso do partido, porém, estava lutando pela legalidade, esse era o nosso problema fundamental. Declarações como essa, de que não seria possível a candidatura de Juscelino, porque seria um retrocesso político, estimularam os golpistas. Por causa disso, o PSD passou a fazer oposição ao governo Jango.
O que aconteceu em 31 de março?
Fui acordado com uma informação de Belo Horizonte, de que a 4ª Região Militar havia se levantado. Em vez de ir para a Câmara, fui para o centro de comunicações do Exército. Lá, recebi informações de que muitos elementos estavam aceitando o golpe, inclusive no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. De lá, segui para uma reunião do secretariado do Comitê Central, na Rua Álvaro Alvim (na Cinelândia, Rio de Janeiro), da qual participaram Prestes, Giocondo Dias e Dinarco Reis, todos ex-militares. Nessa época, Carlos Marighella já não fazia parte do secretariado e fazia agitação lateral.
O que foi discutido?
Na reunião, informei que havia me encontrado com o tenente-coronel Joaquim Inácio Baptista Cardoso, que era comandante da Divisão Blindada do Rio de Janeiro. Ele me contou que acabara de ser solto. Nós sabíamos que quem poderia resolver as coisas era essa divisão. Ele havia sido preso pelos golpistas e destituído do comando de sua tropa, a situação já era irreversível. Prestes propôs que eu fosse me encontrar com o Jango, o que só aconteceu no dia seguinte, em Brasília, com a recomendação de que seria indispensável a demissão do general Amaury Kruel do comando do II Exército. O Jango falou: “Bobagem, ele é muito amigo, acabei de nomear o filho dele represente do Loyd Brasileiro em Nova Orleans, nos EUA”. Fiquei calado, mas nunca mais me esqueci disso. Kruel aderiu ao golpe.
Por que não houve resistência?
Depois de comunicar à direção a resposta de Jango, dirigi-me ao Hotel Nacional para uma reunião com dirigentes e sindicalistas do partido aqui de Brasília, cujo objetivo era preparar a resistência armada ao golpe. O Darcy Ribeiro, que era o chefe de gabinete de Jango e um velho amigo, havia se comprometido a me entregar fuzis e metralhadoras e até me passou uma lista de políticos da UDN e ministros do Tribunal de Justiça que deveriam ser presos. Walter Ribeiro, um dos nossos camaradas do Comitê Central assassinado pela ditadura, era ex-tenente do Exército e orientava os preparativos. Mas não houve distribuição de armas. O grosso do Exército em Brasília já apoiava o golpe de Estado.
Depois que o Jango resolveu ir para o Rio Grande do Sul, em 1º de abril, o senhor foi para onde?
Nós esperávamos que ele resistisse no Rio Grande do Sul. Pretendíamos ir para Trombas e Formoso, em Goiás, onde havia uma guerrilha de camponeses. Mas, como não tínhamos armas, achamos melhor cair na clandestinidade. Alguns colegas da Câmara resolveram pedir asilo nas embaixadas. Alguns foram presos, como Julião. Meu apartamento já havia sido invadido. Mas eu tinha experiência de luta clandestina, decidi ir para São Paulo, por Belo Horizonte e Paracatu, com ajuda da família. Lá, me encontrei com Giocondo Dias e começamos o trabalho de reorganização do partido. Essa clandestinidade durou até 14 de janeiro de 1975, quando fui sequestrado e preso pelo Exército, no Rio de Janeiro.
O senhor foi muito torturado?
Só não fui assassinado como outros companheiros que viviam isolados na clandestinidade porque tinha um compromisso familiar. Pretendia jantar com minha mulher e meu filho, na casa de Helena Besserman, em 16 de janeiro, aniversário do Marquinhos (o jornalista Marco Antônio Tavares Coelho Filho). Teresa sabia que eu só não apareceria se estivesse preso e, por isso, quando não apareci, houve uma mobilização de parentes e amigos para denunciar o meu sequestro e me localizar. Informado, o senador Pedro Simon (MDB-RS) denunciou minha prisão no Senado. Eu era um ex-deputado como Rubem Paiva, que já havia sido assassinado. Quando fui transferido para a Rua Tutóia, em São Paulo, o cardeal Evaristo Arns soube do meu caso e foi lá me visitar. Não puderam me matar.
Cerco e aniquilamento |
Após
vitória do MDB nas eleições de 1974 — elegeu 16 dos 21 novos
representantes dos estados no Senado, entre eles Itamar Franco (MG),
Orestes Quércia (SP), Iris Rezende (GO), Mauro Benevides (CE), Paulo
Brossard (RS) e José Richa (PR) —, a cúpula do PCB ficou eufórica. “O
Orlando Bonfim havia viajado para o exterior e eu escrevi o editorial da
Voz Operária que recomendava “apertar o cerco” contra a ditadura,
quando a hora era de recuar. Eles é que apertaram o cerco para nos
aniquilar”, conta Marco Antônio Tavares Coelho. No mês seguinte, ele foi
preso, numa operação na qual também “caíram” as gráficas do PCB. Uma delas, em São Paulo, foi montada pelo ex-deputado comunista, com US$ 5 mil que recebera do ex-presidente João Goulart, no Uruguai, onde foi visitá-lo três meses após o golpe, em nome do PCB, para ajudar a demover o ex-governador Leonel Brizola de tentar invadir o Rio Grande do Sul pela fronteira. “Seríamos massacrados.” Nessa gráfica, era impresso o clandestino Notícias Censuradas, com a colaboração do jornalista Milton Coelho da Graça, que recolhia as matérias que haviam sido proibidas pelos militares nas redações do Rio de Janeiro e de São Paulo. (LCA) |
Dilma e a bolsa das apostas
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 28/03/2014
Os números da pesquisa mostram Dilma como uma espécie de Sísifo,
personagem da mitologia grega conhecido por executar um trabalho
rotineiro e cansativo
Segundo a sondagem, de novembro do ano passado para março de 2014, a avaliação “ótimo/bom” do governo caiu 7 pontos percentuais (de 43% para 36%), enquanto a rejeição (“ruim/péssimo”) subiu 7 pontos (de 20% para 27%). A avaliação “regular” ficou estável nesse mesmo período, quando oscilou positivamente de 35% para 36%. Os dados são preocupantes porque fragilizam a presidente da República num momento de grande enfrentamento com a oposição, por causa da Petrobras. A empresa é um ícone do patriotismo popular e foi posta na berlinda pela própria presidente, ao tirar o corpo fora da escandalosa compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU).
Os números da pesquisa mostram Dilma como uma espécie de Sísifo, personagem da mitologia grega conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo. Após desafiar os deuses, foi condenado por Zeus a rolar uma grande pedra de mármore até o cume de uma montanha, mas toda vez que estava quase alcançando o topo, a pedra rolava montanha abaixo. Os índices da pesquisa se aproximam perigosamente do cenário de meados do ano passado: em junho de 2013, a aprovação do governo era de 31% e, agora, soma 36%; a desaprovação, que era de 31% em junho, agora soma 27%. Considerando-se a margem de erro de 2%, é muito pouco para bancar o estilo de mando e as idiossincrasias de Dilma com os aliados.
Quem puxa pra baixo
Pode ser que esses resultados tenham a ver com o endividamento da população e a alta dos juros, num cenário em que a inflação continua na órbita dos 6%, ou seja, que o resultado das pesquisas esteja longe de refletir os desgastes políticos devido à péssima relação com a base governista ou mesmo à ação da oposição. Mas há outra questão para a qual Dilma Rousseff precisa abrir os olhos: a atuação do governo puxa a imagem dela para baixo, mesmo com toda a propaganda oficial nos grandes meios de comunicação. Em uma campanha eleitoral, na qual a oposição terá acesso às redes de rádio e tevê, isso pode ser desastroso.
Os números corroboram: a expectativa positiva em relação ao governo caiu de 45% para 36% (9 pontos), enquanto a expectativa negativa cresceu de 21% para 28% (7 pontos). O percentual de regular oscilou de 30% para 31%. A maneira de Dilma governar caiu 5 pontos (de 56% para 51%). Já a desaprovação cresceu 7 pontos (de 36% para 43% ). Ao mesmo tempo, a confiança na presidente Dilma caiu de 52% para 48% (4 pontos), enquanto a desconfiança cresceu de 41% para 47% (6 pontos). É muito sangue perdido.
O calcanhar de Aquiles de Dilma Rousseff é a gestão, que deveria ser uma marca de seu governo, se considerarmos a campanha que a elegeu em 2010. O desempenho do governo é rejeitado pela população na educação (65%), na saúde (77%), na segurança pública (76%), e até mesmo no combate à fome e à pobreza (49%) e ao desemprego (57%). Meio ambiente (54%), impostos (77%), combate à inflação (71%) e taxa de juros (73%) também sangram a imagem de Dilma. A reforma ministerial seria uma oportunidade de tentar reverter esse quadro, mas acabou virando um toma lá dá cá entre o PT e os aliados, principalmente o PMDB.
Começou a especulação
O pior da pesquisa, porém, é que ela estimula as especulações no mercado financeiro, onde não faltam interessados no sobe e desce das ações na Bolsa de Valores. Quando Dilma sobe nas pesquisas, as ações caem; quando a presidente da República perde pontos, a bolsa sobe. Isso ocorre porque há muitas restrições no mercado financeiro à atual política econômica e ao intervencionismo do governo na economia.
quinta-feira, 27 de março de 2014
O jabuti na plataforma
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 26/03/2014
Dificilmente, a CPI será instalada com os votos do PMDB. A Petrobras, na prática, está reaproximando o partido ao PT e ao governo.
Vitorino Freire foi um político pernambucano que, após a Revolução de 1930, fez carreira no Maranhão, estado pelo qual foi eleito senador três vezes e onde exerceu forte influência, até a ascensão do ex-presidente José Sarney. Era um dos líderes do antigo PSD, apoiou o golpe militar de 1964 e terminou a carreira política na Arena. É dele a célebre frase sobre o jabuti em cima da árvore, segundo a qual é melhor não mexer no quelônio: se não foi enchente, foi mão de gente que o pôs no galho.
Foi exumado com ironia pelo líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), a propósito dos escândalos envolvendo operações da Petrobras, dos quais a presidente Dilma Rousseff tenta se afastar. “Jabuti, sozinho, não sobe em árvore. Quem colocou os jabutis Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró na cúpula da Petrobras tem muita força no Congresso, e de tudo fará para impedir investigações parlamentares, sobretudo a CPI sobre a negociata de Pasadena.”
O tucano mira o PT e o PMDB, que controlam os cargos da direção da empresa desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR) tenta recolher assinaturas para a instalação de uma CPI mista para investigar a Petrobras, aproveitando o racha na base do governo, mas o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que anda às turras com Dilma Rousseff, já mandou recado para o Palácio do Planalto de que não porá mais lenha no fogaréu. Ou seja, dificilmente a CPI será instalada com os votos do PMDB. A Petrobras, na prática, está reaproximando o partido ao PT e ao governo, embora o escândalo tenha provocando estranhamento entre o senador petista Delcídio do Amaral (MS) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por conta dos ex-diretores da empresa que estão enrolados.
Como as borboletas
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal preso pela Polícia Federal (PF) na semana passada, durante a Operação Lava Jato, é o jabuti que mais assusta o governo. Suspeito de participação em esquema de lavagem de dinheiro num caso aparentemente sem relação com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, grampos da investigação revelariam um propinoduto que supostamente o ligaria à empresa. Costa era um dos diretores mais importantes da Petrobras na gestão de Sérgio Gabrielli, época em que Dilma, por ser ministra da Casa Civil, presidia o conselho de administração que aprovou as operações. O caso de Cerveró, responsável pela análise técnica da compra de Pasadena, é café pequeno diante do indigesto envolvimento de Costa com um doleiro que operava o esquema.
Ontem, a presidenta da Petrobras, Graça Foster, foi convocada pelo Senado a prestar esclarecimentos sobre a aquisição da refinaria de Pasadena. Houve um acordo entre parlamentares governistas e de oposição para que o convite fosse aprovado pelas comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e de Fiscalização e Controle (CMA) e de Assuntos Econômicos (CAE). Quem conhece os rituais da Casa, sabe que isso significa água na fervura da CPI, por mais constrangedor que seja. Em se tratado do escândalo, porém, não custa nada lembrar outro político famoso, o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, para quem a política é como uma nuvem: você olha, está de um jeito; olha de novo, está de outro. Reza a lenda que um jabuti, quando cai da árvore, pode provocar uma tempestade — como as borboletas.
Meia-volta, volver
A pedido do ex-presidente Lula, Dilma deve deslocar a ministra Ideli Salvatti da Secretaria de Relações Institucionais para a Secretaria de Direitos Humanos, no lugar de Maria do Rosário (PT-RS), e convocar para a missão um dos integrantes do grupo de petistas descontentes com o Palácio do Planalto, o deputado Ricardo Berzoini (SP). É apoiado pelos deputados Marco Maia (RS), Devanir Ribeiro (SP), José Mentor (SP), Carlos Zarattini (SP), Cândido Vaccarezza (SP) e André Vargas (PR). Todos jantaram com o líder do PMDB, Eduardo Cunha, na casa do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), na semana passada, inclusive o provável novo ministro.
Correio Braziliense: 26/03/2014
Dificilmente, a CPI será instalada com os votos do PMDB. A Petrobras, na prática, está reaproximando o partido ao PT e ao governo.
Vitorino Freire foi um político pernambucano que, após a Revolução de 1930, fez carreira no Maranhão, estado pelo qual foi eleito senador três vezes e onde exerceu forte influência, até a ascensão do ex-presidente José Sarney. Era um dos líderes do antigo PSD, apoiou o golpe militar de 1964 e terminou a carreira política na Arena. É dele a célebre frase sobre o jabuti em cima da árvore, segundo a qual é melhor não mexer no quelônio: se não foi enchente, foi mão de gente que o pôs no galho.
Foi exumado com ironia pelo líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), a propósito dos escândalos envolvendo operações da Petrobras, dos quais a presidente Dilma Rousseff tenta se afastar. “Jabuti, sozinho, não sobe em árvore. Quem colocou os jabutis Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró na cúpula da Petrobras tem muita força no Congresso, e de tudo fará para impedir investigações parlamentares, sobretudo a CPI sobre a negociata de Pasadena.”
O tucano mira o PT e o PMDB, que controlam os cargos da direção da empresa desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR) tenta recolher assinaturas para a instalação de uma CPI mista para investigar a Petrobras, aproveitando o racha na base do governo, mas o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que anda às turras com Dilma Rousseff, já mandou recado para o Palácio do Planalto de que não porá mais lenha no fogaréu. Ou seja, dificilmente a CPI será instalada com os votos do PMDB. A Petrobras, na prática, está reaproximando o partido ao PT e ao governo, embora o escândalo tenha provocando estranhamento entre o senador petista Delcídio do Amaral (MS) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por conta dos ex-diretores da empresa que estão enrolados.
Como as borboletas
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal preso pela Polícia Federal (PF) na semana passada, durante a Operação Lava Jato, é o jabuti que mais assusta o governo. Suspeito de participação em esquema de lavagem de dinheiro num caso aparentemente sem relação com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, grampos da investigação revelariam um propinoduto que supostamente o ligaria à empresa. Costa era um dos diretores mais importantes da Petrobras na gestão de Sérgio Gabrielli, época em que Dilma, por ser ministra da Casa Civil, presidia o conselho de administração que aprovou as operações. O caso de Cerveró, responsável pela análise técnica da compra de Pasadena, é café pequeno diante do indigesto envolvimento de Costa com um doleiro que operava o esquema.
Ontem, a presidenta da Petrobras, Graça Foster, foi convocada pelo Senado a prestar esclarecimentos sobre a aquisição da refinaria de Pasadena. Houve um acordo entre parlamentares governistas e de oposição para que o convite fosse aprovado pelas comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e de Fiscalização e Controle (CMA) e de Assuntos Econômicos (CAE). Quem conhece os rituais da Casa, sabe que isso significa água na fervura da CPI, por mais constrangedor que seja. Em se tratado do escândalo, porém, não custa nada lembrar outro político famoso, o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, para quem a política é como uma nuvem: você olha, está de um jeito; olha de novo, está de outro. Reza a lenda que um jabuti, quando cai da árvore, pode provocar uma tempestade — como as borboletas.
Meia-volta, volver
A pedido do ex-presidente Lula, Dilma deve deslocar a ministra Ideli Salvatti da Secretaria de Relações Institucionais para a Secretaria de Direitos Humanos, no lugar de Maria do Rosário (PT-RS), e convocar para a missão um dos integrantes do grupo de petistas descontentes com o Palácio do Planalto, o deputado Ricardo Berzoini (SP). É apoiado pelos deputados Marco Maia (RS), Devanir Ribeiro (SP), José Mentor (SP), Carlos Zarattini (SP), Cândido Vaccarezza (SP) e André Vargas (PR). Todos jantaram com o líder do PMDB, Eduardo Cunha, na casa do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), na semana passada, inclusive o provável novo ministro.
segunda-feira, 24 de março de 2014
Uma bandeira caída no chão
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/03/2014
Uma "faxina" na Petrobras pode ser uma maneira de a presidente Dilma preservar a velha bandeira nacionalista, mas é um jogo de alto risco
Ícone do nacionalismo brasileiro desde 1953, quando foi criada por Getúlio Vargas, a Petrobras é uma espécie de mito intocável da política brasileira, graças à campanha “O petróleo é nosso”, iniciada em 1946, logo após a redemocratização. Esse foi o primeiro grande movimento de massas de caráter suprapartidário do país, liderado pelo general Felicíssimo Cardoso, que encabeçou uma aliança entre comunistas, trabalhistas e militares nacionalistas durante o governo Dutra.
A Petrobras se tornou uma potência econômica, mas manteve-se como bandeira de luta nacionalista, brandida com vigor até hoje, sempre que alguém ameaça os interesses da empresa. Com o escândalo da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, por US$ 1,19 bilhão, a presidente Dilma Rousseff deixou essa bandeira cair e talvez não consiga empunhá-la novamente nas eleições. O mau negócio ocorreu quando presidia o conselho de administração da empresa. Somam-se ao episódio o leilão do poço de Libra da camada pré-sal, que petroleiros e uma parte da esquerda consideram, com exagero, uma atitude lesa-pátria; e o suposto recebimento de propina por funcionários da empresa na Holanda, que está sendo investigada pelo Congresso, a Polícia Federal e a própria empresa.
Há outros investimentos duvidosos, como a construção da refinaria Abreu e Lima, em parceria com a venezuelana PDVSA, que abandonou a empreitada. Custaria US$ 2,3 bilhões e já está em US$ 20 bilhões. Novas refinarias no Maranhão, Ceará e Rio de Janeiro não saíram do papel. A refinaria de Nansei, no Japão, que custou US$ 71 milhões, também é considerada um mau negócio, endossado por Dilma Rousseff quando presidia o conselho. Além disso, o governo segura o preço da gasolina para controlar a inflação. Assim, as ações da empresa se desvalorizaram em mais de 50% nos últimos oito anos.
Campanhas eleitorais
Nas eleições de 2002 e de 2006, porém, a Petrobras foi um troféu nas mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusou os tucanos de tentar vender a empresa. O PT criticou duramente a quebra do monopólio estatal e a adoção do regime de concessões para exploração de petróleo, embora o modelo tenha sido muito bem-sucedido do ponto de vista do aumento de investimentos e da produção. A mudança do modelo de exploração para o regime de partilha, por causa do pré-sal, patrocinada por Lula, porém, foi um ponto de inflexão no desempenho do setor, muito embora o discurso nacionalista se mantivesse de pé. Depois do leilão de Libra, que somente não fracassou por que o governo jogou pesado para atrair os chineses e outras empresas que já operam no Brasil, tudo mudou. O que não falta é notícia ruim sobre a Petrobras.
Pré-candidato do PSDB à Presidência da República, o senador Aécio Neves (MG) cita o exemplo da Petrobras para dizer que a presidente Dilma Rousseff não está “capacitada” para governar o país. Aécio pretende mobilizar forças para a abertura de uma CPI no Congresso para investigar a empresa. Com isso, o ex-governador mineiro quer neutralizar um ponto franco dos tucanos nas eleições passadas. Outro que aproveita a oportunidade para atacar Dilma Rousseff é o pré-candidato do PSB à Presidência, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que levantou suspeitas de desvalorização proposital no valor de mercado da empresa.
Há mais coisas entre o continente e as plataformas de petróleo, porém. A presidente Dilma Rousseff admitiu que avalizou a compra da refinaria de Pasadena com base em parecer técnico “falho” para se antecipar à condenação da operação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que considera a compra de Pasadena prejudicial ao Tesouro. E mandou demitir o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, responsável pela operação, do cargo que ocupava na diretoria da BR Distribuidora. Na véspera dessa demissão, o ex-diretor de operações da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso, acusado de envolvimento com lavagem de dinheiro. Ele também participou da compra de Pasadena.
Uma “faxina” na Petrobras pode ser uma maneira de a presidente Dilma preservar a velha bandeira nacionalista, mas é um jogo de alto risco. Envolve políticos aliados e alguns apadrinhados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli. A próxima cabeça a rolar seria a do presidente da Transpetro, Sérgio Machado, um velho desejo de Dilma Rousseff.
Correio Braziliense - 24/03/2014
Uma "faxina" na Petrobras pode ser uma maneira de a presidente Dilma preservar a velha bandeira nacionalista, mas é um jogo de alto risco
Ícone do nacionalismo brasileiro desde 1953, quando foi criada por Getúlio Vargas, a Petrobras é uma espécie de mito intocável da política brasileira, graças à campanha “O petróleo é nosso”, iniciada em 1946, logo após a redemocratização. Esse foi o primeiro grande movimento de massas de caráter suprapartidário do país, liderado pelo general Felicíssimo Cardoso, que encabeçou uma aliança entre comunistas, trabalhistas e militares nacionalistas durante o governo Dutra.
A Petrobras se tornou uma potência econômica, mas manteve-se como bandeira de luta nacionalista, brandida com vigor até hoje, sempre que alguém ameaça os interesses da empresa. Com o escândalo da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, por US$ 1,19 bilhão, a presidente Dilma Rousseff deixou essa bandeira cair e talvez não consiga empunhá-la novamente nas eleições. O mau negócio ocorreu quando presidia o conselho de administração da empresa. Somam-se ao episódio o leilão do poço de Libra da camada pré-sal, que petroleiros e uma parte da esquerda consideram, com exagero, uma atitude lesa-pátria; e o suposto recebimento de propina por funcionários da empresa na Holanda, que está sendo investigada pelo Congresso, a Polícia Federal e a própria empresa.
Há outros investimentos duvidosos, como a construção da refinaria Abreu e Lima, em parceria com a venezuelana PDVSA, que abandonou a empreitada. Custaria US$ 2,3 bilhões e já está em US$ 20 bilhões. Novas refinarias no Maranhão, Ceará e Rio de Janeiro não saíram do papel. A refinaria de Nansei, no Japão, que custou US$ 71 milhões, também é considerada um mau negócio, endossado por Dilma Rousseff quando presidia o conselho. Além disso, o governo segura o preço da gasolina para controlar a inflação. Assim, as ações da empresa se desvalorizaram em mais de 50% nos últimos oito anos.
Campanhas eleitorais
Nas eleições de 2002 e de 2006, porém, a Petrobras foi um troféu nas mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusou os tucanos de tentar vender a empresa. O PT criticou duramente a quebra do monopólio estatal e a adoção do regime de concessões para exploração de petróleo, embora o modelo tenha sido muito bem-sucedido do ponto de vista do aumento de investimentos e da produção. A mudança do modelo de exploração para o regime de partilha, por causa do pré-sal, patrocinada por Lula, porém, foi um ponto de inflexão no desempenho do setor, muito embora o discurso nacionalista se mantivesse de pé. Depois do leilão de Libra, que somente não fracassou por que o governo jogou pesado para atrair os chineses e outras empresas que já operam no Brasil, tudo mudou. O que não falta é notícia ruim sobre a Petrobras.
Pré-candidato do PSDB à Presidência da República, o senador Aécio Neves (MG) cita o exemplo da Petrobras para dizer que a presidente Dilma Rousseff não está “capacitada” para governar o país. Aécio pretende mobilizar forças para a abertura de uma CPI no Congresso para investigar a empresa. Com isso, o ex-governador mineiro quer neutralizar um ponto franco dos tucanos nas eleições passadas. Outro que aproveita a oportunidade para atacar Dilma Rousseff é o pré-candidato do PSB à Presidência, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que levantou suspeitas de desvalorização proposital no valor de mercado da empresa.
Há mais coisas entre o continente e as plataformas de petróleo, porém. A presidente Dilma Rousseff admitiu que avalizou a compra da refinaria de Pasadena com base em parecer técnico “falho” para se antecipar à condenação da operação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que considera a compra de Pasadena prejudicial ao Tesouro. E mandou demitir o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, responsável pela operação, do cargo que ocupava na diretoria da BR Distribuidora. Na véspera dessa demissão, o ex-diretor de operações da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso, acusado de envolvimento com lavagem de dinheiro. Ele também participou da compra de Pasadena.
Uma “faxina” na Petrobras pode ser uma maneira de a presidente Dilma preservar a velha bandeira nacionalista, mas é um jogo de alto risco. Envolve políticos aliados e alguns apadrinhados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli. A próxima cabeça a rolar seria a do presidente da Transpetro, Sérgio Machado, um velho desejo de Dilma Rousseff.
sexta-feira, 21 de março de 2014
Será que Freud explica?
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/03/2014
As razões da tensa relação entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são cada vez mais difíceis de serem diagnosticadas, inclusive dentro do PT. O estresse aumentou com o imbróglio da Petrobras
Para a psicanálise, o complexo de Édipo é universal e, portanto, característico de todos os seres humanos. São sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, o conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai. Como o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que nunca venha a conhecer uma dessas partes ou as duas), essa relação é a síntese do conflito humano. Em resumo, o complexo aparece quando a criança percebe que os pais pertencem a uma realidade cultural e não podem dedicar-se apenas a ela. A figura do pai representa a inserção da criança na ordem cultural. Ela começa a perceber que a mãe pertence ao pai e, por isso, dirige sentimentos hostis em relação a este.
Na política, o velho conflito bíblico entre a criatura e o Criador surge toda vez que um apadrinhado político se insurge contra o seu protetor. Quase sempre, decorre de frustradas tentativas de tutela política, muito mais do que de reações de natureza psicológica. As razões da tensa relação entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, são cada vez mais difíceis de serem diagnosticadas, inclusive dentro do PT. Publicamente, Lula apoia a reeleição de Dilma; nos bastidores, entretanto, Dilma contraria o ex-presidente em assuntos de toda natureza. Não dá ainda pra afirmar se o caso é de divã ou de uma disputa surda pelo poder.
O estresse aumentou por causa do imbróglio da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, comprada pela Petrobras, uma operação considerada desastrosa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas que sempre foi defendida pela direção da estatal. Ex-presidente do conselho de administração da estatal, Dilma resolveu responsabilizar o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli e o ex-diretor da área internacional Nestor Cerveró pela decisão. Em nota oficial da Presidência, levantou suspeitas de que houve fraude nas informações técnicas que subsidiaram a aprovação da compra pelo conselho. Ou seja, jogou o problema no colo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que endossou a compra e nomeou os dois. O negócio custou U$ 1,19 bilhão à Petrobras.
Bumerangue
A atitude de Dilma voltou-se contra ela própria. Além de irritar o ex-presidente Lula, levou água para o moinho da oposição. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato tucano a presidente da República, foi à tribuna cobrar esclarecimentos e questionou a competência de Dilma na área de sua especialidade: energia. Ontem, os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Randolfe Rodrigues (PSol-AP), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Ana Amélia Lemos (PP-RS) decidiram representar contra Dilma Rousseff na Procuradoria-Geral da República. A intenção é solicitar esclarecimentos sobre a compra da refinaria.
Na Câmara, a pedido do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o líder do PT, Vicente Paulo da Silva (SP), foi à tribuna para dar explicações sobre o assunto, na mesma linha adotada pelo Palácio do Planalto. A parceria estratégica entre a Petrobras e a empresa Astra na refinaria de Pasadena estaria alinhada com o Plano de Negócios 2004-2010 e no Plano Estratégico 2015. Tais documentos recomendavam que a empresa buscasse expandir sua atuação no refino internacional, em especial no setor americano do Golfo do México e no oeste da África, e que buscasse agregar valor à produção de óleo pesado da Petrobras.
Esse sempre foi o discurso da Petrobras, desde fevereiro de 2006, quando aprovou a parceria estratégica com a Astra, na qual o risco do negócio seria compartilhado pelas duas companhias, por meio da aquisição de 50% da refinaria. A Astra havia gasto 126 milhões de dólares (42 milhões de dólares pela aquisição e mais 84 milhões de dólares em investimentos). A Petrobras investiu 190 milhões de dólares na aquisição — os outros 170 milhões de dólares do negócio se referem à compra de 50% do estoque de petróleo que a refinaria possuía naquele momento.
Vicentinho, porém, reafirmou que o resumo executivo da decisão não fazia qualquer referência a duas importantes cláusulas do contrato: a Marlim, que assegurava uma rentabilidade mínima de 6,9% à Astra, independente das condições do mercado, caso fossem realizados os investimentos para a expansão da refinaria; e a Put Option, que obrigava a Petrobras a adquirir a participação da Astra, caso houvesse divergência na condução da sociedade. “Se tais cláusulas fossem conhecidas pelo conselho, a deliberação ocorreria em outros termos, sendo provável que o negócio nem sequer fosse aprovado”, garantiu, de mando, o líder do PT. É ou não é mais gasolina no fogaréu?
Correio Braziliense - 21/03/2014
As razões da tensa relação entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são cada vez mais difíceis de serem diagnosticadas, inclusive dentro do PT. O estresse aumentou com o imbróglio da Petrobras
Para a psicanálise, o complexo de Édipo é universal e, portanto, característico de todos os seres humanos. São sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, o conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai. Como o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que nunca venha a conhecer uma dessas partes ou as duas), essa relação é a síntese do conflito humano. Em resumo, o complexo aparece quando a criança percebe que os pais pertencem a uma realidade cultural e não podem dedicar-se apenas a ela. A figura do pai representa a inserção da criança na ordem cultural. Ela começa a perceber que a mãe pertence ao pai e, por isso, dirige sentimentos hostis em relação a este.
Na política, o velho conflito bíblico entre a criatura e o Criador surge toda vez que um apadrinhado político se insurge contra o seu protetor. Quase sempre, decorre de frustradas tentativas de tutela política, muito mais do que de reações de natureza psicológica. As razões da tensa relação entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, são cada vez mais difíceis de serem diagnosticadas, inclusive dentro do PT. Publicamente, Lula apoia a reeleição de Dilma; nos bastidores, entretanto, Dilma contraria o ex-presidente em assuntos de toda natureza. Não dá ainda pra afirmar se o caso é de divã ou de uma disputa surda pelo poder.
O estresse aumentou por causa do imbróglio da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, comprada pela Petrobras, uma operação considerada desastrosa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas que sempre foi defendida pela direção da estatal. Ex-presidente do conselho de administração da estatal, Dilma resolveu responsabilizar o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli e o ex-diretor da área internacional Nestor Cerveró pela decisão. Em nota oficial da Presidência, levantou suspeitas de que houve fraude nas informações técnicas que subsidiaram a aprovação da compra pelo conselho. Ou seja, jogou o problema no colo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que endossou a compra e nomeou os dois. O negócio custou U$ 1,19 bilhão à Petrobras.
Bumerangue
A atitude de Dilma voltou-se contra ela própria. Além de irritar o ex-presidente Lula, levou água para o moinho da oposição. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato tucano a presidente da República, foi à tribuna cobrar esclarecimentos e questionou a competência de Dilma na área de sua especialidade: energia. Ontem, os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Randolfe Rodrigues (PSol-AP), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Ana Amélia Lemos (PP-RS) decidiram representar contra Dilma Rousseff na Procuradoria-Geral da República. A intenção é solicitar esclarecimentos sobre a compra da refinaria.
Na Câmara, a pedido do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o líder do PT, Vicente Paulo da Silva (SP), foi à tribuna para dar explicações sobre o assunto, na mesma linha adotada pelo Palácio do Planalto. A parceria estratégica entre a Petrobras e a empresa Astra na refinaria de Pasadena estaria alinhada com o Plano de Negócios 2004-2010 e no Plano Estratégico 2015. Tais documentos recomendavam que a empresa buscasse expandir sua atuação no refino internacional, em especial no setor americano do Golfo do México e no oeste da África, e que buscasse agregar valor à produção de óleo pesado da Petrobras.
Esse sempre foi o discurso da Petrobras, desde fevereiro de 2006, quando aprovou a parceria estratégica com a Astra, na qual o risco do negócio seria compartilhado pelas duas companhias, por meio da aquisição de 50% da refinaria. A Astra havia gasto 126 milhões de dólares (42 milhões de dólares pela aquisição e mais 84 milhões de dólares em investimentos). A Petrobras investiu 190 milhões de dólares na aquisição — os outros 170 milhões de dólares do negócio se referem à compra de 50% do estoque de petróleo que a refinaria possuía naquele momento.
Vicentinho, porém, reafirmou que o resumo executivo da decisão não fazia qualquer referência a duas importantes cláusulas do contrato: a Marlim, que assegurava uma rentabilidade mínima de 6,9% à Astra, independente das condições do mercado, caso fossem realizados os investimentos para a expansão da refinaria; e a Put Option, que obrigava a Petrobras a adquirir a participação da Astra, caso houvesse divergência na condução da sociedade. “Se tais cláusulas fossem conhecidas pelo conselho, a deliberação ocorreria em outros termos, sendo provável que o negócio nem sequer fosse aprovado”, garantiu, de mando, o líder do PT. É ou não é mais gasolina no fogaréu?
quarta-feira, 19 de março de 2014
Correndo atrás do rabo
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/03/2014
Ao contrário do PT, que tem uma estrutura verticalizada, as decisões eleitorais do PMDB são tomadas em âmbito regional, com exceção da coligação nacional, que deve ser mantida
O Palácio do Planalto ruge, mas não morde o próprio rabo. Enquanto demoniza o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), e tenta isolar a bancada dele, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, negocia com os demais partidos da base governista um pacote de concessões, que vai da liberação de emendas parlamentares aos cargos no governo e às concessões de rádio. Teria ficado mais barato um acordo com a bancada do PMDB, que ameaça derrotar o governo na votação do Marco Civil da Internet e derrubar o veto que proíbe a criação de municípios. Mais barato ainda ficaria se o governo fizesse uma negociação aberta e ampla com o Congresso, que envolvesse a oposição. Resultado: o governo, ontem, não sentiu segurança para enfrentar uma votação na Câmara dos Deputados.
Por que tanta dificuldade para derrotar um aliado rebelde na Câmara, que foi transformado em desafeto de estimação pela presidente Dilma Rousseff? No jargão da política, isso é brigar pra baixo. Há anos, o Palácio do Planalto tenta anular a influência de Cunha e consegue apenas fortalecê-lo ainda mais perante os pares dele. No caso do Marco Civil da Internet, a briga real é com o poderoso lobby das empresas da área de telecomunicações e da internet, que se opõem ao relatório do deputado Alexandre Molon (PT-RJ). Cunha tem um substitutivo na gaveta, que foi negociado com os partidos de oposição. O líder do PMDB é duro nas negociações de mérito, não fica apenas no toma lá da cá em torno de emendas parlamentares, que é o padrão dos acordos de Dilma com a própria base parlamentar. Na verdade, essa é a razão da irritação da presidente da República com o líder do PMDB. Toda vez que entra na contramão do mercado, Cunha deita e rola, vira porta-voz de setores empresariais envolvidos.
Nas provínciasA outra variável importante do conflito é a dificuldade que petistas e peemedebistas encontram para fechar alianças nas disputas para os governos estaduais. Cunha capturou as insatisfações contra o PT nos estados, e o governo não consegue fechar os acordos regionais. Esses acertos não dependem apenas da presidente Dilma Rousseff e de Mercadante, dependem da política local. O PT tem candidato a governador nas seguintes unidades da Federação: Acre (Tião Viana), Bahia (Rui Costa), Distrito Federal (Agnelo Queiroz), Mato Grosso do Sul (Delcídio Amaral), Minas Gerais (Fernando Pimentel), Paraná (Gleisi Hoffmann), Piauí (Wellington Dias), Rio de Janeiro (Lindbergh Farias), Rio Grande do Sul (Tarso Genro), Rondônia (Padre Ton), Roraima (Ângela Portela) e São Paulo (Alexandre Padilha).
O PMDB quer lançar candidatos a governador em 22 estados: Alagoas (Renan Filho), Amazonas (Eduardo Braga), Bahia (Geddel Vieira Lima), Ceará (Eunício Oliveira), Espírito Santo (Paulo Hartung ou Ricardo Ferraço), Goiás (Júnior da Friboi), Maranhão (Luís Fernando Silva), Mato Grosso (Carlos Bezerra), Mato Grosso do Sul (Nelson Trad Filho), Minas Gerais (Clésio Andrade), Pará (Helder Barbalho), Paraíba (Veneziano do Rêgo), Paraná (Roberto Requião), Piauí (Marcelo Castro), Rio de Janeiro (Luiz Fernando Pezão), Rio Grande do Norte (Fernando Bezerra), Rio Grande do Sul (José Ivo Sartori), Rondônia (Confúcio Moura), Roraima (Romero Jucá ou Rodrigo Jucá), São Paulo (Paulo Skaf), Sergipe (Jackson Barreto) e Tocantins (Kátia Abreu ou Marcelo Miranda).
É possível alterar esse cenário em oito estados, nos quais o PT pode apoiar o PMDB (Alagoas, Santa Catarina, Goiás, Paraíba, Tocantins e Mato Grosso), ou o PMDB apoiar o PT (Minas e no Paraná). Por ora, só chegaram a um acordo no Distrito Federal, onde o PMDB tem a vice do governador Agnelo Queiroz; no Pará, onde o PT apoiará Helder Barbalho; e no Sergipe, onde o PT indicará o vice de Jackson Barreto. O problema do governo nas negociações com a Câmara é que o tempo corre de forma diferenciada para os candidatos majoritários (Senado e governos estaduais) e proporcionais (Câmara e assembleias legislativas), assim como as demandas eleitorais são diferentes. Ao contrário do PT, que tem uma estrutura verticalizada, as decisões eleitorais do PMDB são tomadas em âmbito regional, com exceção da coligação nacional, que deve ser mantida. Ou seja, a maioria do PMDB não pretende romper com a presidente Dilma Rousseff e apoia o vice-presidente Michel Temer. Nas eleições locais, porém, o estrago já está feito e pode até crescer. Vem daí o maior cacife de Eduardo Cunha nas negociações com o Planalto.
segunda-feira, 17 de março de 2014
A política como (bom) negócio
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/03/2014
Deputados e senadores talvez tenham mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas
Uma das maneiras de traçar uma linha divisória entre os políticos é uma clássica definição de Max Weber, em notável conferência realizada em 1918, na Alemanha, intitulada “A política como vocação”. A definição weberiana de político é nua e crua: o homem que se entrega à política, aspira ao poder — seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outro fim, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder” para gozar do sentimento de prestígio que ele confere. Sendo assim, haveria dois tipos de políticos: aqueles que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”.
Para Weber, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede que a diferenciação econômica dos que “vivem para” e dos que “vivem da” política seja relevante. Segundo ele, nem o operário, nem o empresário estão disponíveis suficientemente para a política. Por isso, para a sobrevivência dos partidos políticos — e da própria democracia — é preciso a existência de pessoas que “vivam da” política e a tenham como atividade principal. A consequência prática é uma camada numerosa de dirigentes políticos formada a partir de critérios plutocráticos: o partido que tem mais recursos econômicos para disponibilizar políticos profissionais elege mais e tem mais poder. Vem daí, por exemplo, a crise atual entre PT e PMDB.
Nas democracias ocidentais, capitalistas, a política como bem comum ou como negócio também seria um divisor de águas do que se convencionou chamar de esquerda e de direita, respectivamente. Não é isso, porém, que ocorre de fato no Congresso. No Brasil, todos os políticos se dizem defensores do bem comum e jamais aceitam publicamente a condição de que veem a política como negócio, além de raros serem aqueles que aceitam a condição de político de direita, conservador ou reacionário nem sequer neoliberal. E a esquerda já não é a mesma de outrora.
A negociação
A maioria dos nossos deputados e senadores talvez tenha mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas, que, aliás, estão hegemonizadas por grandes interesses privados. Não levam em conta os aspectos que envolvem a chamada vida banal, ou seja, a eficiência e a qualidade dos serviços públicos que são efetivamente prestados aos cidadãos comuns no seu dia a dia. O Palácio do Planalto estimula esse status quo porque isso facilita a dominação de Estado e interdita o debate sobre o acerto ou não de suas decisões pelo Parlamento e pela sociedade. E la nave vá, até que surja uma crise.
Foi o que ocorreu na semana passada entre a presidente Dilma Rousseff e sua própria base, com a formação de um “blocão” independente encabeçado pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). Não há precedentes de uma derrota tão esmagadora do governo como a da semana passada, quando foi aprovada a criação de uma comissão externa para investigar denúncias contra funcionários da Petrobras e o governo contou somente com 28 votos em plenário. Também foi inédita a convocação de 10 ministros pelas comissões da Câmara num único dia.
O artífice da derrota de Dilma Rousseff foi Cunha, que o Palácio do Planalto tenta desmoralizar e isolar, porque seria um parlamentar que vê a “política como negócio”. Ora, essa é essência do sistema de forças governistas no Congresso e do aggiornamento do PT, cuja bancada hoje tem muita desenvoltura ao atuar junto ao mundo empresarial. Aconselhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo vice-presidente Michel Temer, que conhecem os bastidores do Congresso e das negociações com a base, Dilma Rousseff recuou e abriu negociações com Cunha. O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi encarregado de recebê-lo no Palácio do Planalto para tratar dos “pleitos” dos rebeldes. É preferível manter o monopólio dos grandes negócios no país no Executivo e confinar as negociações com os aliados da base governista à “pequena política”.
Mercadante foi autorizado a negociar a liberação de verbas, nomeações para cargos no governo e estatais, espaços eleitorais nos estados, concessões de emissoras de rádio, atendimento de demandas de evangélicos, toda sorte de reivindicações individuais da bancada rebelde. O problema é que Cunha sabe das coisas e meteu o pé na porta. Já provou que é capaz de barrar na Câmara dos Deputados grandes acertos feitos pelo governo no meio empresarial, como ocorreu, por exemplo, na MP dos Portos. Quer ser tratado como grande interlocutor no Congresso.
Correio Braziliense - 16/03/2014
Deputados e senadores talvez tenham mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas
Uma das maneiras de traçar uma linha divisória entre os políticos é uma clássica definição de Max Weber, em notável conferência realizada em 1918, na Alemanha, intitulada “A política como vocação”. A definição weberiana de político é nua e crua: o homem que se entrega à política, aspira ao poder — seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outro fim, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder” para gozar do sentimento de prestígio que ele confere. Sendo assim, haveria dois tipos de políticos: aqueles que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”.
Para Weber, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede que a diferenciação econômica dos que “vivem para” e dos que “vivem da” política seja relevante. Segundo ele, nem o operário, nem o empresário estão disponíveis suficientemente para a política. Por isso, para a sobrevivência dos partidos políticos — e da própria democracia — é preciso a existência de pessoas que “vivam da” política e a tenham como atividade principal. A consequência prática é uma camada numerosa de dirigentes políticos formada a partir de critérios plutocráticos: o partido que tem mais recursos econômicos para disponibilizar políticos profissionais elege mais e tem mais poder. Vem daí, por exemplo, a crise atual entre PT e PMDB.
Nas democracias ocidentais, capitalistas, a política como bem comum ou como negócio também seria um divisor de águas do que se convencionou chamar de esquerda e de direita, respectivamente. Não é isso, porém, que ocorre de fato no Congresso. No Brasil, todos os políticos se dizem defensores do bem comum e jamais aceitam publicamente a condição de que veem a política como negócio, além de raros serem aqueles que aceitam a condição de político de direita, conservador ou reacionário nem sequer neoliberal. E a esquerda já não é a mesma de outrora.
A negociação
A maioria dos nossos deputados e senadores talvez tenha mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas, que, aliás, estão hegemonizadas por grandes interesses privados. Não levam em conta os aspectos que envolvem a chamada vida banal, ou seja, a eficiência e a qualidade dos serviços públicos que são efetivamente prestados aos cidadãos comuns no seu dia a dia. O Palácio do Planalto estimula esse status quo porque isso facilita a dominação de Estado e interdita o debate sobre o acerto ou não de suas decisões pelo Parlamento e pela sociedade. E la nave vá, até que surja uma crise.
Foi o que ocorreu na semana passada entre a presidente Dilma Rousseff e sua própria base, com a formação de um “blocão” independente encabeçado pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). Não há precedentes de uma derrota tão esmagadora do governo como a da semana passada, quando foi aprovada a criação de uma comissão externa para investigar denúncias contra funcionários da Petrobras e o governo contou somente com 28 votos em plenário. Também foi inédita a convocação de 10 ministros pelas comissões da Câmara num único dia.
O artífice da derrota de Dilma Rousseff foi Cunha, que o Palácio do Planalto tenta desmoralizar e isolar, porque seria um parlamentar que vê a “política como negócio”. Ora, essa é essência do sistema de forças governistas no Congresso e do aggiornamento do PT, cuja bancada hoje tem muita desenvoltura ao atuar junto ao mundo empresarial. Aconselhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo vice-presidente Michel Temer, que conhecem os bastidores do Congresso e das negociações com a base, Dilma Rousseff recuou e abriu negociações com Cunha. O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi encarregado de recebê-lo no Palácio do Planalto para tratar dos “pleitos” dos rebeldes. É preferível manter o monopólio dos grandes negócios no país no Executivo e confinar as negociações com os aliados da base governista à “pequena política”.
Mercadante foi autorizado a negociar a liberação de verbas, nomeações para cargos no governo e estatais, espaços eleitorais nos estados, concessões de emissoras de rádio, atendimento de demandas de evangélicos, toda sorte de reivindicações individuais da bancada rebelde. O problema é que Cunha sabe das coisas e meteu o pé na porta. Já provou que é capaz de barrar na Câmara dos Deputados grandes acertos feitos pelo governo no meio empresarial, como ocorreu, por exemplo, na MP dos Portos. Quer ser tratado como grande interlocutor no Congresso.
sexta-feira, 14 de março de 2014
Seis por (quase) meia-dúzia
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/03/2014
A presidente Dilma Rousseff quis demitir todos os indicados pelos deputados da base que votaram contra o governo, mas acabou convencida de que isso provocaria uma crise de governabilidade
A presidente Dilma Rousseff anunciou ontem seis novos ministros, encerrando a novela da reforma iniciada em dezembro passado. Do ponto de vista da imagem do governo, da gestão e do peso político, não chega a ser a troca de seis por meia dúzia: a maioria dos novos ministros é quase desconhecida da opinião pública e não brilha no Congresso. A reforma sequer dá uma cara nova para governo, é apenas uma tentativa de manter o controle sobre o Congresso. Como? Fortalece o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e preserva o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). E circunscreve a rebelião da base na Câmara à bancada do PMDB, que se recusou a indicar os novos ministros da Agricultura e do Turismo, enquanto acomoda os demais aliados.
Quem são os novos ministros de Dilma? Gilberto Occhi, atual vice-presidente de Governo da Caixa Econômica Federal, no Ministério das Cidades; Neri Geller, atual secretário de Política Agrícola, na Agricultura; Miguel Rossetto, presidente da Petrobras Biocombustíveis, que volta ao Desenvolvimento Agrário; Vinicius Nobre Lages, gerente da assessoria internacional do Sebrae, no Turismo; Clélio Campolina, atual reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, na Ciência e Tecnologia; e Eduardo Lopes, suplente de senador (PRB-RJ), na Pesca.
Dilma escolheu nomes ligados aos partidos que já ocupavam os ministérios, mantendo Cidades com o PP; Desenvolvimento Agrário com o PT; Pesca com o PRB; e Agricultura e Turismo com o PMDB, mas sem o respaldo da bancada da Câmara. O líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), que recusou o Ministério da Integração Nacional para ser candidato ao governo do Ceará, sai enfraquecido. O presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Vital do Rego (PMDB-PB), que recusou o Turismo, também. A mudança fortaleceu o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Fernando Pimentel — pré-candidato do PT ao governo de Minas Gerais —, que emplacou o novo ministro da Ciência e Tecnologia. A pasta era controlada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, desde que deixou a cadeira para ser ministro da Educação.
Do ponto de vista do enfrentamento com o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), a reforma é um meio termo. Ao saber da rebelião na base aliada, a presidente Dilma Rousseff quis demitir todos os indicados pelos deputados da base que votaram contra o governo, mas acabou convencida de que isso provocaria uma crise de governabilidade ao saber da extensão da rebelião. Dilma resolveu, então, fazer a reforma sem indicações do PMDB e trabalhar para “sufocar” o líder da bancada da Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ). O resultado da operação começa a ser aferido na próxima semana, na votação do Marco Civil da Internet, que o governo não consegue aprovar.
Até a Copa
O fato é que os deputados da base e da oposição voltaram para os estados nesta semana de alma lavada, com nove ministros e um secretário executivo convocados para dar esclarecimentos nas próximas semanas. Até os deputados do PT, com raras exceções, comemoraram o estouro de boiada, porque já estão sendo procurados por ministros na berlinda, em busca de proteção. Com as eleições à porta do Congresso, a expectativa é que a presidente Dilma e seu dispositivo parlamentar terão que trabalhar muito até a Copa do Mundo para manter o Congresso afinado com o governo.
O que ocorre entre as bancadas do PT e do PMDB é mais sério do que supõem os que veem apenas chantagem e fisiologismo na disputa. É luta pelo poder no Congresso, no qual os petistas querem ampliar sua participação de forma significativa para fazer uma reforma política que lhes garanta um longo ciclo no comando do país. Para isso, o PT se dispõe a apoiar candidatos a governador que garantam uma vaga no Senado para legenda, em estados nos quais não têm candidatos competitivos; e avança para cima da bancada do PMDB na Câmara, nos estados de maior densidade eleitoral, que elegem bancadas de deputados numerosas. Essa ofensiva se estrutura a partir da ocupação de 17 ministérios e o controle das estatais e dos fundos de pensão, ao mesmo tempo que exerce controle sobre os ministros do PMDB e dos demais partidos por meio de seus respectivos secretários executivos, todos indicados pela presidente Dilma Rousseff e não pelos aliados, que estão sendo acuados eleitoralmente.
quarta-feira, 12 de março de 2014
Onde está a grande política?
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 12/03/2014
Caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como política externa, investimentos e políticas públicas
Uma das causas do enfraquecimento do Congresso na sua relação com o Executivo decorre do fato de que tanto a Câmara quanto o Senado foram excluídos da chamada grande política pelo Palácio do Planalto, restando a senadores e deputados tratar da pequena política, como é o caso da liberação das emendas parlamentares. Esse modus operandis ganhou muita força no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ainda por cima, levou para seu gabinete a negociação com o mundo dos negócios e os movimentos sociais. Esse processo contribuiu para enfraquecer os partidos e desgastar o Congresso, que deixou de ser o protagonista das grandes decisões nacionais para se tornar uma usina de pequenos escândalos. Os grandes, diga-se de passagem, ocorreram na esfera do Executivo.
Não deixa de ser notável, portanto, o fenômeno precipitado pelo desentendimento entre a presidente, Dilma Rousseff, e o PMDB em relação à reforma ministerial. A crise abre caminho para que a grande política volte a ser debatida no Congresso, a partir do momento em que a bancada do PMDB e o bloco que formou com outros partidos da base resolvem se rebelar e declarar independência na Câmara. A crise entre os aliados coincide também com a falta de interlocução da presidente Dilma com o mundo dos negócios e com os movimentos sociais, que buscam no parlamento espaços de representação e negociação. Sendo assim, o que aparece como chantagem e fisiologismo na retórica do Palácio do Planalto, no processo político e na luta parlamentar, pode ser tornar outra coisa.
A pauta que incomoda o Palácio do Planalto não é fisiológica, ainda que a motivação do PMDB para discuti-la possa vir a ser. São propostas da oposição sobre temas que estavam interditados pelo Palácio do Planalto. É o caso da convocação dos ministros Manoel Dias (Trabalho), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Jorge Hage (CGU) para prestarem esclarecimentos sobre desvios de verbas públicas em convênios firmados pelo Ministério do Trabalho; e do ministro Arthur Chioro (Saúde) para responder a indagações sobre a sub-remuneração dos profissionais importados de Cuba para trabalhar no Programa Mais Médicos, e o plano de carreira do Ministério da Saúde.
Também há propostas de convocação dos presidentes da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, e do BNDES, Luciano Coutinho, para explicar financiamentos heterodoxos; e da presidente da Petrobras, Graça Foster, para falar sobre o caso da suspeita de pagamento de propina pela holandesa SBM Offshore a funcionários da estatal. Os ministros Miriam Belchior (Planejamento), Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e Aldo Rebelo (Esporte) também estão na berlinda.
Aposta de risco
Ainda que motivado pela pequena política, caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como a política externa, a política de investimentos, as políticas públicas e a atuação de bancos e empresas estatais. Temas estratégicos, como o Marco Civil da Internet, o novo Código de Mineração e a política energética já estão na ordem do dia. Ou seja, a presidente Dilma Rousseff, ao esticar a corda com os líderes do PMDB — principalmente com o líder da bancada na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ) —, deflagrou um processo sobre o qual perdeu o controle. Saiu da zona de conforto em que estava ao blindar sua gestão com uma maioria parlamentar que funcionava como rolo compressor. Agora, terá que debater as questões para construir maiorias.
A forma como Dilma Rousseff endureceu o jogo com o PMDB, porém, não deve ser encarada como ingenuidade, mas cálculo eleitoral. Seu objetivo é ampliar a bancada do PT de 87 para 100 deputados, e reduzir a do PMDB de 75 para 50 deputados, além de eleger a maior bancada do Senado, onde hoje o PMDB tem 18 senadores, e o PT, 13. Com isso, supõe seu estado-maior, poderia avançar na reforma política e consolidar a hegemonia do PT e seu longo ciclo de poder. Pode estar sendo tão voluntarista quanto foi na economia, ao forçar a redução dos juros e deixar de joelhos o sistema financeiro, sem que as premissas fiscais para isso estivessem consolidadas. Os juros devem voltar ao patamar de 11% ao ano. O problema é que o PMDB, que Dilma tenta enfraquecer no atual confronto, também sabe jogar para a arquibancada e pode aprovar um “pacote de bondades” no Congresso, que a presidente da República terá o ônus de vetar às vésperas da eleição.
Correio Braziliense - 12/03/2014
Caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como política externa, investimentos e políticas públicas
Uma das causas do enfraquecimento do Congresso na sua relação com o Executivo decorre do fato de que tanto a Câmara quanto o Senado foram excluídos da chamada grande política pelo Palácio do Planalto, restando a senadores e deputados tratar da pequena política, como é o caso da liberação das emendas parlamentares. Esse modus operandis ganhou muita força no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ainda por cima, levou para seu gabinete a negociação com o mundo dos negócios e os movimentos sociais. Esse processo contribuiu para enfraquecer os partidos e desgastar o Congresso, que deixou de ser o protagonista das grandes decisões nacionais para se tornar uma usina de pequenos escândalos. Os grandes, diga-se de passagem, ocorreram na esfera do Executivo.
Não deixa de ser notável, portanto, o fenômeno precipitado pelo desentendimento entre a presidente, Dilma Rousseff, e o PMDB em relação à reforma ministerial. A crise abre caminho para que a grande política volte a ser debatida no Congresso, a partir do momento em que a bancada do PMDB e o bloco que formou com outros partidos da base resolvem se rebelar e declarar independência na Câmara. A crise entre os aliados coincide também com a falta de interlocução da presidente Dilma com o mundo dos negócios e com os movimentos sociais, que buscam no parlamento espaços de representação e negociação. Sendo assim, o que aparece como chantagem e fisiologismo na retórica do Palácio do Planalto, no processo político e na luta parlamentar, pode ser tornar outra coisa.
A pauta que incomoda o Palácio do Planalto não é fisiológica, ainda que a motivação do PMDB para discuti-la possa vir a ser. São propostas da oposição sobre temas que estavam interditados pelo Palácio do Planalto. É o caso da convocação dos ministros Manoel Dias (Trabalho), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Jorge Hage (CGU) para prestarem esclarecimentos sobre desvios de verbas públicas em convênios firmados pelo Ministério do Trabalho; e do ministro Arthur Chioro (Saúde) para responder a indagações sobre a sub-remuneração dos profissionais importados de Cuba para trabalhar no Programa Mais Médicos, e o plano de carreira do Ministério da Saúde.
Também há propostas de convocação dos presidentes da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, e do BNDES, Luciano Coutinho, para explicar financiamentos heterodoxos; e da presidente da Petrobras, Graça Foster, para falar sobre o caso da suspeita de pagamento de propina pela holandesa SBM Offshore a funcionários da estatal. Os ministros Miriam Belchior (Planejamento), Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e Aldo Rebelo (Esporte) também estão na berlinda.
Aposta de risco
Ainda que motivado pela pequena política, caso o PMDB resolva mesmo obrigar o governo a prestar contas e explicar suas ações, o que emergirá do debate é a grande política, que envolve temas como a política externa, a política de investimentos, as políticas públicas e a atuação de bancos e empresas estatais. Temas estratégicos, como o Marco Civil da Internet, o novo Código de Mineração e a política energética já estão na ordem do dia. Ou seja, a presidente Dilma Rousseff, ao esticar a corda com os líderes do PMDB — principalmente com o líder da bancada na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ) —, deflagrou um processo sobre o qual perdeu o controle. Saiu da zona de conforto em que estava ao blindar sua gestão com uma maioria parlamentar que funcionava como rolo compressor. Agora, terá que debater as questões para construir maiorias.
A forma como Dilma Rousseff endureceu o jogo com o PMDB, porém, não deve ser encarada como ingenuidade, mas cálculo eleitoral. Seu objetivo é ampliar a bancada do PT de 87 para 100 deputados, e reduzir a do PMDB de 75 para 50 deputados, além de eleger a maior bancada do Senado, onde hoje o PMDB tem 18 senadores, e o PT, 13. Com isso, supõe seu estado-maior, poderia avançar na reforma política e consolidar a hegemonia do PT e seu longo ciclo de poder. Pode estar sendo tão voluntarista quanto foi na economia, ao forçar a redução dos juros e deixar de joelhos o sistema financeiro, sem que as premissas fiscais para isso estivessem consolidadas. Os juros devem voltar ao patamar de 11% ao ano. O problema é que o PMDB, que Dilma tenta enfraquecer no atual confronto, também sabe jogar para a arquibancada e pode aprovar um “pacote de bondades” no Congresso, que a presidente da República terá o ônus de vetar às vésperas da eleição.
segunda-feira, 10 de março de 2014
PMDB, problema ou solução?
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
A forma como a bancada do PMDB na Câmara faz política não é muito diferente da dos demais partidos. A diferença está na contrapartida que vem do outro lado da Praça dos Três Poderes
A maior dificuldade da presidente da República no seu modus operandi com o PMDB é a absoluta falta de experiência parlamentar, ao contrário de Lula, que compensou com as manhas de sindicalista o fato de ter sido parlamentar apenas na Constituinte eleita em 1986. Lula conhecia aqueles que um dia chamou de os “trezentos picaretas” do Congresso e a primeira coisa que fez, quando viu o circo pegar fogo na CPI dos Correios, foi buscar um acordo com eles. Graças a isso, sobreviveu ao escândalo e conseguiu se reeleger. É preciso destacar que não contou com a moleza que é hoje a relação do Palácio do Planalto com o Senado. Teve que tourear uma oposição com muito poder de barganha naquela Casa. Além disso, a situação na Câmara também era ainda mais complexa do que é hoje.
A questão central para Dilma Rousseff é chegar à conclusão de que o PMDB é mais solução do que problema para o governo. Não do ponto de vista da retórica, porque isso não resolve a situação, mas de forma prática. No momento, a situação é ambígua: o PMDB no Senado é visto como solução e precisa ser agraciado com mais um ministério; o da Câmara, é o problema, deve ser isolado e mantido a pão e água. Não é uma coisa nem outra. Nem o PMDB no Senado é tão dócil como aparenta, nem o PMDB na Câmara pode ser isolado pelo Palácio do Planalto. Por uma razão até simplória: a forma como a bancada do PMDB na Câmara faz política não é muito diferente da dos demais partidos da base governista, inclusive a bancada petista. A diferença hoje está mais é na contrapartida que vem do outro lado da Praça dos Três Poderes.
Mas há outra questão em jogo na tensa relação entre Dilma e o PMDB. Do ponto de vista eleitoral, em tese, o principal adversário do PT é o PSDB, cujo candidato a presidente da República é o senador Aécio Neves (MG). Ocorre que, na disputa pela hegemonia no Congresso, tanto na Câmara como no Senado, o PMDB virou o “inimigo principal”. Não porque o PT fez uma declaração de guerra, longe disso, mas por causa da disputa entre os dois partidos pelos governos estaduais, que são o grande lastro para eleição das bancadas de senadores e de deputados. É por isso, por exemplo, que a situação no Senado pode não ser tão tranquila quanto aparenta. Ali o estrago costuma ser maior do que na Câmara, como foi, por exemplo, no caso do fim da CPMF. A diferença é que senadores votam contra o governo sem muito blá-blá-blá, basta o líder do PMDB coçar a gravata.
Correio Braziliense - 10/03/2014
A forma como a bancada do PMDB na Câmara faz política não é muito diferente da dos demais partidos. A diferença está na contrapartida que vem do outro lado da Praça dos Três Poderes
A
presidente Dilma Rousseff joga para a arquibancada as negociações com o
PMDB sobre a reforma ministerial. A rigor, a reforma é chinfrim, não
agrega grandes coisas à gestão governamental, cuja avaliação está muito
abaixo da imagem de Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião. Quando faz
jogo duro com os caciques do PMDB, que são tratados como chantagistas e
fisiológicos, Dilma melhora a própria imagem, às custas do aliado
principal, mas joga pra baixo a do governo, ainda mais porque nele
pretende manter os peemedebistas. É um jogo perigoso. Não é tão fácil
resgatar a vassoura que ficou escondida atrás da porta desde quando a
“faxina”, iniciada logo após a posse, foi interrompida por um “alto lá”
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defesa dos remanescentes
de sua administração. A situação do Ministério do Trabalho é a prova
disso.
Tereza Cruvinel relatou ontem, em sua coluna aqui no Correio, como o PMDB comportou-se eleitoralmente ao longo dos anos, desde a “cristianização” de Ulysses Guimarães, nas eleições presidenciais de 1989. Também registrou que, desde então, ninguém governa sem o apoio do PMDB. O exemplo mais acabado dos riscos de se ter o PMDB na oposição foi a campanha pró-impeachment do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), hoje senador e aliado de Dilma Rousseff, que renunciou à Presidência. O primeiro mandato de Lula também serve de exemplo: provavelmente não haveria a crise do mensalão, que defenestrou a cúpula petista do governo e levou-a à cadeia, se o PMDB tivesse sido incorporado à coalizão de governo logo após as eleições de 2002.
Dilma Rousseff não gosta do PMDB, tem dificuldades para lidar com seus caciques, inclusive aquele que hoje é a mão na roda para acalmá-los, o vice-presidente Michel Temer. Mas tem de engolir a presença de seus líderes na administração, como aconteceu com o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco. Herdeiro do velho pessedismo fluminense, hoje é figura importante na gestão de um dos maiores abacaxis do governo: os preparativos da Copa do Mundo. Essa má vontade de Dilma com o PMDB não é fruto de intriga, é consequência de uma concepção de poder e do modo de fazer política “castilhista”, adquirida durante os anos em que viveu no Rio Grande do Sul. Centralizadora e sabedora do poder de uma caneta cheia de tinta, Dilma quer obrigar o PMDB a aceitar seis por meia dúzia na reforma ministerial. Acontece que os setores do PMDB, que não se sentem representados no poder, querem mais participação no governo, da mesma forma como o querem os petistas insatisfeitos que conspiram dia e noite para que o ex-presidente Lula seja o candidato da legenda no lugar de Dilma.
Quem é o inimigo?
Tereza Cruvinel relatou ontem, em sua coluna aqui no Correio, como o PMDB comportou-se eleitoralmente ao longo dos anos, desde a “cristianização” de Ulysses Guimarães, nas eleições presidenciais de 1989. Também registrou que, desde então, ninguém governa sem o apoio do PMDB. O exemplo mais acabado dos riscos de se ter o PMDB na oposição foi a campanha pró-impeachment do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), hoje senador e aliado de Dilma Rousseff, que renunciou à Presidência. O primeiro mandato de Lula também serve de exemplo: provavelmente não haveria a crise do mensalão, que defenestrou a cúpula petista do governo e levou-a à cadeia, se o PMDB tivesse sido incorporado à coalizão de governo logo após as eleições de 2002.
Dilma Rousseff não gosta do PMDB, tem dificuldades para lidar com seus caciques, inclusive aquele que hoje é a mão na roda para acalmá-los, o vice-presidente Michel Temer. Mas tem de engolir a presença de seus líderes na administração, como aconteceu com o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco. Herdeiro do velho pessedismo fluminense, hoje é figura importante na gestão de um dos maiores abacaxis do governo: os preparativos da Copa do Mundo. Essa má vontade de Dilma com o PMDB não é fruto de intriga, é consequência de uma concepção de poder e do modo de fazer política “castilhista”, adquirida durante os anos em que viveu no Rio Grande do Sul. Centralizadora e sabedora do poder de uma caneta cheia de tinta, Dilma quer obrigar o PMDB a aceitar seis por meia dúzia na reforma ministerial. Acontece que os setores do PMDB, que não se sentem representados no poder, querem mais participação no governo, da mesma forma como o querem os petistas insatisfeitos que conspiram dia e noite para que o ex-presidente Lula seja o candidato da legenda no lugar de Dilma.
Quem é o inimigo?
A maior dificuldade da presidente da República no seu modus operandi com o PMDB é a absoluta falta de experiência parlamentar, ao contrário de Lula, que compensou com as manhas de sindicalista o fato de ter sido parlamentar apenas na Constituinte eleita em 1986. Lula conhecia aqueles que um dia chamou de os “trezentos picaretas” do Congresso e a primeira coisa que fez, quando viu o circo pegar fogo na CPI dos Correios, foi buscar um acordo com eles. Graças a isso, sobreviveu ao escândalo e conseguiu se reeleger. É preciso destacar que não contou com a moleza que é hoje a relação do Palácio do Planalto com o Senado. Teve que tourear uma oposição com muito poder de barganha naquela Casa. Além disso, a situação na Câmara também era ainda mais complexa do que é hoje.
A questão central para Dilma Rousseff é chegar à conclusão de que o PMDB é mais solução do que problema para o governo. Não do ponto de vista da retórica, porque isso não resolve a situação, mas de forma prática. No momento, a situação é ambígua: o PMDB no Senado é visto como solução e precisa ser agraciado com mais um ministério; o da Câmara, é o problema, deve ser isolado e mantido a pão e água. Não é uma coisa nem outra. Nem o PMDB no Senado é tão dócil como aparenta, nem o PMDB na Câmara pode ser isolado pelo Palácio do Planalto. Por uma razão até simplória: a forma como a bancada do PMDB na Câmara faz política não é muito diferente da dos demais partidos da base governista, inclusive a bancada petista. A diferença hoje está mais é na contrapartida que vem do outro lado da Praça dos Três Poderes.
Mas há outra questão em jogo na tensa relação entre Dilma e o PMDB. Do ponto de vista eleitoral, em tese, o principal adversário do PT é o PSDB, cujo candidato a presidente da República é o senador Aécio Neves (MG). Ocorre que, na disputa pela hegemonia no Congresso, tanto na Câmara como no Senado, o PMDB virou o “inimigo principal”. Não porque o PT fez uma declaração de guerra, longe disso, mas por causa da disputa entre os dois partidos pelos governos estaduais, que são o grande lastro para eleição das bancadas de senadores e de deputados. É por isso, por exemplo, que a situação no Senado pode não ser tão tranquila quanto aparenta. Ali o estrago costuma ser maior do que na Câmara, como foi, por exemplo, no caso do fim da CPMF. A diferença é que senadores votam contra o governo sem muito blá-blá-blá, basta o líder do PMDB coçar a gravata.
sexta-feira, 7 de março de 2014
Macacos em casa de louças
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo Correio Braziliense - 07/03/2014 A ideia de que tudo se resolve com palanque duplo é mais ou menos um "venha a nós, ao vosso reino nada". O hegemonismo petista avança para cima do PMDB na disputa dos governos estaduais e pelos comandos da Câmara e do Senado |
Foi preciso a intervenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião de coordenação de campanha da Quarta-Feira de Cinzas, para cair a ficha de que a ex-presidente Dilma Rousseff corre mesmo o risco de perder o apoio do PMDB à reeleição caso não chegue a um acordo com o partido na reforma ministerial. Acordo que estanque a crise com o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e mantenha longe da confusão o líder no Senado, Eunício de Oliveira (CE). Até agora, os interlocutores de Dilma com os aliados comportaram-se como macacos em casa de louças nas negociações. O presidente do PT, Rui Falcão, ao passar pelo Sambódromo do Rio, arrumou uma tremenda confusão com dois caciques locais do PMDB — o ex-deputado Jorge Picciani, que preside a legenda no estado, e o própeio Eduardo Cunha. Falcão repetiu um mantra muito ouvido no Palácio do Planalto: o PMDB faz chantagem para obter mais cargos, referindo-se à rebelião dos peemedebistas na Câmara. A frase tem muito de verdade, mas não resume a ópera. Há mais do que isso em jogo. O tom da resposta dos dois caciques peemedebistas foi reflexo disso. Picciani, que já defende abertamente o apoio de sua legenda ao tucano Aécio Neves, chamou Falcão de vagabundo. Cunha ameaçou convocar uma convenção nacional extraordinária do PMDB para rediscutir o apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Na verdade, a aliança sofre muitas fraturas nos estados. Forças centrífugas Para convocar uma convenção extraordinária basta o apoio de nove diretórios. Cunha já conta com isso: desde a semana passada, o deputado Danilo Fortes (PMDB-CE) recolhe assinaturas a favor da convocação do encontro para abril. Começou a fazê-lo depois da desastrada reunião do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com os líderes aliados, na qual disse que Dilma Rousseff se reelegeria no primeiro turno e que os deputados da base precisavam mais dela do que ela deles. Esqueceu-se de levar em conta que o tempo de televisão de Dilma, capaz de desequilibrar a disputa com a oposição, depende da coligação formal com o PMDB, e que o vice Michel Temer, principal interessado na coligação, não é o dono do partido. Está sendo desgastado pelos rumos da negociação e pode ficar pendurado no pincel. Apenas cinco diretórios do PMDB fecharam alianças nos estados com o PT até agora: Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Sergipe. Têm 103 delegados (13,8%) do total de 742 da convenção nacional do PMDB, marcada para junho. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas e Pará — que somam 489 (65,9%) dos delegados — veem a disputa contra o PT praticamente consolidada. Com 150 delegados (6,5%), estão indefinidos Paraná, Espírito Santo, Alagoas, Tocantins e Amapá. Nesse cenário, todo cuidado é pouco. Os conflitos nos estados atuam como forças centrífugas que ameaçam a coligação, apesar da participação do PMDB no governo, que atua como força de atração. A ideia de que tudo se resolve com palanque duplo é mais ou menos um “venha a nós, ao vosso reino nada”. O hegemonismo petista avança para cima do PMDB na disputa dos governos estaduais e pelos comandos da Câmara e do Senado. Além disso, o discurso de que o PMDB faz chantagem acabará sendo desgastante para o próprio PT, se recuar para manter a aliança. E se não a mantiver? Ora, se isso acontecer, quem também vai dançar da cabeça da coligação é a presidente Dilma Rousseff, junto com Michel Temer, porque o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem o tempo de televisão do PMDB, não quererão correr o risco de entregar o poder à oposição numa bandeja. Ou seja, Dilma leva água para o moinho do “Volta, Lula!”. |
Depois do carnaval
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo Correio Braziliense - 03/03/2014 O senso comum de que o PMDB é governista e apenas faz chantagem favorece a presidente Dilma perante a opinião pública, mas encobre o fato de que os conflitos eleitorais entre a legenda e o PT se agravaram |
O Palácio do Planalto entrou em recesso de carnaval festejando as duas notícias mais relevantes da semana: o ano de 2013 fechou com um Produto Interno Bruto (PIB) de 2,3% em 2013 e a reviravolta no julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que absolveu oito condenados, entre os quais três dirigentes petistas, do crime de formação de quadrilha. São resultados que por si só não garantem vida fácil para a presidente Dilma Rousseff na campanha de reeleição, mas são importantes para a construção de um discurso com objetivo de mitigar os desgastes provocados tanto pelo baixo crescimento econômico como pelo envolvimento do PT no escândalo do mensalão. O resultado do PIB, por exemplo, permite dizer que o Brasil enfrentou a crise mundial com mais competência do que outros países, como fez o novo ministro-chefe da Comunicação Social, Thomas Traumann, ao rebater as críticas do Financial Times, que sugeriu a demissão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o argumento de que crescemos mais do que a Inglaterra no ano passado. A revisão da condenação por formação de quadrilha reforça a velha tese do PT, de autoria do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, hoje advogado no processo, de que não houve compra de votos no Congresso, apenas caixa dois de campanha. O escândalo pôs na cadeia o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e os ex-deputados José Genoino e João Paulo Cunha. De Pirro Nada disso, porém, livra a presidente Dilma Rousseff das responsabilidades futuras. O resultado do PIB trouxe um certo alívio quanto às pressões dos empresários a favor do “Volta, Lula”, mas a inflação continua alta, o governo foi obrigado a contingenciar investimentos, o Banco Central elevou os juros a 10,75% e a balança comercial é um desastre. No curto prazo, de nada adianta o baluartismo: a recuperação dos Estados Unidos e da Europa causa a fuga de investimentos para os países desenvolvidos. A decisão do STF abre caminho para a derrubada imediata da condenação de João Paulo Cunha por lavagem de dinheiro e, provavelmente, para um pedido de revisão de todo o processo criminal, ou seja, a anulação do julgamento anterior, principalmente se o ministro Joaquim Barbosa antecipar a aposentadoria e o governo indicar mais um ministro alinhado ao Palácio do Planalto. Essa, porém, é uma agenda negativa. Pode ser uma vitória de Pirro, com impacto eleitoral negativo. Trair e coçar Mas o maior problema da quarta-feira de cinzas, sem dúvida, será a tensa relação com o PMDB, que endurece o jogo nas negociações da reforma ministerial. O senso comum de que o partido é governista e apenas faz chantagem favorece a presidente Dilma perante a opinião pública, mas encobre o fato de que os conflitos eleitorais entre a legenda e o PT se agravaram. Tanto que Dilma não foi citada sequer uma vez, nem pelo vice-presidente Michel Temer, no programa de televisão do PMDB. A legenda aliada está em disputa eleitoral com o PT em estados importantes — Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará, Mato Grosso, Tocantins e Amazonas. Na antevéspera do carnaval, a presidente Dilma Rousseff conversou com o vice Michel Temer sobre os palanques estaduais de PT e PMDB. Aposta-se num palanque duplo no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Ceará, no Paraná e no Rio Grande do Sul. É aí que mora o perigo. Como diz o ditado popular, para trair e coçar é só começar. |