segunda-feira, 17 de março de 2014

A política como (bom) negócio

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/03/2014

 Deputados e senadores talvez tenham mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas

Uma das maneiras de traçar uma linha divisória entre os políticos é uma clássica definição de Max Weber, em notável conferência realizada em 1918, na Alemanha, intitulada “A política como vocação”. A definição weberiana de político é nua e crua: o homem que se entrega à política, aspira ao poder — seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outro fim, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder” para gozar do sentimento de prestígio que ele confere. Sendo assim, haveria dois tipos de políticos: aqueles que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”.

Para Weber, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede que a diferenciação econômica dos que “vivem para” e dos que “vivem da” política seja relevante. Segundo ele, nem o operário, nem o empresário estão disponíveis suficientemente para a política. Por isso, para a sobrevivência dos partidos políticos — e da própria democracia — é preciso a existência de pessoas que “vivam da” política e a tenham como atividade principal. A consequência prática é uma camada numerosa de dirigentes políticos formada a partir de critérios plutocráticos: o partido que tem mais recursos econômicos para disponibilizar políticos profissionais elege mais e tem mais poder. Vem daí, por exemplo, a crise atual entre PT e PMDB.

Nas democracias ocidentais, capitalistas, a política como bem comum ou como negócio também seria um divisor de águas do que se convencionou chamar de esquerda e de direita, respectivamente. Não é isso, porém, que ocorre de fato no Congresso. No Brasil, todos os políticos se dizem defensores do bem comum e jamais aceitam publicamente a condição de que veem a política como negócio, além de raros serem aqueles que aceitam a condição de político de direita, conservador ou reacionário nem sequer neoliberal. E a esquerda já não é a mesma de outrora.

A negociação

A maioria dos nossos deputados e senadores talvez tenha mais desenvoltura no trato de grandes e pequenos interesses privados do que no debate de políticas públicas, que, aliás, estão hegemonizadas por grandes interesses privados. Não levam em conta os aspectos que envolvem a chamada vida banal, ou seja, a eficiência e a qualidade dos serviços públicos que são efetivamente prestados aos cidadãos comuns no seu dia a dia. O Palácio do Planalto estimula esse status quo porque isso facilita a dominação de Estado e interdita o debate sobre o acerto ou não de suas decisões pelo Parlamento e pela sociedade. E la nave vá, até que surja uma crise.

Foi o que ocorreu na semana passada entre a presidente Dilma Rousseff e sua própria base, com a formação de um “blocão” independente encabeçado pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). Não há precedentes de uma derrota tão esmagadora do governo como a da semana passada, quando foi aprovada a criação de uma comissão externa para investigar denúncias contra funcionários da Petrobras e o governo contou somente com 28 votos em plenário. Também foi inédita a convocação de 10 ministros pelas comissões da Câmara num único dia.

O artífice da derrota de Dilma Rousseff foi Cunha, que o Palácio do Planalto tenta desmoralizar e isolar, porque seria um parlamentar que vê a “política como negócio”. Ora, essa é essência do sistema de forças governistas no Congresso e do aggiornamento do PT, cuja bancada hoje tem muita desenvoltura ao atuar junto ao mundo empresarial. Aconselhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo vice-presidente Michel Temer, que conhecem os bastidores do Congresso e das negociações com a base, Dilma Rousseff recuou e abriu negociações com Cunha. O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi encarregado de recebê-lo no Palácio do Planalto para tratar dos “pleitos” dos rebeldes. É preferível manter o monopólio dos grandes negócios no país no Executivo e confinar as negociações com os aliados da base governista à “pequena política”.

Mercadante foi autorizado a negociar a liberação de verbas, nomeações para cargos no governo e estatais, espaços eleitorais nos estados, concessões de emissoras de rádio, atendimento de demandas de evangélicos, toda sorte de reivindicações individuais da bancada rebelde. O problema é que Cunha sabe das coisas e meteu o pé na porta. Já provou que é capaz de barrar na Câmara dos Deputados grandes acertos feitos pelo governo no meio empresarial, como ocorreu, por exemplo, na MP dos Portos. Quer ser tratado como grande interlocutor no Congresso.


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