Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 31/07/2014
Dilma fez um balanço róseo das
atuação de seu governo na economia, mas pegou carona nos dois mandatos
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se defender das críticas
que vem sofrendo dos agentes econômicos e da oposição
Os que esperavam um mea-culpa e
o anúncio de mudanças de rumos na política econômica de parte da
presidente Dilma Rousseff(PT), candidata à reeleição, saíram frustrados
da sabatina promovida ontem pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI), com participação dos principais candidatos a presidente da
República.
Se depender dos aplausos, saíram-se melhor com os
empresários o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de
Pernambuco Eduardo Campos (PSB), que bateram duro na gestão da economia,
embora a presidente da República, acompanhada do vice, Michel Temer, e
de seus principais ministros, tenha mobilizado grande atenção.
Dilma fez um balanço róseo das
atuação de seu governo na economia, mas pegou carona nos dois mandatos
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se defender das críticas
que vem sofrendo dos agentes econômicos e da oposição.
Dilma fez um balanço róseo das atuação de seu governo na economia,
mas pegou carona nos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para se defender das críticas que vem sofrendo dos agentes
econômicos e da oposição.
Mesmo com a indústria nacional à bancarrota, defendeu enfaticamente a
sua política industrial, Citou como exemplo a polêmica política de
financiamento do BNDES, que é muito criticada por favorecer grandes
grupos econômicos escolhidos a dedo pelo governo, e a indústria naval,
que passou a receber encomendas da Petrobras.
A maioria dos
empresários presentes, apesar dos elogios formais de alguns diretores da
CNI, até achou graça das loas de Dilma à desoneração de tributos e o
aumento das compras governamentais, à formação técnica com foco na
inovação, ao estabelecimento de marcos regulatórios e dos investimentos
em infraestrutura. É que a indústria brasileira está no maior sufoco.
A presidente da República voltou a atacar os críticos do governo: “A
pior coisa que pode acontecer com a pessoa, empresário, quando tem que
enfrentar desafio ou uma crise, em qualquer atividade, em especial na
atividade econômica, a pior coisa é ficar pessimista. O pessimismo tem o
condão de ter consequências graves. Expectativas pessimistas bloqueiam
as realizações”, disse.
Culpou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelos problemas de
infraestrutura e saiu pela tangente quando foi obrigada a falar sobre as
medidas que precisarão ser adotadas após as eleições para corrigir a
defasagem das tarifas públicas. “Essa história do tarifaço é mais um
movimento no sentido de instaurar pessimismo, expectativas negativas,
comprometendo o crescimento do país. O que uma empresa pensa quando
passam a falar que vai haver racionamento? Eu não posso investir porque
vai ter restrição da energia, então eu restrinjo a produção”, declarou.
Alternativas para a crise
O candidato do PSDB à
Presidência da República, Aécio Neves, durante a sabatina, anunciou que,
se eleito, vai propor logo na “largada” do governo um projeto de
simplificação do sistema tributário. Segundo ele, a simplificação é
necessária para garantir maior competitividade da indústria brasileira,
com a redução dos encargos tributários. Para Aécio, é preciso avançar em
políticas que incentivem o investimento privado em obras,
principalmente de infraestrutura.
O tucano desceu o sarrafo na gestão do PT na economia. Chamou de
“pífios” os resultados obtidos pelo governo, em consequência de escolhas
erradas. “A grande verdade é que, ao longo dos últimos 12 anos, o atual
governo demonizou as privatizações, as concessões e as parcerias com o
setor privado. Mas eu aprendi muito cedo que o ativo mais valioso da
política é o tempo. E o aprendizado do PT no governo vem custando muito
caro ao Brasil”, disse.
Eduardo Campos (PSB) também defendeu uma reforma tributária, cujo
projeto apresentaria na primeira semana de governo, caso seja eleito.
Foi duro contra o “presidencialismo de coalizão”, numa referência às
alianças do governo com vários partidos, numa espécie de loteamento.
Prometeu por fim à relação do governo federal com os partidos com base
na troca de ministérios por apoio político no Congresso.
“É
fundamental que possamos ter no Brasil a produtividade do setor público,
do setor privado, que hoje é baixíssima, e a produtividade não é chegar
distribuindo ministérios para uma porção de partidos políticos”, disse.
quinta-feira, 31 de julho de 2014
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Apelou, perdeu!
Nas Entrelinhas:Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 30/07/2014
A radicalização também é uma tentação para a presidente da República, porque empolga os petistas que se sentem acuados por causa do escândalo do mensalão. O PT vibra quando Dilma parte para cima dos adversários
A maior celeuma na cúpula da campanha da presidente Dilma Rousseff é sobre como enfrentar a rejeição de 35% dos eleitores, que seria a origem da grande transferência de votos para os adversários na eventualidade de um segundo turno. Todas as pesquisas qualitativas feitas pelo marqueteiro João Santana apontam que a principal causa dessa rejeição — pasmem —, não seriam nem o PT nem a avaliação negativa do desempenho do governo, mas a antipatia da presidente da República.
Isso não significa que o “ódio ao PT”, como gosta de dizer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a chamada estagflação (baixo crescimento com alta da inflação) não estejam entre os grandes problemas que ameaçam inviabilizar a reeleição de Dilma. A questão é que Dilma precisa reduzir a rejeição para debater essas questões. E, diante da situação atual, será muito difícil encarar esse debate sem atacar os adversários, o que pode cristalizar e até aumentar a rejeição da presidente da República.
A aposta do marqueteiro de Dilma para sair da armadilha é aproveitar os quase 12 minutos de tempo de televisão à disposição da campanha para reconstruir a imagem da “Dilminha, paz e amor” que pautou a campanha de 2010. Naquela ocasião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em pleno exercício do cargo, é que atuou como algoz da oposição. Esse ponto de vista, porém, não é o mesmo de outros integrantes do estado-maior da campanha, inclusive o presidente do PT, Rui Falcão.
Disputa política
O episódio envolvendo o Palácio do Planalto e o ex-ministro Franklin Martins logo após a derrota de 7 x 1 do Brasil para a Alemanha ilustra o que seria o centro das divergências na campanha, mas foi apenas uma amostra grátis. Na ocasião, foi publicada uma nota no site Muda Mais que criticava duramente a CBF.
Como a Copa do Mundo não havia acabado, houve uma orientação da cozinha palaciana para que a nota fosse retirada do ar. Franklin não aceitou a diretiva. Para pôr fim ao conflito, por decisão de Dilma Rousseff, o site foi formalmente desvinculado da campanha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo assim, foi preciso a intervenção do ex-presidente Lula para pôr um ponto final no assunto.
Há mais coisas entre o céu e a terra do que o avião presidencial — o confortável Aerolula. Esse embate é a ponta de um iceberg no comando da campanha de Dilma Rousseff, no qual estão em choque uma abordagem mais sociológica da eleição, na qual o marketing eleitoral é orientado pelas pesquisas qualitativas, e uma concepção política pautada pela lógica da radicalização da disputa política, cuja melhor tradução são os ataques do ex-presidente Lula à “elite branca”.
Dilma fica dividida em relação à polêmica. O temperamento dela coincide com a estratégia de centrar a campanha eleitoral na suposta disputa entre dois projetos de país, confrontando os anos de governo tucano com os da gestão petista. Isso, porém, não resolve o problema da rejeição, que chegou ao limite, principalmente no Sudeste e no Sul do país. Caso não consiga reduzi-la, na avaliação do marqueteiro, a reeleição estará perdida.
A radicalização também é uma tentação para a presidente da República, porque empolga os petistas que se sentem acuados por causa do escândalo do mensalão. O PT vibra quando Dilma parte para cima dos adversários, como fez no segundo turno de 2010, nas vésperas da Copa e nesta semana, ao reagir às críticas do mercado financeiro — especialmente ao banco Santander —, por causa da condução da economia.
A imagem de “faxineira e gestora” que Dilma tentou emplacar no primeiro ano de governo foi desconstruída pelos fatos, principalmente por causa das alianças que fez para garantir o tempo de televisão e o desempenho à frente da economia, com intervenções diretas que não deram muito certo.
Diante disso, a estratégia de Santana é operar em duas esferas eleitorais: uma é a classe média, que está quase perdida, com uma campanha soft, prometendo mudanças de rota na gestão do país. Outra é o povão, que se descolou da presidente da República e do PT, para o qual a tática será explorar o medo da população de baixa renda, com o discurso de que programas de grande apelo, como o Bolsa Família, estão em risco em caso de vitória da oposição.
Em ambos os casos, não é uma estratégia nova e pode dar errado. A oposição já está vacinada com a apelação.
Correio Braziliense - 30/07/2014
A radicalização também é uma tentação para a presidente da República, porque empolga os petistas que se sentem acuados por causa do escândalo do mensalão. O PT vibra quando Dilma parte para cima dos adversários
A maior celeuma na cúpula da campanha da presidente Dilma Rousseff é sobre como enfrentar a rejeição de 35% dos eleitores, que seria a origem da grande transferência de votos para os adversários na eventualidade de um segundo turno. Todas as pesquisas qualitativas feitas pelo marqueteiro João Santana apontam que a principal causa dessa rejeição — pasmem —, não seriam nem o PT nem a avaliação negativa do desempenho do governo, mas a antipatia da presidente da República.
Isso não significa que o “ódio ao PT”, como gosta de dizer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a chamada estagflação (baixo crescimento com alta da inflação) não estejam entre os grandes problemas que ameaçam inviabilizar a reeleição de Dilma. A questão é que Dilma precisa reduzir a rejeição para debater essas questões. E, diante da situação atual, será muito difícil encarar esse debate sem atacar os adversários, o que pode cristalizar e até aumentar a rejeição da presidente da República.
A aposta do marqueteiro de Dilma para sair da armadilha é aproveitar os quase 12 minutos de tempo de televisão à disposição da campanha para reconstruir a imagem da “Dilminha, paz e amor” que pautou a campanha de 2010. Naquela ocasião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em pleno exercício do cargo, é que atuou como algoz da oposição. Esse ponto de vista, porém, não é o mesmo de outros integrantes do estado-maior da campanha, inclusive o presidente do PT, Rui Falcão.
Disputa política
O episódio envolvendo o Palácio do Planalto e o ex-ministro Franklin Martins logo após a derrota de 7 x 1 do Brasil para a Alemanha ilustra o que seria o centro das divergências na campanha, mas foi apenas uma amostra grátis. Na ocasião, foi publicada uma nota no site Muda Mais que criticava duramente a CBF.
Como a Copa do Mundo não havia acabado, houve uma orientação da cozinha palaciana para que a nota fosse retirada do ar. Franklin não aceitou a diretiva. Para pôr fim ao conflito, por decisão de Dilma Rousseff, o site foi formalmente desvinculado da campanha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo assim, foi preciso a intervenção do ex-presidente Lula para pôr um ponto final no assunto.
Há mais coisas entre o céu e a terra do que o avião presidencial — o confortável Aerolula. Esse embate é a ponta de um iceberg no comando da campanha de Dilma Rousseff, no qual estão em choque uma abordagem mais sociológica da eleição, na qual o marketing eleitoral é orientado pelas pesquisas qualitativas, e uma concepção política pautada pela lógica da radicalização da disputa política, cuja melhor tradução são os ataques do ex-presidente Lula à “elite branca”.
Dilma fica dividida em relação à polêmica. O temperamento dela coincide com a estratégia de centrar a campanha eleitoral na suposta disputa entre dois projetos de país, confrontando os anos de governo tucano com os da gestão petista. Isso, porém, não resolve o problema da rejeição, que chegou ao limite, principalmente no Sudeste e no Sul do país. Caso não consiga reduzi-la, na avaliação do marqueteiro, a reeleição estará perdida.
A radicalização também é uma tentação para a presidente da República, porque empolga os petistas que se sentem acuados por causa do escândalo do mensalão. O PT vibra quando Dilma parte para cima dos adversários, como fez no segundo turno de 2010, nas vésperas da Copa e nesta semana, ao reagir às críticas do mercado financeiro — especialmente ao banco Santander —, por causa da condução da economia.
A imagem de “faxineira e gestora” que Dilma tentou emplacar no primeiro ano de governo foi desconstruída pelos fatos, principalmente por causa das alianças que fez para garantir o tempo de televisão e o desempenho à frente da economia, com intervenções diretas que não deram muito certo.
Diante disso, a estratégia de Santana é operar em duas esferas eleitorais: uma é a classe média, que está quase perdida, com uma campanha soft, prometendo mudanças de rota na gestão do país. Outra é o povão, que se descolou da presidente da República e do PT, para o qual a tática será explorar o medo da população de baixa renda, com o discurso de que programas de grande apelo, como o Bolsa Família, estão em risco em caso de vitória da oposição.
Em ambos os casos, não é uma estratégia nova e pode dar errado. A oposição já está vacinada com a apelação.
terça-feira, 29 de julho de 2014
Saída para o Pacífico
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/07/2014
Aliança do Atlântico, próxima de Washington, apresentar resultados mais compensadores para os seus integrantes do que o Mercosul. O Brasil quer recuperar o protagonismo perdido
A presidente Dilma Rousseff se encontrará hoje em Caracas com seus colegas da Argentina, Cristina Kirchner; do Uruguai, José Mujica; do Paraguai, Horacio Cartes; e da Venezuela, Nicolás Maduro, anfitrião do encontro, para uma cartada decisiva para a política brasileira de comércio exterior: a proposta de antecipar a “tarifa zero” entre os países do Pacífico sul-americano.
A intenção do governo é reduzir as alíquotas comerciais nas transações entre Mercosul e Colômbia, Chile e Peru já no fim deste ano. O México, o quarto membro da Aliança do Pacífico, ficaria de fora inicialmente. Pela ideia original, o acordo entraria em vigor só em 2019. Nos últimos anos, o comércio do Brasil com a Colômbia aumentou 300%, com o Peru, 389%, e com o Chile, 200%. O acordo seria um bom negócio para o Brasil.
Com isso, o Palácio do Planalto também quer zerar o jogo em relação às críticas que vem sofrendo por causa do impasse nas negociações com os vizinhos do Mercosul em detrimento de um acordo com a União Europeia (UE). Quem paga o pato pela demora são as empresas brasileiras, à beira da recessão.
Na semana passada, o presidente da UE, o português Durão Barroso, em visita ao Brasil, disse que estamos perdendo uma grande oportunidade ao não assinar um acordo comercial com a Europa, a exemplo do que fizeram os países da Aliança com o Pacífico.
O Palácio do Planalto não digeriu a crítica e vazou que o acordo não foi assinado a pedido de Angela Merkel, chefe de governo e chanceler alemã, que é quem realmente manda nas decisões econômicas da União Europeia. Em fim de mandato, Durão teria falado demais.
Há, porém, nos meios políticos, empresariais e diplomáticos, muitas restrições aos rumos da política externa brasileira, que estaria sendo ditada pelo assessor especial Marco Aurélio Garcia, a partir de uma lógica que apostava no declínio da hegemonia norte-americana, na estagnação europeia e na emergência dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em razão da crise mundial.
Para esse setores, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo seria uma espécie de rainha da Inglaterra, embora seja mais afinado com a presidente Dilma Rousseff do que o antecessor Antônio Patriota, atual representante permanente do Brasil na ONU. Quem formula a política externa não seria o corpo diplomático do Itamaraty, mas o histórico dirigente petista.
Protagonismo
Figueiredo está incomodado com essas críticas e com o fato de a Aliança do Atlântico, próxima de Washington, apresentar resultados mais compensadores para os integrantes do que o Mercosul. Com a "tarifa zero", acredita, o Brasil recuperaria o protagonismo perdido.
A "tarifa zero" criaria um mercado diferenciado para os produtos da zona em relação aos chineses, que são os grandes concorrentes da indústria regional, principalmente a brasileira. O Mercosul representa 72% do território, 70% da população, 80% do PIB, 58% dos investimentos estrangeiros diretos e 65% do comércio exterior da América do Sul.
Um dos complicadores da reunião é a grave situação econômica da Argentina, que ameaça decretar uma nova moratória por causa dos chamados fundos abutres. Se isso ocorrer, tanto a proposta de "tarifa zero" como o acordo comercial com a União Europeia subirão no telhado.
O governo da Argentina negocia em Nova York com credores, depois de perder uma ação na Justiça no valor de US$ 1,3 bilhão para os referidos fundos, que participaram de dois planos de renegociação da dívida argentina após a moratória de 2001.
Faixa de Gaza
Também está na pauta dos chefes de Estado a questão da Faixa de Gaza, objeto de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, ontem, determinando um cessar-fogo imediato, cujos termos são contestados tanto por Israel como pelo Hamas. É provável a aprovação de uma dura condenação à Israel.
A propósito, Dilma Rousseff reiterou ontem as críticas ao governo de Israel por causa dos “ataques desproporcionais” ao Hamas, na Faixa de Gaza, mas esclareceu que chamou o embaixador em Tel-Aviv do Brasil para ter mais informações sobre a crise do Oriente Médio e que ele voltará ao posto em breve. Ou seja, o Brasil vai preservar as relações diplomáticas com o governo do conservador líder do Likud, Benjamin “Bibi Netanyahu.
Correio Braziliense - 29/07/2014
Aliança do Atlântico, próxima de Washington, apresentar resultados mais compensadores para os seus integrantes do que o Mercosul. O Brasil quer recuperar o protagonismo perdido
A presidente Dilma Rousseff se encontrará hoje em Caracas com seus colegas da Argentina, Cristina Kirchner; do Uruguai, José Mujica; do Paraguai, Horacio Cartes; e da Venezuela, Nicolás Maduro, anfitrião do encontro, para uma cartada decisiva para a política brasileira de comércio exterior: a proposta de antecipar a “tarifa zero” entre os países do Pacífico sul-americano.
A intenção do governo é reduzir as alíquotas comerciais nas transações entre Mercosul e Colômbia, Chile e Peru já no fim deste ano. O México, o quarto membro da Aliança do Pacífico, ficaria de fora inicialmente. Pela ideia original, o acordo entraria em vigor só em 2019. Nos últimos anos, o comércio do Brasil com a Colômbia aumentou 300%, com o Peru, 389%, e com o Chile, 200%. O acordo seria um bom negócio para o Brasil.
Com isso, o Palácio do Planalto também quer zerar o jogo em relação às críticas que vem sofrendo por causa do impasse nas negociações com os vizinhos do Mercosul em detrimento de um acordo com a União Europeia (UE). Quem paga o pato pela demora são as empresas brasileiras, à beira da recessão.
Na semana passada, o presidente da UE, o português Durão Barroso, em visita ao Brasil, disse que estamos perdendo uma grande oportunidade ao não assinar um acordo comercial com a Europa, a exemplo do que fizeram os países da Aliança com o Pacífico.
O Palácio do Planalto não digeriu a crítica e vazou que o acordo não foi assinado a pedido de Angela Merkel, chefe de governo e chanceler alemã, que é quem realmente manda nas decisões econômicas da União Europeia. Em fim de mandato, Durão teria falado demais.
Há, porém, nos meios políticos, empresariais e diplomáticos, muitas restrições aos rumos da política externa brasileira, que estaria sendo ditada pelo assessor especial Marco Aurélio Garcia, a partir de uma lógica que apostava no declínio da hegemonia norte-americana, na estagnação europeia e na emergência dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em razão da crise mundial.
Para esse setores, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo seria uma espécie de rainha da Inglaterra, embora seja mais afinado com a presidente Dilma Rousseff do que o antecessor Antônio Patriota, atual representante permanente do Brasil na ONU. Quem formula a política externa não seria o corpo diplomático do Itamaraty, mas o histórico dirigente petista.
Protagonismo
Figueiredo está incomodado com essas críticas e com o fato de a Aliança do Atlântico, próxima de Washington, apresentar resultados mais compensadores para os integrantes do que o Mercosul. Com a "tarifa zero", acredita, o Brasil recuperaria o protagonismo perdido.
A "tarifa zero" criaria um mercado diferenciado para os produtos da zona em relação aos chineses, que são os grandes concorrentes da indústria regional, principalmente a brasileira. O Mercosul representa 72% do território, 70% da população, 80% do PIB, 58% dos investimentos estrangeiros diretos e 65% do comércio exterior da América do Sul.
Um dos complicadores da reunião é a grave situação econômica da Argentina, que ameaça decretar uma nova moratória por causa dos chamados fundos abutres. Se isso ocorrer, tanto a proposta de "tarifa zero" como o acordo comercial com a União Europeia subirão no telhado.
O governo da Argentina negocia em Nova York com credores, depois de perder uma ação na Justiça no valor de US$ 1,3 bilhão para os referidos fundos, que participaram de dois planos de renegociação da dívida argentina após a moratória de 2001.
Faixa de Gaza
Também está na pauta dos chefes de Estado a questão da Faixa de Gaza, objeto de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, ontem, determinando um cessar-fogo imediato, cujos termos são contestados tanto por Israel como pelo Hamas. É provável a aprovação de uma dura condenação à Israel.
A propósito, Dilma Rousseff reiterou ontem as críticas ao governo de Israel por causa dos “ataques desproporcionais” ao Hamas, na Faixa de Gaza, mas esclareceu que chamou o embaixador em Tel-Aviv do Brasil para ter mais informações sobre a crise do Oriente Médio e que ele voltará ao posto em breve. Ou seja, o Brasil vai preservar as relações diplomáticas com o governo do conservador líder do Likud, Benjamin “Bibi Netanyahu.
domingo, 27 de julho de 2014
Faixa de Gaza
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/07/2014
O Palácio do Planalto jogou mais para a arquibancada do que em direção ao gol. Assim, abriu espaço para que a belicosa chancelaria israelense classificasse o Brasil como um “anão diplomático”, o que não é caso, historicamente, em se tratando do Oriente Médio.
Quem já foi ao Saara, no Rio de Janeiro, como são conhecidas as ruas de comércio popular da capital fluminense, sabe que a convivência entre árabes e judeus poderia ser muito melhor. Ali, concorrem entre si no plano comercial, mas vivem em harmonia social e são capazes de se unir em prol dos interesses comuns. Entretanto, quando a situação se agrava no Oriente Médio, como na Guerra dos Seis Dias, em 1967, ou na invasão do Líbano por Israel, em 1982, um clima de baixo astral toma conta das duas comunidades.
São os ecos da guerra longínqua na terra ancestral, que, para eles, está muito mais perto do que se imagina, devido aos laços familiares. As duas antigas tribos semitas, segundo o Gênesis, descendem de Sem, filho de Nóe. O mesmo sentimento de dor e frustração ocorre em outras regiões país. É o caldo de cultura para o fanatismo religioso e o chauvinismo nacionalista, que podem ser tornar um problema para todos nós, se entrarmos no clima de radicalização política que predomina em Israel e na Palestina.
Desde a criação do Estado de Israel, com o decisivo apoio do Brasil na ONU, o Itamaraty sempre atuou como uma força moderadora nos conflitos do Oriente Médio, sem que isso significasse abdicar de tomar posições afirmativas nos fóruns internacionais a favor da Autoridade Palestina, como o seu reconhecimento diplomático.
Forças de paz
Atualmente, a Marinha do Brasil integra uma força-tarefa marítima da Força Interina das Nações Unidas do Líbano (Unifil), com um navio operando na parte oriental do Mar Mediterrâneo. A fragata Liberal tem uma tripulação composta por 263 militares, com um destacamento aéreo embarcado, fuzileiros navais, corpo de saúde e mais 13 oficiais de estado-maior.
Composta ainda por mais oito navios da Alemanha, Turquia, Grécia, Indonésia e Bangladesh, desde fevereiro de 2011 a força-tarefa está sob comando de um contra-almirante brasileiro. Monitora o tráfego na costa libanesa, para impedir o contrabando de armas para os xiitas do Hizbollah e treinar os quadros da Marinha de Guerra libanesa.
É a primeira vez que o comando da Unifil está sob responsabilidade de um país não membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A fragata Constituição recentemente partiu do Rio de Janeiro para substituir a fragata Liberal, e permanecerá na área até abril de 2015.
Guerra Fria
Não é a primeira vez que o Brasil manda militares para o Oriente Médio. De 1957 a 1967, no calor escaldante do deserto, 6 mil soldados brasileiros — a maioria do Rio — patrulharam o Canal de Suez e as fronteiras do Egito, entre tempestades de areia e minas terrestres. O Batalhão Suez ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1988, ao lado das Forças de Paz da ONU.
Além de Israel e Egito — os dois países envolvidos diretamente na guerra —, grandes potências mundiais, como Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética, tinham interesses em jogo na região. Um dos motivos do conflito foi a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1956.
O local é um ponto estratégico para a economia mundial, fazendo a ligação marítima mais curta entre vários países da Ásia, da África e da Europa. Em retaliação, França e Inglaterra formaram uma espécie de coalizão com Israel e atacaram o Egito. Era o período da Guerra Fria, a disputa entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos pela liderança política e econômica mundial.
A ONU agiu prontamente e enviou tropas de paz para a região. O Brasil foi um dos 10 países convidados a participar da missão, com Canadá, Noruega, Finlândia, Índia, Colômbia, Dinamarca, Indochina, Suécia e Iugoslávia. Isso não impediu, porém, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, na qual Israel derrotou o Egito, a Síria e a Jordânia e ocupou territórios árabes.
Talvez tenha havido um exagero no posicionamento do governo brasileiro — que classificou de desproporcional os ataques de Israel às comunidades palestinas na Faixa de Gaza, o que é verdade, sem criticar duramente os ataques do Hamas ao território israelense —, ao convocar o nosso embaixador em Israel.
O Palácio do Planalto jogou mais para a arquibancada do que em direção ao gol. Assim, abriu espaço para que a belicosa chancelaria israelense classificasse o Brasil como um “anão diplomático”, o que não é caso, historicamente, em se tratando do Oriente Médio. Do ponto da nossa tradição diplomática, a capacidade de diálogo do Itamaraty sempre teve papel positivo para a paz na região, mas pode ter se perdido nesse episódio.
Correio Braziliense - 27/07/2014
O Palácio do Planalto jogou mais para a arquibancada do que em direção ao gol. Assim, abriu espaço para que a belicosa chancelaria israelense classificasse o Brasil como um “anão diplomático”, o que não é caso, historicamente, em se tratando do Oriente Médio.
Quem já foi ao Saara, no Rio de Janeiro, como são conhecidas as ruas de comércio popular da capital fluminense, sabe que a convivência entre árabes e judeus poderia ser muito melhor. Ali, concorrem entre si no plano comercial, mas vivem em harmonia social e são capazes de se unir em prol dos interesses comuns. Entretanto, quando a situação se agrava no Oriente Médio, como na Guerra dos Seis Dias, em 1967, ou na invasão do Líbano por Israel, em 1982, um clima de baixo astral toma conta das duas comunidades.
São os ecos da guerra longínqua na terra ancestral, que, para eles, está muito mais perto do que se imagina, devido aos laços familiares. As duas antigas tribos semitas, segundo o Gênesis, descendem de Sem, filho de Nóe. O mesmo sentimento de dor e frustração ocorre em outras regiões país. É o caldo de cultura para o fanatismo religioso e o chauvinismo nacionalista, que podem ser tornar um problema para todos nós, se entrarmos no clima de radicalização política que predomina em Israel e na Palestina.
Desde a criação do Estado de Israel, com o decisivo apoio do Brasil na ONU, o Itamaraty sempre atuou como uma força moderadora nos conflitos do Oriente Médio, sem que isso significasse abdicar de tomar posições afirmativas nos fóruns internacionais a favor da Autoridade Palestina, como o seu reconhecimento diplomático.
Forças de paz
Atualmente, a Marinha do Brasil integra uma força-tarefa marítima da Força Interina das Nações Unidas do Líbano (Unifil), com um navio operando na parte oriental do Mar Mediterrâneo. A fragata Liberal tem uma tripulação composta por 263 militares, com um destacamento aéreo embarcado, fuzileiros navais, corpo de saúde e mais 13 oficiais de estado-maior.
Composta ainda por mais oito navios da Alemanha, Turquia, Grécia, Indonésia e Bangladesh, desde fevereiro de 2011 a força-tarefa está sob comando de um contra-almirante brasileiro. Monitora o tráfego na costa libanesa, para impedir o contrabando de armas para os xiitas do Hizbollah e treinar os quadros da Marinha de Guerra libanesa.
É a primeira vez que o comando da Unifil está sob responsabilidade de um país não membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A fragata Constituição recentemente partiu do Rio de Janeiro para substituir a fragata Liberal, e permanecerá na área até abril de 2015.
Guerra Fria
Não é a primeira vez que o Brasil manda militares para o Oriente Médio. De 1957 a 1967, no calor escaldante do deserto, 6 mil soldados brasileiros — a maioria do Rio — patrulharam o Canal de Suez e as fronteiras do Egito, entre tempestades de areia e minas terrestres. O Batalhão Suez ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1988, ao lado das Forças de Paz da ONU.
Além de Israel e Egito — os dois países envolvidos diretamente na guerra —, grandes potências mundiais, como Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética, tinham interesses em jogo na região. Um dos motivos do conflito foi a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1956.
O local é um ponto estratégico para a economia mundial, fazendo a ligação marítima mais curta entre vários países da Ásia, da África e da Europa. Em retaliação, França e Inglaterra formaram uma espécie de coalizão com Israel e atacaram o Egito. Era o período da Guerra Fria, a disputa entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos pela liderança política e econômica mundial.
A ONU agiu prontamente e enviou tropas de paz para a região. O Brasil foi um dos 10 países convidados a participar da missão, com Canadá, Noruega, Finlândia, Índia, Colômbia, Dinamarca, Indochina, Suécia e Iugoslávia. Isso não impediu, porém, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, na qual Israel derrotou o Egito, a Síria e a Jordânia e ocupou territórios árabes.
Talvez tenha havido um exagero no posicionamento do governo brasileiro — que classificou de desproporcional os ataques de Israel às comunidades palestinas na Faixa de Gaza, o que é verdade, sem criticar duramente os ataques do Hamas ao território israelense —, ao convocar o nosso embaixador em Israel.
O Palácio do Planalto jogou mais para a arquibancada do que em direção ao gol. Assim, abriu espaço para que a belicosa chancelaria israelense classificasse o Brasil como um “anão diplomático”, o que não é caso, historicamente, em se tratando do Oriente Médio. Do ponto da nossa tradição diplomática, a capacidade de diálogo do Itamaraty sempre teve papel positivo para a paz na região, mas pode ter se perdido nesse episódio.
quinta-feira, 24 de julho de 2014
O “estado da arte”
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/07/2014
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a situação da economia, que bate às portas da recessão
Na língua dos tecnocratas, “estado da arte” indica o ponto em que um determinado projeto técnico se torna um produto em si. A expressão foi utilizada pela primeira vez no manual de engenharia do norte-americano Henry Harrison Suple, intitulado Gas Turbine, e significa que um determinado projeto chegou ao limite do seu desenvolvimento. Às vezes, a expressão é utilizada para registrar um determinado momento de evolução do projeto, e não a sua conclusão, o que é um erro de conceito.
Digamos que a construção das candidaturas à Presidência da República chegou ao “estado da arte” na verdadeira acepção do conceito. É mais ou menos o que as últimas pesquisas deixaram claro. O Ibope divulgado pelo Jornal Nacional mostra Dilma Rousseff (PT) como favorita, com 38% das intenções de voto; Aécio Neves (PSDB) em segundo, com 22%; e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) em terceiro, com 8%. Dilma também lidera as simulações de segundo turno: vence Aécio por 41% a 33%; e Campos, por 41% a 29%.
Na recente pesquisa Datafolha, que já abordamos aqui, porém, Dilma aparecia com 36% no primeiro turno; Aécio com 20%; e Campos, 8%. A petista também liderava as simulações de segundo turno, mas aparecia em empate técnico com Aécio (44% a 40%); e com pequena diferença em relação a Campos (45% a 38%), considerando-se a margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
A grande transferência de votos para a oposição, do primeiro para o segundo turno nessa pesquisa, levantou muita polêmica, que foi corroborada, agora, pela diferença, a menor apresentada pelo Ibope. Ainda falta uma pesquisa de cada instituto antes de começar o horário eleitoral gratuito de rádio e tevê, para fazer o tira-teima.
A largada
Digamos que o “estado da arte” seja um “tipo ideal” para registrar que os candidatos à Presidência chegaram ao limite de arregimentação de forças políticas e estruturas de poder antes da propaganda na tevê. Nesse aspecto, Dilma dispõe do apoio da máquina federal, alguns governos estaduais e grande leque de partidos na coalizão.
Candidata à reeleição, terá o maior tempo no horário eleitoral gratuito, que começa em 19 de agosto. Serão 11 minutos e 48 segundos, contra 4 minutos e 31 segundos de Aécio e 1 minuto e 49 segundos para Eduardo. Nas inserções com 30 segundos de duração, terá 123, contra 50 e 22, respectivamente, de Aécio e Eduardo. Vale registrar que o programa dela será ancorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu criador e tutor político.
Então, o que complica a eleição de Dilma? Em primeiro lugar, a avaliação do governo e a maneira de administrar o país. Segundo o Ibope, 31% julgam o governo como bom ou ótimo; 36%, regular; e 33% o consideram ruim ou péssimo. A maneira de Dilma governar é aprovada por 44% e desaprovada por 50%. No Datafolha, o governo tem apenas 32% de aprovação, 38% de regular e 39% de ruim ou péssimo. E o índice de rejeição de Dilma é de 35%, contra 17% e 12% de Aécio Neves e Eduardo Campos, respectivamente.
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a situação da economia, que bate às portas da recessão. Se o governo não reverter esse cenário, o impacto no debate eleitoral e nas pesquisas de intenção de voto será negativo para Dilma.
O tucano Aécio Neves, que conta com forte apoio nos estados de Minas, São Paulo, Paraná e Pará, chegou aonde poderia por meio apenas dessas estruturas de apoio e das alianças que amealhou. Seu avanço dependerá da evolução da economia e da campanha eleitoral propriamente dita, mas não há paridade de armas por causa do tempo de televisão.
O mesmo raciocínio vale para Eduardo Campos, cuja candidatura se sustenta em alguns governos estaduais — Pernambuco, Paraíba, Piauí, Espírito Santo e Amapá — e numa coligação frágil. A incógnita é a capacidade de transferência de votos da vice Marina Silva nos grandes centros urbanos do Sul Maravilha.
A eleição presidencial no Brasil, porém, costuma se decidir quando a grande massa de eleitores entra no processo, nas duas últimas semanas de campanha, e começa a avaliar as propostas e o perfil dos candidatos, bem como de suas alianças locais. É aí que foge ao controle das estruturas de poder e das máquinas partidárias.
Considerando-se apenas o “estado da arte”, é a tal história: Dilma manteve o favoritismo, mas falta combinar com os eleitores. As pesquisas de opinião, como se costuma dizer, são retratos do momento. O que mostraram até agora é uma espécie de copo pela metade: para os governistas, estaria quase cheio e, portanto, mais favorável à reeleição da petista; para a oposição, quase vazio, com Aécio e Eduardo na cola da petista.
O tempo de televisão será suficiente para Dilma mostrar as realizações de governo, com certeza, mas isso não será o bastante se a economia se agravar. E, para os candidatos de oposição, será razoável para que apresentem alternativas para o país. No segundo turno, o tempo de televisão é igual para os dois finalistas. Por isso, Dilma faz um “tour de force” para evitá-lo, mas isso faz parte do “estado da arte”.
Correio Braziliense - 24/07/2014
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a situação da economia, que bate às portas da recessão
Na língua dos tecnocratas, “estado da arte” indica o ponto em que um determinado projeto técnico se torna um produto em si. A expressão foi utilizada pela primeira vez no manual de engenharia do norte-americano Henry Harrison Suple, intitulado Gas Turbine, e significa que um determinado projeto chegou ao limite do seu desenvolvimento. Às vezes, a expressão é utilizada para registrar um determinado momento de evolução do projeto, e não a sua conclusão, o que é um erro de conceito.
Digamos que a construção das candidaturas à Presidência da República chegou ao “estado da arte” na verdadeira acepção do conceito. É mais ou menos o que as últimas pesquisas deixaram claro. O Ibope divulgado pelo Jornal Nacional mostra Dilma Rousseff (PT) como favorita, com 38% das intenções de voto; Aécio Neves (PSDB) em segundo, com 22%; e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) em terceiro, com 8%. Dilma também lidera as simulações de segundo turno: vence Aécio por 41% a 33%; e Campos, por 41% a 29%.
Na recente pesquisa Datafolha, que já abordamos aqui, porém, Dilma aparecia com 36% no primeiro turno; Aécio com 20%; e Campos, 8%. A petista também liderava as simulações de segundo turno, mas aparecia em empate técnico com Aécio (44% a 40%); e com pequena diferença em relação a Campos (45% a 38%), considerando-se a margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
A grande transferência de votos para a oposição, do primeiro para o segundo turno nessa pesquisa, levantou muita polêmica, que foi corroborada, agora, pela diferença, a menor apresentada pelo Ibope. Ainda falta uma pesquisa de cada instituto antes de começar o horário eleitoral gratuito de rádio e tevê, para fazer o tira-teima.
A largada
Digamos que o “estado da arte” seja um “tipo ideal” para registrar que os candidatos à Presidência chegaram ao limite de arregimentação de forças políticas e estruturas de poder antes da propaganda na tevê. Nesse aspecto, Dilma dispõe do apoio da máquina federal, alguns governos estaduais e grande leque de partidos na coalizão.
Candidata à reeleição, terá o maior tempo no horário eleitoral gratuito, que começa em 19 de agosto. Serão 11 minutos e 48 segundos, contra 4 minutos e 31 segundos de Aécio e 1 minuto e 49 segundos para Eduardo. Nas inserções com 30 segundos de duração, terá 123, contra 50 e 22, respectivamente, de Aécio e Eduardo. Vale registrar que o programa dela será ancorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu criador e tutor político.
Então, o que complica a eleição de Dilma? Em primeiro lugar, a avaliação do governo e a maneira de administrar o país. Segundo o Ibope, 31% julgam o governo como bom ou ótimo; 36%, regular; e 33% o consideram ruim ou péssimo. A maneira de Dilma governar é aprovada por 44% e desaprovada por 50%. No Datafolha, o governo tem apenas 32% de aprovação, 38% de regular e 39% de ruim ou péssimo. E o índice de rejeição de Dilma é de 35%, contra 17% e 12% de Aécio Neves e Eduardo Campos, respectivamente.
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a situação da economia, que bate às portas da recessão. Se o governo não reverter esse cenário, o impacto no debate eleitoral e nas pesquisas de intenção de voto será negativo para Dilma.
O tucano Aécio Neves, que conta com forte apoio nos estados de Minas, São Paulo, Paraná e Pará, chegou aonde poderia por meio apenas dessas estruturas de apoio e das alianças que amealhou. Seu avanço dependerá da evolução da economia e da campanha eleitoral propriamente dita, mas não há paridade de armas por causa do tempo de televisão.
O mesmo raciocínio vale para Eduardo Campos, cuja candidatura se sustenta em alguns governos estaduais — Pernambuco, Paraíba, Piauí, Espírito Santo e Amapá — e numa coligação frágil. A incógnita é a capacidade de transferência de votos da vice Marina Silva nos grandes centros urbanos do Sul Maravilha.
A eleição presidencial no Brasil, porém, costuma se decidir quando a grande massa de eleitores entra no processo, nas duas últimas semanas de campanha, e começa a avaliar as propostas e o perfil dos candidatos, bem como de suas alianças locais. É aí que foge ao controle das estruturas de poder e das máquinas partidárias.
Considerando-se apenas o “estado da arte”, é a tal história: Dilma manteve o favoritismo, mas falta combinar com os eleitores. As pesquisas de opinião, como se costuma dizer, são retratos do momento. O que mostraram até agora é uma espécie de copo pela metade: para os governistas, estaria quase cheio e, portanto, mais favorável à reeleição da petista; para a oposição, quase vazio, com Aécio e Eduardo na cola da petista.
O tempo de televisão será suficiente para Dilma mostrar as realizações de governo, com certeza, mas isso não será o bastante se a economia se agravar. E, para os candidatos de oposição, será razoável para que apresentem alternativas para o país. No segundo turno, o tempo de televisão é igual para os dois finalistas. Por isso, Dilma faz um “tour de force” para evitá-lo, mas isso faz parte do “estado da arte”.
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Perdoa!
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/07/2014
A alternativa de Dilma é chamar o Lula e aceitar sua tutela, uma saída a la Vladimir Putin, o presidente russo que se reveza no poder com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, desde 1999.
O refrão do antológico partido alto de Paulinho de Viola, cujo nome intitula a coluna, poderia ser a melô da campanha de Dilma Rousseff diante das dificuldades que o governo e o PT vêm enfrentando para conquistar o apoio dos grandes empresários do país e dos aliados que se afastam do Palácio do Planalto. “Meu bem, perdoa/Perdoa meu coração pecador/Você sabe que jamais eu viverei/Sem o seu amor.”
Sem ter como explicar o fracasso das iniciativas no sentido de retomar o crescimento, já que o Brasil, para segurar a inflação, está às portas da recessão, a cúpula do governo chegou à conclusão que a única saída é reconhecer que errou. E prometer que nada será como antes. Duro será convencer a presidente da República a fazê-lo publicamente, depois de tantas recusas a mudar de rumo.
A maior de todas as negativas, com certeza, foi a resposta dada por Dilma ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo semestre do ano passado, quando o líder petista sugeriu que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fosse substituído no cargo. O nome cotado para o posto era o do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, cujo perfil seria de agrado do mercado e dos políticos. Depois de 15 dias de reflexão, a petista disse “não” a Lula.
Essa resposta soou como uma espécie de que “quem manda aqui sou eu”, pois Dilma interpretou a sugestão como uma tentativa de tutela, num momento em que o movimento “Volta, Lula!” estava no auge. À época, ainda acreditava que conseguiria manter a taxa de juros (Selic) abaixo dos 9%, depois de uma redução forçada a 7,5%. Eram sócios da estratégia de juros baixos para reaquecer a economia o atual ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o próprio presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Deu no que deu: na medida em que a inflação saía do controle, os juros voltaram a subir. Estavam na faixa dos 8% desde junho, subiram para 9% em setembro e chegaram a 10% em dezembro; em junho deste ano, voltariam a 11%. Quando a inflação finalmente caiu, em junho passado, depois de estourar o teto da meta anual de 6,5% — o que é um alívio para a o governo e para o bolso do assalariado —, a economia chegou ao limiar da recessão.
Chame o Lula!O samba de Paulinho da Viola, além de falar da corrosão dos salários pela inflação — “Ando comprando fiado/Porque meu dinheiro não dá/Imagine se eu fosse casado/Com mais de seis filhos para sustentar” —, vem a calhar porque relata as agruras do trabalhador com a recessão: “Nunca me deram moleza/E posso dizer que sou trabalhador/Fiz um trato com você/Quando fui receber você não me pagou/Mas ora meu bem”. Isso é o que acontece com empresas em dificuldades para honrar seus compromissos diante da estagnação econômica.
Velho samba à parte, a mistura de pessimismo com disputa eleitoral inviabiliza medidas de curto prazo para combater a recessão que não sejam meros paliativos. São as incertezas políticas. Uma das maiores críticas ao governo diz respeito ao comportamento errático de sua política econômica. Decisões pseudoestruturantes do que seria uma “nova matriz” econômica, como reduzir a fórceps as tarifas de energia e arbitrar as taxas de retorno dos investimentos , deixaram o “instinto animal” do mercado em estado de alerta, como diria o ex-ministro Delfin Neto. Além disso, represar os preços dos combustíveis e das tarifas públicas sinalizam inflação e desvalorização cambial no futuro, o que deixa investidores de orelha em pé.
O mea-culpa de Dilma Rousseff seria a única alternativa para recuperar a confiança do mercado, mas só ocorre nos bastidores, uma vez que reconhecer os próprios erros abertamente seria levar água para o moinho da oposição. Não tem eficácia porque há dois discursos. Quando fala à Nação sobre a economia, o opção da presidente da República é descer o sarrafo nos pessimistas, como fez às vésperas da Copa do Mundo.
Na política propriamente dita, a estratégia do Palácio do Planalto é atender aos “pleitos” dos aliados que permanecem fiéis e atacar duramente a oposição, principalmente o candidato do PSDB, Aécio Neves. O tucano encostou em Dilma nas simulações de segundo turno e precisaria ser “desconstruído”, pois surge como alternativa de poder capaz de reverter o atual cenário econômico. Mesmo assim, do ponto de vista eleitoral, não basta o jogo bruto. Diante de uma recessão, a alternativa de Dilma é chamar o Lula e aceitar sua tutela, uma saída a la Vladimir Putin, o presidente russo que se reveza no poder com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, desde 1999.
Correio Braziliense - 23/07/2014
A alternativa de Dilma é chamar o Lula e aceitar sua tutela, uma saída a la Vladimir Putin, o presidente russo que se reveza no poder com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, desde 1999.
O refrão do antológico partido alto de Paulinho de Viola, cujo nome intitula a coluna, poderia ser a melô da campanha de Dilma Rousseff diante das dificuldades que o governo e o PT vêm enfrentando para conquistar o apoio dos grandes empresários do país e dos aliados que se afastam do Palácio do Planalto. “Meu bem, perdoa/Perdoa meu coração pecador/Você sabe que jamais eu viverei/Sem o seu amor.”
Sem ter como explicar o fracasso das iniciativas no sentido de retomar o crescimento, já que o Brasil, para segurar a inflação, está às portas da recessão, a cúpula do governo chegou à conclusão que a única saída é reconhecer que errou. E prometer que nada será como antes. Duro será convencer a presidente da República a fazê-lo publicamente, depois de tantas recusas a mudar de rumo.
A maior de todas as negativas, com certeza, foi a resposta dada por Dilma ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo semestre do ano passado, quando o líder petista sugeriu que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fosse substituído no cargo. O nome cotado para o posto era o do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, cujo perfil seria de agrado do mercado e dos políticos. Depois de 15 dias de reflexão, a petista disse “não” a Lula.
Essa resposta soou como uma espécie de que “quem manda aqui sou eu”, pois Dilma interpretou a sugestão como uma tentativa de tutela, num momento em que o movimento “Volta, Lula!” estava no auge. À época, ainda acreditava que conseguiria manter a taxa de juros (Selic) abaixo dos 9%, depois de uma redução forçada a 7,5%. Eram sócios da estratégia de juros baixos para reaquecer a economia o atual ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o próprio presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Deu no que deu: na medida em que a inflação saía do controle, os juros voltaram a subir. Estavam na faixa dos 8% desde junho, subiram para 9% em setembro e chegaram a 10% em dezembro; em junho deste ano, voltariam a 11%. Quando a inflação finalmente caiu, em junho passado, depois de estourar o teto da meta anual de 6,5% — o que é um alívio para a o governo e para o bolso do assalariado —, a economia chegou ao limiar da recessão.
Chame o Lula!O samba de Paulinho da Viola, além de falar da corrosão dos salários pela inflação — “Ando comprando fiado/Porque meu dinheiro não dá/Imagine se eu fosse casado/Com mais de seis filhos para sustentar” —, vem a calhar porque relata as agruras do trabalhador com a recessão: “Nunca me deram moleza/E posso dizer que sou trabalhador/Fiz um trato com você/Quando fui receber você não me pagou/Mas ora meu bem”. Isso é o que acontece com empresas em dificuldades para honrar seus compromissos diante da estagnação econômica.
Velho samba à parte, a mistura de pessimismo com disputa eleitoral inviabiliza medidas de curto prazo para combater a recessão que não sejam meros paliativos. São as incertezas políticas. Uma das maiores críticas ao governo diz respeito ao comportamento errático de sua política econômica. Decisões pseudoestruturantes do que seria uma “nova matriz” econômica, como reduzir a fórceps as tarifas de energia e arbitrar as taxas de retorno dos investimentos , deixaram o “instinto animal” do mercado em estado de alerta, como diria o ex-ministro Delfin Neto. Além disso, represar os preços dos combustíveis e das tarifas públicas sinalizam inflação e desvalorização cambial no futuro, o que deixa investidores de orelha em pé.
O mea-culpa de Dilma Rousseff seria a única alternativa para recuperar a confiança do mercado, mas só ocorre nos bastidores, uma vez que reconhecer os próprios erros abertamente seria levar água para o moinho da oposição. Não tem eficácia porque há dois discursos. Quando fala à Nação sobre a economia, o opção da presidente da República é descer o sarrafo nos pessimistas, como fez às vésperas da Copa do Mundo.
Na política propriamente dita, a estratégia do Palácio do Planalto é atender aos “pleitos” dos aliados que permanecem fiéis e atacar duramente a oposição, principalmente o candidato do PSDB, Aécio Neves. O tucano encostou em Dilma nas simulações de segundo turno e precisaria ser “desconstruído”, pois surge como alternativa de poder capaz de reverter o atual cenário econômico. Mesmo assim, do ponto de vista eleitoral, não basta o jogo bruto. Diante de uma recessão, a alternativa de Dilma é chamar o Lula e aceitar sua tutela, uma saída a la Vladimir Putin, o presidente russo que se reveza no poder com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, desde 1999.
terça-feira, 22 de julho de 2014
A volta à calma
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 22/07/2014
A expectativa para inflação oficial melhorou porque os preços de alimentos têm surpreendido positivamente. A outra face da moeda, porém, é o baixo crescimento
A semana começa sem muitas emoções à vista, na campanha eleitoral, depois do Datafolha que registrou empate técnico entre a presidente Dilma Rousseff e o candidato tucano Aécio Neves num eventual segundo turno e, também, a possibilidade de uma disputa mais acirrada se o adversário da petista for o socialista Eduardo Campos. Aguarda-se o resultado da pesquisa do Ibope que foi à rua hoje para confirmação do cenário, no qual a grande polêmica é o destino dos indecisos do primeiro turno.
A volta à calma — depois da Copa do Mundo e da rebordosa do fracasso da Seleção Brasileira de futebol — registra ainda o retorno triunfal do ex-zagueiro Dunga ao comando do escrete canarinho. Já que estamos falando de futebol, Dilma encontrou-se ontem com os jogadores do Bom Senso F.C., grupo que defende melhorias no futebol brasileiro, no Palácio do Planalto. Faz um esforço para desvincular sua imagem do fracasso de Felipão e da chamada “família Scolari”, e também dos malfeitos dos cartolas do futebol brasileiro. Bola que rola!
O candidato do PSDB, Aécio Neves, ontem voltou às bases históricas de seu avô, cuja imagem de democrata moderado e agregador inspira sua campanha. Foi no Santuário da Serra da Piedade, em Caeté (MG), que Tancredo Neves iniciou a jornada que o levou à Presidência em 1984. A morte de Tancredo frustrou o país e, principalmente os mineiros, que aspiram voltar ao centro do poder.
Eduardo Campos e Marina Silva, candidato a presidente da República do PSB e sua vice, respectivamente, inauguraram o seu comitê central da campanha ontem, na Vila Clementino, Zona Sul de SP. O candidato do PSB, empacado nas pesquisas, adotou uma campanha mais propositiva. O problema de Campos , que apoia a reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB), é combinar suas alianças regionais com Marina.
Uma de portuguêsDepois do grande encontro do Brics em Fortaleza, na semana passada, no qual foi criado um bilionário banco de investimentos em parceria com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul, o português que preside a Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, desembarcou por aqui e pôs o dedo na ferida: “A mim, parece absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre comércio com praticamente o mundo inteiro e não com o Brasil. O Brasil é o ponto mais importante do Mercosul”, disse.
Na avaliação do presidente da Comissão Europeia, “se a União Europeia fechar um acordo com os EUA, abrindo para a carne bovina, por exemplo, que é um assunto importante para a economia brasileira, as importações são limitadas. Se abrirmos para o Canadá, os Estados Unidos e outros, quando formos fechar com o Brasil, pode não haver muito mais o que interessa”. O Brasil está a reboque da Argentina no Mercosul.
A propósito, uma notícia boa sobre a economia é a queda da inflação. O relatório Focus publicado pelo Banco Central ontem traz uma previsão de que o IPCA de 2014 teve um recuo de 6,48% para 6,44%. Apesar do patamar arriscado, a expectativa para inflação oficial melhorou porque a evolução dos preços de alimentos tem surpreendido positivamente. Comida mais cara é um tormento para qualquer candidato oficial.
A outra face da moeda, porém, é o baixo crescimento, que significa queda do emprego. Os economistas esperam um PIB abaixo de 1% para este ano. Hoje o IBGE divulgará o IPCA-15 de julho. As previsões já contam com uma redução importante do índice. Na quinta-feira, o BC divulgará a ata da última reunião do Copom, que manteve os juros em 11% ao ano. Muitos analistas acreditam os juros não só não subirão, como podem até cair se o PIB seguir enfraquecendo.
E agora, Mujica?A advogada Eloisa Samy e o ativista David Paixão pediram asilo ao Uruguai. Procuraram abrigo no Consulado-Geral do Uruguai, no Rio, onde estão desde ontem. Investigados por associação criminosa, Eloisa, Paixão e mais 21 ativistas tiveram a prisão preventiva decretada na sexta-feira pela mão pesada da Justiça carioca. Eloisa se considera perseguida política e teme pela garantia de seus direitos no curso do processo. Em vídeo, a advogada afirmou não conhecer parte das pessoas denunciadas e disse que seu único crime é a “atuação na defesa constitucional do direito de manifestação”. Em 2013, ela defendeu manifestantes presos em protestos.
Obs: O asilo já foi negado pelo governo de José Mujica e os dois estão foragidos, após deixarem o consulado.
domingo, 20 de julho de 2014
A sorte está lançada
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/07/2014
Nova queda nas pesquisas e simulações que apontem a eventual derrota de Dilma Rousseff no segundo turno podem provocar uma crise séria na campanha da petista antes do início do horário eleitoral
A contradição principal da candidatura da presidente Dilma Rousseff já não está no confronto entre sua coalizão de governo e a oposição, mas na disputa interna entre o grupo palaciano e as forças que lhe dão sustentação. Nesse contexto, a expectativa de poder gerada pela possibilidade de um novo mandato, em caso de risco de segundo turno, funciona como um fator de desagregação de sua base e não o contrário, como seria a lei natural.
É aí que a última pesquisa de opinião do instituto DataFolha, realizada nos dias 15 e 16 de julho, ou seja, na semana posterior ao final da Copa do Mundo, acende uma luz amarela no alto comando do PT. A sondagem mostra que a possibilidade de realização do segundo turno continua muito alta. Nesse cenário, Dilma estaria tecnicamente empatada com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e sua distância para o ex-governador Eduardo Campos (PSB-PE), num segunda hipótese, também cairia bastante.
O resultado é surpreendente diante do formidável êxito obtido pelo governo na Copa Mundo, quando reverteu as expectativas negativas em relação à realização dos jogos da Copa, devido principalmente à segurança oferecida aos torcedores, à conclusão dos estádios e ao bom funcionamento dos aeroportos, que foram reformados.
No cenário estimulado do primeiro turno, em relação à pesquisa anterior, Dilma Rousseff caiu de 38% das intenções para 36% — contra 35% de intenções de votos nos demais candidatos, somados. Isso representa um empate técnico entre a presidente da República, quase a certeza de segundo turno, apesar do alto percentual de voto em branco, nulo ou indeciso (27%).
Em tese, Dilma ainda pode vencer no primeiro turno. A possibilidade de perder a disputa no segundo, porém, continua crescendo. A petista avança apenas entre 7 e 8 pontos (dependendo do cenário) em relação ao primeiro turno, enquanto Aécio e Eduardo capturam 20 e 30 pontos percentuais, respectivamente, o que é muito surpreendente.
De onde vem esse fenômeno? Muito provavelmente, do alto índice de rejeição que a presidente da República vem registrando: 35%, contra17% e 12% de Aécio Neves e Eduardo Campos, respectivamente. A avaliação do governo também é uma variável desfavorável.
O percentual “ótimo/bom” do governo caiu 3 pontos percentuais, enquanto o índice “ruim/péssimo cresceu 3 pontos. O governo tem apenas 32% de aprovação, 38% de regular e 39% de ruim ou péssimo. Essa percepção por parte do eleitor puxa a candidata de Dilma para baixo. O desempenho do governo na prestação de serviços à população e os problemas na economia — baixo crescimento, queda na geração de empregos e inflação na faixa dos 6,5% — “desconstroem” a imagem de gestora da petista.
Alea jacta est
A estratégia do marqueteiro João Santana para reverter essa tendência baseia-se numa constante fuga para a frente. No ano passado, após as manifestações de protesto de junho, ele dizia que em dezembro tudo voltaria ao que havia antes. A mesma tese defendeu antes da Copa, apostando — com razão — no sucesso do torneio.
O esforço para resgatar a imagem de gestora de Dilma fracassou até agora. A esperança que resta — que não é desprovida de lógica — é aproveitar a vantagem estratégica em termos de tempo de televisão para reconstruir a imagem de sua administração.
Dilma terá o maior tempo no horário eleitoral gratuito, que começa em 19 de agosto. Serão 11 minutos e 48 segundos contra 4 minutos e 31 segundos de Aécio e 1 minuto e 49 segundos para Eduardo. Nas inserções com 30 segundos de duração, ainda terá 123 inserções contra 50 e 22, respectivamente, de Aécio e Eduardo.
Dilma faz uma espécie de travessia do Rubicão. Esse rio separava a Gália de Roma, era o limite para aproximação das legiões que voltavam das batalhas. Quando o general Júlio Cesar, governador da Gália, resolveu atravessá-lo, disse: “Alea jact st!”, ou seja, a sorte está lançada. Contrariou o Senado, que mandara desmobilizar seus exércitos, e provocou uma guerra civil, mas destituiu o procônsul Pompeu e assumiu o poder.
Nova queda nas pesquisas e simulações que apontem a eventual derrota de Dilma Rousseff no segundo turno podem provocar uma crise séria na campanha da petista antes do início do horário eleitoral. Há muitos sinais de que uma parte da coalizão governista pretende cristianizá-la. Dilma aposta no tempo de tevê para reverter esse quadro.
Nas disputas regionais, os aliados do PMDB estão coligados com o PT em apenas oito estados (Alagoas, Minas Gerais, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Sergipe e Tocantins) e no Distrito Federal. No Espírito Santo, no Rio de Janeiro, no Acre, no Ceará e na Bahia, o PMDB está aliado ao PSDB; já no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e em Rondônia, os acordos são com o PSB.
quinta-feira, 17 de julho de 2014
O PMDB em chamas
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/07/2014
Em 27 unidades da Federação, PMDB e PT estão coligados em apenas oito estados (Alagoas, Minas Gerais, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Sergipe e Tocantins) e no Distrito Federal. Estão em lados opostos em 17 estados.
O vice-presidente Michel Temer, candidato à reeleição na chapa de Dilma Rousseff, reassumiu ontem o comando do PMDB para tentar conter uma espécie de incêndio na floresta, que ameaça o sucesso do seu projeto de poder em aliança com o PT.
O balanço das alianças feitas pelo PMDB nos estados é muito desfavorável à petista. Em 27 unidades da Federação, PMDB e PT estão coligados em apenas oito estados (Alagoas, Minas Gerais, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Sergipe e Tocantins) e no Distrito Federal. Estão em lados opostos em 17 estados.
No Espírito Santo, no Rio de Janeiro, no Acre, no Ceará e na Bahia, o PMDB está aliado ao PSDB; já no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e em Rondônia, os acordos são com o PSB.
Essa configuração enfraquece muito a decisão da convenção nacional do PMDB que aprovou a coligação com o PT, pois os candidatos locais estão dispostos a apoiar abertamente, nas campanhas regionais, os adversários de Dilma: o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB).
Como a campanha para a Presidência no rádio e na tevê ocorre apenas três dias da semana, os restantes, reservados às coligações regionais, poderiam beneficiar os concorrentes. É isso que Temer quer impedir, ao reassumir a presidência do partido e anunciar um périplo pelo país.
Não é uma situação nova, pois desde a candidatura de Ulysses Guimarães, em 1989, o PMDB nunca marchou unido e uma parte da legenda sempre cristianizou seus candidatos, mesmo os da própria legenda, como aconteceu com o líder das Diretas Já e, depois em 1994, com o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia.
No caso da presidente Dilma, o fato novo é que isso pode ocorrer em colégios eleitorais de monta, como o Rio de Janeiro e Ceará, onde ela obteve esmagadora maioria de votos em 2010 graças a essa aliança. Estados como Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco sempre marcharam em oposição ao PT.
Outra novidade é a situação de São Paulo, onde o PMDB renasce das cinzas com a candidatura de Paulo Skaf, o segundo nas pesquisas de intenções de votos. Aliado de Michel Temer, o presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) não quer saber de aproximação com o PT e é refratário a servir de palanque para Dilma no primeiro turno, o que cria ainda mais constrangimentos para o presidente do PMDB e companheiro de chapa da petista.
Retrocesso
Caíram como uma bomba na campanha de Dilma Rousseff os dados divulgados ontem pela Unaids, programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, que aponta a elevação do índice de novos infectados pelo vírus no Brasil em 11% entre 2005 e 2013, tendência contrária aos números globais, que apresentaram queda de 27,5%. O Brasil era considerado um exemplo de política de combate ao HIV/Aids desde a gestão do tucano José Serra no Ministério da Saúde.
A campanha de Dilma pretendia capitalizar ao máximo o polêmico programa Mais Médicos, que enfrentou grande resistência corporativa, mas é considerado um indiscutível sucesso do Ministério da Saúde pelo apoio popular, inclusive à vinda de médicos cubanos para atuar nos grotões e periferias das grandes cidades do país. Até os candidatos de oposição estão defendendo a manutenção do programa, mas o tema do HIV/Aids agora virou uma agenda negativa do governo.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
Uma opção estratégica
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/07/2014
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o “complexo de vira-latas”, entra numa briga de cachorro grande
O Brasil assinou ontem um acordo com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul — os demais integrantes dos Brics — para a criação do chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), com sede em Xangai, cujo objetivo será o financiamento de projetos de infraestrutura em países emergentes. É um contraponto ao Banco Mundial e o coroamento de uma guinada na política externa brasileira iniciada no governo Lula. O NBD terá o capital inicial de US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os membros fundadores.
Além da intensificação das trocas comerciais já existentes, o acordo abre uma nova possibilidade de financiamento para as grandes empreiteiras brasileiras que atuam no exterior, principalmente na África, e para a ampliação das exportações de commodities agrícolas e de minérios. A Índia terá o direito de indicar o primeiro presidente e, a Rússia, o presidente do Conselho de Governadores. O presidente do Conselho de Administração será um brasileiro. A África do Sul sediará o Centro Regional Africano do banco. Haverá rotatividade na presidência da instituição.
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o “complexo de vira-latas”, dirão os porta-vozes do Palácio do Planalto, mas entra numa briga de cachorro grande: a queda de braço da Rússia com os países da Otan (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França, principalmente) por áreas de influência no Leste Europeu e a forte concorrência entre os EUA e a China pelo controle dos mercados afro-asiáticos.
Índia e África do Sul são importantes, mas não protagonizam a grande política mundial, atuam como coadjuvantes. Têm, porém, indiscutível peso regional e são players do Hemisfério Sul. O Brasil até agora não havia conseguido chegar a acordos com a Rússia e a China em relação a questões importantes para nossa diplomacia brasileira. Como a indicação de um nome de consenso para presidir o Banco Mundial ou a reestruturação do Conselho de Segurança da ONU, com a entrada do Brasil e da Índia no restrito grupo de países com poder de veto sobre decisões da guerra e da paz no mundo.
Aposta de risco
A presidente Dilma Rousseff fez uma aposta de risco ao aprofundar essa estratégia diplomática, que se sustenta nas contradições Norte-Sul. O acrônimo Bric foi uma criação do economista Jim O’Neil, do Goldman Sachs, num um estudo de 2001 intitulado “Building better global economic Brics”. Ele acreditava que Brasil, Rússia, Índia e China, as chamadas potências emergentes, teriam um papel proeminente no desenvolvimento da economia mundial.
O’Neil excluiu a Coreia do Sul e o México desse conjunto por considerar esses países desenvolvidos e plenamente integrados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1948 para gerir a reconstrução europeia (o Plano Marshall), sob os princípios da democracia e da economia de mercado.
O que o economista do Goldman Sachs não previu foi que o líder russo Vladimir Putin agarraria a tese com unhas e dentes para tirar a Rússia do isolamento e formar um novo bloco geopolítico, para o qual foi fundamental a inclusão da África do Sul, cuja economia nem de longe se equipara às dos demais integrantes do grupo. O país de Nelson Mandela, porém, tem um papel estratégico para o reposicionamento da África nas relações Norte-Sul.
Em tese, a formação do banco e a criação do fundo de estabilização de US$ 100 bilhões também são uma vitória da diplomacia brasileira. O novo presidente chinês, Xi Jinping, aderiu ao projeto. Com isso, foram criadas instituições de socorro aos países parceiros em caso de turbulências financeiras à margem do Fundo Monetário Internacional (FMI), que impõe rigoroso controle de contas públicas e outras exigências para liberar recursos.
Agora, quando governos da América Latina, da África e da Ásia estiverem com problemas temporários no balanço de pagamentos, poderão pedir recursos e recebê-los em dólares; em contrapartida, fornecerão sua moeda aos países contribuintes. Ou seja, a China, responsável por US$ 41 bilhões; o Brasil, a Índia e a Rússia, por US$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, que entrou com US$ 5 bilhões.
Essa estratégia brasileira, porém, é objeto de grande polêmica nos nossos meios financeiros, empresariais e diplomáticos, pois distancia o Brasil dos Estados Unidos e da União Europeia. Ainda mais porque o Mercosul, para esses críticos, virou um entrave ao comércio do Brasil com os países desenvolvidos e à própria integração econômica latino-americana.
O recrudescimento dessas críticas decorre do fato de que as economias mais desenvolvidas começam a sair da crise global, enquanto os Brics enfrentam um cenário de baixo crescimento, com exceção da China. Mesmo assim, o gigante asiático, que é a segunda economia do mundo, reduziu o ritmo. Além disso, tornou-se um voraz concorrente da nossa indústria.
Correio Braziliense - 16/07/2014
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o “complexo de vira-latas”, entra numa briga de cachorro grande
O Brasil assinou ontem um acordo com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul — os demais integrantes dos Brics — para a criação do chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), com sede em Xangai, cujo objetivo será o financiamento de projetos de infraestrutura em países emergentes. É um contraponto ao Banco Mundial e o coroamento de uma guinada na política externa brasileira iniciada no governo Lula. O NBD terá o capital inicial de US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os membros fundadores.
Além da intensificação das trocas comerciais já existentes, o acordo abre uma nova possibilidade de financiamento para as grandes empreiteiras brasileiras que atuam no exterior, principalmente na África, e para a ampliação das exportações de commodities agrícolas e de minérios. A Índia terá o direito de indicar o primeiro presidente e, a Rússia, o presidente do Conselho de Governadores. O presidente do Conselho de Administração será um brasileiro. A África do Sul sediará o Centro Regional Africano do banco. Haverá rotatividade na presidência da instituição.
O Brasil se distancia ainda mais dos Estados Unidos e da União Europeia para se aproximar politicamente da Rússia e da China. Perdeu o “complexo de vira-latas”, dirão os porta-vozes do Palácio do Planalto, mas entra numa briga de cachorro grande: a queda de braço da Rússia com os países da Otan (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França, principalmente) por áreas de influência no Leste Europeu e a forte concorrência entre os EUA e a China pelo controle dos mercados afro-asiáticos.
Índia e África do Sul são importantes, mas não protagonizam a grande política mundial, atuam como coadjuvantes. Têm, porém, indiscutível peso regional e são players do Hemisfério Sul. O Brasil até agora não havia conseguido chegar a acordos com a Rússia e a China em relação a questões importantes para nossa diplomacia brasileira. Como a indicação de um nome de consenso para presidir o Banco Mundial ou a reestruturação do Conselho de Segurança da ONU, com a entrada do Brasil e da Índia no restrito grupo de países com poder de veto sobre decisões da guerra e da paz no mundo.
Aposta de risco
A presidente Dilma Rousseff fez uma aposta de risco ao aprofundar essa estratégia diplomática, que se sustenta nas contradições Norte-Sul. O acrônimo Bric foi uma criação do economista Jim O’Neil, do Goldman Sachs, num um estudo de 2001 intitulado “Building better global economic Brics”. Ele acreditava que Brasil, Rússia, Índia e China, as chamadas potências emergentes, teriam um papel proeminente no desenvolvimento da economia mundial.
O’Neil excluiu a Coreia do Sul e o México desse conjunto por considerar esses países desenvolvidos e plenamente integrados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1948 para gerir a reconstrução europeia (o Plano Marshall), sob os princípios da democracia e da economia de mercado.
O que o economista do Goldman Sachs não previu foi que o líder russo Vladimir Putin agarraria a tese com unhas e dentes para tirar a Rússia do isolamento e formar um novo bloco geopolítico, para o qual foi fundamental a inclusão da África do Sul, cuja economia nem de longe se equipara às dos demais integrantes do grupo. O país de Nelson Mandela, porém, tem um papel estratégico para o reposicionamento da África nas relações Norte-Sul.
Em tese, a formação do banco e a criação do fundo de estabilização de US$ 100 bilhões também são uma vitória da diplomacia brasileira. O novo presidente chinês, Xi Jinping, aderiu ao projeto. Com isso, foram criadas instituições de socorro aos países parceiros em caso de turbulências financeiras à margem do Fundo Monetário Internacional (FMI), que impõe rigoroso controle de contas públicas e outras exigências para liberar recursos.
Agora, quando governos da América Latina, da África e da Ásia estiverem com problemas temporários no balanço de pagamentos, poderão pedir recursos e recebê-los em dólares; em contrapartida, fornecerão sua moeda aos países contribuintes. Ou seja, a China, responsável por US$ 41 bilhões; o Brasil, a Índia e a Rússia, por US$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, que entrou com US$ 5 bilhões.
Essa estratégia brasileira, porém, é objeto de grande polêmica nos nossos meios financeiros, empresariais e diplomáticos, pois distancia o Brasil dos Estados Unidos e da União Europeia. Ainda mais porque o Mercosul, para esses críticos, virou um entrave ao comércio do Brasil com os países desenvolvidos e à própria integração econômica latino-americana.
O recrudescimento dessas críticas decorre do fato de que as economias mais desenvolvidas começam a sair da crise global, enquanto os Brics enfrentam um cenário de baixo crescimento, com exceção da China. Mesmo assim, o gigante asiático, que é a segunda economia do mundo, reduziu o ritmo. Além disso, tornou-se um voraz concorrente da nossa indústria.
terça-feira, 15 de julho de 2014
O signo da mudança
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/04/2014
Dilma tentou construir uma marca própria para o governo dela, mas não conseguiu: a “faxina” para fechar “os ralos” da administração levou um chega pra lá do ex-presidente Lula
Os políticos — como quaisquer seres humanos — se valem de signos para convencer a sociedade dos próprios objetivos. São empregados para capturar o voto do eleitor nas campanhas por meio da emoção, e não da razão. Cores, imagens, objetos, palavras, sorrisos, tudo é válido – desde que transmita alguma informação capaz de estabelecer sintonia entre o candidato e o povo, sem ter que dar muitas explicações.
Por exemplo, na sucessão de Juscelino Kubitscheck, em 1960, Jânio Quadros (UDN/PR/PL/PDC/PTN) usou uma vassoura como símbolo de campanha. Ela representava o combate à corrupção. O adversário, o marechal Henrique Teixeira Lott (PSD/PTB/PST/PSB/PRT), optou pelo óbvio: a espada, que representaria a ordem. Jânio foi eleito com 48% dos votos, contra 32% de Lott e 19%, de Adhemar de Barros (PSP), candidato cujo slogan era “rouba, mas faz”.
A campanha eleitoral deste ano ocorre sob o signo da mudança, esse é o desejo de dois terços do eleitorado, insatisfeitos com a situação do país. A oposição tenta agarrar esse sentimento difuso na sociedade com as duas mãos: “Muda, Brasil”, é o slogan do candidato a presidente da República do PSDB, senador Aécio Neves. Eduardo Campos, do PSB, vai na mesma linha: “Coragem para mudar”.
Até a presidente Dilma Rousseff, que busca a reeleição, incorporou a palavra ao slogan de campanha: “Para o Brasil seguir mudando”. O contorcionismo verbal foi a fórmula encontrada para tentar capturar esse desejo da sociedade e defender a continuidade do atual governo.
No começo do mandato, bem que Dilma tentou construir uma marca própria para o governo dela, mas não conseguiu: a “faxina” para fechar “os ralos” da administração levou um chega pra lá do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Resultado: a reeleição depende do legado deixado pelo antecessor. Onde está a mudança? Signos precisam ser traduzidos por símbolos.
A Copa das Copas
A reunião de balanço da Copa do Mundo feita por Dilma Rousseff ontem, que reuniu 16 ministros, ilustra a dificuldade do governo para construir sua marca. A capacidade gerencial de Dilma está sendo questionada pela oposição. O povo se queixa da saúde, da educação, dos transportes, da energia, da violência. A “Copa das Copas” seria uma resposta?
Alguém já disse que o sucesso é autoexplicativo. O Palácio do Planalto, porém, gastou horas de seus ministros para demonstrar que foi muito competente e tem capacidade de realização. Pelo menos 13 autoridades se revezaram para contar o que fizeram na preparação e durante a realização dos jogos.
Foi o troco nos “pessimistas” que fizeram previsões alarmistas, dentro e fora do país, em relação aos jogos. Todo esforço subliminar, entretanto, foi para descolar do governo o fracasso vergonhoso da Seleção Brasileira, que levou uma goleada histórica da Alemanha por 7 x 1 na semifinal e perdeu a disputa do terceiro lugar para a Holanda por 3 x 0.
Para o governo, mais importante do que a taça perdida são os 12 novos estádios e as reformas dos aeroportos, a segurança dos jogos e a satisfação dos torcedores brasileiros e estrangeiros. A realização do evento que mais mobilizou o governo Dilma foi uma demonstração da capacidade do país. A autoestima do brasileiro foi alavancada pelo torneio.
As pesquisas realmente mostraram, durante a Copa, que a opinião pública havia virado em relação ao evento. A maioria dos que antes criticavam, passou a aplaudir o governo. O Palácio do Planalto aposta que esse sentimento não teria se alterado com as derrotas da Seleção, embora Dilma tenha sido vaiada e xingada novamente, desta vez no Maracanã. A falta de educação e o desrespeito da torcida presente ao estádio não abalaram o governo, foram coisa da “elite branca”.
Quem assistiu pela televisão à cerimônia na qual Dilma fez a entrega da Copa à seleção alemã não ouviu os apupos, porém, soube da vaia e percebeu que a presidente da República não estava feliz. De cara feia, em nenhum momento ela sorriu. Ou seja, o balanço oficial da Copa é uma coisa; a imagem de Dilma no domingo, outra. É aí que entra o tal do signo.
Correio Braziliense - 15/04/2014
Dilma tentou construir uma marca própria para o governo dela, mas não conseguiu: a “faxina” para fechar “os ralos” da administração levou um chega pra lá do ex-presidente Lula
Os políticos — como quaisquer seres humanos — se valem de signos para convencer a sociedade dos próprios objetivos. São empregados para capturar o voto do eleitor nas campanhas por meio da emoção, e não da razão. Cores, imagens, objetos, palavras, sorrisos, tudo é válido – desde que transmita alguma informação capaz de estabelecer sintonia entre o candidato e o povo, sem ter que dar muitas explicações.
Por exemplo, na sucessão de Juscelino Kubitscheck, em 1960, Jânio Quadros (UDN/PR/PL/PDC/PTN) usou uma vassoura como símbolo de campanha. Ela representava o combate à corrupção. O adversário, o marechal Henrique Teixeira Lott (PSD/PTB/PST/PSB/PRT), optou pelo óbvio: a espada, que representaria a ordem. Jânio foi eleito com 48% dos votos, contra 32% de Lott e 19%, de Adhemar de Barros (PSP), candidato cujo slogan era “rouba, mas faz”.
A campanha eleitoral deste ano ocorre sob o signo da mudança, esse é o desejo de dois terços do eleitorado, insatisfeitos com a situação do país. A oposição tenta agarrar esse sentimento difuso na sociedade com as duas mãos: “Muda, Brasil”, é o slogan do candidato a presidente da República do PSDB, senador Aécio Neves. Eduardo Campos, do PSB, vai na mesma linha: “Coragem para mudar”.
Até a presidente Dilma Rousseff, que busca a reeleição, incorporou a palavra ao slogan de campanha: “Para o Brasil seguir mudando”. O contorcionismo verbal foi a fórmula encontrada para tentar capturar esse desejo da sociedade e defender a continuidade do atual governo.
No começo do mandato, bem que Dilma tentou construir uma marca própria para o governo dela, mas não conseguiu: a “faxina” para fechar “os ralos” da administração levou um chega pra lá do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Resultado: a reeleição depende do legado deixado pelo antecessor. Onde está a mudança? Signos precisam ser traduzidos por símbolos.
A Copa das Copas
A reunião de balanço da Copa do Mundo feita por Dilma Rousseff ontem, que reuniu 16 ministros, ilustra a dificuldade do governo para construir sua marca. A capacidade gerencial de Dilma está sendo questionada pela oposição. O povo se queixa da saúde, da educação, dos transportes, da energia, da violência. A “Copa das Copas” seria uma resposta?
Alguém já disse que o sucesso é autoexplicativo. O Palácio do Planalto, porém, gastou horas de seus ministros para demonstrar que foi muito competente e tem capacidade de realização. Pelo menos 13 autoridades se revezaram para contar o que fizeram na preparação e durante a realização dos jogos.
Foi o troco nos “pessimistas” que fizeram previsões alarmistas, dentro e fora do país, em relação aos jogos. Todo esforço subliminar, entretanto, foi para descolar do governo o fracasso vergonhoso da Seleção Brasileira, que levou uma goleada histórica da Alemanha por 7 x 1 na semifinal e perdeu a disputa do terceiro lugar para a Holanda por 3 x 0.
Para o governo, mais importante do que a taça perdida são os 12 novos estádios e as reformas dos aeroportos, a segurança dos jogos e a satisfação dos torcedores brasileiros e estrangeiros. A realização do evento que mais mobilizou o governo Dilma foi uma demonstração da capacidade do país. A autoestima do brasileiro foi alavancada pelo torneio.
As pesquisas realmente mostraram, durante a Copa, que a opinião pública havia virado em relação ao evento. A maioria dos que antes criticavam, passou a aplaudir o governo. O Palácio do Planalto aposta que esse sentimento não teria se alterado com as derrotas da Seleção, embora Dilma tenha sido vaiada e xingada novamente, desta vez no Maracanã. A falta de educação e o desrespeito da torcida presente ao estádio não abalaram o governo, foram coisa da “elite branca”.
Quem assistiu pela televisão à cerimônia na qual Dilma fez a entrega da Copa à seleção alemã não ouviu os apupos, porém, soube da vaia e percebeu que a presidente da República não estava feliz. De cara feia, em nenhum momento ela sorriu. Ou seja, o balanço oficial da Copa é uma coisa; a imagem de Dilma no domingo, outra. É aí que entra o tal do signo.
domingo, 13 de julho de 2014
A bola que vai rolar
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/07/2014
Candidata à reeleição, Dilma ainda quer fazer da final da Copa do Mundo um evento político a seu favor. Aécio Neves (PSDB e Eduardo Campos (PSB) já subiram o tom das críticas ao governo, inclusive em relação à Copa
Copa do Mundo do Brasil acaba hoje, com um jogão entre a Argentina e a Alemanha no Maracanã. Quem tem ingresso será um privilegiado. Assistirá de corpo presente a uma partida de futebol inesquecível, com a torcida urrando nas arquibancadas tomadas por argentinos e, em menor número, por alemães. Quem não tem ingresso que reserve um lugar para assistir pela televisão. Será mais uma partida imperdível.
Os brasileiros farão parte do show, muitos com a camisa do Flamengo, cores da Alemanha, outros com a do Grêmio, da Argentina, a maioria com a da nossa Seleção. Estarão divididos em relação aos dois times: somente com a bola rolando é que saberemos quem vai ganhar o coração da maioria da torcida tupiniquim.
Não importa o resultado do jogo de ontem, entre Brasil e Holanda, no Mané Garrincha, pela disputa de um honroso terceiro lugar (perdemos por 3 a 0). A festa acabou para nós na terça-feira passada, com aquele 7 x 1 vexatório que levamos dos alemães. Entretanto, o jogo de hoje será um colírio para quem ainda chora o fracasso da nossa Seleção. Mais uma vez, haverá um duelo entre as melhores escolas europeia e latino-americana de futebol.
Não se pode mais falar de futebol-arte contra futebol-força, como antigamente, ma non troppo. A Argentina dependerá da raça e da criatividade de seus jogadores, liderados por Messi e Di María. A Alemanha contará com mais preparo físico e a aplicação técnica de seu time, além de craques do naipe de Klose e Müller.
Vaia anunciada
A bola que vai rolar a partir de agora, porém, é a outra: a disputa pelo poder político, com a campanha eleitoral pegando fogo. A propósito, Dilma Rousseff corre o risco de ser vaiada e xingada no Maracanã, que não costuma perdoar os políticos que se apresentam naquele templo do futebol. O consenso criado em relação à Copa pela Seleção Brasileira se perdeu com a derrota no Mineirão.
Mas, diferentemente do que aconteceu no jogo de abertura, no Itaquerão, desta vez a presidente da República não pretende ser nada discreta. Quer entregar a taça ao time vencedor, mesmo que debaixo de apupos da torcida. Por mais constrangedor que seja, é um gesto de coragem. Mas também há muito de cálculo político nessa decisão.
As pesquisas mostraram que Dilma ganhou muito mais do que perdeu com as vaias e xingamentos recebidos na abertura do torneio em São Paulo, na qual pretendia ter a presença mais discreta possível. A maioria considerou essa atitude uma tremenda falta de educação. Com o sucesso da Copa do Mundo, pelo menos até a goleada alemã, Dilma subiu 5% nas pesquisas de opinião. Com o fim dos jogos, analistas acreditam que voltará aos índices anteriores, mas isso ainda é puro “achismo”. É preciso aguardar as próximas pesquisas para saber o que aconteceu.
Evento político
Dilma convidou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que está se aposentando, para acompanhá-la na final dos jogos. Ex-peladeiro (um problema na coluna o afastou da bola), o ministro aceitou com gosto. Outro companheiro de tribuna de honra será o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), candidato à reeleição, esse, sim, outro forte candidato às vaias da torcida.
Candidata à reeleição, Dilma ainda quer fazer da final da Copa do Mundo um evento político a seu favor. Aécio Neves (PSDB e Eduardo Campos (PSB), seus principais concorrentes nas eleições, já subiram o tom das críticas ao governo, inclusive em relação à Copa. Depois do torpor da opinião pública por causa do futebol, a oposição acredita que voltarão à pauta os problemas do país, principalmente os que mais interferem na vida dos cidadãos.
Uma das estrelas internacionais aguardadas por Dilma no Maracanã é Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, que vem com a esperança de levar a taça pra casa. As duas se tornaram amigas depois de descobrirem que estavam sendo espionadas pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Merkel acaba de expulsar do país um espião da CIA, a agência de inteligência dos EUA. Na entrevista que deu à rede norte-americana CNN nesta semana, Dilma pegou leve. Disse que Barack Obama não sabia dos grampos.
Também estarão aqui os presidentes da Rússia, Vladimir Putin; da China, Xi Jinping; e da África do Sul, Jacob Zuma; além do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, líderes dos países que formam os Brics, juntamente com o Brasil. Na reunião que farão em Fortaleza, na terça-feira, será criado um banco de desenvolvimento conjunto e uma espécie de fundo de estabilização econômica de US$ 100 bilhões.
A grande ausente, porém, será a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que vai assistir ao jogo na Casa Rosada, em Buenos Aires. Teme a “Síndrome de Menem”, alusão à fama de pé-frio do ex-presidente Carlos Menem, que viajou à Itália em 1990 para presenciar o jogo de estreia da Argentina, que era a favorita da Copa e perdeu para a seleção de Camarões, em Milão, por 1 x 0.
Correio Braziliense - 13/07/2014
Candidata à reeleição, Dilma ainda quer fazer da final da Copa do Mundo um evento político a seu favor. Aécio Neves (PSDB e Eduardo Campos (PSB) já subiram o tom das críticas ao governo, inclusive em relação à Copa
Copa do Mundo do Brasil acaba hoje, com um jogão entre a Argentina e a Alemanha no Maracanã. Quem tem ingresso será um privilegiado. Assistirá de corpo presente a uma partida de futebol inesquecível, com a torcida urrando nas arquibancadas tomadas por argentinos e, em menor número, por alemães. Quem não tem ingresso que reserve um lugar para assistir pela televisão. Será mais uma partida imperdível.
Os brasileiros farão parte do show, muitos com a camisa do Flamengo, cores da Alemanha, outros com a do Grêmio, da Argentina, a maioria com a da nossa Seleção. Estarão divididos em relação aos dois times: somente com a bola rolando é que saberemos quem vai ganhar o coração da maioria da torcida tupiniquim.
Não importa o resultado do jogo de ontem, entre Brasil e Holanda, no Mané Garrincha, pela disputa de um honroso terceiro lugar (perdemos por 3 a 0). A festa acabou para nós na terça-feira passada, com aquele 7 x 1 vexatório que levamos dos alemães. Entretanto, o jogo de hoje será um colírio para quem ainda chora o fracasso da nossa Seleção. Mais uma vez, haverá um duelo entre as melhores escolas europeia e latino-americana de futebol.
Não se pode mais falar de futebol-arte contra futebol-força, como antigamente, ma non troppo. A Argentina dependerá da raça e da criatividade de seus jogadores, liderados por Messi e Di María. A Alemanha contará com mais preparo físico e a aplicação técnica de seu time, além de craques do naipe de Klose e Müller.
Vaia anunciada
A bola que vai rolar a partir de agora, porém, é a outra: a disputa pelo poder político, com a campanha eleitoral pegando fogo. A propósito, Dilma Rousseff corre o risco de ser vaiada e xingada no Maracanã, que não costuma perdoar os políticos que se apresentam naquele templo do futebol. O consenso criado em relação à Copa pela Seleção Brasileira se perdeu com a derrota no Mineirão.
Mas, diferentemente do que aconteceu no jogo de abertura, no Itaquerão, desta vez a presidente da República não pretende ser nada discreta. Quer entregar a taça ao time vencedor, mesmo que debaixo de apupos da torcida. Por mais constrangedor que seja, é um gesto de coragem. Mas também há muito de cálculo político nessa decisão.
As pesquisas mostraram que Dilma ganhou muito mais do que perdeu com as vaias e xingamentos recebidos na abertura do torneio em São Paulo, na qual pretendia ter a presença mais discreta possível. A maioria considerou essa atitude uma tremenda falta de educação. Com o sucesso da Copa do Mundo, pelo menos até a goleada alemã, Dilma subiu 5% nas pesquisas de opinião. Com o fim dos jogos, analistas acreditam que voltará aos índices anteriores, mas isso ainda é puro “achismo”. É preciso aguardar as próximas pesquisas para saber o que aconteceu.
Evento político
Dilma convidou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que está se aposentando, para acompanhá-la na final dos jogos. Ex-peladeiro (um problema na coluna o afastou da bola), o ministro aceitou com gosto. Outro companheiro de tribuna de honra será o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), candidato à reeleição, esse, sim, outro forte candidato às vaias da torcida.
Candidata à reeleição, Dilma ainda quer fazer da final da Copa do Mundo um evento político a seu favor. Aécio Neves (PSDB e Eduardo Campos (PSB), seus principais concorrentes nas eleições, já subiram o tom das críticas ao governo, inclusive em relação à Copa. Depois do torpor da opinião pública por causa do futebol, a oposição acredita que voltarão à pauta os problemas do país, principalmente os que mais interferem na vida dos cidadãos.
Uma das estrelas internacionais aguardadas por Dilma no Maracanã é Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, que vem com a esperança de levar a taça pra casa. As duas se tornaram amigas depois de descobrirem que estavam sendo espionadas pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Merkel acaba de expulsar do país um espião da CIA, a agência de inteligência dos EUA. Na entrevista que deu à rede norte-americana CNN nesta semana, Dilma pegou leve. Disse que Barack Obama não sabia dos grampos.
Também estarão aqui os presidentes da Rússia, Vladimir Putin; da China, Xi Jinping; e da África do Sul, Jacob Zuma; além do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, líderes dos países que formam os Brics, juntamente com o Brasil. Na reunião que farão em Fortaleza, na terça-feira, será criado um banco de desenvolvimento conjunto e uma espécie de fundo de estabilização econômica de US$ 100 bilhões.
A grande ausente, porém, será a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que vai assistir ao jogo na Casa Rosada, em Buenos Aires. Teme a “Síndrome de Menem”, alusão à fama de pé-frio do ex-presidente Carlos Menem, que viajou à Itália em 1990 para presenciar o jogo de estreia da Argentina, que era a favorita da Copa e perdeu para a seleção de Camarões, em Milão, por 1 x 0.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
O colapso da seleção
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/07/2014
Faltou combinar com Müller, Klose (2), Kroos, Khedira e Schürrle (2), como diria Mané Garrincha. Felipão ficou perplexo diante da ofensiva alemã, sem entender o que estava acontecendo.
Ninguém imaginava o que aconteceu no Mineirão, nem há explicação satisfatória para o vexame da Seleção Brasileira na semifinal contra a Alemanha. A derrota deprimente por 7 x 1 será estudada nos mínimos detalhes por técnicos de futebol pelos próximos 50 anos, pelo menos aqui no Brasil, como já aconteceu com a derrota na Copa de 1950, para o Uruguai. A diferença é que não dependeu de uma jogada fortuita, como a de Ghiggia no Maracanazo, que virou o placar para 2 x 1 contra nós. Foi uma goleada definida em seis minutos mágicos de futebol, nos quais foram marcados quatro dos cinco gols alemães do primeiro tempo. O de honra do Brasil só saiu nos minutos finais, quando o placar já estava praticamente definido por mais dois gols alemães, num lampejo individual e isolado de Oscar.
O jogo ainda não havia terminado, porém, já circulava na internet uma piada infame: um gaiato dizia que nem na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) um povo sofrera tanto como os brasileiros, o que é uma rematada tolice, diante do morticínio que houve. Basta lembrar apenas os 6 milhões de judeus mortos no Holocausto, 10% do total. Mas essa comparação sem sentido vem a calhar porque o esquema tático armado pelo técnico Luiz Felipe Scolari — para substituir Neymar e Thiago Silva — parecia uma espécie de Linha Maginot, o sistema de fortificações construído pelos franceses para barrar a invasão alemã.
André Maginot, um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), era o ministro da Guerra em 1927 e tinha certeza de que a Alemanha e a Itália, por causa do Tratado de Versalhes, entrariam em confronto com a França. Ele morreu de uma overdose de ostras estragadas, em 1932, sem ver seu plano executado. Ao preço de 5 bilhões de francos, porém, foi construída uma espécie de muralha da China subterrânea, entre 1930 e 1936, com 100km de extensão, paralela à fronteira franco-germânica. Com suprimentos próprios de energia, munição e alimentos, tinha 108 edificações principais (fortes), a 15km de distância umas das outras, mais construções menores e casamatas interligadas por ferrovia.
Virou um case militar de erro de conceito: os franceses se prepararam para uma “guerra de posições”, nas quais a infantaria e a artilharia combateriam entrincheiradas, como na Primeira Guerra Mundial. Mas a invasão alemã, em 1940, apesar de previsível, surpreendeu o Exército francês porque as divisões blindadas contornaram as fortificações pela extremidade oeste, na fronteira com a Bélgica, que declarara neutralidade, e na região de Sedan, próxima a Luxemburgo, onde as fortificações não foram concluídas por falta de recursos. O Exército francês foi cortado ao meio e se rendeu. O mundo assistiu com espanto à queda de Paris e à dramática retirada de ingleses, belgas e franceses encurralados nas praias de Dunquerque.
Ataques-relâmpago
A comparação com o que aconteceu no Mineirão, porém, faz mais sentido por causa dos mortíferos ataques alemães no primeiro tempo, uma blitzkrieg na grande área brasileira, executada aos 10, aos 22, aos 23, aos 24 e aos 29 minutos de jogo. No conceito de “guerra de movimento”, a palavra alemã significa guerra relâmpago, para evitar que as forças inimigas tenham tempo de organizar a defesa. Os elementos essenciais são o efeito surpresa, a rapidez das manobras e a brutalidade do ataque, com objetivo de desmoralizar o inimigo e desorganizar suas forças, paralisando os centros de controle. O criador dessa tática militar foi o marechal alemão Eric von Manstein, que foi condenado em Nuremberg por crimes de guerra, mas teve a pena reduzida durante a Guerra Fria e ajudou a Alemanha Ocidental a reorganizar o seu Exército.
Parece que Luiz Felipe Scolari adotou a tática da “guerra de posições”, como os franceses. Escalou o time e disse onde cada jogador deveria jogar contra a seleção alemã, como se fosse possível, num jogo de Copa do Mundo, decidir na prancheta como impor o medíocre padrão de jogo da nossa Seleção. Faltou combinar com Müller, Klose (2), Kroos, Khedira e Schürrle (2), como diria Mané Garrincha. Felipão ficou perplexo diante da ofensiva alemã, sem entender o que estava acontecendo. A defesa brasileira, desorientada, perdeu qualquer capacidade de reação. Era o ponto forte do Brasil até a saída de Thiago Silva. O ataque brasileiro, que já era fraco, simplesmente havia deixado de existir, antes mesmo do jogo começar, com a saída de Neymar.
Ao explicar o que aconteceu, Luiz Felipe Scolari preferiu dar destaque ao fato de a Seleção ter chegado a uma semifinal de Mundial pela primeira vez desde 2002. Em 2006 e em 2010, fomos eliminados pela França e, depois, pela Holanda, respectivamente, nas quartas de final. Minimizou a derrota: “O normal era vitória nossa ou deles. São duas grandes equipes. Pelo resultado ser por esse número de gols, ficará para a história”, disse. “Tivemos seis minutos em que deu pane geral. Isso não é o que imaginávamos. Vamos trabalhar para montar o time do jogo de sábado, que passa a ser importante e um outro sonho.” Que venha a seleção da Holanda!
Correio Braziliense - 10/07/2014
Faltou combinar com Müller, Klose (2), Kroos, Khedira e Schürrle (2), como diria Mané Garrincha. Felipão ficou perplexo diante da ofensiva alemã, sem entender o que estava acontecendo.
Ninguém imaginava o que aconteceu no Mineirão, nem há explicação satisfatória para o vexame da Seleção Brasileira na semifinal contra a Alemanha. A derrota deprimente por 7 x 1 será estudada nos mínimos detalhes por técnicos de futebol pelos próximos 50 anos, pelo menos aqui no Brasil, como já aconteceu com a derrota na Copa de 1950, para o Uruguai. A diferença é que não dependeu de uma jogada fortuita, como a de Ghiggia no Maracanazo, que virou o placar para 2 x 1 contra nós. Foi uma goleada definida em seis minutos mágicos de futebol, nos quais foram marcados quatro dos cinco gols alemães do primeiro tempo. O de honra do Brasil só saiu nos minutos finais, quando o placar já estava praticamente definido por mais dois gols alemães, num lampejo individual e isolado de Oscar.
O jogo ainda não havia terminado, porém, já circulava na internet uma piada infame: um gaiato dizia que nem na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) um povo sofrera tanto como os brasileiros, o que é uma rematada tolice, diante do morticínio que houve. Basta lembrar apenas os 6 milhões de judeus mortos no Holocausto, 10% do total. Mas essa comparação sem sentido vem a calhar porque o esquema tático armado pelo técnico Luiz Felipe Scolari — para substituir Neymar e Thiago Silva — parecia uma espécie de Linha Maginot, o sistema de fortificações construído pelos franceses para barrar a invasão alemã.
André Maginot, um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), era o ministro da Guerra em 1927 e tinha certeza de que a Alemanha e a Itália, por causa do Tratado de Versalhes, entrariam em confronto com a França. Ele morreu de uma overdose de ostras estragadas, em 1932, sem ver seu plano executado. Ao preço de 5 bilhões de francos, porém, foi construída uma espécie de muralha da China subterrânea, entre 1930 e 1936, com 100km de extensão, paralela à fronteira franco-germânica. Com suprimentos próprios de energia, munição e alimentos, tinha 108 edificações principais (fortes), a 15km de distância umas das outras, mais construções menores e casamatas interligadas por ferrovia.
Virou um case militar de erro de conceito: os franceses se prepararam para uma “guerra de posições”, nas quais a infantaria e a artilharia combateriam entrincheiradas, como na Primeira Guerra Mundial. Mas a invasão alemã, em 1940, apesar de previsível, surpreendeu o Exército francês porque as divisões blindadas contornaram as fortificações pela extremidade oeste, na fronteira com a Bélgica, que declarara neutralidade, e na região de Sedan, próxima a Luxemburgo, onde as fortificações não foram concluídas por falta de recursos. O Exército francês foi cortado ao meio e se rendeu. O mundo assistiu com espanto à queda de Paris e à dramática retirada de ingleses, belgas e franceses encurralados nas praias de Dunquerque.
Ataques-relâmpago
A comparação com o que aconteceu no Mineirão, porém, faz mais sentido por causa dos mortíferos ataques alemães no primeiro tempo, uma blitzkrieg na grande área brasileira, executada aos 10, aos 22, aos 23, aos 24 e aos 29 minutos de jogo. No conceito de “guerra de movimento”, a palavra alemã significa guerra relâmpago, para evitar que as forças inimigas tenham tempo de organizar a defesa. Os elementos essenciais são o efeito surpresa, a rapidez das manobras e a brutalidade do ataque, com objetivo de desmoralizar o inimigo e desorganizar suas forças, paralisando os centros de controle. O criador dessa tática militar foi o marechal alemão Eric von Manstein, que foi condenado em Nuremberg por crimes de guerra, mas teve a pena reduzida durante a Guerra Fria e ajudou a Alemanha Ocidental a reorganizar o seu Exército.
Parece que Luiz Felipe Scolari adotou a tática da “guerra de posições”, como os franceses. Escalou o time e disse onde cada jogador deveria jogar contra a seleção alemã, como se fosse possível, num jogo de Copa do Mundo, decidir na prancheta como impor o medíocre padrão de jogo da nossa Seleção. Faltou combinar com Müller, Klose (2), Kroos, Khedira e Schürrle (2), como diria Mané Garrincha. Felipão ficou perplexo diante da ofensiva alemã, sem entender o que estava acontecendo. A defesa brasileira, desorientada, perdeu qualquer capacidade de reação. Era o ponto forte do Brasil até a saída de Thiago Silva. O ataque brasileiro, que já era fraco, simplesmente havia deixado de existir, antes mesmo do jogo começar, com a saída de Neymar.
Ao explicar o que aconteceu, Luiz Felipe Scolari preferiu dar destaque ao fato de a Seleção ter chegado a uma semifinal de Mundial pela primeira vez desde 2002. Em 2006 e em 2010, fomos eliminados pela França e, depois, pela Holanda, respectivamente, nas quartas de final. Minimizou a derrota: “O normal era vitória nossa ou deles. São duas grandes equipes. Pelo resultado ser por esse número de gols, ficará para a história”, disse. “Tivemos seis minutos em que deu pane geral. Isso não é o que imaginávamos. Vamos trabalhar para montar o time do jogo de sábado, que passa a ser importante e um outro sonho.” Que venha a seleção da Holanda!
quarta-feira, 9 de julho de 2014
A agenda de Dilma
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/07/2014
Cada presidente da República cumpriu uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses das forças políticas que representava
Papel aceita tudo, diz o ditado. É comum ouvi-lo nas reuniões programáticas, nas quais as equipes dos candidatos se digladiam — muito mais em função da expectativa de poder que a elaboração dos programas exacerba do que em razão dos problemas nacionais. Em geral, é nessa atividade que a futura tropa de ocupação se concentra; a tropa de assalto cuida do marketing eleitoral e da campanha de rua. Depois da eleição, em caso de vitória, acaba numa posição periférica ou é descartada.
Tanto é verdade que a presidente Dilma Rousseff se tornou a favorita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de sua participação na elaboração do programa de governo do PT, que garantiu a ela uma vaga na equipe de transição, depois o Ministério de Minas e Energia e, finalmente, a Casa Civil. Acabou ungida por Lula e chegou lá. É um caso único, mas mostra bem a importância desse núcleo estratégico das campanhas. O programa é outra história.
No papel, o programa de Dilma é de continuidade em relação aos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não de mudança. Essa seria a condição para promover “um novo ciclo histórico de prosperidade, oportunidades e de mudanças”. É que a insatisfação do eleitorado, demonstrada nas pesquisas, criou uma espécie de fosso a separar as imagens dos dois petistas.
É curioso: Lula beneficiou-se da política de estabilização da moeda executada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, ao mesmo tempo, trabalhou dia e noite para desconstruir a imagem do tucano. Depois da crise de 2008, executou um cavalo de pau na economia, que foi bem-sucedido em curto prazo. Isso garantiu a eleição de Dilma, mas o aprofundamento de sua política anticíclica resultou no cenário de baixo crescimento, com inflação à beira do teto, de 6,5%, da meta do Banco Central (BC). Só não extrapolou esse limite até agora por causa da contenção forçada dos preços administrados pelo governo.
O legado
Dilma não tem respostas de curto prazo para a economia voltar a crescer. Alavanca a sua reeleição nos programas sociais que herdou, no financiamento da casa própria, nos incentivos fiscais para os automóveis e à linha branca e nos sacrifícios impostos à Petrobras, que dão sinais de esgotamento como fatores de expansão econômica.
Deixemos de lado o loteamento do governo entre os aliados. Dilma busca uma nova clivagem política, a partir da convocação de um plebiscito para fazer a reforma política com apoio popular, na qual o Congresso se veria de joelhos diante do PT revigorado e no poder. Após os protestos de junho do ano passado, bem que tentou fazer isso, mas não foi possível: os aliados refugaram. Agora, acredita que radicalização desse debate fará com que a polarização eleitoral se dê a seu favor.
O maniqueísmo político não resolve os problemas do país. Com acertos e erros, desde a redemocratização, cada presidente da República cumpriu uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses das forças políticas que representava. O programa da oposição democrática ao regime militar vem sendo executado gradativamente, por quase três décadas, ou seja, o tempo de uma geração — para frustração dos que acreditavam que a mudança do regime se confundiria com a revolução.
Não foi o que ocorreu. O ex-presidente José Sarney garantiu uma transição segura à democracia, que nos legou a atual Constituição (ou seja, o direito à igualdade de oportunidade), mesmo com o país à beira da hiperinflação. Embora apeado do poder no meio do mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello promoveu a abertura da economia e nossa integração à globalização. O falecido Itamar Franco, no seu breve governo, deu início ao programa de estabilização da economia, com o lançamento do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso saneou o sistema financeiro, fez as privatizações e implantou a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ex-presidente Lula completou a reforma previdenciária, implementou um grande programa de transferência de renda e fortaleceu o mercado interno.
Qual é o legado da presidente Dilma? Suas prioridades eram melhorar o ensino e a assistência à saúde; resolver os problemas de infraestrutura (mobilidade urbana, portos, aeroportos, ferrovias e rodovias); aumentar a produção de energia; reduzir o déficit habitacional e a violência urbana. Essa agenda está negativa porque exige mais crescimento econômico e inflação controlada para ser implementada, mas as urnas é que dirão se o atual governo fracassou.
Correio Braziliense - 09/07/2014
Cada presidente da República cumpriu uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses das forças políticas que representava
Papel aceita tudo, diz o ditado. É comum ouvi-lo nas reuniões programáticas, nas quais as equipes dos candidatos se digladiam — muito mais em função da expectativa de poder que a elaboração dos programas exacerba do que em razão dos problemas nacionais. Em geral, é nessa atividade que a futura tropa de ocupação se concentra; a tropa de assalto cuida do marketing eleitoral e da campanha de rua. Depois da eleição, em caso de vitória, acaba numa posição periférica ou é descartada.
Tanto é verdade que a presidente Dilma Rousseff se tornou a favorita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de sua participação na elaboração do programa de governo do PT, que garantiu a ela uma vaga na equipe de transição, depois o Ministério de Minas e Energia e, finalmente, a Casa Civil. Acabou ungida por Lula e chegou lá. É um caso único, mas mostra bem a importância desse núcleo estratégico das campanhas. O programa é outra história.
No papel, o programa de Dilma é de continuidade em relação aos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não de mudança. Essa seria a condição para promover “um novo ciclo histórico de prosperidade, oportunidades e de mudanças”. É que a insatisfação do eleitorado, demonstrada nas pesquisas, criou uma espécie de fosso a separar as imagens dos dois petistas.
É curioso: Lula beneficiou-se da política de estabilização da moeda executada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, ao mesmo tempo, trabalhou dia e noite para desconstruir a imagem do tucano. Depois da crise de 2008, executou um cavalo de pau na economia, que foi bem-sucedido em curto prazo. Isso garantiu a eleição de Dilma, mas o aprofundamento de sua política anticíclica resultou no cenário de baixo crescimento, com inflação à beira do teto, de 6,5%, da meta do Banco Central (BC). Só não extrapolou esse limite até agora por causa da contenção forçada dos preços administrados pelo governo.
O legado
Dilma não tem respostas de curto prazo para a economia voltar a crescer. Alavanca a sua reeleição nos programas sociais que herdou, no financiamento da casa própria, nos incentivos fiscais para os automóveis e à linha branca e nos sacrifícios impostos à Petrobras, que dão sinais de esgotamento como fatores de expansão econômica.
Deixemos de lado o loteamento do governo entre os aliados. Dilma busca uma nova clivagem política, a partir da convocação de um plebiscito para fazer a reforma política com apoio popular, na qual o Congresso se veria de joelhos diante do PT revigorado e no poder. Após os protestos de junho do ano passado, bem que tentou fazer isso, mas não foi possível: os aliados refugaram. Agora, acredita que radicalização desse debate fará com que a polarização eleitoral se dê a seu favor.
O maniqueísmo político não resolve os problemas do país. Com acertos e erros, desde a redemocratização, cada presidente da República cumpriu uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses das forças políticas que representava. O programa da oposição democrática ao regime militar vem sendo executado gradativamente, por quase três décadas, ou seja, o tempo de uma geração — para frustração dos que acreditavam que a mudança do regime se confundiria com a revolução.
Não foi o que ocorreu. O ex-presidente José Sarney garantiu uma transição segura à democracia, que nos legou a atual Constituição (ou seja, o direito à igualdade de oportunidade), mesmo com o país à beira da hiperinflação. Embora apeado do poder no meio do mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello promoveu a abertura da economia e nossa integração à globalização. O falecido Itamar Franco, no seu breve governo, deu início ao programa de estabilização da economia, com o lançamento do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso saneou o sistema financeiro, fez as privatizações e implantou a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ex-presidente Lula completou a reforma previdenciária, implementou um grande programa de transferência de renda e fortaleceu o mercado interno.
Qual é o legado da presidente Dilma? Suas prioridades eram melhorar o ensino e a assistência à saúde; resolver os problemas de infraestrutura (mobilidade urbana, portos, aeroportos, ferrovias e rodovias); aumentar a produção de energia; reduzir o déficit habitacional e a violência urbana. Essa agenda está negativa porque exige mais crescimento econômico e inflação controlada para ser implementada, mas as urnas é que dirão se o atual governo fracassou.
terça-feira, 8 de julho de 2014
Depois da Copa…
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 08/07/2014
A Copa do Mundo parece ressuscitar o velho Partido dos Brasileiros. Há uma briga de foice no escuro pelo poder, mas todo mundo torce pela Seleção e considera o evento um sucesso
A campanha presidencial começou muito chocha, quase como um acontecimento marginal, fora do tempo e de lugar, embora seja o que há de mais importante para o futuro imediato dos brasileiros. A ressaca do jogo de sexta-feira contra Colômbia, no qual Neymar fraturou uma vértebra ao levar uma joelhada nas costas do colombiano Zúñiga e ficou fora da Copa, ainda não acabou. O domingo e a segunda foram dias de grande expectativa para saber quem vai entrar no seu lugar na Seleção de Felipão.
Os candidatos bem que tentaram pôr seus times em campo, mas não deu. A presidente Dilma Rousseff (PT) começou a campanha com um vídeo nas redes sociais e despachos no Palácio do Planalto; o senador Aécio Neves (PSDB) foi à caça dos votos de São Paulo; e Eduardo Campos (PSB) saiu atrás dos eleitores de Marina Silva em Brasília e Entorno. O que fazer depois da Copa? Há dois cenários possíveis. Mas o povo estava se lixando para isso, não põe o carro à frente dos bois, só quer saber do jogo de logo mais, contra a Alemanha, que pode nos garantir um lugar na final da Copa do Mundo.
É difícil tratar da política num dia como hoje, no qual todos os olhos estão voltados para um campo de futebol, mais precisamente o Mineirão, em Belo Horizonte. Será uma festa cívica, como os mineiros gostam de fazer, pois afinal foram eles que fizeram a Inconfidência e produziram o maior herói nacional, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Também engrossaram o Partido dos Brasileiros, que lutou nas Cortes de Lisboa e no Brasil contra a volta do príncipe regente D. Pedro a Portugal e, depois, pela Independência.
Até então havia baianos e paulistas, que não se bicavam desde a Guerra dos Emboabas; pernambucanos e gaúchos, republicanos e separatistas, depois fizeram a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha, respectivamente. E os portugueses, que eram a “elite branca” do Maranhão, do Pará, da Bahia e da Corte, o Rio de Janeiro. Os escravos não contavam, não tinham direito a nada. Na verdade, o brasileiro foi uma invenção dos mineiros contra o Estado colonial português. A nossa Nação formou-se bem mais tarde.
A Copa do Mundo parece ressuscitar o velho Partido dos Brasileiros. Há uma briga de foice no escuro pelo poder, mas todo mundo torce pela Seleção e considera o evento um sucesso. Aquele clima de pessimismo e a falta de consenso que havia na abertura dos jogos, quando a presidente Dilma Rousseff chegou a ser vaiada e xingada na Arena Corinthians, em Itaquera, na Zona Leste da capital paulista, desapareceram. Sumiram nos braços de Julio César, contra o Chile, e no pé de David Luiz, contra a Colômbia.
Somente uns gatos pingados ainda protestam nas imediações dos estádios contra a realização dos jogos. Parecem masoquistas que não conseguem dormir sem apanhar da PM. Todos os problemas nacionais foram varridos para debaixo do tapete, o país entrou em ritmo de carnaval. Dá até vontade de cantar a Aquarela Brasileira, aquele samba do Silas de Oliveira: “Vejam essa maravilha de cenário/ É um episódio relicário/Que o artista, num sonho genial/Escolheu para este carnaval”.
Os críticos do governo estão acuados: os aeroportos deram conta do recado, os torcedores conseguem chegar tranquilamente aos estádios e a violência urbana foi relativamente contida pelo dispositivo de segurança. A presidente Dilma Rousseff subiu nas pesquisas, a vaia caiu em desgraça, a oposição calou-se nos estádios. Notícia ruim mesmo só a contusão de Neymar e a punição ao capitão da Seleção, Thiago Silva, suspenso por um jogo.
Nem a queda de um viaduto em construção em Belo Horizonte ou o espetacular assalto de ontem ao centro de distribuição da Samsung, de onde levaram 40 mil tablets e notebooks, tiram o foco do torcedor. A prisão de um funcionário da Fifa supostamente envolvido com uma máfia internacional de cambistas tem muito mais relevância. O Palácio do Planalto comemora a desconstrução do padrão de exigências da entidade, que azucrinou nossas autoridades e gerou a onda de notícias negativas na mídia internacional que antecedera os jogos.
Bom, voltando ao assunto que intitula a coluna, o que acontecerá com a política brasileira depois da Copa? Depende do jogo de hoje. Sou mais um torcedor brasileiro: o Brasil deve ganhar e ir para a final, no Maracanã, contra a Argentina ou Holanda. Prefiro uma disputa contra os holandeses. Os argentinos estão invadindo o Rio de Janeiro. Se passarem pela Holanda, vão querer fazer a mesma coisa que os uruguaios na Copa de 1950. Não gosto de pensar no risco de perder para “los hermanos” no Maracanã. Seria outra humilhação dolorosa. Nunca mais quereríamos ser a sede da Copa.
Correio Braziliense - 08/07/2014
A Copa do Mundo parece ressuscitar o velho Partido dos Brasileiros. Há uma briga de foice no escuro pelo poder, mas todo mundo torce pela Seleção e considera o evento um sucesso
A campanha presidencial começou muito chocha, quase como um acontecimento marginal, fora do tempo e de lugar, embora seja o que há de mais importante para o futuro imediato dos brasileiros. A ressaca do jogo de sexta-feira contra Colômbia, no qual Neymar fraturou uma vértebra ao levar uma joelhada nas costas do colombiano Zúñiga e ficou fora da Copa, ainda não acabou. O domingo e a segunda foram dias de grande expectativa para saber quem vai entrar no seu lugar na Seleção de Felipão.
Os candidatos bem que tentaram pôr seus times em campo, mas não deu. A presidente Dilma Rousseff (PT) começou a campanha com um vídeo nas redes sociais e despachos no Palácio do Planalto; o senador Aécio Neves (PSDB) foi à caça dos votos de São Paulo; e Eduardo Campos (PSB) saiu atrás dos eleitores de Marina Silva em Brasília e Entorno. O que fazer depois da Copa? Há dois cenários possíveis. Mas o povo estava se lixando para isso, não põe o carro à frente dos bois, só quer saber do jogo de logo mais, contra a Alemanha, que pode nos garantir um lugar na final da Copa do Mundo.
É difícil tratar da política num dia como hoje, no qual todos os olhos estão voltados para um campo de futebol, mais precisamente o Mineirão, em Belo Horizonte. Será uma festa cívica, como os mineiros gostam de fazer, pois afinal foram eles que fizeram a Inconfidência e produziram o maior herói nacional, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Também engrossaram o Partido dos Brasileiros, que lutou nas Cortes de Lisboa e no Brasil contra a volta do príncipe regente D. Pedro a Portugal e, depois, pela Independência.
Até então havia baianos e paulistas, que não se bicavam desde a Guerra dos Emboabas; pernambucanos e gaúchos, republicanos e separatistas, depois fizeram a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha, respectivamente. E os portugueses, que eram a “elite branca” do Maranhão, do Pará, da Bahia e da Corte, o Rio de Janeiro. Os escravos não contavam, não tinham direito a nada. Na verdade, o brasileiro foi uma invenção dos mineiros contra o Estado colonial português. A nossa Nação formou-se bem mais tarde.
A Copa do Mundo parece ressuscitar o velho Partido dos Brasileiros. Há uma briga de foice no escuro pelo poder, mas todo mundo torce pela Seleção e considera o evento um sucesso. Aquele clima de pessimismo e a falta de consenso que havia na abertura dos jogos, quando a presidente Dilma Rousseff chegou a ser vaiada e xingada na Arena Corinthians, em Itaquera, na Zona Leste da capital paulista, desapareceram. Sumiram nos braços de Julio César, contra o Chile, e no pé de David Luiz, contra a Colômbia.
Somente uns gatos pingados ainda protestam nas imediações dos estádios contra a realização dos jogos. Parecem masoquistas que não conseguem dormir sem apanhar da PM. Todos os problemas nacionais foram varridos para debaixo do tapete, o país entrou em ritmo de carnaval. Dá até vontade de cantar a Aquarela Brasileira, aquele samba do Silas de Oliveira: “Vejam essa maravilha de cenário/ É um episódio relicário/Que o artista, num sonho genial/Escolheu para este carnaval”.
Os críticos do governo estão acuados: os aeroportos deram conta do recado, os torcedores conseguem chegar tranquilamente aos estádios e a violência urbana foi relativamente contida pelo dispositivo de segurança. A presidente Dilma Rousseff subiu nas pesquisas, a vaia caiu em desgraça, a oposição calou-se nos estádios. Notícia ruim mesmo só a contusão de Neymar e a punição ao capitão da Seleção, Thiago Silva, suspenso por um jogo.
Nem a queda de um viaduto em construção em Belo Horizonte ou o espetacular assalto de ontem ao centro de distribuição da Samsung, de onde levaram 40 mil tablets e notebooks, tiram o foco do torcedor. A prisão de um funcionário da Fifa supostamente envolvido com uma máfia internacional de cambistas tem muito mais relevância. O Palácio do Planalto comemora a desconstrução do padrão de exigências da entidade, que azucrinou nossas autoridades e gerou a onda de notícias negativas na mídia internacional que antecedera os jogos.
Bom, voltando ao assunto que intitula a coluna, o que acontecerá com a política brasileira depois da Copa? Depende do jogo de hoje. Sou mais um torcedor brasileiro: o Brasil deve ganhar e ir para a final, no Maracanã, contra a Argentina ou Holanda. Prefiro uma disputa contra os holandeses. Os argentinos estão invadindo o Rio de Janeiro. Se passarem pela Holanda, vão querer fazer a mesma coisa que os uruguaios na Copa de 1950. Não gosto de pensar no risco de perder para “los hermanos” no Maracanã. Seria outra humilhação dolorosa. Nunca mais quereríamos ser a sede da Copa.
domingo, 6 de julho de 2014
"Nós contra eles"
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 06/07/2014
O nacionalismo em campo é um sentimento bonito e saudável — até a hora que motiva um jogador a fazer uma covardia em campo, como aquela joelhada do colombiano Zuñiga na coluna de Neymar.
O escritor judeu-russo Ilya
Ehrenburg Grigoryevich acompanhou a SegundaGuerra Mundial (1939-1945)
como correspondente de guerra, com a experiência anterior de repórter na
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e na Guerra Civil Espanhola
(1936-1939), da qual participou, com o colega norte-americano Ernest
Hemingway. Amigo de Jorge Amado e Pablo Neruda, teve várias obras
traduzidas no Brasil, entre elas A queda de Paris e Moscou não crê em
lágrimas. Os três fizeram um pacto para não contar suas memórias.
Ehrenburg, porém, foi o primeiro a quebrá-lo, escrevendo talvez a sua
obra mais importante. O último foi Jorge Amado, com Navegação de
cabotagem.
Ehrenburg foi o primeiro escritor a denunciar os números do Holocausto, no Livro negro, com relatos de judeus sobreviventes da Polônia e da antiga União Soviética sobre os campos de concentração. Com o fim da guerra, porém, foi muito criticado por seus colegas russos, porque durante a ocupação tratou todos os alemães como “boches”, não distinguia um agente da Gestapo de adolescente mandado para a frente de batalha como bucha de canhão. Como se sabe, o exército de Hitler chegara às portas de Moscou e somente foi derrotado na sangrenta batalha de Stalingrado, que marcou o início da derrocada militar do líder nazista. Morreram na guerra 20 milhões de soviéticos.
“Vamos matar. Se você não tiver matado pelo menos um alemão um dia, você teve desperdiçado aquele dia ... Não conte dias; não conta milhas. Conte apenas o número de alemães que você matou...”, chegara a dizer num artigo intitulado Morte. Mais tarde, para se defender, Ehrenburg lembrou um artigo de 1942, quanto Stalingrado ainda estava sob cerco alemão, no qual advogava a benevolência com os prisioneiros.: “O soldado alemão com arma na mão não é um homem para nós, mas um fascista. Odiamos ele. [...] Quando o soldado alemão dá a sua arma e se entrega, nós o faremos. Não tocá-lo com um dedo — ele viverá!” Em 2 de fevereiro de 1943, 91 mil homens esfomeados, doentes e exaustos foram feitos prisioneiros, entre eles 22 generais do 6º Exército, depois da rendição do marechal alemão Von Paulus.
Perseguições
Esta lógica do “nós contra eles” teve seus ecos por aqui, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, depois de um longo namoro do presidente Getúlio Vargas com o Eixo (Alemanha-Itália-Japão), nos primeiros anos do Estado Novo (1937-1945). Em 1942, quando navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães no Oceano Atlântico, Vargas fez um acordo com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o Brasil entrou na guerra ao lado dos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética, entre outros).
Alemães, italianos e japoneses e seus descendentes no Brasil passaram a ser imediatamente perseguidos. Clubes foram fechados ou obrigados a mudar de nome, caso do Palmeiras, antigo Palestra Itália, e do Yacth Club Santo Amaro, antigo Clube Alemão de Vela, em São Paulo, do nosso Robert Scheidt, 15 vezes campeão mundial e bicampeão olímpico. Até bares e restaurantes foram obrigados a mudar de nome, como o centenário Bar Luiz, no Rio de Janeiro, que se chamava Bar Adolph.
Os suspeitos de pertencerem ao Partido Nazista ou à Juventude Hitlerista eram mantidos sob vigilância ou confinados em campos de concentração. Houve pelo menos nove: Tomé-Açú, no Pará (alemães e japoneses); Chá de Estevão, em Pernambuco (empregados alemães da antiga Cia Paulista de Tecidos, hoje Casas Pernambucanas); Ilha das Flores, no Rio de Janeiro (onde prisioneiros de guerra foram misturados com presos comuns); Pouso Alegre, em Minas Gerais (marinheiros do navio Anneleise Essberger); Ilha Anchieta (colonos japoneses); Guaratinguetá e Pindamonhangaba (fazendas onde foram confinados colonos alemães e marinheiros do navio Windhuk); Penitenciária Agrícola da Trindade, em Florianópolis; e Presídio Político Oscar Schneider, em Joinville (onde um hospital foi transformado em colônia penal para suspeitos de atividades nazistas do Sul do país), em Santa Catarina.
Os alemães perderam a Copa do Mundo de 1938 na França, no auge do regime nazista: não passaram da primeira fase. Foram, porém, campeões em 1954 (Suiça), 1974 (Alemanha) e 1990 (Itália) — com o país ainda dividido em consequência da guerra. Depois da reunificação, com a queda do Muro de Berlim, disputaram duas finais e um terceiro lugar. Agora, vieram com tudo para vencer a Copa do Mundo no Brasil, mas, nem por isso, devemos tratá-los como “boches”, na semifinal contra o Brasil de terça-feira. O evento é uma celebração da paz, na qual o patriotismo de 11 craques em campo e milhões de torcedores não pode ser inimigo da confraternização multinacional e multiétnica do futebol. O nacionalismo em campo é um sentimento bonito e saudável — até a hora que motiva um jogador a fazer uma covardia em campo, como aquela joelhada do colombiano Zuñiga na coluna de Neymar.
Correio Braziliense - 06/07/2014
O nacionalismo em campo é um sentimento bonito e saudável — até a hora que motiva um jogador a fazer uma covardia em campo, como aquela joelhada do colombiano Zuñiga na coluna de Neymar.
Ehrenburg(E) com Gustav Regler e Hemingway, Espanha, 1937 |
Ehrenburg foi o primeiro escritor a denunciar os números do Holocausto, no Livro negro, com relatos de judeus sobreviventes da Polônia e da antiga União Soviética sobre os campos de concentração. Com o fim da guerra, porém, foi muito criticado por seus colegas russos, porque durante a ocupação tratou todos os alemães como “boches”, não distinguia um agente da Gestapo de adolescente mandado para a frente de batalha como bucha de canhão. Como se sabe, o exército de Hitler chegara às portas de Moscou e somente foi derrotado na sangrenta batalha de Stalingrado, que marcou o início da derrocada militar do líder nazista. Morreram na guerra 20 milhões de soviéticos.
“Vamos matar. Se você não tiver matado pelo menos um alemão um dia, você teve desperdiçado aquele dia ... Não conte dias; não conta milhas. Conte apenas o número de alemães que você matou...”, chegara a dizer num artigo intitulado Morte. Mais tarde, para se defender, Ehrenburg lembrou um artigo de 1942, quanto Stalingrado ainda estava sob cerco alemão, no qual advogava a benevolência com os prisioneiros.: “O soldado alemão com arma na mão não é um homem para nós, mas um fascista. Odiamos ele. [...] Quando o soldado alemão dá a sua arma e se entrega, nós o faremos. Não tocá-lo com um dedo — ele viverá!” Em 2 de fevereiro de 1943, 91 mil homens esfomeados, doentes e exaustos foram feitos prisioneiros, entre eles 22 generais do 6º Exército, depois da rendição do marechal alemão Von Paulus.
Perseguições
Esta lógica do “nós contra eles” teve seus ecos por aqui, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, depois de um longo namoro do presidente Getúlio Vargas com o Eixo (Alemanha-Itália-Japão), nos primeiros anos do Estado Novo (1937-1945). Em 1942, quando navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães no Oceano Atlântico, Vargas fez um acordo com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o Brasil entrou na guerra ao lado dos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética, entre outros).
Alemães, italianos e japoneses e seus descendentes no Brasil passaram a ser imediatamente perseguidos. Clubes foram fechados ou obrigados a mudar de nome, caso do Palmeiras, antigo Palestra Itália, e do Yacth Club Santo Amaro, antigo Clube Alemão de Vela, em São Paulo, do nosso Robert Scheidt, 15 vezes campeão mundial e bicampeão olímpico. Até bares e restaurantes foram obrigados a mudar de nome, como o centenário Bar Luiz, no Rio de Janeiro, que se chamava Bar Adolph.
Os suspeitos de pertencerem ao Partido Nazista ou à Juventude Hitlerista eram mantidos sob vigilância ou confinados em campos de concentração. Houve pelo menos nove: Tomé-Açú, no Pará (alemães e japoneses); Chá de Estevão, em Pernambuco (empregados alemães da antiga Cia Paulista de Tecidos, hoje Casas Pernambucanas); Ilha das Flores, no Rio de Janeiro (onde prisioneiros de guerra foram misturados com presos comuns); Pouso Alegre, em Minas Gerais (marinheiros do navio Anneleise Essberger); Ilha Anchieta (colonos japoneses); Guaratinguetá e Pindamonhangaba (fazendas onde foram confinados colonos alemães e marinheiros do navio Windhuk); Penitenciária Agrícola da Trindade, em Florianópolis; e Presídio Político Oscar Schneider, em Joinville (onde um hospital foi transformado em colônia penal para suspeitos de atividades nazistas do Sul do país), em Santa Catarina.
Os alemães perderam a Copa do Mundo de 1938 na França, no auge do regime nazista: não passaram da primeira fase. Foram, porém, campeões em 1954 (Suiça), 1974 (Alemanha) e 1990 (Itália) — com o país ainda dividido em consequência da guerra. Depois da reunificação, com a queda do Muro de Berlim, disputaram duas finais e um terceiro lugar. Agora, vieram com tudo para vencer a Copa do Mundo no Brasil, mas, nem por isso, devemos tratá-los como “boches”, na semifinal contra o Brasil de terça-feira. O evento é uma celebração da paz, na qual o patriotismo de 11 craques em campo e milhões de torcedores não pode ser inimigo da confraternização multinacional e multiétnica do futebol. O nacionalismo em campo é um sentimento bonito e saudável — até a hora que motiva um jogador a fazer uma covardia em campo, como aquela joelhada do colombiano Zuñiga na coluna de Neymar.
quinta-feira, 3 de julho de 2014
O sol na peneira
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 03/07/2014
Os documentos estão na rede a podem ser consultados por qualquer pessoa. Mostram que houve, sim, tortura e morte em quartéis de nossas Forças Armadas.
Coube a Aureliano Chaves, então vice-presidente da República, o primeiro alerta de que o regime militar estava entrando num beco sem saída. Ao fazer o balanço de perdas e danos das eleições de 1978 — mesmo com a antiga Arena elegendo maior número de deputados e senadores (quase um terço dos quais “biônicos”) graças às mudanças nas regras do jogo impostas pelo chamado Pacote de Abril de 1977 —, o político mineiro disse, com todas as letras, que “não adiantava tapar o sol com a peneira”: o antigo MDB, de oposição consentida, obtivera no pleito cerca de 15,18 milhões de votos, contra 10 milhões do partido governista.
No ano seguinte, começou a lenta transição à democracia, com a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, que proporcionou a volta dos exilados — entre eles, o trabalhista Leonel Brizola, o socialista Miguel Arraes e o líder comunista Luís Carlos Prestes, nenhum dos quais chegou ao poder — e a libertação dos presos políticos. Fora um acordo entre as forças políticas no Congresso, onde já havia uma maioria favorável à redemocratização do país, embora isso não se expressasse claramente porque estava instalada a disputa que desaguaria na campanha das Diretas, Já e na eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral.
Deu-se início, então, a uma transição pactuada entre os políticos e os militares, com avanços e recuos, na qual a chamada anistia recíproca foi uma espécie de salvo-conduto tanto para os agentes dos órgãos de segurança responsáveis por torturas e assassinatos quanto para os ex-militantes da luta armada que haviam praticado assaltos a mão armada, sequestros de diplomatas e alguns crimes de morte.
Esse pacto é considerado “imexível” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas é questionado por familiares dos oposicionistas desaparecidos e vítimas de tortura sempre que uma informação nova confirma a suspeita de que houve assassinatos e tortura em dependências militares ou em instalações clandestinas à disposição dos órgãos de repressão. Depoimentos de vítimas e documentos oficiais que surgem por caminhos mais diversos, como, por exemplo, os arquivos do Cenimar em poder da Comissão da Verdade, vão compondo um mosaico de informações que colocam em xeque o posicionamento oficial a respeito de assunto tão delicado.
Documentos oficiais
Recentemente, por exemplo, as Forças Armadas silenciaram sobre os assassinatos e casos de tortura ocorridos em suas unidades durante a ditadura militar (1964-1985) em investigação interna realizada a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Exército, Marinha e Aeronáutica afirmaram que não houve desvio de finalidade nas unidades e que as sete instalações citadas no pedido de investigação funcionaram no período de acordo com a legislação vigente à época. É aí que vem ao caso a frase de Aureliano Chaves: estão tapando o sol com a peneira.
Ontem, a Comissão da Verdade divulgou os documentos que recebeu do Departamento de Estado, órgão governamental responsável pelas relações externas dos EUA, e que foram enviados em 20 de junho. Segundo a comissão, 18 desses documentos se tornaram acessíveis em 19 de maio deste ano, e os outros 25, entre 2005 e 2009.Sem o caráter sigiloso, é permitido a qualquer cidadão no país acessá-los. Basta um pedido, feito por meio da Lei de Liberdade à Informação, encaminhado ao Departamento de Estado.
O compartilhamento dessas informações fora anunciado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, durante visita a Brasília, na qual se encontrou com a presidente Dilma Rousseff. Os documentos estão na rede a podem ser consultados por qualquer pessoa. Mostram que houve, sim, tortura e morte em quartéis de nossas Forças Armadas. Em tempo: estou entre os que defendem o respeito à Lei da Anistia, um pacto pela democracia, cuja essência é o perdão a todos aqueles que cometeram crimes durante o regime militar, mesmo os de sangue. Os familiares dos desaparecidos, porém, têm o direito de saber toda a verdade sobre o que aconteceu com os entes queridos.
Correio Braziliense - 03/07/2014
Os documentos estão na rede a podem ser consultados por qualquer pessoa. Mostram que houve, sim, tortura e morte em quartéis de nossas Forças Armadas.
Coube a Aureliano Chaves, então vice-presidente da República, o primeiro alerta de que o regime militar estava entrando num beco sem saída. Ao fazer o balanço de perdas e danos das eleições de 1978 — mesmo com a antiga Arena elegendo maior número de deputados e senadores (quase um terço dos quais “biônicos”) graças às mudanças nas regras do jogo impostas pelo chamado Pacote de Abril de 1977 —, o político mineiro disse, com todas as letras, que “não adiantava tapar o sol com a peneira”: o antigo MDB, de oposição consentida, obtivera no pleito cerca de 15,18 milhões de votos, contra 10 milhões do partido governista.
No ano seguinte, começou a lenta transição à democracia, com a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, que proporcionou a volta dos exilados — entre eles, o trabalhista Leonel Brizola, o socialista Miguel Arraes e o líder comunista Luís Carlos Prestes, nenhum dos quais chegou ao poder — e a libertação dos presos políticos. Fora um acordo entre as forças políticas no Congresso, onde já havia uma maioria favorável à redemocratização do país, embora isso não se expressasse claramente porque estava instalada a disputa que desaguaria na campanha das Diretas, Já e na eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral.
Deu-se início, então, a uma transição pactuada entre os políticos e os militares, com avanços e recuos, na qual a chamada anistia recíproca foi uma espécie de salvo-conduto tanto para os agentes dos órgãos de segurança responsáveis por torturas e assassinatos quanto para os ex-militantes da luta armada que haviam praticado assaltos a mão armada, sequestros de diplomatas e alguns crimes de morte.
Esse pacto é considerado “imexível” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas é questionado por familiares dos oposicionistas desaparecidos e vítimas de tortura sempre que uma informação nova confirma a suspeita de que houve assassinatos e tortura em dependências militares ou em instalações clandestinas à disposição dos órgãos de repressão. Depoimentos de vítimas e documentos oficiais que surgem por caminhos mais diversos, como, por exemplo, os arquivos do Cenimar em poder da Comissão da Verdade, vão compondo um mosaico de informações que colocam em xeque o posicionamento oficial a respeito de assunto tão delicado.
Documentos oficiais
Recentemente, por exemplo, as Forças Armadas silenciaram sobre os assassinatos e casos de tortura ocorridos em suas unidades durante a ditadura militar (1964-1985) em investigação interna realizada a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Exército, Marinha e Aeronáutica afirmaram que não houve desvio de finalidade nas unidades e que as sete instalações citadas no pedido de investigação funcionaram no período de acordo com a legislação vigente à época. É aí que vem ao caso a frase de Aureliano Chaves: estão tapando o sol com a peneira.
Ontem, a Comissão da Verdade divulgou os documentos que recebeu do Departamento de Estado, órgão governamental responsável pelas relações externas dos EUA, e que foram enviados em 20 de junho. Segundo a comissão, 18 desses documentos se tornaram acessíveis em 19 de maio deste ano, e os outros 25, entre 2005 e 2009.Sem o caráter sigiloso, é permitido a qualquer cidadão no país acessá-los. Basta um pedido, feito por meio da Lei de Liberdade à Informação, encaminhado ao Departamento de Estado.
O compartilhamento dessas informações fora anunciado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, durante visita a Brasília, na qual se encontrou com a presidente Dilma Rousseff. Os documentos estão na rede a podem ser consultados por qualquer pessoa. Mostram que houve, sim, tortura e morte em quartéis de nossas Forças Armadas. Em tempo: estou entre os que defendem o respeito à Lei da Anistia, um pacto pela democracia, cuja essência é o perdão a todos aqueles que cometeram crimes durante o regime militar, mesmo os de sangue. Os familiares dos desaparecidos, porém, têm o direito de saber toda a verdade sobre o que aconteceu com os entes queridos.