domingo, 29 de novembro de 2015

O populismo provecto

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/11/2015

A esquerda no poder promoveu uma “revanche populista” — no Brasil, na Argentina e na Venezuela — que derivou para a corrupção, o antipluralismo, a intolerância e o autoritarismo

A crise tríplice do governo Dilma Rousseff — econômica, política e ética —, a derrota dos peronistas na Argentina e o aprofundamento do autoritarismo na Venezuela sinalizam o colapso de recidiva do populismo na América Latina. O caso brasileiro talvez seja o mais emblemático, porque seu esgotamento está se dando nos marcos institucionais da Constituição de 1988, que não sofreu alterações autoritárias, como ocorreu nos países vizinhos.

Num ambiente político contaminado por escândalos políticos e casos de polícia, debater esse assunto parece uma viagem na batatinha. Entretanto, será necessário analisar o que aconteceu para não repetir, futuramente, os mesmos erros. Em razão da Operação Lava-Jato, da recessão econômica e da implosão da base do governo no Congresso, a situação se agrava e fica mais evidente que a presidente Dilma reduz, progressivamente, a possibilidade de chegar ao fim do mandato.

A cada tentativa de o governo estabelecer um rumo político e estabilizar sua base política no Congresso, surge um novo fato desestabilizador. Na quarta-feira passada, a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), trouxe a Lava-Jato de volta para o Palácio do Planalto. No dia anterior, a prisão do pecuarista José Carlos Bumlai empurrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o olho do furacão.

A presidente Dilma Rousseff assumiu o poder, em 2011, surfando a onda da chamada “nova matriz econômica”: o país cresceu 7,5% em 2010, e o presidente Lula deixou o poder com recordes de aprovação. A presidente sabia da existência de uma podridão shakespeariana sob os tapetes do Palácio do Planalto. Tanto é assim que prometeu tapar os ralos da administração e começou uma “faxina” na sua equipe de governo. Mas recebeu um alto lá do ex-presidente Lula. Uma ex-assessora da Presidência foi o pivô da primeira crise entre eles; a segunda foi causada pelo caso de Pasadena, a refinaria de petróleo enferrujada que a Petrobras comprou no Texas (EUA) quando a então ministra presidia o conselho de administração da estatal.

A revanche

Mas voltemos ao tema de origem. O populismo surgiu, nas decadas de 1930 e 1940, com os governos Vargas (Brasil), Péron (Argentina) e Cárdenas (México). Seus traços mais marcantes foram a legislação social a favor dos trabalhadores, o nacionalismo e a defesa da industrialização. Sua sobrevivência política, porém, estava vinculada às vissicitudes do modelo de substituição de importações, cuja crise, na decada de 1960, deu origem ao ciclo autoritário das ditaduras. Ironicamente, o capitalismo de Estado e a industrialização gestados no populismo avançaram sob a égide dos regimes militares, como no “milagre brasileiro”.

A volta do populismo na década de 1970, com Luís Echeverria, no México, e Domingo Perón, fomentaram um novo debate acadêmico sobre o seu papel no desenvolvimento político e social dos países da América Latina. Grosso modo, foi interpretado como um processo de superação do domínio das oligarquias e de emergência das massas trabalhadoras na cena política.

De um lado, a derrota do populismo expôs o fracassso de seus líderes e os limites da participação popular, contida pela tutela do Estado e pela capacidade de manipulação das elites; de outro, seu legado social e econômico serviu de plataforma para a resistência democrática às ditaduras. O estado assistencial, a presença do Estado na economia, o protecionismo, as leis trabalhistas e o corporativismo sobreviveram a tudo e a todos. O processo de modernização que protagonizou foi além da chamada “via prussiana” e adquiriu características de “revolução passiva”.

“O populismo interditou a via de passagem clássica à modernidade, caracterizada pela integração autônoma das classes populares às estruturas políticas da democracia liberal”, destaca o professor Alberto Aggio (in “A emergência de massas na política latino-americana e a teopria do populismo”, Um lugar no mundo, Contraponto).

Na última década, porém, a esquerda no poder promoveu uma “revanche populista” — no Brasil, na Argentina e na Venezuela — que derivou para a corrupção, o antipluralismo, a intolerância e o autoritarismo. “O populismo dos dias que correm é visivelmente uma força regressiva na política”, destaca Aggio. Esse debate foi abortado, mas terá que ser retomado na saída da crise. A ascensão do PT ao poder, sob a liderança de Lula, ensejou uma espécie de “populismo provecto.”

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Corda em casa de enforcado

Nas Entrelinhas: Luiz CarlosAzedo
Correio Braziliense - 26/11/2015

Delcídio operou como uma espécie de “gerente de crise” a favor dos envolvidos na Lava-Jato. Movimentou-se com grande desenvoltura para tentar impedir a delação premiada de Cerveró

A seguinte piada circulava ontem nas redes sociais:

– Vossa Excelência está preso, por favor, me acompanhe.
– Eu tenho direito a um advogado.
– Sim, ele já está preso ali na viatura.
– Tenho direito a um telefonema, preciso falar com meu assessor.
– Nem precisa telefonar, senhor, ele também está preso na viatura da frente.
– E se eu precisar de dinheiro pra fiança?
– Ainda sem problemas, seu banqueiro está na viatura de trás. Vamos embora!

Parece um diálogo do antigo Casseta & Planeta, entre o falecido Bussunda e o também humorista Marcelo Madureira, porém, data vênia, é um resumo do fato político mais relevante de ontem: as prisões do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado; do advogado Edson Ribeiro, que defendeu o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró; do chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira; e do banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual.

As prisões representam a chegada da Operação Lava-Jato ao vértice do esquema de corrupção montado na Petrobras e outras empresas estatais, envolvendo o líder do governo no Senado e o maior operador financeiro do cluster organizado para explorar o pré-sal, o banqueiro André Esteves. O fato de resultar da delação premiada do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró e relatar fatos novos sobre a controvertida compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), faz com que o caso se reaproxime da presidente Dilma Rousseff, que presidia o Conselho de Administração da Petrobras na época da aquisição e já faz tudo o que pôde para se isentar de responsabilidade quanto a isso.

A discussão do caso no Senado foi como falar de corda em casa de enforcado. A prisão de Delcídio também pôs em xeque as lideranças do Senado, muitas das quais citadas em diversas delações premiadas, ou seja, sob investigação na Operação Lava Jato, como é o caso do senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Foi a primeira vez que um senador foi preso em pleno exercício do mandato, numa Casa criada em 1824.

Pela Constituição, cabe ao Senado referendar ou revogar a prisão. Houve uma grande polêmica sobre a votação, pois o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), optou pelo voto secreto, mas submeteu a decisão ao plenário. A maioria preferiu o voto aberto. Entre o espírito de corpo e a sintonia com a opinião pública, prevaleceu o que é de praxe nessas situações limites: a vontade das ruas. Também por isso, manteve a prisão de Delcídio.

O Palácio do Planalto operou para que a base do governo mantivesse a votação secreta e revogasse a prisão em flagrante de Delcídio, embora a retórica do PT fosse no sentido de estabelecer um cordão sanitário em relação ao caso, o que é uma missão impossível, uma vez que o petista é o líder do governo no Senado. A grande preocupação do Palácio do Planalto é com relação aos desdobramentos da prisão, caso o senador petista se sinta abandonado. Ele também ainda pode aderir à delação premiada.

Gravações

As gravações divulgadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, são estarrecedoras. Delcídio operou como uma espécie de “gerente de crise” a favor dos envolvidos na Lava-Jato. Movimentou-se com grande desenvoltura para tentar impedir a delação premiada de Cerveró, a ponto de cooptar o seu advogado, traçar uma rota de fuga para a Espanha caso o ex-diretor da Petrobras obtivesse um habeas corpus e mobilizar um banqueiro para comprar seu silêncio com uma mesada de R$ 50 mil.

O mais grave, porém, foi a revelação de que pretendia influenciar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) para abafar o caso, o que causou estupor e grande irritação entre os membros da Corte. E deve ter provocado a decisão extrema de Teori, que decretou sua prisão cautelar. Disse Delcídio: “Agora, agora, Edson e Bernardo, é eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também”.

Na mesma gravação, Delcídio anuncia que pretende procurar o ministro do STF Edson Fachin para pedir a concessão de habeas corpus para um dos réus da Lava-Jato. Os ministros negaram a existência das conversas e reagiram com indignação. Teori Zavascki, relator da Lava-Jato, pediu ao presidente 2ª Turma do STF, ministro Dias Toffoli, a convocação de uma reunião extraordinária para deliberar sobre o caso. A decisão foi tomada por unanimidade, com os votos também de Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. E pôs um ponto final nas especulações entre políticos e advogados dos réus de que seria possível anular ou esvaziar a Operação Lava-Jato no STF.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Senador e banqueiro caíram na rede


A Polícia Federal prendeu na manhã de hoje o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado; o banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual; o chefe de gabiente de Delcídio, Diogo Ferreira; e o advogado Édson Ribeiro, que defendeu o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró. As prisões foram um pedido da Procuradoria-Geral da República,   autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (ST).

O senador teria tentado dificultar a delação premiada de Cerveró sobre uma suposta participação de Delcídio em irregularidades na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Segundo investigadores, Delcídio ofereceu fuga a Cerveró, para que o ex-diretor não fizesse a delação premiada, o que reforçou para as autoridades a tentativa do petista de obstruir a Justiça.

A prova da tentativa de obstrução é uma gravação feita pelo filho de Cerveró que mostra a tentativa do senador de atrapalhar as investigações e de oferecer fuga para o ex-diretor não fazer a delação.
O senador foi preso no hotel onde mora em Brasília, o mesmo em que estava hospedado o pecuarista e empesário José Carlos Bumlai. Delcídio
foi citado na Lava Jato na delação do lobista conhecido como Fernando Baiano. No depoimento, Baiano disse que Delcídio recebeu US$ 1,5 milhão de dólares de propina pela compra da refinaria.

Passe livre

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/11/2015


Preso por tempo indeterminado, Bumlai é mais um empresário que vai mofar na cadeia, a não ser que recorra à delação premiada. Mas pode não ser o peixe mais graúdo pego na tarrafa 

Ao complementar as explicações sobre esta nova fase, o procurador Carlos Fernando Lima, que lidera as investigações, disse que a comprovação dos fatos envolvendo a Petrobras está adiantada. Ele afirmou que existe claramente uma “vinculação política” nesse primeiro empréstimo com o governo, à época que José Dirceu chefiava Casa Civil. Condenado pelo caso mensalão, o ex-ministro também é réu em ação no âmbito da Lava-Jato e está preso no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba.


O nome dado pela Polícia Federal à 21ª fase da Operação Lava-Jato, que intitula a coluna, parece uma provocação. Faz alusão às prerrogativas de acesso do pecuarista José Carlos Bumlai ao gabinete do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Supostamente, ele teria prioridade de atendimento na portaria principal do Palácio do Planalto, sendo encaminhado ao local de destino, após prévio contato telefônico, em qualquer tempo e qualquer circunstância.

A prisão do amigo do ex-presidente Lula, ontem, em Brasília, onde deveria depor na CPI do BNDES, passou a todos a impressão de que a Operação Lava-Jato fecharia um cerco ao líder petista. Assim foi interpretada pela cúpula do PT, pelo Palácio do Planalto e pela oposição. Mas o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável pela Operação Lava-Jato na primeira instância, prudentemente, desmontou a versão no próprio despacho em que determinou a prisão preventiva de Bumlai.

Disse Moro: “Não há nenhuma prova de que o ex-presidente estivesse de fato envolvido nesses ilícitos, mas o comportamento recorrente do investigado José Carlos Bumlai levanta o natural receio de que o mesmo nome seja de alguma maneira, mas indevidamente, invocado para obstruir ou para interferir na investigação ou na instrução”. Para o magistrado, o pecuarista utilizou “por mais de uma vez e de maneira indevida, do nome e autoridade do ex-presidente” para obter benefícios.

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que Bumlai utilizou contratos firmados na Petrobras para quitar empréstimos junto ao Banco Schahin. O dinheiro seria destinado ao Partido dos Trabalhadores (PT), de acordo com o procurador federal Diogo Castor de Mattos. O principal empréstimo era de R$ 12 milhões e teve o valor elevado para R$ 21 milhões devido aos acréscimos. A dívida, de acordo com o Ministério Público Federal, foi perdoada, e a irregularidade foi mascarada com uma falsa quitação no valor inicial do empréstimo.

Para justificar a falta de pagamento, o banco Schahin efetivou um novo empréstimo em nome de uma empresa do pecuarista. Foi criado um falso contrato entre o empresário e fazendas do grupo Schahin. “Houve uma simulação de contrato de venda de embriões por parte do senhor José Carlos Bumlai para as fazendas de Schahin. Essa operação consistiu basicamente em uma complexa engenharia financeira e resultou no recibo de quitação da dívida”, explicou Mattos.

Para o Ministério Público Federal, a quitação consistiu na vantagem indevida que foi oferecida aos funcionários corruptos da Petrobras em troca do contrato de operação do navio-sonda Vitória 10.000. Além do empréstimo principal, há pelo menos uma dezena de outros empréstimos, no valor de dezenas de milhões de reais, envolvendo pessoas físicas ligadas ao pecuarista. Segundo o procurador, “as diligencias investigativas em relação ao senhor José Carlos Bumlai demonstraram várias operações com suspeitas de lavagem de dinheiro e movimentação de recursos vultuosos em espécies.”

Tarrafa

A impressão é de que a Polícia Federal jogou uma tarrafa ao realizar a Operação Passe Livre, que mobilizou 140 policiais federais e 23 auditores-fiscais, para executar 25 mandados de busca e apreensão, um mandado de prisão preventiva e 6 mandados de condução coercitiva, nas cidades de São Paulo, Lins (SP), Piracicaba (SP), Rio de Janeiro, Campo Grande, Dourados (MS) e Brasília. Uma das operações foi na sede do BNDES no Rio de Janeiro, onde foram apreendidos documentos relativos aos empréstimos concedidos a Bumlai.

A São Fernando Açúcar e Álcool, por exemplo, obteve um contrato de R$ 338 milhões com o BNDES quando já havia um pedido de falência, em 2008. A empresa tem um passivo de cerca de R$ 1 bilhão atualmente, sendo metade com o BNDES. Já a São Fernando Energia conseguiu um empréstimo de R$ 101 milhões quando estava inativa operacionalmente e possuía apenas sete empregados. Preso por tempo indeterminado, Bumlai é mais um empresário que vai mofar na cadeia, a não ser que recorra à delação premiada. Mas pode não ser o peixe mais graúdo pego pela tarrafa.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Não chores por nós

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/11/2015

A política argentina tem mais simetria com a brasileira do que se imagina. Perón assumiu o poder pelo voto em 1946 com um programa muito parecido com o de Getúlio Vargas


A música Don’t Cry for Me, Argentina (Não Chores Por Mim, Argentina), de Andrew Lloyde Webber e letra de Tim Rice, é a mais conhecida da peça musical Evita, encenada a primeira vez em 1978. Foi gravada por uma dezena de grandes artistas, mas a versão mais popular, sem dúvida, é a de Madonna, de 1996, considerada sua maior performance vocal. Reflete o drama pessoal de María Eva Duarte de Perón, segunda mulher do ditador argentino Juan Domingo Perón. Atriz, fez uma carreira meteórica, num regime ancorado no paternalismo e na demagogia.

Sua morte trágica e misteriosa, aos 33 anos, causou grande comoção popular. Sem Evita, cujo túmulo é visitado até hoje (seu cadáver chegou a ser “roubado” pelos militares), não existiria o peronismo. O fascínio que Evita exerce sobre o povo da Argentina explica um pouco como Isabelita Perón, segunda esposa do ditador, e mesmo Cristina Kirchner, mulher do presidente Néstor Kirchner, chegaram ao poder. “Será difícil de compreender, que apesar de estar hoje aqui,/ Eu sou povo e jamais poderei me esquecer, peço me creiam (…) / Não chores por mim Argentina, minha alma está contigo,/A vida inteira eu te dedico, mas não me deixes, Fica comigo.”

O recado de que nada será como antes no Mercosul foi dado ontem mesmo pelo presidente eleito, em conversa por telefone com a presidente Dilma Rousseff, ao propor que os dois países tenham relações “mais fluidas e dinâmicas”, segundo o Palácio do Planalto. Dilma cumprimentou Macri e o convidou a vir ao Brasil antes mesmo de sua posse no comando da Casa Rosada, marcada para 10 de dezembro. Segundo a assessoria do governo, Macri quer dar “nova vitalidade” ao Mercosul, bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

A eleição argentina foi uma derrota pessoal para o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, responsável pela política externa brasileira para a América Latina. O marqueteiro de Dilma, João Santana, chegou a ser mobilizado por Cristina Kirchner para socorrer o candidato peronista derrotado, Daniel Scioli, que em outubro fora recebido no Palácio do Planalto a pedido da presidente da Argentina.

Simetria

Macri, de 56 anos, é ex-presidente do Boca Juniors — um dos principais clubes de futebol da Argentina — e líder de uma frente de centro-direita que faz oposição ao governo Cristina Kirchner. As eleições de domingo encerraram 12 anos de uma mistura de populismo, heterodoxia econômica e tentativas de controlar o Judiciário e a imprensa. A “nova matriz econômica” argentina, leia-se, mais gastos públicos para fazer a economia crescer, resultou num desastre: 25% de inflação e deficit fiscal de 6% ao ano; 40% da população argentina recebe pensão, salário ou benefício do Estado.


A coligação Cambiemos tem plataforma liberal, contrária ao controle do comércio ou dos capitais. Deverá promover mudanças pró-mercado, como o fim do controle cambial, mas o novo presidente eleito não mexerá nos programas sociais, nem reverá nacionalizações, como as dos fundos de pensão e da petrolífera YPF. Macri não é oriundo da ala peronista, nem da radical.

A política argentina tem mais simetria com a brasileira do que se imagina. Perón assumiu o poder pelo voto em 1946 com um programa muito parecido com o de Getúlio Vargas, que governou o Brasil de 1930 a 1945. Seus objetivos eram aumentar o emprego e o crescimento econômico, a soberania nacional e da justiça social. Foi reeleito em 1952, mas acabou deposto por um golpe militar em 1955, cerca de um ano depois do suicídio de Vargas, que havia voltado ao poder pelo voto em 1950. Ambos simbolizaram o populismo e o “caudilhismo” na América do Sul.

Outro período de simetria política do Brasil com a Argentina se deu durante o nosso regime militar, que durou de 1964 a 1985. Os militares argentinos permaneceram no poder de 1966 a 1973, quando Perón foi anistiado e voltou à Argentina. Eleito novamente em 1974, faleceu um ano depois. Isabela Perón era vice-presidente e assumiu o poder, mas foi destituída um ano depois. Os militares permaneceram no poder até 1983. Foram desmoralizados, porém, na Guerra das Malvinas, que ajudou a acelerar o fim dos regimes militares na região. A doutrina de segurança nacional dos exércitos sul-americanos foi posta em xeque quando os Estados Unidos apoiaram os ingleses, mas essa é outra história.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A fábrica de monstros

Ricardo Azedo de Luca Montes (*)
Correio Braziliense - 22/11/2015

Quase todo brasileiro usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) passou por experiências desagradáveis no atendimento que vão desde pequenos atrasos até a falta de insumos, leitos e profissionais


Pude observar os seres mais grosseiros no tratamento da população, eu os apelidava mentalmente de monstros do SUS porque quase sempre gritavam e faziam cara feia, a grosseria era como o próprio SUS: gratuita, ampla e ineficaz. Ao longo dos últimos sete anos e meio me formei, fiz duas residências médicas, mestrado, concursos e (muito) mais trabalho e plantões. Continuei achando profissionais excelentes e alguns monstros (em menor número). 

Notei também que a enorme maioria dos estudantes de medicina que conheci nos hospitais universitários em que trabalhava era composta de ótimas pessoas, com grande desejo em ajudar e fazer um bom trabalho, respeitosas e capazes. Uma pergunta então surgiu: Como nascem os monstros? Como estudantes entusiasmados e cheios de boas intenções se tornam seres deploráveis?

A dúvida mais cruel me instigou a utilizar as melhores ferramentas que um clínico possui diante de diagnósticos difíceis, a semiologia e a dedução. Notei que os monstros eram em sua maioria médicos ou enfermeiros ou auxiliares de enfermagem (justamente os profissionais com mais contato com o público — a linha de frente); notei que eram tecnicamente piores do que a média; notei que estavam na mesma função há mais tempo; notei que eram desmotivados; e que, quase sempre, estavam sobrecarregados e, em geral, nos piores empregos em hospitais menos atraentes para os profissionais.


Longe de querer defender ou absolver os monstros, talvez eles se criariam sozinhos e certamente têm a maior parcela da culpa, mas o SUS choca os ovos e os fortalece. Um sistema que não oferece bons salários, descanso pós plantão, leitos suficientes, planejamento, e estrutura que estressa diariamente todos que dele dependem, mata muitos e inferniza a vida de quem está todos os dias na linha de frente. 


Os profissionais que lidam mais diretamente com o público (enfermeiros, técnicos de enfermagem e médicos) sofrem uma carga de estresse tremenda quando querem fazer seu trabalho benfeito e precisam de ressonância que não têm, um leito que foi desativado ou uma penicilina benzatina (item básico porém raro no olímpico Rio de Janeiro) que não compraram.

A população brasileira segue crescendo, e os leitos no SUS, diminuindo. Há relatos de entre 13 mil e 42 mil leitos a menos nos últimos 10 anos; de acordo com fontes do Ministério da Saúde, são 23 mil leitos a menos no período. Com noções básicas de aritmética, é possível prever o impacto na superlotação das emergências apenas em decorrência destes números.



Quando um paciente ou familiar de paciente, com total justiça, se desespera com as potenciais consequências nefastas dessa situação e, eventualmente, grita, xinga e até agride alguém, agora perdendo a razão (ainda assim compreensivelmente porque o desespero é imenso), quem escuta ou apanha não é o Ilmo. ministro da Saúde nem  o secretário estadual mas, sim, quem está na frente do paciente. A casca engrossa e tudo piora

.
Ratificando o que está acima, os monstros são terríveis e não estão aqui sendo defendidos. Mas um sistema que não se planeja adequadamente e está sempre sobrecarregado (como se todo dia fosse epidemia), não premia ou estimula os bons funcionários, nem pune os piores, está fabricando monstros diariamente. Se trabalhar no SUS não for bom, o serviço oferecido também nunca será.
Quase todo brasileiro usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) passou por experiências desagradáveis no atendimento que vão desde pequenos atrasos até a falta de insumos, leitos e profissionais. Muitas vezes, vemos relatos de atendimentos grosseiros e desagradáveis por parte dos profissionais de saúde. Quando eu era acadêmico, entre centenas de plantões extracurriculares em diversos hospitais, pude conhecer médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, dentistas, fisioterapeutas, farmacêuticos, fonoaudiólogos e nutricionistas maravilhosos e péssimos; desde o mais alto nível técnico até os seres mais deploráveis, e descobri que, para o paciente do SUS, a sorte era fundamental para achar um bom profissional.

(*) Professor assistente da Clínica Médica UERJ, médico reumatologista da Hupe/UERJ e membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia 





Tudo pelo social

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 22/11/2015

O governo Dilma pode representar um retrocesso social, ao contrário do que aconteceu no governo Sarney. Com indicadores em marcha à ré, o legado social de Lula deixaria de existir


O grande mérito do ex-presidente José Sarney foi conduzir com êxito a transição à democracia; além disso, no rastro da maior onda de greves de trabalhadores da história do país, os principais indicadores sociais — na saúde, na educação, na habitação e até mesmo na questão agrária — melhoraram durante o seu governo.

Entretanto, do ponto de vista da economia, o governo Sarney foi um fracasso retumbante. Depois de sucessivos planos econômicos, o mais ambicioso dos quais foi o Cruzado, que permitiu uma vitória esmagadora do PMDB nas eleições de 1986, Sarney deixou o poder com o gosto amargo da impopularidade.

O Brasil mergulhou na hiperinflação e no desemprego. Somente conseguiu dar a volta por cima com o Plano Real, lançado no governo Itamar Franco e consolidado por Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Fazenda que se elegeu presidente da República graças ao combate à inflação. Foram necessárias muitas reformas, tanto no governo Itamar quanto nos dois mandatos de Fernando Henrique, para que a moeda permanecesse estável.


Durante o governo Lula, a renda mais que dobrou, e a proporção de pobres na população é hoje pouco mais de um terço. A dívida externa foi reduzida e está sendo paga em dia; a desigualdade entre ricos e pobres apresenta números melhores. Patinamos, porém, quanto ao crescimento econômico. Na verdade, ainda estamos longe de ser um país de classe média, como se jactava a presidente Dilma Rousseff ao assumir o mandato.


O dragão da inflação, que parecia perpetuamente encarcerado, está solto novamente. A presidente Dilma recebeu o governo em 2011 com PIB de 7,5% (2010), inflação de 5,91% (IPCA) e juros em 10,75%. Na eleição, houve um tremendo oba-oba em relação aos indicadores sociais, que foram comparados aos dos anos de ajuste do Plano Real, mas nunca confrontados com indicadores internacionais.


Marcha à ré


Dados do Banco Mundial mostram que mais de um terço da população vive numa faixa intermediária, ligeiramente acima da faixa de pobreza. Estamos entre os líderes mundiais de inflação, endividamento público e concentração de renda. Agora, mesmo os avanços sociais são subtraídos com mãos de gato. Nos dois sentidos: além dos escândalos de corrupção, como o da Petrobras, desnudado pela Operação Lava-Jato, a renda das famílias é corroída pela inflação, que chegou aos 10% pelo IPCA-15.


Segundo o Banco Central, a recessão já é de 3,3% neste ano. O mercado considera que 2016 será mais um ano perdido, com inflação acima do teto de 6,5% e recessão maior que 2%. A nova meta fiscal de 2015 aprovada pelo Congresso prevê um rombo no orçamento de R$ 200 bilhões. O ajuste fiscal até agora foi conversa para boi dormir, pois terminamos o ano com deficit de R$ 120 bilhões nas contas públicas.


Nas últimas três décadas, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu, em média, 2,9% ao ano; nas três décadas anteriores, com o ciclo de substituição de importações, a média era de 6,5%. A participação brasileira no PIB global caiu de 4%, em 1985, para 2,9% estimados no ano passado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre 2006 e 2010, o PIB cresceu, em média, 4,4% anuais, impulsionando a arrecadação do governo. Os pobres, segundo critérios do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), passaram de 31% para 15% da população em 2013. Mas, com o desemprego, estão voltando à linha de pobreza.


O PIB encolheu, o ambicioso Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) é um fracasso. O governo lança pacotes de aumento de impostos e corte de despesas públicas, eleva os juros e não sabe o que fazer para atrair investimentos. O governo Dilma pode representar um retrocesso socia, ao contrário do que aconteceu no governo Sarney. Com indicadores em marcha à ré, o legado social de Lula deixaria de existir. A maneira de evitar que isso ocorra pode ser o rompimento com  Dilma, mas é uma operação de alto risco.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A face perversa da crise

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/11/2015

O Estado gastou mais do que a sociedade suportava, a sociedade gastou mais do que a riqueza que criava. Agora chegou a hora da verdade

 Análises políticas em tempos cascudos correm o sério risco de cair no “economicismo”, que nada mais é do que a redução de todos os fatos sociais à dimensão econômica. 

Os marxistas são os mais propensos a incorrer no equívoco, segundo a máxima de que “a política é a economia concentrada”. Mas o “economicismo” não é um privilégio da esquerda tradicional. Os liberais e conservadores também incorrem nesse erro ao concluir que oferta e demanda são os únicos fatores importantes na tomada de decisões, o que é ainda mais frequente em momentos de crise econômica.

O “economicismo” sempre tem um viés ideológico e, no seu determinismo, considera tudo o mais acessório ou secundário. Parte da incapacidade de a presidente Dilma Rousseff superar a crise decorre de uma mistura atávica de “economicismo” com “populismo” — cuja característica principal é o exercício do poder em contato direto com as massas, sem a intermediação dos partidos e das instituições. Durante o governo Lula, isso foi possível mediante adoção bem-sucedida de políticas públicas e a métodos de aliciamento da população de baixa renda e da chamada “nova classe média”.

Dilma nem de longe tem o mesmo carisma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora no começo de seu primeiro mandato tenha alcançado altos índices de popularidade, graças a programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Com o agravamento da crise econômica, que foi ocultada durante a campanha eleitoral, a popularidade da presidente foi à lona. Além disso, o “populismo” petista foi nocauteado pela Operação Lava-Jato. Restou o “economicismo”, que leva o partido a se opor ao ajuste fiscal e às reformas estruturais que a economia exige.

Agora, estão em risco todos os ganhos sociais obtidos com a expansão do crédito e da massa salarial com a chamada “nova matriz econômica”, que entrou em colapso. A perda no rendimento das famílias é consequência direta do aumento do desemprego, que tende a se intensificar no próximo ano, ficando em torno de 10% — em setembro estava em 7,6% nas metrópoles. Quem está empregado tende a receber reajustes anuais abaixo da inflação, que está em 9,9% no acumulado de 12 meses encerrados em outubro; com mais trabalhadores desempregados, a soma dos rendimentos de quem está ocupado fica menor.

Duras escolhas
No início, os trabalhadores da construção civil e da indústria de transformação foram os mais atingidos; agora, os demais profissionais também temem o desemprego. E o enfraquecimento da economia reduz o poder de barganha dos trabalhadores. A mão de obra mais cara é trocada pela mais barata. Os aumentos salariais tendem a ficar abaixo da inflação. Mesmo os servidores públicos, que não correm risco de ficar desempregados, terão seus salários achatados porque o Estado brasileiro está quebrado.

Onde está a contradição principal do “populismo” petista? Na relação entre o que acontecia dentro de casa e na rua. A grande verdade é que a vida dos mais pobres, nos anos de bonança, havia melhorado da porta pra dentro, graças à transferência direta de renda e ao aumento do consumo via endividamento das famílias. Da porta pra fora, porém, as políticas públicas universalistas foram subinvestidas e capturadas pelos grandes interesses privados. Isso aconteceu na saúde, na educação, nos transportes, na segurança pública e até mesmo na habitação, a grande marca da presidente Dilma na área social.

A situação mais grave não está na crise da saúde, na precariedade dos transportes ou na violência urbana. São os números da educação, que puxam pra baixo a produtividade do país e a consciência social, embora o slogan do governo Dilma no segundo mandato seja “Pátria educadora”. Segundo o Pnad 2014, o país tem 13,2 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, o equivalente a 8,3% da população. O analfabetismo funcional, considerado pelo IBGE como a parcela de pessoas com 15 anos ou mais de idade e com menos de quatro anos de estudo, afligia 17,6% da população. Além disso, o percentual de jovens de 15 a 17 anos na escola está estagnado em 84,3% há três anos. O que melhorou nessa área foi o aumento de 77,4% para 82,2% das crianças de 4 a 5 anos na escola.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua retórica, ainda pode brandir indicadores favoráveis ao seu governo, mas a presidente Dilma Rousseff não tem a menor condição de manter esses ganhos sociais. Não é porque seu governo seja uma ruptura com o anterior, mas porque a estratégia de concessão de subsídios, oferta de crédito e transferência direta de renda de Lula não tinha sustentabilidade e se esgotou. O Estado gastou mais do que a sociedade suportava, a sociedade gastou mais do que a riqueza que criava. Agora chegou a hora da verdade. Só a política pode achar uma saída, que implica em fazer duras escolhas.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O autoengano

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/11/2015

O ministro Joaquim Levy assumiu a Fazenda com a meta de alcançar um superavit fiscal de R$ 70 bilhões; chega ao fim do ano com um rombo de R$ 119,8 bilhões


A Comissão Mista de Orçamento aprovou ontem o projeto de lei que reduz a meta fiscal de 2015. Segundo o texto, o governo será autorizado pelo Legislativo a fechar as contas com um rombo recorde de até R$ 119,9 bilhões em 2015. 

O valor considera o abatimento de até R$ 57 bilhões para compensação das chamadas pedaladas fiscais, que são os pagamentos atrasados a bancos públicos em 2014. A proposta recebeu 22 votos favoráveis dos deputados e apenas oito contrários; entre os senadores, a aprovação foi simbólica.

O governo trabalha agora para que a proposta seja aprovada pelo Congresso, o que deve acontecer com o apoio do PMDB e do PSDB. No fim de outubro, diante das dificuldades econômicas, a meta fiscal de 2015 foi revisada de novo pelo Executivo, passando de um superavit (economia para pagar juros da dívida) de R$ 8,7 bilhões para um deficit de R$ 51,8 bilhões nas contas públicas. A decisão livrará a presidente Dilma Rousseff do risco de ter as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e ser enquadrada em crime de responsabilidade, o que abriria caminho para seu impeachment.

Em junho de 2015, as “pedaladas fiscais” somavam R$ 40 bilhões, segundo uma representação do Ministério Público Federal, repetindo-se uma situação que levou o TCU a rejeitar as contas da presidente Dilma Rousseff de 2014. Segundo os auditores do TCU, indevidamente, o governo deve ao BNDES, R$ 24,5 bilhões; ao Banco do Brasil, R$ 13,5 bilhões; e à Caixa Econômica Federal, R$ 2,2 bilhões.

As “pedaladas” funcionam como uma espécie de “empréstimo” à União, o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. O atraso dos repasses para bancos públicos do dinheiro de benefícios sociais e previdenciários acaba obrigando as instituições financeiras a usar recursos próprios para honrar os compromissos do governo, mesmo com saldo negativo na conta da União. Ou seja, é como descontar cheque sem fundos.

Faz de conta

O governo não tinha detalhado o valor da “pedaladas” ao enviar ao Legislativo o projeto de lei alterando a meta. O deputado Hugo Leal (Pros-RJ), relator do projeto, porém, decidiu não deixar esse valor em aberto e o fixou, inicialmente, em R$ 55 bilhões. Depois, alterou novamente para R$ 57 bilhões, que é o valor admitido oficialmente pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

A Comissão Mista de Orçamento também abriu a possibilidade de abater da meta fiscal o rombo de R$ 11,1 bilhões previsto para o setor elétrico, caso não ocorra o leilão das hidrelétricas, marcado para o fim do mês. Como o Tribunal de Contas da União deve determinar que o governo pague as pedaladas ainda neste ano, decidiu ainda que o deficit nas contas públicas poderá atingir a espantosa marca de R$ 119, 9 bilhões.

Onde está o autoengano? No fato de que toda essa ginástica legislativa garante a impunidade para a má gestão econômica e administrativa, mas não resolve em nada o problema principal do país: o agravamento da crise econômica, cujas repercussões sociais estão apenas começando. O ministro Joaquim Levy assumiu a Fazenda com a meta de alcançar um superavit fiscal de R$ 70 bilhões; chega ao fim do ano com um rombo de R$ 119,8 bilhões.

O economista e filósofo Eduardo Gianetti escreveu um livro intitulado Autoengano, sobre as mentiras que contamos a nós mesmos, como adiantar o despertador para não perder a hora, ou termos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide com a extensão de nossos defeitos e qualidades.

Segundo ele, sem o autoengano, a vida seria mais dolorosa e desprovida de encanto, porém, abandonados a ele, “perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social”. O que está acontecendo com a economia e a própria política brasileira tem muito a ver com isso. O Palácio do Planalto e seus aliados fazem um jogo de mentirinha, no qual se enganam quanto à própria capacidade de enfrentar a crise econômica, política e ética.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O pêndulo de Temer

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/11/2015

O vice-presidente República movimenta-se entre o governo e a oposição, de acordo com a rotação da crise econômica, ética e política. Engana-se quem imagina que esteja isolado



O pêndulo de Foucault, idealizado pelo físico francês Jean Bernard Léon Foucault, foi concebido em 1851 para demonstrar a rotação da Terra e a existência da Força de Coriolis (força inercial). Foi um experimento simples e genial: um pêndulo de 30kg foi fixado ao teto do Pantheon de Paris por um fio de 67 metros de comprimento. 

Durante o movimento, a areia ia se escorrendo da esfera, com a intenção de marcar no chão a trajetória do pêndulo. O rastro deixado pela areia não se sobrepunha um ao outro, mas sim existia um espaçamento entre um e outro a cada período do pêndulo completado.

Sua originalidade foi o fato de ter liberdade de oscilar em qualquer direção, ou seja, o plano pendular não é fixo. A rotação do plano pendular é devida à rotação da Terra. A velocidade e a direção de rotação do plano pendular permitem igualmente determinar do local da experiência sem nenhuma observação astronômica exterior. Tudo isso pôde ser demonstrado matematicamente.

O PMDB comporta-se na política brasileira como o pêndulo de Foucault. Hoje, faz um congresso para discutir o documento “Uma ponte para o futuro”. É o texto mais badalado da política nacional, porque oferece um programa de saída para a crise que foi bem recebido pelos agentes econômicos. No mundo político, porém, foi interpretado como um de programa de governo para a eventualidade do vice-presidente Michel Temer assumir o poder.

Faz propostas que vão além do ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a Agenda Brasil, anteriormente anunciada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Suas teses confrontam as concepções econômicas da presidente Dilma Rousseff, as posições do PT e declarações recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PMDB propõe reformas de natureza estrutural.

Temer quer desindexar a economia do índice da inflação, inclusive o salário mínimo e as aposentadorias. Promover uma reforma trabalhista, atribuindo aos contratos coletivos a regulação das relações entre trabalho e capital, exceto quanto aos direitos básicos. E reduzir o deficit na Previdência Social, ao fixar idade mínima para a aposentadoria de 60 anos para mulheres e 65 para homens.

O vice-presidente República movimenta-se entre o governo e a oposição, de acordo com a rotação da crise econômica, ética e política. Engana-se quem imagina que esteja isolado. Na verdade, se posiciona levando em conta os demais partidos e as correntes internas do PMDB. É um craque nesse vai e vem político, que não repete o mesmo percurso. Eis aí a diferença, na política, entre um pêndulo simples como dos relógios e o pêndulo de Foucault.

Esse comportamento, porém, desgasta cada vez mais sua relação com a presidente Dilma Rousseff, com quem já não tem nenhum diálogo político. Temer procura manter as aparências, como hoje, ao presidir a reunião do conselho político como presidente em exercício, mas a presidente Dilma Rousseff, que está na reunião do G20, na Turquia, nas solenidades oficiais já não faz questão de tratá-lo com as deferências que seus respectivos cargos exigem.

O congresso do PMDB proporá o lançamento de uma candidatura própria à Presidência da República em 2018, esse é o ponto de convergências entre as alas do partido que apoiam o governo e que desejam o rompimento imediato. O programa, porém, leva em consideração a crise econômica e não o calendário eleitoral. O movimento pendular do PMDB é ditado pela correlação de forças na sociedade. Quando, porém, derivar de vez para a oposição, mudará a rotação da política no Congresso e selará o destino de Dilma.

À beira do cadafalso

O deputado Fausto Pìnato (PRB-SP), relator do processo de cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), antecipou em três dias o seu relatório preliminar e pediu a continuidade do processo contra o peemedebista no Conselho de Ética. Segundo ele, fez isso porque já havia analisado a representação contra Cunha e encontrado indícios suficientes para o prosseguimento das investigações. Cunha protestou.


O advogado Marcelo Nobre, que defende Cunha no Conselho de Ética, disse que a antecipação é “injustificada” e “fere o direito de defesa do parlamentar”. Ele argumentou que o direito é “imprescindível” para esclarecer dúvidas do relator e dos integrantes do Conselho. Deve apresentar as alegações a favor de Cunha ainda hoje.

domingo, 15 de novembro de 2015

Lenta e gradual

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/11/2015

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), manobra para evitar a perda do próprio mandato, ao negociar com o Palácio do Planalto. A oposição caiu na armadilha de uma aliança espúria


No seminário que provocou a demissão do chefe do Comando Militar do Sul, general Antônio Hamilton Martins Mourão, em Porto Alegre, na sede da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, os empresários gaúchos debateram quatro cenários para desdobramento da crise ética, política e econômica do país: a renúncia da presidente Dilma Rousseff, a aprovação de seu impeachment pelo Congresso, uma intervenção militar e o prolongamento da crise até as eleições de 2018.

O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor Müller, resumiu assim a conclusão a que chegaram: a renúncia não condiz com o perfil da presidente Dilma, a intervenção militar está descartada pelos militares e o impeachment não sai porque o PMDB e o PSDB não se entendem; “vamos ter que aturar essa crise até as eleições de 2018”.

As conclusões dos empresários gaúchos são as mesmas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Numa palestra para estudantes de Direito em São Paulo, disse que o país precisa ter “paciência”. Referia-se, naturalmente, ao impeachment da presidente Dilma, que é uma prerrogativa do Congresso. “Com toda a franqueza, devemos esperar mais um ano para as eleições municipais. Ganhe quem ganhe as eleições de 2016, nós teremos uma nova distribuição de poder. Temos de ter a paciência de aguentar mais três anos sem nenhum golpe institucional”, disse.

Segundo Lewandowski, esses três anos “poderiam cobrar o preço de uma volta ao passado tenebroso de trinta anos”. Arrematou. “Devemos ir devagar com o andor, no sentido de que as instituições estão reagindo bem e não se deixando contaminar por essa cortina de fumaça que está sendo lançada nos olhos de muitos brasileiros.”

Lava-Jato

No mesmo dia, o juiz federal Sérgio Moro decretou a quebra do sigilo telefônico do PT e de pelo menos seis números que seriam usados pelo ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso desde março, em Curitiba, acusado de ser operador de propinas no esquema de corrupção na Petrobras. A abertura de dados alcança o período de 2010 a 2014, ou seja, três campanhas eleitorais. A força-tarefa da Operação Lava-Jato aponta o uso da legenda como forma de ocultar dinheiro desviado da estatal por meio de contribuições e de doações de campanha. O Ministério Público Federal acusa Vaccari de usar uma gráfica ligad a ao partido para supostamente lavar dinheiro da Petrobras.

A propina do esquema da Petrobras teria sido canalizada para a Editora Gráfica Atitude por meio de repasses do executivo Augusto Ribeiro Mendonça – do grupo Setal – um dos delatores da operação. Ele revelou que o ex-tesoureiro lhe pediu R$ 2 milhões para o partido e sugeriu que o depósito fosse feito em favor da gráfica. “Os sócios da Editora são o Sindicato dos Empregados de Estabelecimentos Bancários de São Paulo/SP e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de notória vinculação ao Partido dos Trabalhadores, sendo que Juvandia Moreira Leite, presidente do primeiro Sindicato, figura como administradora da Editora”, afirmam os procuradores.

As ações de Moro parecem dar razão à afirmação de que as instituições funcionam. Nos tribunais superiores, tramitam ações contra a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer (Tribunal Superior Eleitoral), governadores (Superior Tribunal de Justiça) e ministros, deputados e senadores (Supremo Tribunal Federal). Pode ser que sejam julgadas antes de 2018. A Operação Lava-Jato agora avança em direção ao PT, partido que pode sofrer graves sanções.

A crise, pois, segue lenta e gradual. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mata no peito as denúncias contra ele e manobra para evitar a perda do próprio mandato, ao negociar com o Palácio do Planalto o arquivamento dos pedidos de impeachment da presidente Dilma. A oposição perdeu o bonde: caiu na armadilha de uma aliança espúria com Cunha.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Bye-bye, Levy

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Brazilense - 12/11/2015

Os amigos economistas dizem que ele já deveria ter chutado o pau da barraca, mas o ministro estoicamente ainda tenta descascar o abacaxi das pedaladas que herdou de Guido Mantega.

O mercado financeiro já dá como favas contadas a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. Os rumores de que será substituído pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, por si só, ontem fizeram o dólar cair e a Bovespa subir. Como acontece com quase todo mundo que vai para a frigideira, Levy não se dá conta do que está acontecendo. Não tem consciência de que perdeu a liderança para conduzir a economia, minado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo PT e pelos colegas da Esplanada, a começar pela troica petista instalada no Palácio do Planalto.


O melhor exemplo de que ainda não caiu a ficha para Levy foi sua participação no jantar promovido pelo líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), na terça-feira à noite, em sua residência, para cerca de 30 senadores da base e da oposição. Levy deu uma aula de economia para os presentes, mas nem por isso deixou de passar por constrangimentos ao ser duramente questionado e responsabilizado pela recessão por alguns integrantes da própria base do governo. Na verdade, desde quando assumiu o cargo, Levy foi obrigado a um corpo a corpo com os políticos para o qual nunca esteve preparado.


A carta que distribuiu ontem para narrar o encontro com os parlamentares chega até a ser ingênua. “A política econômica que queremos conduzir entende que o Brasil tem que apresentar opções para a moderação da carga tributária, sem prejuízo do equilíbrio fiscal e respeitando os objetivos de proteção social e estímulo ao trabalho e ao investimento. Esse é o novo contrato social em gestação no Brasil, típico de um país que, vencendo a pobreza e sendo cada vez mais de classe média, quer sempre crescer, o que poderá nos colocar em novo patamar de desenvolvimento”, disse Levy.


No documento, o ministro da Fazenda admite que os instrumentos mais habituais de estímulo à economia já foram usados à exaustão. “Portanto, teremos que trabalhar para enfrentar questões estruturais, de forma a dar competitividade ao país em um período em que não poderemos contar com os mesmos preços favoráveis para nossas matérias primas.” Diz ainda que enfrentar a burocracia, as dificuldades de pagar impostos e a incerteza nas regras de negócios é o “imperativo” para o país a crescer. “Junto com o equilíbrio fiscal, esse enfrentamento é o que permitirá encontrar novas condições para o financiamento da economia, inclusive pela modicidade de juros de mercado e não apenas através dos escaninhos tradicionais”, declarou.

Prazo de validade

A nota de Levy parece o testamento de alguém no leito de morte. Tanto no mercado financeiro quanto no mundo político, a avaliação é de que o ministro da Fazenda captou: assumiu o cargo com uma meta de superavit fiscal de R$ 70 bilhões e fecha o ano com um deficit fiscal que pode chegar a R$ 120 bilhões. Levy apenas enxuga gelo. Continua na Fazenda porque a presidente Dilma Rousseff considera humilhante ter que demiti-lo por exigência do ex-presidente Lula, ainda mais para pôr um antigo desafeto no seu lugar, Henrique Meirelles. O mercado aguarda o desfecho da fritura.


O discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a crise precisa ser enfrentada com ampliação do crédito e endividamento externo de estados e municípios não combina com o perfil monetarista de Henrique Meirelles, que teria exigido o controle sobre o Banco Central e sobre o Ministério do Planejamento para assumir, ao ser sondado pelo Palácio do Planalto. Nunca houve isso, exceto no período em que Pedro Malan reinou absoluto Ministério da Fazenda, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.


No nevoeiro político de Brasília, as projeções são de que Levy deve sair do governo na virada do ano. Seus amigos economistas dizem que ele já deveria ter chutado o pau da barraca, mas o ministro estoicamente ainda tenta descascar o abacaxi das pedaladas que herdou de Guido Mantega. Seu prazo de validade está vencido. O fracasso do ajuste não é culpa sua, mas ficará na sua conta porque interessa ao ex-presidente Lula e à própria presidente da República. Como disse em conversa com Lula, Dilma não gosta de Meirelles, mas também não gosta de Levy.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O transformismo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/10/2015

O “transformismo” petista, tanto no governo quanto no parlamento, se esgotou. O resultado é um governo cada vez mais enfraquecido, incapaz de dar respostas aos problemas do país


O “transformismo” político é um conceito adotado pelo marxista italiano Antônio Gramsci para analisar a política italiana. Muito estudado na academia a partir dos anos 1980, parece que foi esquecido por boa parte da esquerda após a chegada do PT ao poder, embora o conceito tenha sido incorporado ao acervo instrumental da ciência política não-marxista. Grosso modo, o conceito trata da ampliação pelo establishment de sua classe dirigente, por meio da absorção gradual e contínua dos grupos aliados e mesmo de adversários que pareciam “irreconciliavelmente inimigos”.

Gramsci utilizou o conceito para explicar a fragilidade dos partidos italianos, do Risorgimento até o fascismo de Mussolini. Segundo ele, por meio do “transformismo”, o governo opera como um partido e se coloca acima deles, não para harmonizar seus interesses e atividades de acordo com os interesses nacionais, mas para desagregá-los, separá-los das massas e ter “uma força de sem-partido ligada ao governo por vínculos paternalistas de tipo bonapartista-cesarista”.

Na Itália, em diferentes fases da vida política, personalidades políticas ligadas aos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à “classe política” conservadora e moderada, culminando com o “transformismo” de grupos radicais inteiros, “que passam ao campo moderado”. Um dos aspectos mais interessantes da análise de Gramsci diz respeito à juventude: “Os jovens deixam-se atrair culturalmente pelos operários, e chegam mesmo a se tornar — ou buscam fazê-lo —seus líderes (desejo ‘inconsciente’ de realizarem a hegemonia de sua própria classe sobre o povo), mas, nas crises históricas, retornam às origens”.

O conceito se encaixa como uma luva para examinar a trajetória do PT no poder. Durante seus dois mandatos, mas principalmente no segundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se colocou acima dos partidos e estabeleceu uma linha direta com o eleitorado. Retirou do Congresso a grande política e abduziu o seu papel de representação dos diversos setores da sociedade, cujos interesses passaram a ser negociados diretamente com o Palácio do Planalto. Coube aos partidos da base aliada um papel meramente homologatório, enquanto a oposição, isolada e sufocada pela pequena política, esperneava.

Os quadros do PT no governo operavam um sistema de forças que se articulava de forma perversa. Com os agentes econômicos, pela intermediação de negócios; com os atores sociais, pela cooptação de lideranças. De certa forma, devido à inapetência da presidente Dilma Rousseff para gerenciar a política como Lula o fazia, o sistema começou a dar sinais de fadiga logo no primeiro mandato dela. Dilma não conseguiu se colocar acima dos partidos e, simultaneamente, comandá-los. Virou um sputnik.

À incapacidade de operar a ampla coalizão de governo somaram-se a crises econômica, resultado de erros sucessivos do governo no primeiro mandato, e ética, desnudada pela Operação Lava-Jato no começo do segundo. Com o escândalo de corrupção na Petrobras, também se esgotou a principal fonte de financiamento de sua política de alianças e, com isso, entrou em colapso o sistema de poder.

Sem volta

O “transformismo” petista, tanto no governo quanto no parlamento, se esgotou. O resultado é um governo cada vez mais enfraquecido, incapaz de dar respostas aos problemas do país. O esquema de financiamento de sua hegemonia, que se sustentava no desvio de recursos públicos, virou caso de polícia. Além da desagregação da coalizão de governo, que a recente reforma ministerial não conseguiu recompor, a base eleitoral petista foi volatilizada em razão das consequências sociais do ajuste fiscal e dos desgastes provocados pelos escândalos de corrupção.

É nesse contexto que a operação deflagrada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles precisa ser compreendida. Para manter sua base eleitoral, cada vez mais reduzida, o petista tenta reconstruir a identidade perdida devido ao “transformismo”. É preciso que o atual ministro Levy seja responsabilizado pela recessão e o desemprego, como se o ajuste fiscal fosse um equivocado desvio de rota do governo Dilma, e não a consequência lógica dos erros cometidos.

Uma guinada populista, com expansão do crédito consumidor e uma corrida aos financiamentos externos por governos estaduais e prefeituras, que estão à bancarrota, seria uma maneira de conter, momentaneamente, a recessão, não importa que a manobra tenha fôlego curto e possa levar o país a consequências ainda mais graves. É a mesma estratégia adotada na eleição passada, na qual a economia foi manipulada para manter o PT no poder e eleger Dilma Rousseff. O problema é que o “transformismo” é um caminho sem volta.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Que greve é essa?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/11/2015

A greve dos caminhoneiros nem de longe tem a mesma envergadura do que ocorreu no Chile, mas existe um forte movimento a favor do impeachment nas redes sociais e o governo anda mal das pernas no Congresso

Um dos pontos fortes do PT na disputa com a oposição é a capacidade de construir um discurso alarmista, a partir de um fato qualquer que sirva de pretexto para isso, e transformar qualquer polêmica numa briga de mocinho contra bandido. Nas campanhas eleitorais de 2002, 2006, 2010 e 2014, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma fizeram isso sem escrúpulos, ora alardeando que a oposição queria vender a Petrobras, ora que pretendia acabar o Bolsa Família.

A oposição muitas vezes facilita a vida dos petistas e atravessa a rua para escorregar na casca de banana, como acontece agora com o maior bode na sala da crise ética, política e econômica, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O “Fora, Cunha!” é uma bandeira empunhada pelos militantes petistas, ao mesmo tempo em que o Palácio do Planalto opera nos bastidores para que o presidente da Câmara engavete os pedidos de impeachment.

A oposição, visivelmente constrangida, alimenta a esperança de que o parlamentar despache favoravelmente à abertura do processo de impeachment, enquanto Cunha constrói um discurso pouco verossímil para evitar a cassação, em barganha simultânea com o governo e a oposição. Como no caso do “trust” que supostamente administraria o seu dinheiro na Suíça, no qual sustenta que as suas contas secretas não são o que pareciam.

Vejam o caso da greve dos petroleiros, que já tem uma semana e começa a prejudicar o abastecimento de combustíveis. Os petroleiros nada fizeram contra a roubalheira na empresa, pois seus sindicatos são controlados pelos petistas, como o fundo de pensão da categoria, o Petros, que também merece uma bela auditoria independente. Em vez de apoiar a Operação Lava-Jato, passaram a levantar suspeitas de que tudo não passa de uma grande armação imperialista para vender a empresa.

Com esse discurso, realizam uma greve contra o atual presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, que pretendem derrubar do cargo. Estão em greve por tempo indeterminado. Além da luta pelas cláusulas econômicas e sociais no acordo coletivo deste ano, defendem que a Petrobras “seja 100% estatal e pública”.

As entidades são contra a venda de 49% das ações da Petrobras Gás (Gaspetro) para a Mitsui Gás e Energia do Brasil por R$ 1,9 bilhão. A venda de ativos e a redução de investimentos fazem parte do plano da empresa para reduzir o nível de endividamento. Além disso, querem reajuste de 18%, envolvendo reposição da inflação, aumento real e produtividade.

Caminhoneiros

A greve dos petroleiros é maior expressão da oposição que o PT faz ao ajuste fiscal e ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma contradição na própria base do governo, como é o caso do “Fora, Cunha!” A diferença é que seu impacto na economia aumenta o desgaste do governo, que publicamente evita se manifestar sobre a greve. Fazê-lo seria admitir que o PT sabota o seu próprio governo.

Eis, porém, que surge outra greve, na medida para ser “demonizada” como coisa da direita, que pretenderia desestabilizar o país: a greve dos caminhoneiros autônomos. Fora do controle dos sindicatos da categoria e das empresas de transportes, o movimento é liderado por Ivar Schmidt, que encabeça o Comando Nacional do Transporte. Como no ano passado, foi organizado pelas redes sociais e já se espalhou por 14 estados, com bloqueios nas principais estradas do país.

Enquanto os petroleiros querem a cabeça de Bendine, os caminhoneiros pedem a saída da presidente Dilma. Um prato feito para o discurso que o governo precisa contra o impeachment. Como se sabe, a destituição do presidente Salvador Allende no Chile, em 1973, pelo general Pinochet, foi precedida por uma onda de greves patronais, iniciada em outubro do ano anterior. A maior e mais prejudicial foi a greve dos caminhoneiros, que deixou o país em colapso. Na verdade, houve mesmo uma articulação patronal golpista, com envolvimento dos Estados Unidos, que culminou com o golpe militar de Pinochet.

A greve dos caminhoneiros nem de longe tem a mesma envergadura do que ocorreu no Chile, mas existe um forte movimento a favor do impeachment nas redes sociais e o governo anda mal das pernas no Congresso, cenário agravado pelos altos índices de desaprovação da presidente Dilma Rousseff. Tudo na medida para o discurso de que a greve dos caminhoneiros é coisa da oposição golpista. E a dos petroleiros, é o que?

domingo, 8 de novembro de 2015

Efeitos colaterais

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense- 07/11/2015

Num regime presidencialista como o nosso, dificilmente haverá uma saída para a crise sem uma mudança de rumo no governo federal. Isso está mais do que claro para a sociedade

O Brasil não é para amadores, já dizia Tom Jobim. A situação atual corrobora bem a situação. Dilma Rousseff nunca foi política profissional, era um quadro da alta burocracia formada no caldo de cultura do castilhismo gaúcho, que aos poucos derivou do PDT para o PT, depois que Leonel Brizola foi ofuscado pela ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da eleição de 1989.

Com o declínio do trabalhismo, Dilma optou pelo petismo,  mas no fundo de tudo isso estava uma visão utilitarista do populismo. Ex-militante da Var-Palmares, organização de ultraesquerda que participou da luta armada e foi desbaratada pela repressão do regime militar, foi presa e torturada. Aguentou o tranco e não entregou os companheiros. Isso lhe deu uma aura heróica, mas não lhe deu a astúcia e a sagacidade dos políticos profissionais.

No poder, porém, Dilma mostrou que sabe e gosta de mandar. Fala grosso com os subordinados, da passadeira aos generais. Gostou da cadeira para a qual foi eleita com apoio de Lula e se impôs perante ele no primeiro mandato. O “Volta, Lula!” fracassou porque Dilma disse ao ex-chefe que era candidata à reeleição e pagou para ver. Lula teve de engolir.

Lula acreditava que Dilma seria presidente da República de um só mandato. Não foi outro o motivo da escolha de seu nome para sucedê-lo, em detrimento de outros petistas do primeiro time que provaram ser bons de votos, como atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, eleito duas vezes governador da Bahia e muito bem-sucedido na própria sucessão.

A imagem de grande gestora que serviu de eixo para as candidaturas – eleição e reeleição – provou-se um produto de marketing. No começo, parecia que Dilma entendia do riscado. Com a reeleição também parecia que ela realmente havia se consolidado como liderança política com projeto próprio, seja pelo fato de que se impôs aos adversários, seja pela forma como anulou a influência de Lula na cúpula do governo ao montar o ministério do segundo mandato.

Tudo parecia desmentir o chiste de Tom Jobim em relação a ela. Passado um ano da eleição, porém, o cenário é dramático. Os melhores economistas do país são capazes de fazer bons diagnósticos, apontar os erros do governo e oferecer algumas alternativas, mas não são capazes de construir uma saída para a crise. Essa é a tarefa dos políticos profissionais.

Dilma deveria liderar o debate para isso, mas não consegue construir essa saída, por causa de suas concepções voluntaristas e do sistema de alianças que a elegeu. Dar um cavalo de pau exigiria uma mudança no eixo de alianças, deslocando PT, e o abandono de velhas ideias que caducaram faz tempo, menos na cabeça de Dilma e seus estado-maior.

Beco sem saída

Num regime presidencialista como o nosso, dificilmente haverá uma saída para a crise sem uma mudança de rumo no governo federal. Isso está mais do que claro para a sociedade, mas essa não é a compreensão dos políticos que ainda apoiam Dilma Rousseff. A maioria sempre foi fisiológica e patrimonialista na proporção da fraqueza do governo. E flerta com o populismo petista. Diante disso, como fazer um ajuste fiscal e aprovar reformas estruturais para reduzir o tamanho do Estado à dimensão que a sociedade suporta? Esse é o beco sem saída.

Mas o Brasil, como já se disse, não é para amadores. Nosso populismo nem de longe se equipara ao peronismo argentino, que é quase religioso entre os “descamisados”, ou ao bolivarianismo venezuelano, cujo eixo é a formação de milícias com características cada vez mais fascistas. Não há no Brasil líderes como Peron e Chávez. Getulio Vargas somente virou mito após o suicídio, em 1954, embora gozasse de enorme prestígio popular. Frustrou, assim, os que pretendiam destituí-lo. Mas já não estava vivo para evitar o golpe de 1964.

O líder político cujo prestígio popular mais se aproximou de Getulio Vargas foi o ex-presidente Lula, que desbancou João Goulart e Leonel Brizola. Mas nem de longe deixou um legado político da envergadura da Era Vargas, seja do ponto de vista da organização do Estado, seja do das conquistas sociais.

Um dos efeitos colaterais da crise atual, que fez da presidente Dilma a mais impopular dos presidentes desde a redemocratização do país, é a “desconstrução” da imagem de Lula. O governo atual lançou o país na maior recessão desde a crise mundial de 1929 e, com isso, destrói o legado social do petista. Sem ele, a imagem de Lula é corroída a cada escândalo envolvendo seus parentes, empresários amigos e políticos aliados

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Agora é oficial

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo 
Correio Braziliense: 05/10/2015
 
A punição por quebra de decoro vai da simples advertência à cassação. Mentir é considerado infração gravíssima. Cunha nega que tenha feito isso, contra todas as evidências

 O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), assumiu ontem a missão de blindar o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), oficializando o que já se sabia: o Palácio do Planalto vai trabalhar os votos no Conselho de Ética para evitar a cassação de Cunha. Se o caso for a voto em plenário, será muito difícil para Cunha evitar uma degola, mesmo com o prestígio que tem com o baixo clero. “O processo corre naturalmente. Ninguém pode ser excluído de suas funções ou condenado sem o trânsito em julgado. E isso também vale para o Conselho de Ética”, disse Guimarães. Até então, o líder do governo respondia aos questionamentos com ambiguidade, com o argumento de que o assunto não dizia respeito ao governo, mas ao Conselho de Ética.

Cunha tem “colaborado” com o governo em algumas propostas de mútuo interesse, como é a aprovação do projeto de repatriação de ativos no exterior não declarados à Polícia Federal, ou seja, o dinheiro mantido ilegalmente no exterior por empresas e indivíduos, não importa a origem, desde que pagando imposto ao governo. “Ele tem colaborado. Não tem criado nenhuma dificuldade na votação das matérias. Não tem troca. Eu sou o líder do governo e como tal tenho que dialogar com ele institucionalmente”, justifica Guimarães, que ainda assim nega o acordo. O jogo é jogado. Cunha também nega ter um acerto para salvar o mandato barrando a proposta de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Quem paga mico por causa da situação é a oposição, que poupa Cunha de um ataque frontal, fingindo-se de morta quanto ao processo de cassação aberto no Conselho de Ética a pedido do PSol e da Rede. Mas isso não significa que a vida de Cunha esteja livre de grandes constrangimentos. Um grupo de jovens do movimento autodenominado Levante Popular da Juventude aprontou ontem no Salão Verde contra o presidente da Casa. “Trouxeram sua encomenda da Suíça”, gritou um rapaz, ao jogar as cédulas com a estampa do dólar e uma foto de Cunha.

Era Thiago Pará, secretário-geral da União Nacional dos Estudantes e integrante do movimento, que foi rapidamente detido pela Polícia Legislativa. Mas o estrago já estava feito. Não será fácil a vida de Cunha daqui por diante, pois a cassação agora faz parte da agenda da Câmara, por mais que o processo esteja ainda sob seu controle. Seu maior aliado no Conselho de Ética é o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), que assumiu o lugar de Wladimir Costa (SD-PA). O atual titular renunciou ao cargo alegando problemas de saúde.

Mais conhecido como Paulinho da Força, o ex-sindicalista não vacila: “Queremos o impeachment da Dilma e achamos que é preciso manter o Eduardo para conseguir o impeachment. Então essa vai ser a posição no Conselho de Ética”, afirmou. Essa vem sendo a posição velada da oposição. O presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos de Araújo (PSD-BA), deve anunciar hoje o relator do caso, entre os nomes da lista tríplice indicada pelo conselho: os deputados José Geraldo (PT-PA), Vinícius Gurgel (PR-AP) e Fausto Pinato (PRB-SP). Os três são aliados de Cunha, mas sofrem grande pressão da opinião pública.

A punição por quebra de decoro vai da simples advertência à cassação. Mentir é considerado infração gravíssima. Cunha nega que tenha feito isso, contra todas as evidências. Estão mais do que comprovadas pelo Ministério Público Federal a existência de contas na Suíça, que ele negou existir em depoimento espontâneo à CPI da Petrobras. A estratégia de Cunha é barrar a cassação no Conselho de Ética, o que não permitiria recurso em plenário. É mais fácil controlar o colegiado de 21 integrantes do que pelo menos 257 deputados em plenário.

No purgatório
 
Qualquer líder sindical minimamente escolado sabe que o desemprego põe os trabalhadores na defensiva, não adianta brigar por aumento real de salários quando as empresas estão demitindo em massa. Por isso mesmo, apesar do agravamento da crise, há poucas greves nas grandes empresas do país. A exceção, é claro, são greves de servidores com salários atrasados ou congelados. Por terem estabilidade no emprego e sempre conseguirem repor os dias parados, conseguem fazer greves relativamente longas, nas quais os usuários dos serviços públicos são os grandes prejudicados.

A presidente Dilma Rousseff não está nem aí para essas greves, o que desespera governadores e prefeitos. Tudo muda de figura, porém, diante da greve dos petroleiros, que reduziu a produção de petróleo do país em 273 mil barris no segundo dia de paralisação nas plataformas da Bacia de Campos. O volume corresponde a 13% da produção nacional, um prejuízo de US$ 10,6 milhões. Uma outra greve também preocupa o Palácio do Planalto: a dos caminhoneiros, anunciada para a próxima segunda-feira.