quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ondas e marés

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/08/2015

Chegará um momento em que Lula se lançará ao mar novamente, amparado nos movimentos sociais, responsabilizando Dilma por tudo o que deu de errado no país. Não será uma manobra simples

As ondas, as marés e as correntes têm causas muito diferentes, embora formem uma mesma massa líquida nos oceanos. Grosso modo, as ondas são provocadas predominantemente pelo vento; as marés, pela influência do Sol e da Lua; e as correntes, pelo deslocamento das águas quentes de origem equatorial e das frias, originárias dos polos da Terra, que se deslocam em sentido horário e anti-horário, dependendo do hemisfério. Nossa costa é banhada pelas correntes Brasil (quente) e Malvinas (fria). Esse é o beabá da navegação.

Conhecer o movimento das marés é necessário até na hora de ancorar uma embarcação. Desculpe-me a comparação, mas a presidente Dilma Rousseff parece não saber distinguir o movimento das ondas, das marés e das correntes da vida nacional. Tem se revelado incapaz de conduzir o país em meios aos perigos que o mar revolto oferece. O melhor exemplo são as recentes declarações de que demorou a perceber a gravidade da crise econômica e que, por isso, seu governo não reagiu antes da borrasca chegar.

Há na afirmação dois embustes: o primeiro é o fato de que foi devidamente advertida pela sua própria equipe econômica, em meados do ano passado, ou seja, pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que foi demitido mas só deixou o cargo depois das eleições; o segundo, é a tentativa canhestra de atribuir a culpa da crise à economia mundial e, assim, fugir à própria responsabilidade.

Dilma navega sem carta-piloto, tábua de marés e previsão do tempo. Na verdade, a crise que o país atravessa teve causas internas e foi provocada pelo voluntarismo político, uma característica da presidente da República desde os tempos em que aderiu à luta armada contra o regime militar. No mar, o voluntarismo costuma resultar em naufrágios. Na economia e na política, não é diferente.

Foi em agosto de 2011, ou seja, no primeiro ano de mandato, que Dilma resolveu jogar ao mar a bússola que orientava a economia do país desde o chamado Plano Real: o famoso tripé meta de inflação, o câmbio flutuante e o superavit fiscal. Começou com a meta de redução forçada da taxa de juros. Com uma inflação em torno de 6,5% ao ano, o BC reduziu os juros para 7,25% naquele mesmo ano, com intenção de chegar a 2,5% em 2014.

Simultaneamente, o Ministério da Fazenda forçou a desvalorização do real, passou a administrar a taxa de câmbio e adotou medidas protecionistas e outros estímulos à indústria, como desonerações e crédito subsidiado via BNDES. Para completar o desastre, apelou às chamadas “pedaladas fiscais”, jogou na lata do lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. O abandono da política de superavit fiscal fez explodir a dívida pública, que agora é o grande nó da retomada do crescimento.

A crise econômica é, pois, estrutural. Para usar a linguagem náutica, digamos que é uma grande corrente polar, que se manterá predominante por um bom período, com recessão, desemprego, desvalorização cambial e inflação, espantando investidores e retraindo o consumo.

Mar de almirante

Com mau tempo, os políticos também se agitam. Se Dilma faz trapalhadas na economia, na política nem se fala. A começar pela avaliação da chamada correlação de forças. Confunde o poder do Estado com sua própria força, o posicionamento de banqueiros e federações das indústrias contra o impeachment com o apoio incondicional ao seu governo. Resultado: depois de jogar a bússola ao mar, trancou o imediato na cabine e ameaça desembarcar o piloto, ou seja, o vice-presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, respectivamente.

A situação no Congresso é enganadora, como uma baía abrigada apenas dos ventos de Nordeste. Se entrar um Sudoeste, será um Deus nos acuda. Por enquanto, a situação está sob controle, porque as principais lideranças do PMDB estão acuadas pela Operação Lava-Jato, a começar pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas na hora em que novas denúncias forem feitas contra os 48 políticos envolvidos, e que o povo voltar aos protestos de rua, novamente a confusão se estabelecerá.

A saída de Michel Temer da coordenação política foi um sinal de que a situação a bordo tende a se tornar caótica na próxima borrasca. Dilma dispensou a colaboração de seu aliado mais importante. A conversa de que o vice-presidente da República vai cuidar da macropolítica não deixa de ser verdadeira. Mas o fará em benefício do projeto de poder do PMDB, que passa pelas eleições municipais — a candidatura de Marta Suplicy em São Paulo, por exemplo. Mira uma candidatura própria em 2018. Na melhor das hipóteses, para Dilma; na pior, é o impeachment.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pulou fora do barco, de fininho. O petista reaproximou-se de Dilma por causa da Operação Lava-Jato, que ameaça destruir sua biografia. Ruim com a presidente da República; pior ainda sem ela, dirão os petistas. Mas chegará um momento em que Lula se lançará ao mar novamente, amparado nos movimentos sociais, responsabilizando Dilma por tudo o que deu de errado no país. Não será uma manobra simples, mas é a única que lhe resta, a não ser que a presidente da República seja apeada do poder e Temer assuma a Presidência.

A oposição, em meio ao mar revolto, parece desnorteada. Depois de apostar no impeachment, deu meio volta e aguarda os desdobramentos da Operação Lava-Jato e do julgamento das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal Superior Eleitoral. Voltou a ter esperanças de que Dilma e Temer sejam cassados por crime eleitoral, o que exigiria a realização de novas eleições já. Ou seja, sonha com um mar de almirante pouco provável.

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