Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/05/2015
À crise econômica,
política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma
Rousseff , não resta dúvida, se somará uma dura crise social
Não, não se trata de uma crônica
sobre o cotidiano, que é a praia de craques como Ferreira Gullar, que,
na década de 1990, reuniu em livro os textos que escrevera para O
Pasquim e o Jornal do Brasil. No antológico A estranha vida banal (José
Olímpio), de 1989, o poeta exalta pequenos detalhes do cotidiano, das
garrafas de areia colorida feitas nas praias do Tibau, no Rio Grande do
Norte, à observação atenta da aranha que caça uma mariposa.
A
inspiração vem do professor Milton Santos, o grande geógrafo brasileiro,
para quem um dos grandes problemas da globalização é que as políticas
públicas foram capturadas pelos grandes interesses econômicos globais e a
chamada vida banal foi ignorada pelo poder público, principalmente nos
países periféricos.
Esse alheamento não se restringe aos donos do poder e
às elites econômicas, mas abarca também a opinião pública — até a hora
em que explodem grandes tragédias humanitárias, como as que ocorrem no
Mediterrâneo e, bem mais perto daqui, no Haiti. Ou irrompe violência
inopinada e brutal, seja o assassinato de um jovem negro por policiais
no sul dos Estados Unidos, seja o latrocínio de um médico, a facadas,
que pedalava à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal do Rio
de Janeiro, por jovens infratores que roubaram sua bicicleta.
A
remissão ao falecido professor Milton Santos, um dos maiores
intelectuais negros de nosso país, vem a calhar por causa do corte de R$
69 bilhões no Orçamento da União anunciado na sexta-feira pelo ministro
do Planejamento, Nelson Barbosa. A presidente Dilma Rousseff
classificou-o como estritamente necessário, ou seja, nem tão grande que
provoque o colapso do governo, nem tão pequeno que não surta o efeito
desejado. Sobre os dois aspectos, porém, há controvérsias.
Estima-se que
haverá uma contração de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 — o
que será o pior resultado em 25 anos. Até então, previa-se que o PIB
encolhesse 0,9% neste ano. Os maiores cortes foram efetuados nos
ministérios das Cidades (R$ 17,2 bilhões), da Saúde (R$ 1,7 bilhão), da
Educação (R$ 9,4 bilhões) e dos Transportes (R$ 5,7 bilhões). Ou seja, o
maior impacto do ajuste fiscal será no cotidiano da população, na
chamada vida banal.
Sucateamento
Há dois
aspectos a considerar. O primeiro, é a política de “focalização” dos
gastos sociais nos mais pobres, que se traduziu durante os governos Lula
e Dilma na transferência direta de renda para aproximadamente 13
milhões de famílias, uma escala sem precedentes, na qual o corte foi
menor: R$ 1,3 bilhão. Essa política social foi eficiente no combate à
miséria absoluta e na elevação do padrão de consumo das famílias, mas,
em contrapartida, as políticas “universalistas” — na saúde, na educação e
nos transportes, principalmente — foram relegadas a segundo plano e
sucateadas.
A questão levantada pelo professor Milton Santos
ganha ainda mais relevância porque, ainda assim, as políticas
universalistas foram aprisionadas por interesses econômicos poderosos.
Vêm daí os descalabros da relação entre o SUS e os estabelecimentos de
saúde privada; a perversa hegemonia do lobby rodoviário na política de
transportes, tanto de cargas como de pessoas; a opção pelo padrão de
transporte individual nos centros urbanos em razão dos interesses das
montadoras de automóveis; a bolha imobiliária gerada pela especulação
nas grandes cidades brasileiras; e a péssima qualidade do ensino
brasileiro, cuja expansão se deu em função da acumulação privada e não
das reais necessidades do país quanto à formação de mão de obra
qualificada e ao exercício da cidadania.
À crise econômica,
política e ética instalada no país desde a reeleição da presidente Dilma
Rousseff — cuja responsabilidade recai sobre a forma como conduziu seu
primeiro mandato e sobre a gestão anterior, de Luiz Inácio Lula da Silva
—, não resta dúvida, se somará uma dura crise social, em razão do
impacto que a recessão econômica e os cortes no Orçamento da União terão
sobre a vida da população. No momento, o maior deles é o desemprego,
principalmente entre os jovens, que já atinge a casa dos 16%. Esse é o segundo aspecto.
Seus
efeitos não se restringirão à órbita federal. Um das perversões da
fracassada “nova matriz econômica” do governo Dilma foi a queda de
arrecadação de estados e municípios, entre outras coisas, porque as
desonerações fiscais feitas pelo então ministro da Fazenda, Guido
Mantega, incidiram sobre receitas que eram compartilhadas, uma espécie
de cortesia com o chapéu alheio. A crise nas administrações locais, que
deixa prefeitos e governadores de pires na mão, deve se agravar
tremendamente. São as administrações locais que arcam com as demandas
sociais do dia a dia da população, na saúde, na educação, nos
transportes, nas condições de moradia, ou seja, cuidam — ou deveriam
fazê-lo — da chamada vida banal.
Parabéns! Amigo...comentário pertinente em sua excelente crônica...
ResponderExcluirVou fazer de conta
ResponderExcluirVou fazer de conta que tá tudo bem
fazer de conta que tá tudo bem neste domingo de sol.
Fazer de conta quando olho para as colinas
colinas que brincava na minha infância
Leio as notícias do Planalto
As tragédias do mundo
Olho pela a janela
Me delicio com a colina de minha infância
Não posso mais subir impunemente nela
Quero espairecer e não posso
Relaxar dos tiros da noite
Subir a colina de minha infância
De lá olhar o mar
Quero espairecer
Olhar o mundo de fora do computador
Voltar para meu cotidiano do meu Bairro
Antes chamava-se bairro
O bairro de minha colina de infância
Hoje é Complexo do Viradouro
Só o cavalo
O cavalo filho do cavalo de minha infância
Ainda pasta por lá.
Na colina do meu cotidiano perdido em tiros.
Marcos Romão
(inspirado do excelente artigo de Luiz Carlos Azedo, que se iluminou em Ferreira Gullar)
Crise ética desde a reeleição da presidente? Fala sério!!
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