domingo, 12 de abril de 2015

Sobre a terceirização ampla, geral e irrestrita

Na administração e na economia, a terceirização é a transferência de algumas atividades-meio para outras empresas, proporcionando um direcionamento maior de recursos para a atividade-fim

Uma coisa é regulamentar o trabalho terceirizado nas atividades onde ele já existe de forma precária, outra coisa é o liberou geral para as empresas terceirizarem o trabalho direto nas atividades-fim, numa reforma trabalhista com mão de gato, sem qualquer discussão mais ampla no mundo do trabalho.

Prós e contras da terceirização:
Vantagens: redução da estrutura operacional, diminuição de custos, economia de recursos e desburocratização da administração. É a contratação de terceiros, por parte de para realização de atividades gerais, não essenciais, visando à racionalização de custos, à economia de recursos e à desburocratização administrativa.
  Desvantagens: no caso brasileiro, precarização do trabalho, com aumento da carga horária (3 horas a mais), redução dos salários (25% a menos) e maior rotatividade no emprego (3,1 anos a menos do que o não-terceirizado, além de elevação de acidentes de trabalho: oito para cada dez acidentados.

O sentido de “terceiro” não se subsume a sua conotação jurídica (aquele que é estranho a uma relação jurídica entre duas pessoas), mas ao significado usado no campo da administração de empresas: aquele outrem, para quem é descentralizada as atividades da empresa. Este é o significado do “terceiro”, do qual surge a palavra “terceirização.

Alguns autores entendem que na relação jurídica, terceiro é aquele que não faz parte da mesma. Assim inexistiria terceiro quando houvesse intermediação de mão-de-obra, posto que o intermediário seria parte da relação jurídica. Daí, terceirizar significaria o fenômeno da desconcentração empresarial, em atividades do ramo terciário da economia, ou seja, o setor da prestação de serviços, já que as atividades primárias são aquelas ligadas à agricultura, à caça e pesca e às florestas, e as atividades secundárias aquelas ligadas às indústrias extrativas e de transformação, construção, obras públicas, água, gás, eletricidade, etc.
Esse era entendimento jurídico consolidado, que foi posto por terra com a lei aprovada pelo Congresso na semana passada. Há estudos sobre isso:
 (http://jus.com.br/artigos/25901/a-terceirizacao-e-o-enfoque-de-seus-conceitos#ixzz3X82tgIBe)

A  nova lei

A lei nova permite a terceirização de tudo. Diante disso, se não sofrer emendas, é possível uma empresa que detém os meios de produção simplesmente não ter empregados na atividade produtiva, podendo contratar outras empresas para executar esses serviços, como hoje ocorre nas plataformas de petróleo. Nesse caso específico, a vantagem desse tipo de solução é evitar a ampliação da base de segurados da Petros e não pagar os mesmos salários dos empregados da Petrobras.

Com base na nova lei, por exemplo, a Petrobras não precisará realizar concursos para engenheiros, geólogos, químicos, etc, como manda a Constituição. Simplesmente contratará empresas especializadas para realizar os trabalhos necessários. De igual maneira, uma montadora de automóveis não precisará ter empregados na linha produção, todos poderão ser "terceirizados".

Ao estender a terceirização plena ao setor público, a lei abarca atividades essenciais do Estado que a Constituição estabelece como atribuições exclusivas do servidor público. No Executivo, as atividades de fiscalização da Receita Federal poderiam ser terceirizada, da mesma forma como pode ser terceirizada o controle de entrada e saída do país, hoje a cargo da Polícia Federal.

No Legislativo, a poderosa consultoria jurídica do Senado seria substituída pela contratação de escritórios de advocacia de preferência dos senadores; no Judiciário, oficiais de Justiça poderiam ser substituidos por moto-boys juramentados, etc.. Tenho dúvidas se a Constituição permite isso.

Para Marx, a propriedade privada dos meios de produção não era condição inerente à produção propriamente dita. Para provar essa afirmação, citou o caso dos arrendamentos rurais, no qual o produtor capitalista não era proprietário das terras. Agora, teremos no Brasil uma situação inédita na relação entre trabalho e capital, na qual o capitalista será proprietário dos meios de produção mas não pagará salários em toda a linha de produção. Contratará serviços prestados por terceiros, a quem caberá explorar a mão de obra à exaustão.

Ou seja, o Brasil protagonizará uma revolução nas relações entre capital e trabalho, que nem as empresas de ponta da sociedade do conhecimento (que contratam diretamente seus empregados) ousaram fazer. Será? Tenho dúvidas também.  A extinção da atividade-fim não é possível, o que é acontece nesse caso é a possibilidade de extinção do contrato de trabalhado assalariado na atividade-fim.

Produtividade

Como sei que Marx desperta estigmas e respulsas, deixemos o mouro de lado. O pai da terceirização ( ou "reprivatização") foi Peter Drucker, em 1989, que apontou a tendência num célebre artigo do The Economist, no qual previa que até o final daquele século, as empresas iriam passar por reestruturação cada vez mais forte e que seriam seguidas duas regras : (1) as atividades ou funções que não representassem a essência da Missão da Empresa seriam subcontratadas; e (2) o trabalho seria levado aonde as pessoas estão, em vez das pessoas ao local de trabalho. Vem daí essa distinção entre contratar terceirizados na atividade-meio e manter empregados na atividade -fim.

Na ocasião, Drucker preconizou que a General Motors teria que se tornar a Especific Motors, trabalhando na focalização tanto em seu negócio quanto em seus clientes. Sua afirmação tornou-se um "case" do mundo dos negócios porque a gigante automobilística não seguiu seus conselhos, mas os japoneses os adotaram e passaram a perna nas montadoras norte-americanas.

A terceirização ou "outsourcing" estratégico permite esta focalização. Atualmente, as empresas multinacionais podem encontrar no mercado global qualidade superior e maior flexibilidade do que têm internamente por meio da terceirização. Quando funcionários e custos gerais pertencem a serviços que podem ser comprados externamente, uma vantagem competitiva surge: a administração poderá alavancar seu recurso gerencial (um dos recursos mais caros e importantes da empresa), já que não será mais necessário dedicar atenção a atividades periféricas.

Precarização
Ou seja, a questão que está posta é a seguinte: do ponto de vista das empresas, as atividades-fim continuarão existindo; o que muda é a relação com a força de trabalho, que deixa de ser empregado com os mesmos direitos do corpo gerencial e passa a prestar serviços via uma empresa qualquer. Essa relação entre trabalho e capital será o que existe de mais neoliberal na produção, desde a extinção do apartheid, no qual o trabalhador negro sul-africano tinha liberdade para vender sua força de trabalho mas não tinha quaisquer direitos civis.

Voltemos à teoria do valor em Marx (sei que isso incomoda, mas não posso fazer nada): com a terceirização generalizada, as grandes empresas manterão sua capacidade de aumentar a mais-vaia relativa (graças ao insumo tecnológico e à preservação ds corpo técnico e gerencial que detem o conhecimento) e nivelarão por baixo a exploração da mais valia-absoluta (com a terceirização da força de trabalho na atividade-fim). A consequência dissso, na reprodução ampliada de capital, será um aumento de competitividade acompanhado de uma redução ainda maior da massa salarial. Ora, segundo a lei da taxa de lucro decrescente,  em última instância, essa é uma causa das crises cíclicas do capitalismo.

É óbvio que no meio da pelegada em geral, que disputa a tapa o controle dos sindicatos por causa do imposto sindical, essa questão da terceirização tem enorme impacto na relação entre as centrais. Na verdade, a CUT está sendo comida pelas beiradas da terceirização pelos concorrentes. Como ela é controlada pelo PT, a oposição apoia a terceirização em bloco, sem distinguir seus dirigentes dos metalúrgicos, bancários, professores, petroleiros...Que se danem, então? É claro que não!

Mas tudo isso pode cair por terra se acabar o imposto sindical, o que é capaz de provocar uma reorganização do movimento sindical por falta de financiamento de suas desmedidas estruturas atuais.  Duvido, porém, que os sindicalistas das demais centrais, como os da CUT, aceitem também essa mudança. O que estará em jogo não é o interesse do trabalhador em geral, mas as mordomias dos dirigentes sindicais.

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