terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A biografia de um mito

 Prestes teve o destino do país nas mãos, em 1930 e 1945, mas entre o poder e os ideais, optou por suas convicções


 Acabei de ler a mais nova biografia de Luiz Carlos Prestes. Não merece a desqualificação feita por Anita Prestes, o que não significa que esteja a salvo de suas críticas objetivas. O autor aparentemente deu prioridade aos documentos, inclusive às gravações da famosa reunião do Comitê Central do PCB em Praga, mas sabemos que o resgate da história do PCB, por causa da longa clandestinidade, depende muito da transmissão oral de seus velhos quadros e dirigentes, a maioria dos quais não nos deixou livros de memórias. Entre os protagonistas da ruptura de Prestes com o PCB, o que mais escreveu foi Hércules Correa, daí talvez a indisfarçável simpatia do autor pelo ex-deputado e ex-tecelão comunista, de quem foi amigo.


Como dizia meu falecido pai, meu nome é Luiz Carlos "por motivos óbvios": sou filho de comunistas. Minha avó Corina era "prestista" e foi ver a saída de Prestes da cadeia, depois de 9 anos de cárcere. Estive com o Prestes, a quem idolatrava, por três vezes, todas após a sua volta ao Brasil. Minha primeira decepção foi quando ele desembarcou no Galeão e disse que chegava como simples cidadão, não assumiu a condição de dirigente comunista. Não consegui entender aquilo, pois destoava do comportamento dos demais dirigentes, que já haviam chegado.

Líder estudantil no Rio de janeiro, eu havia sido designado pela Executiva para integrar a Seção Juvenil do Comitê Central e me surpreendi muito com o fato, uma vez que a orientação recebida fora preparar a maior e mais entusiástica recepção possível para o "Velho". Ao indagar ao Giocondo Dias o que estava acontecendo, ele me disse, ironicamente: "por que você não pergunta pra ele?" Foi o que fiz, levado pelo secretario da Seção Juvenil, Idivarcy Martins, que havia sido assessor de Prestes. O que ouvi de críticas dele ao Comitê Central é exatamente o que está no livro.

O documento político que mais debati na vida foi a Resolução do VI Congresso do PCB, que Prestes passara a atacar duramente. Sei até hoje o trecho da resolução do qual ele mais discordava: "o centro da nossa tática é unir, organizar e mobilizar a classe operária e demais forças antiditatoriais na luta pela redemocratização do país". Na opinião de Prestes, a queda da ditadura e a revolução deveriam fazer parte de um único processo, tratava-se de subordinar a luta do partido contra ditadura à luta pelo socialismo, ou seja, disputar a hegemonia do processo com os liberais, o que inviabilizaria a ampla frente democrática que havia se formado. Apesar da simpatia que tinha por ele, era impossível concordar com isso. Naquele momento, a linha política do PCB estava se demonstrando muito acertada, ao contrário do que ocorrera com as teses voluntaristas dos grupos que optaram pela luta armada e que defendiam a formação de uma "frente de esquerda".

Tive mais dois encontros com ele, o último às vésperas de sua destituição da secretaria-geral do PCB. Nessa conversa derradeira, que ocorreu num apartamento da Rua Rainha Elizabeth, entre Ipanema e Copacabana, onde morava provisoriamente, ousei contestar sua posição contrária à luta pela legalidade do PCB. Ele levantou-se e encerrou o assunto. Só então me dei conta de que, fisicamente, ele era muito baixinho.

Entretanto, depois de Getúlio Vargas, considero Prestes a personalidade política mais importante da História do Brasil no Século XX, seja como o gênio militar que virou um mito ao comandar a Coluna que leva seu nome e o de Miguel Costa, seja como o líder comunista que assombrou as forças conservadoras e reacionárias do país. Por duas vezes teve o destino do país nas mãos: em 1930, ao abdicar do comando da Revolução, e em 1945, quando apoiou Getúlio Vargas e o "queremismo". Entre o poder e os ideais, optou por suas convicções, como muito bem retrata o livro de Daniel Aarão Reis, que recomendo aos amigos e velhos camaradas.

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