Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/12/2014
Com os escândalos envolvendo seus
principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time
reserva, com honrosas exceções
Um dos melhores exemplos de
construção de consensos é a festa de Natal. Embora tradicionalmente seja
um dia santificado cristão, a data é amplamente comemorado por muitos
não cristãos. Originalmente, a festa surgiu para comemorar o natalis
invicti Solis. No século 3, o solstício de inverno foi ressignificado
pela Igreja Católica Romana para facilitar a conversão dos povos pagãos
do Império Romano, com a comemoração do nascimento de Jesus de Nazaré.
Muitos
de seus costumes populares e temas comemorativos têm origens
pré-cristãs ou seculares. Outros são modernos. A troca de presentes, as
ceias, as músicas, personagens como Papai Noel e muitas decorações
fomentam a atividade econômica em todo o mundo, inclusive entre cristãos
e não cristãos.
O Natal nos mostra que a harmonia social e a
paz entre os homens não é construída apenas com base na força, mas
sobretudo com a fé e a razão. Um belo exemplo é a festa em Belém, na
Palestina, local do nascimento de Jesus e palco permanente do conflito
entre árabes e israelenses.
Perda de consenso
Na
política, a chave da construção dos grandes consensos é um misto de
força, razão e emoção. A hegemonia política depende do poder de coerção,
isto é, da força, e da construção de consensos, ou seja, a persuasão
pela emoção e a razão. Essa noção sobre a construção de hegemonia parece
que se perdeu no Palácio do Planalto.
Neste fim de ano, os
brasileiros ganharam de presente uma nova equipe ministerial, que
reproduz o “presidencialismo de coalizão” do primeiro mandato de Dilma
Rousseff, e a notícia de que a direção da Petrobras será mantida, com
Maria das Graças Foster no comando da empresa.
São coisas
diferentes, mas estão imbricadas pelas vicissitudes do próprio governo
Dilma. Tanto a nomeação de ministros como a manutenção de Graça Foster
dependeram apenas da caneta da presidente Dilma Rousseff, ou seja, da
força. Nos dois episódios, é fácil constatar que não houve intenção de
construir um consenso mais amplo na sociedade, que cobra mudanças na
Petrobras e repudia o toma lá dá cá na política.
Vejamos o caso
da Petrobras. A empresa é um ícone nacional, foi criada pelo presidente
Getúlio Vargas depois de um grande movimento de massas encabeçado por
militares nacionalistas, militantes comunistas e trabalhistas e até
representantes da oposição udenista ao governo da época. Desde a eleição
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a defesa da empresa foi usada
como bandeira contra a oposição, supostamente interessada em
privatizá-la, o que nunca foi o caso.
Lula usou esse expediente
com sucesso na reeleição dele e na eleição de Dilma, que fez a mesma
coisa na própria reeleição, embora tenha passado um grande sufoco na
reta final da campanha por causa do escândalo da Petrobras. A presidente
da República, porém, conseguiu manter distância das falcatruas. O mesmo
não pode se dizer do seu partido, o PT, responsável principal pelo
comando da empresa no governo Lula.
Amiga da presidente da
República, nada há contra a atual presidente da Petrobras na Operação
Lava-Jato, mas é difícil explicar como não percebeu o que acontecia à
frente do seu nariz e por que ainda se omite em relação a muitos
aspectos do escândalo. Graça Foster corre o risco de desmoralizar a sua
própria honestidade, como aconteceu com o senador Saturnino Braga, então
no PDT, que teve uma desastrosa passagem pela prefeitura do Rio de
Janeiro. A sua administração quebrou, apesar da reconhecida probidade do
então prefeito carioca.
Qual é a ligação entre o escândalo da
Petrobras e o “presidencialismo de coalizão”? A opinião pública ainda
não sabe ao certo, mas seus artífices sabem, como o jovem estudante
Raskólnikov, aquele assassino de Crime e Castigo, de Fiódor
Mikhailovitch Dostoiévski. As campanhas eleitorais governistas de 2006 e
2010, inclusive as proporcionais, foram inundadas de dinheiro
arrecadado pelo esquema.
O maior esquema de superfaturamento e
desvio de recursos públicos já visto no país deixa no chinelo a operação
de compra dos Roll-Royces, que deu origem ao “mar de lama” que levou ao
suicídio o presidente Getúlio Vargas, e ao Fiat Elba que levou à
renúncia o ex-presidente Fernando Collor de Mello, ameaçado de
impechment pela oposição, como bem lembrou o jurista Miguel Reale
Junior.
O “presidencialismo de coalizão” permitiu aos partidos
governistas preservar e, em alguns casos, até ampliar suas bases graças à
desproporção dos meios de campanha, que não se restringiu ao tempo de
televisão. Mas se tornou apenas um nome pomposo para o loteamento da
Esplanada dos Ministérios.
Com os escândalos envolvendo seus
principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time
reserva, com honrosas exceções. Esse estratagema para controlar o
Congresso não tem o menor consenso nacional, mas mantém o poder de
arrecadar, coagir e normatizar.
E foi da UDN a proposta do monopólio. Getúlio era contra, mas se dobrou diante do consenso da proposta.
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