Sempre que ouço essa música me lembro do
sorriso do José Oto de Oliveira, o "Gordo", ex-dirigente do PCB em
Niterói, que atualmente vive no Recife (PE). Eu colaborava com o jornal
do MDB de Niterói, um bastião da resistência democrática, e ele era o
meu assistente. Chegou no "ponto" feliz da vida, com o editorial do
jornal que acabara de escrever nas mãos, no qual falava da importância
da Revolução dos Cravos para a resistência democrática em todo o mundo,
pois se tratava, simultaneamente, da derrubada de uma das ditaduras
fascistas mais longevas da Europa e do colapso do colonialismo português
na África, talvez o mais longo da história também. Ou seja, um recado de que toda ditadura tem seus dias contados...
A Revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal, que expurgou do poder o
salazarismo, de fato dera novo ânimo aos democratas brasileiros. Pouco
depois, nas eleições de 15 de novembro daquele mesmo ano, a oposição
impôs à ditadura militar a sua primeira grande derrota política.
Passada as eleições, porém, a repressão aos oposicionistas recrudesceu e
começou a grande operação de "cerco e aniquilamento" do PCB, que
resultou em milhares de prisões por todo o país e no assassinato de
vários membros do Comitê Central do PCB, cujos remanescentes da Comissão
Executiva, condenados à morte, foram obrigados fugir para o exterior.
José Oto foi um dos presos nessa grande repressão. Meu último "ponto" com
ele fora na minha casa, que ele usava como "aparelho", onde deixou um pacote da Voz Operária de março de 1975, cuja manchete era "Viver e Lutar", uma edição histórica, feita após a queda das gráficas do Rio e de São Paulo, um esforço heróico de
seu diretor, o jornalista Orlando Bonfim Jr. e o do responsável pela
Seção Juvenil do CC do PCB, José Montenegro de Lima, o Magrão, que
acabaram sequestrados e assassinados logo depois .
Na ocasião, José Oto disse-me que pediria à direção para tirá-lo de
Niterói, pois já não tinha condições de atuar no antigo Estado do Rio
porque estava muito "queimado", ainda mais depois da intensa
movimentação partidária que precedera as eleições. Ele era um dirigente clandestino, que havia passado pela "mosteiro", a escola de quadros do PCUS em
Moscou, e por isso mesmo era o tipo de "profissional" do partido muito visado pela
repressão e com poucas opções para se manter a salvo fora do "aparelho"
partidário local, onde muitos dos militantes que permaneciam legais eram
velhos comunistas manjados pela polícia política.
Já andava cabreiro com essa situação há algum tempo. Certa vez pediu-me para cobrir um "ponto" na Praça XV de Novembro, pois não queria passar pelas estações das barcas. Deu a descrição do sujeito, o local onde deveria esperá-lo e me pediu que o apresentasse ao meu tio, Maurício Azedo, à época secretário do comitê de jornalistas do PCB da antiga Guanabara. Era um jornalista que estava chegando "fugido" do Nordeste, hoje um dos colunistas mais importantes da imprensa nacional.
Quando a direção do antigo Estado do Rio "caiu", não deu outra: o "Gordo" foi
preso. Foi puro azar, de parte dele; e pedra cantada ao mesmo tempo, considerando-se o
conjunto das circunstâncias. Ele havia se escondido num apartamento em
Copacabana e não sabia que o carro usado pelo primeiro secretário da direção
estadual, Sebastião Paixão, o "Édson", que já estava preso, era da dona do
apartamento. Nem ela sabia da situação.
Durante a prisão, José Otto foi barbaramente torturado, mas não falou, não me
entregou. Nem a mim, nem a mais ninguém mais com quem tinha relações.
Quando saiu da Ilha das Flores, creio que dois anos depois,trabalhou uns meses comigo na Luta Democrática. Num breve encontro de despedida. disse-me que estava voltando para o
Recife. Nunca mais o vi, mas guardo o seu sorriso na lembrança. E sou
eternamente grato pelo seu silêncio!
Bonito depoimento. E a música...
ResponderExcluirContinuou ensinando. Sou testemunha.
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