domingo, 23 de novembro de 2014

Não conformidades

Nas Entrelinhas: Liz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/11/2014
 
A cúpula da Petrobras resolveu entregar as cabeças da antiga diretoria e arrepiar nos escalões inferiores da empresa, mas surgem outros descalabros


Por mais que a presidente Dilma Rousseff diga que seu governo é que está investigando o escândalo da Petrobras e que tudo fará para que os culpados sejam punidos, doa em quem doer, até agora tudo o que o Palácio do Planalto fez em relação ao descalabro foi minimizar, postergar e tentar manter a atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, a salvo dos desgastes da Operação Lava-Jato.

A presidente da Petrobras não viu ou omitiu que sabia o que estava acontecendo. Pelo volume das operações atípicas, segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), só um executivo autista não perceberia a quantidade de zeros que estava sendo movimentada de forma estranha: R$ 23,7 bilhões, entre 2011 e 2014. Ao todo, o Coaf produziu 108 relatórios com alertas de possíveis irregularidades nas movimentações financeiras do doleiro Alberto Yousseff, do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e das empreiteiras acusadas de fraudes em contratos com a estatal.

Somente agora foi divulgado pela cúpula da Petrobras o relatório da Comissão Interna de Apuração que investigou as irregularidades na escandalosa compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, concluído somente em 24 de outubro. À época, a presidente Dilma comandava o Conselho de Administração da empresa e, segundo disse em nota sobre o assunto, fora induzida a aprovar a operação por um relatório do ex-diretor Nestor Cerveró, que omitia informações importantes e que certamente a levariam à rejeição do negócio.

Depois de a presidente da República tirar o gênio da garrafa nesse caso de Pasadena, que estava sendo apurado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), houve um alto lá do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo começou uma “operação abafa”, que ainda está em curso no Congresso, para impedir que o caso fosse apurado por uma comissão parlamentar mista de inquérito. O envolvimento de grande número de políticos da base do governo no escândalo seria a razão da obstrução dos trabalhos da CPMI.

Agora que o circo pegou fogo, o relatório da Petrobras culpa o ex-presidente da empresa José Sergio Gabrielli; o ex-diretor de produção Paulo Roberto da Costa, que agora conta tudo o que sabe na Operação Lava Jato; o ex-diretor Nestor Cerveró, que cantou de galo ao depor na CPMI; e Jorge Zelada como responsáveis pelos problemas. Na linguagem mitigada da alta direção da empresa, o que houve foram 11 “não conformidades”: Cerveró está implicado em 10; Paulo Roberto, em três; Gabrielli, em duas; e Zelada, em uma. A refinaria foi comprada da belga Astra Oil por R$ 1,25 bilhão, em duas parcelas, operação que causou um prejuízo de US$ 530 milhões, segundo o balanço da própria Petrobras.

Depois que cúpula da empresa resolveu entregar as cabeças da antiga diretoria e arrepiar nos escalões inferiores da empresa, surgem outros descalabros. Mesmo assim, a presidente Dilma Rousseff está disposta a preservar sua amiga Maria das Graças Foster no comando da empresa.

Sete Brasil
A situação de Graça Foster na Petrobras é complicada. Basta ver o caso da Sete Brasil, empresa criada em dezembro de 2010, ou seja, após a eleição de Dilma Rousseff, para construir 29 sondas de exploração para o pré-sal, da qual a própria Petrobras é acionista com 10% de participação. Nessa época, por indicação do ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras Renato Duque, preso na semana passada, Pedro Barusco assumiu a diretoria de Operações e Participações da nova empresa.

Ele é mais um homem-bomba no escândalo, pois resolveu recorrer à delação premiada e colaborar com a Justiça, prometendo devolver US$ 100 milhões que foram desviados da estatal, fruto de “intermediações onerosas”, eufemismo usado por executivos para se referir a propinas. Antes de assumir a nova tarefa, era gerente executivo da diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras. Essa grana toda sumiu dos cofres da estatal nos últimos anos sem que a presidente da empresa, Graça Fortes, sequer desconfiasse, apesar de ser muito dinheiro.

A própria criação da Sete Brasil é uma aberração típica do modelo de capitalismo de Estado adotado pela presidente Dilma Rousseff, graças ao regime de contratação diferenciado criado para “agilizar” as licitações da Petrobras e das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de uma legislação feita supostamente para proteger as empresas nacionais de tecnologia, que impedem empresas estrangeiras de disputem as concorrências. Quando não há uma empresa nacional atuando no setor, melhor ainda: cria-se uma.

Graças a essa “reserva de mercado”, a Sete Brasil é dona de 85% de cada uma das sondas de exploração do pré-sal, em parceria com diversas empresas que operam nessas unidades, incluindo a própria Petrobras, que fica com 15%. São os principais donos da Sete Brasil os fundos de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros), do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Vale (Valia). Quem comanda a empresa é Eduardo Carneiro, ex-diretor da OGX de Eike Batista, indicado por Graça Foster.

Na próxima semana serei substituído na coluna pelos colegas Paulo Silva Pinto e Leonardo Cavalcanti

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