sábado, 19 de março de 2011

Deu no Correio Braziliense

Interpretação equivocada

Embora o presidente norte-americano represente uma renovação da política daquele país, o governo brasileiro ainda o vê como ator do velho americanismo e perde a chance, durante a visita deste fim de semana, de entrar em sintonia com o chefe de estado dos EUA

Luiz Carlos Azedo


O Brasil está desperdiçando a oportunidade de dar uma dimensão política renovadora à visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tratada com exagerado pragmatismo econômico pelo governo Dilma, avalia o cientista político Luiz Werneck Vianna, autor do livro A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil (Editora Revan, 1997). Segundo o professor da PUC-Rio, a abstenção do Brasil na votação do Conselho de Segurança da ONU que aprovou sanções contra a Líbia, na quinta-feira, foi um sinal de falta de sintonia política entre os dois países. “O que está acontecendo no mundo árabe tem alcance universal e ultrapassa a ótica do petróleo”, destaca.

Para Werneck, o papel de Obama para a renovação da política norte-americana não está sendo valorizado pelo governo brasileiro, que ainda o vê como um ator do velho “americanismo” hegemonista. Sua visita poderia ter outro significado. Na questão da Líbia, por exemplo, o Brasil perdeu uma oportunidade de afirmar uma posição clara a favor da democratização do mundo árabe e, ao mesmo tempo, entrar em sintonia política com Obama. “Nossa posição é marcada pelo pragmatismo, a eleição de Obama não foi pouca coisa e o reposicionamento dos Estados Unidos na política internacional está dado desde o seu discurso no Cairo”, avalia Werneck.

Reposicionamento

O cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp/Araraquara), também afirma que Obama promove um reposicionamento dos Estados Unidos na cena mundial, inclusive em relação ao Brasil. A sua política externa “soft power” será a marca da diplomacia do século 21, “a afirmação de um poder mais suave como tipo ideal”, avalia. Os ex-presidentes democratas Bill Clinton e Jimmy Carter, de certa forma, tentaram desenvolver essa política, mas as conjunturas eram diferentes.

Nogueira destaca o peso do americanismo na vida brasileira. Essa presença é histórica, mas agora estaria se apresentando de outra forma. É diferente do que aconteceu na Guerra Fria, quando a lógica era tratar os países como amigos ou inimigos. O americanismo se traduzia no comportamento social, na economia, na cultura e na política de forma massacrante. “O México é um bom exemplo disso, mas no Brasil, mesmo durante o regime militar, essa influência sempre foi traduzida, mitigada pelo nosso iberismo, como destaca Werneck Vianna em seu livro”, ressalva.

Altos e baixos

Na década de 1930, logo após o golpe militar de 1964 e no governo Collor, no começo de 1990, a influência econômica, política e cultural dos Estados Unidos no Brasil foi avassaladora. Mesmo assim, esse americanismo foi mitigado pela herança ibérica, que se consolidou na Era Vargas. Até o bipartidarismo consentido dos militares, que extinguiram os partidos e criaram a Arena e o MDB para americanizar a política brasileira, fracassou porque a sua essência não era muito diferente dos regimes fascistas de Franco, na Espanha, e Salazar, em Portugal. Não gozavam da liberdade de expressão e de imprensa que caracterizam a democracia americana.

Norte-americano naturalizado brasileiro, o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), também registra os altos e baixos da influência dos Estados Unidos no Brasil. “A influência cultural continua muito forte, o que pode ser constatado nos cinemas, nas livrarias e na mídia. Muitos até exageram e chamam isso de imperialismo cultural”, afirma Fleisher. Na economia, houve mudanças importantes: embora as empresas norte-americanas continuem tendo uma forte presença no Brasil, da pasta de dente ao automóvel, o que se destaca hoje é a presença dos produtos made in China.



Fleischer ressalta que Obama vem ao Brasil três meses após a posse da presidente Dilma Rousseff, quando a tradição é o presidente recém-eleito visitar a Casa Branca. “É um sinal de reaproximação entre os dois países de outro ponto de vista, pois o ex-presidente Lula e Obama haviam se distanciado, principalmente depois do acordo com o Irã. A presidente Dilma Rousseff sinalizou essa reaproximação na entrevista que deu ao jornal Washington Post. “Na próxima semana haverá uma votação importante sobre o Irã no Conselho de Segurança da ONU. Vamos ver se houve mesmo uma reaproximação entre os Estados Unidos e o Brasil”, adverte.

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