Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/12/2015
O bate-boca
envolvendo o compositor e cantor Chico Buarque e um grupo de jovens da
elite carioca é apenas uma gota d’água nesse oceano, mas inaugura um
novo capítulo da radicalização política
Historicamente, a intolerância social está associada às religiões, principalmente às grandes crenças monoteístas, podendo chegar aos níveis mais extremos, como na Inquisição espanhola. É o que o escritor português José Saramago chamou de fator Deus, que pode ser ilustrado pelas atrocidades cometidas pelo estado Islâmico na Síria e no Iraque: “De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”.
Na Idade
Média, a intolerância religiosa foi associada ao poder absoluto do rei.
As guerras religiosas na França se caracterizaram por atrocidades sem
precedentes, como o massacre de protestantes de 1562 e a matança de São
Bartolomeu (25 de agosto de 1572). Só terminaram 20 anos depois, quando
Henrique 4º assinou o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos
protestantes (1598). Em 1685, porém, Luís 14 revogou o Edito de
Nantes,demoliu templos e promoveu emigração forçada de cerca de 300 mil
protestantes.
Mas foi no Século XX, com o
estado laico, que a intolerância atingiu seu mais alto grau: o estado
alemão, sob domínio nazista, promoveu o maior genocídio de que sem tem
conhecimento contra os judeus, em toda a Europa sob domínio do fascismo.
O Holocausto resultou no assassinato de cerca de 10 milhões de pessoas.
Entre 1948 e 1951, cerca de 700.000 sobreviventes emigraram da Europa
para Israel. Muitos outros judeus deslocados de guerra emigraram para os
Estados Unidos e para outras nações, inclusive o Brasil. O último campo
para deslocados de guerra somente foi fechado em 1957.
A
intolerância política também resultou em prisões em massa durante o
regime stalinista na União Soviética, com remoções em massa e trabalho
forçado. A partir do ano de 1930, o número de prisioneiros saltou de 76
mil para mais de 510 mil homens em Gulag e outros campos. Esse número
diminuiu na Segunda Guerra Mundial, quando os presos foram para os
campos de batalha. Entre 1945 e 1950, no pós-guerra, porém, chegou-se a
mais de 2 milhões de prisioneiros.
Radicalização
O
filósofo Sérgio Paulo Rouanet classificou a intolerância como “uma
atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com relação a
indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a seu estilo de
vida e às suas crenças e convicções”. A intolerância social no Brasil é
uma herança colonial, dos latifúndios e da escravidão, cuja iniquidade
migrou dos campos para as cidades no século passado. A intolerância
política, porém, não é um resultado direto dessa contradição. Surge na
esfera da luta pelo poder e das disputas de natureza ideológica.
Foi
assim nas rebeliões do período regencial, nas revoltas tenentistas, na
Revolução de 1930, no levante comunista de 1935, no suicídio de Getúlio
Vargas e no golpe de 1964. Nos momentos de radicalização política, a
tensão entre o Estado Leviatã, de Thomas Hobbes, e a liberdade do
indivíduo se exacerba, como ocorreu durante o regime militar. O dogma do
estado e do partido é racionalizado.
É aí que
surge um ódio fundado na Razão. Fanatismo e sectarismo emergem como se
fossem uma necessidade racional. A intolerância rompe os limites da
irracionalidade. O dogmático não age apenas motivado pelos sentimentos.
Na guerra ideológica, subsiste a razão de estado, incorporada pelos
indivíduos que agem em seu nome. Atitudes agressivas e violentas
encontram justificativas e defensores racionais.
No
Brasil, há muita intolerância, aberta ou dissimulada. Desigualdade
social, discriminação racial e preconceito de classe, tudo junto e
misturado. No trabalho, nas escolas, nas universidades, nos meios de
comunicação, onde menos se espera surgem as intolerâncias política,
religiosa, cultural, étnica e sexual. No espaço doméstico, nos locais do
trabalho, nos espaços públicos e privados, elas emergem como conflito
entre indivíduos, mas muitas vezes resultam da relação entre o estado e a
sociedade, o governo e a oposição.
O Azedo desta vez botou o pingo nos is. Mostra com clareza quem é a verdadeira vitima cas contradiçoes que traverssam o Brasil: os pobres, os esquecidos de Deus. Demonstra também a origem desta dissençao sem contudo tomar partido pelo governo. A razao desta aparente neutralidade é historicamente explicada, mais o seu antagonismo pelo PT deixar em suspenso as prioridades ou seja apoiar o governo para atenuar as desigualdades ou abster-se ou mesmo ataca-lo deixando o campo livre à oposiçao.
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ResponderExcluirMeu querido amigo Azedo.
ResponderExcluirMe permita uma discordância, sem a perda de um milímetro da amizade e do respeito que tenho por você e pela tua trajetória de vida:
Prefiro pensar a sociedade não como Hobbes, com seu Leviatã pairando sobre ela, mas sim como analisou Gramsci, através da noção de que a sociedade civil e a sociedade política não estão apartadas, mas possuem conexões e fazem parte do mesmo campo. Para o italiano, estão presentes na sociedade política (Estado), membros da sociedade civil e vice versa, em luta constante pelos seus interesses. É o que ele chama de Estado ampliado. Então, como considera-las completamente autônomas? Por isso, para pensar o que tem acontecido nos últimos tempos, no Brasil, é preciso pensar gramscianamente: que a crise da sociedade política também é da sociedade civil. São fatos que possuem as mesmas raízes, os mesmos personagens e idênticos desdobramentos. Então, como analisar o grupo de calhordas e sua agressão ao Chico Buarque? Eles são os lustrosos e bem alimentados herdeiros da elite da nossa sociedade, que é escravocrata, racista, intolerante e expressa sua radicalidade na medida em que a crise se avoluma. O comportamento destes membros da elite econômica (todos filhos de latifundiários), pode ser visto nas ruas: quem já não levou uma “fechada” de uma dessas grandes caminhonetes pilotadas por sociopatas munidos de um dispendioso volante como arma, fazendo questão de demonstrar quem tem direito a mais espaço? Seu comportamento nas redes sociais é o mesmo: rosnam seu ódio contra todo aquele que pensa um pouquinho diferente de suas convicções, todas devidamente instruídas pela leitura da bíblia deste campo social: a revista Veja ,ou dos artigos dos Olavos de Carvalho e Mervais Pereiras da vida nos grandes jornais. A repetição deste comportamento, com diferentes nuances, vemos nas sanguentas guerras entre torcidas de diferentes times de futebol, onde obcecados travam ferozes batalhas contra obcecados de times diversos. O ódio corrente em nossa sociedade também se expressa no assassinato ou na simples agressão a mendigos, índios e homossexuais, ou a todos que fujam ao padrão cultural ou social imposto pelos meios de comunicação. Não estamos longe do ódio gerado pelo fanatismo religioso, pois a perseguição aos umbandistas e o crescimento do antissemitismo (travestido de anti sionismo) é um fato inegável. Tudo faz parte do mesmo contexto. Mas, a grade pergunta que nos fazemos é: o que nós, que sempre fomos compromissados com um futuro diferente, fazemos frente a tudo isso? Vamos “deixar pra lá”, até que venham nos buscar? Precisamos conversar a respeito. Muitos abraços, e um 2016 de paz. Esther Kuperman.
Meu querido amigo Azedo.
ResponderExcluirMe permita uma discordância, sem a perda de um milímetro da amizade e do respeito que tenho por você e pela tua trajetória de vida:
Prefiro pensar a sociedade não como Hobbes, com seu Leviatã pairando sobre ela, mas sim como analisou Gramsci, através da noção de que a sociedade civil e a sociedade política não estão apartadas, mas possuem conexões e fazem parte do mesmo campo. Para o italiano, estão presentes na sociedade política (Estado), membros da sociedade civil e vice versa, em luta constante pelos seus interesses. É o que ele chama de Estado ampliado. Então, como considera-las completamente autônomas? Por isso, para pensar o que tem acontecido nos últimos tempos, no Brasil, é preciso pensar gramscianamente: que a crise da sociedade política também é da sociedade civil. São fatos que possuem as mesmas raízes, os mesmos personagens e idênticos desdobramentos. Então, como analisar o grupo de calhordas e sua agressão ao Chico Buarque? Eles são os lustrosos e bem alimentados herdeiros da elite da nossa sociedade, que é escravocrata, racista, intolerante e expressa sua radicalidade na medida em que a crise se avoluma. O comportamento destes membros da elite econômica (todos filhos de latifundiários), pode ser visto nas ruas: quem já não levou uma “fechada” de uma dessas grandes caminhonetes pilotadas por sociopatas munidos de um dispendioso volante como arma, fazendo questão de demonstrar quem tem direito a mais espaço? Seu comportamento nas redes sociais é o mesmo: rosnam seu ódio contra todo aquele que pensa um pouquinho diferente de suas convicções, todas devidamente instruídas pela leitura da bíblia deste campo social: a revista Veja ,ou dos artigos dos Olavos de Carvalho e Mervais Pereiras da vida nos grandes jornais. A repetição deste comportamento, com diferentes nuances, vemos nas sanguentas guerras entre torcidas de diferentes times de futebol, onde obcecados travam ferozes batalhas contra obcecados de times diversos. O ódio corrente em nossa sociedade também se expressa no assassinato ou na simples agressão a mendigos, índios e homossexuais, ou a todos que fujam ao padrão cultural ou social imposto pelos meios de comunicação. Não estamos longe do ódio gerado pelo fanatismo religioso, pois a perseguição aos umbandistas e o crescimento do antissemitismo (travestido de anti sionismo) é um fato inegável. Tudo faz parte do mesmo contexto. Mas, a grade pergunta que nos fazemos é: o que nós, que sempre fomos compromissados com um futuro diferente, fazemos frente a tudo isso? Vamos “deixar pra lá”, até que venham nos buscar? Precisamos conversar a respeito. Muitos abraços, e um 2016 de paz. Esther Kuperman.
Prezado Azedo,
ResponderExcluirestou ouvindo a trilha sonora de Chico - Artista Brasileiro, filme recente que assisti com grande prazer.
Lamento que incivilidades, como a que - por exemplo - ocorreu numa de noite no Leblon com o Chico Buarque.
O fato é que Chico é um intelectual público que assina manifestos, dá entrevistas e faz propaganda eleitoral na TV em apoio ao governo Dilma o qual tem menos de 10% de apoio na sociedade, e provavelmente menos ainda entre os fans dele. Ou seja, na política governamental suas posições não são absolutamente “unanimidade”.
Tive um querido amigo - Herbert José de Souza - que dizia: "Tenho Phd de equívocos!". Todos talvez tenham montões de erros mas carecem de bom humor de reconhecê-los (o que é muito triste!).
Grave mesmo é a propaganda política que a imprensa e redes sociais lulistas fazem em torno do episódio do fim de noite no Leblon. Tenta-se rotular quem se opõe ao governo Dilma, e ao "Lulismo realmente existente" como inimigos da democracia, fascistas, golpistas, machistas ou "coxinhas" (termo usado originariamente pelo PCC?). Por fim, as mensagens enviadas pela Dilma e pelo Lula em interesse próprio para Chico só ressaltam que o marketing político enganador é persistente.
Agora voltando ao que importa; Salve o artista Chico - sua música, peças e livros. FELIZ ANO NOVO a todos!
Cesar Caldeira
"E quem me ofende, humilhando, pisando,
Pensando que eu vou aturar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"
(Chico Buarque)
Rio, 28 de dezembro de 2015