Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/12/2014
O impeachment somente poderá
apontar uma saída positiva para a crise se for reconhecido como um
“rito de passagem” pela sociedade, no qual todos se sintam como parte
Ritos de passagem são
objeto de estudo da antropologia, principalmente para o estudo das
religiões. Batizados, casamentos, funerais, são exemplos triviais desse
tipo de celebração, que, em geral, marca a transição de um estado para
outro na vida de indivíduos ou comunidades, do mito egípcio de Osíris ao
Ifá do nosso candomblé. Um dos estudiosos dos ritos primitivos das
tribos africanas, Victor Turner, na década de 1960, desenvolveu o
conceito de “comunita”, no qual os participantes do rito adquirem uma
segunda identidade, a “persona”.
Psicólogos também se utilizam do conceito de “persona” para
explicar certas atitudes e comportamentos, “uma espécie de máscara,
projetada por um lado, para fazer uma impressão definitiva sobre os
outros, e por outro, dissimular a verdadeira natureza do indivíduo”
(Carl Gustav Jung), que pode se referir a um status social, às questões
de gênero ou mesmo ao exercício de determinada profissão. A bagunça na
política brasileira é tamanha que é o caso de recorrer a esses conceitos
antropológicos para explicar certas situações. É que os políticos vivem
da própria imagem e tudo fazem para construí-la, mas isso não depende
somente deles, mas do papel que lhes é atribuído pela sociedade. No
momento, a política brasileira tem quatro grandes atores em cena, cada
qual interpretando um papel em causa própria:
A presidente Dilma Rousseff, cuja popularidade despencou em razão
da crise econômica, procura manter-se distante dos escândalos de
corrupção envolvendo seu governo, seu partido e, mais recentemente, seu
líder no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), que negocia delação
premiada com o Ministério Público Federal. Mas sucumbe diante da crise
ética, política e econômica sem precedentes, que pode resultar no seu
afastamento. Agarra-se com unhas e dentes à imagem de mulher imaculada
para se manter no cargo, porém, pode ser enquadrada em crime de
responsabilidade pelo Congresso por causa das “pedaladas fiscais” e
outros atos administrativos considerados ilegais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja imagem está ameaçada
pela lama da Operação Lava Jato, tenta organizar uma campanha para
manter Dilma no cargo, mas, estranhamente, orientou a cúpula e a bancada
do PT na Câmara a detonar o acordo que havia sido feito pelo Palácio do
Planalto com o presidente da Casa, Eduardo Cunha, para barrar o
impeachment. Sente-se ameaçado pela quebra dos sigilos bancário e fiscal
de seu filho Luís Cláudio Lula da Silva e da empresa dele, a LFT
Marketing Esportivo, assim como o do ex-ministro da Secretaria-Geral da
Presidência da República Gilberto Carvalho, um de seus mais próximos e
leais colaboradores.
O vice-presidente Michel Temer, que sempre foi um estranho no ninho
no Palácio do Planalto, tornou-se uma alternativa de poder coma a
abertura do processo de impeachment. Procura manter uma imagem de
esfinge, que nada tem de egípcia. Já deixou claro que está pronto para
assumir o poder se o processo contra Dilma no Congresso levá-la ao
afastamento. Escanteado por Dilma na última reforma ministerial, acaba
de retomar o controle da bancada do PMDB da Câmara. Articulou com Cunha a
destituição do jovem líder Leonardo Picciani (RJ), que o desafiou
publicamente, e pôs no seu lugar um tocaio, Leonardo Quintão (MG), seu
aliado. Temer tem um plano contra a crise que recebe crescente apoio dos
meios empresariais e da oposição.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que usa todo o seu
poder para manter-se no cargo, embora esteja sendo processado na
Comissão da Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar: mentiu ao
dizer na CPI da Petrobras que não era dono de contas na Suíça, o que
depois foi confirmado pelas autoridades daquele país. Cunha deu a
partida ao processo de impeachment da presidente Dilma proposto pela
oposição, com base no pedido assinado pelos juristas Miguel Reale
Júnior, Hélio Bicudo e Janaína Paschoal. Foi uma retaliação ao fato de a
bancada do PT decidir votar contra a sua cassação, implodindo o acordo
que havia negociado com Palácio do Planalto. Como não conta com os votos
de oposição, é um político marcado para ser cassado por seus pares, mas
ainda tem força para obstruir a própria cassação.
Ruptura
Os quatro protagonistas fazem parte da coalizão que governa país, a
(des)aliança PT-PMDB, o que embaralha as cartas, pois a oposição,
representada pelo PSDB, DEM, PPS e Solidariedade não têm força para
decidir o destino de Dilma Rousseff sem o PMDB e outros partidos da base
governista. O colapso de coalizão presidencial, a partir da implosão do
seu sistema de financiamento pela Operação Lava Jato, inviabiliza
qualquer solução que tente restabelecer o status quo político anterior,
além do fato de que alguns de seus principais integrantes estão
envolvidos no escândalo da Petrobras. Eis o xis da questão.
Não há saída para a crise tríplice sem uma ruptura política com
esse esquema de poder, que pode se dar de duas maneiras: pela via
eleitoral, em 2018, ou por meio do impeachment, que abreviaria a sangria
política e a bancarrota econômica. No momento, porém, o debate do
impeachment no Congresso é uma espécie de dança com lobos, um rito
selvagem, que deixa a sociedade estupefata. O impeachment somente poderá
apontar uma saída positiva para a crise se for reconhecido como um
“rito de passagem” pela sociedade, no qual todos se sintam como parte da
“comunita”. É aí que entra em cena o mais novo participante dessa dança
com lobos, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson
Fachin.
Ao sustar a instalação da comissão especial eleita pela oposição
para apreciar a admissibilidade do processo de impeachment e anunciar
que pretende propor ao plenário do STF um rito completo para o processo
de impeachment, com base na Constituição e na lei que regulamenta o
dispositivo, de 1950, Fachin pretende ditar as regras do jogo. “Disso
resultará um procedimento que permitirá que o impeachment seja
desenvolvido e processado sem nenhuma arguição de mácula”, disse. Desde
que não usurpe atribuições do Congresso, e arraste o STF para o centro
de uma crise política que já paralisa o Executivo e o Legislativo,
Fachin pode acabar com os casuísmos de Eduardo Cunha (PMDB) na condução
dos trabalhos da Câmara, que têm objetivo de truncar o seu próprio
processo de cassação no Conselho de Ética.
Bela postagem, Azedo. O termo latim para comunidade, usado na antropologia, é "comunistas". Faltou um s no seu texto. abs Mercio
ResponderExcluir