domingo, 16 de agosto de 2015

Às armas ou pacto das elites?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliene - 16/08/2015

Entre a retórica incendiária nos movimentos sociais e a aproximação com as elites há um fosso intransponível

Diante de mil integrantes de movimentos sociais ligados ao governo, em pleno salão nobre do Palácio do Planalto, o presidente da CUT, Vagner Freitas, ameaçou, na quinta-feira, “pegar em armas” em defesa do governo. O boquirroto sindicalista radicalizou o discurso ao lado da presidente Dilma Rousseff. Disse que estava preparado com “armas” e um “exército” para barrar qualquer tentativa de “coxinhas” de tirá-la do poder.

No auge da crise política que resultou no golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, nenhum dirigente do antigo Comando-Geral dos Trabalhadores (CGT) foi tão longe: “Somos defensores da unidade nacional, da construção de um projeto de desenvolvimento para todos e para todas. E isso implica, neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidente”, disse Freitas no Planalto.

Na solenidade, o petista parecia um Cabo Anselmo — líder dos marinheiros amotinados que serviram de massa de manobra para o golpe de 1964. Mais tarde, o Cabo Anselmo se revelou um agente do Cenimar (serviço secreto da Marinha) infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Nem de longe lembrava um Dante Pellacani, o líder sindical comunista que presidia a CGT e discursou ao lado de João Goulart no famoso Comício da Central do Brasil, às vésperas de sua destituição.

Saudada aos gritos de “não vai ter golpe”, Dilma ouviu palavras de ordem contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy — “Ô, Levy, fala pra tu, volta pro Bradesco ou pro banco Itaú!” —, mas não comentou o desatino. Novamente, prometeu o que não pode entregar: “Não estou aqui para resolver todos os problemas este ano. Estou aqui para resolver todos os problemas e entregar um país muito melhor em 31 de dezembro de 2018”, disse.

Dilma recorreu à narrativa de sua campanha eleitoral, na qual mentiu adoidado para convencer os eleitores de que o país estava muito bem, obrigado. Ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto, com a ajuda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, opera um grande pacto com as elites, protagonizado pela cúpula do PMDB e pelos principais grupos empresariais do país. Seu objetivo é isolar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e afastar a ameaça de impeachment. O acordo pressupõe uma agenda de medidas econômicas, fiscais e tributárias para evitar que a crise se aprofunde.

Entre a retórica incendiária dos petistas nos movimentos sociais e a aproximação com as elites econômicas e políticas do país há um fosso intransponível. Transitar sobre ele é coisa para equilibristas, como Lula, que prepara sua candidatura em 2018. Mas essa não é a especialidade da presidente da República, que conspira contra si própria ao estimular setores de sua base social a se contraporem ao acordo que lhe garante a permanência no poder.

Partido da ordem

O Brasil não é a Venezuela, e as nossas Forças Armadas não são bolivarianas, ainda mais com o petista Jaques Wagner à frente do Ministério da Defesa, de perfil conciliador e moderado. Não foram os movimentos sociais que barraram as articulações para aprovação do impeachment de Dilma Rousseff, como parecem crer os petistas exaltados. É o que se poderia chamar de “ilusão de classe”, no velho jargão da esquerda.

O impeachment “micou” por três motivos: em recessão aberta, uma crise institucional faria o país descer ladeira abaixo, o que assustou grandes empresários; o PMDB e o PSDB não conseguiram chegar a um acordo para que o vice-presidente Michel Temer assumisse o poder; e, até agora, não existe base legal para isso, apesar das “pedaladas fiscais”, que ainda não foram apreciadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Deixemos de lado possíveis irregularidades nas contas de campanha, que ainda não foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Manifestos de artistas e intelectuais e de sindicatos contra o suposto “golpismo” da oposição representam uma injeção de ânimo para a militância petista, desmotivada pelo envolvimento profundo do PT e seus aliados no escândalo da Petrobras. Mas não é isso que garante a presidente Dilma no poder. A maior burrice de Vagner Freitas, nesse aspecto, é não compreender que seu apelo às armas — mesmo que em sentido figurado — leva água para o moinho dos setores da oposição que têm saudades do regime militar. Tais setores, por obra e graça do desmantelo petista na administração pública, protestam com desenvoltura ao lado de outras correntes de oposição que vão às ruas contra o governo.

Basta comparar o grito dos “coxinhas” nas manifestações de hoje, convocados pelas redes sociais, aos atos organizados em apoio ao governo, que subsidia passagens de avião, ônibus fretados, hospedagem e alimentação para os movimentos sociais controlados pelo PT. Ainda bem que a formação de uma espécie de milícia chapa-branca, como a sonhada pelo presidente da CUT, não passa de um arroubo de oratória. Por ironia, o “partido da ordem” — hegemônico no poder instalado — é que sustenta a presidente Dilma Rousseff no cargo, com toda a sua impopularidade. No Palácio do Planalto e no PT, porém, ainda há os que acreditam que o presidente João Goulart só foi destituído porque não pegou em armas.




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