quinta-feira, 25 de junho de 2015

A mandioca e a mulher sapiens

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/06/2015

Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande

 Em baixa nas pesquisas, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva puxando o seu tapete e a base aliada só enrolando na hora de concluir a aprovação do ajuste fiscal, a presidente Dilma Rousseff decidiu assumir a liderança absoluta dos mandioqueiros do Brasil, posição até então exercida pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), um nativista convicto. Em quase 10 minutos de elogios, na abertura dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Brasília, na terça-feira, fez um cumprimento especial “à mandioca” e se autoproclamou uma “mulher sapiens”, ou seja, um Homo sapiens de saias.

Como Dilma exige o tratamento oficial de “presidenta”, nada mais natural que se considere também uma “mulher sapiens”. Como se sabe, os primeiros Homo sapiens surgiram há mais de 300.000 anos. Eram caçadores hábeis, cozinhavam carne, usavam roupas de pele de animais e construíam lanças e cabanas. O fóssil mais próximo, representativo e estudado da espécie foi o Homem de Neanderthal, encontrado na Alemanha. Sua provável existência certamente compreendeu o período entre 70.000 e 40.000 anos atrás, habitando a Europa e a Ásia. Segundo o indício fóssil, era de baixa estatura e musculoso, com um cérebro praticamente do mesmo tamanho que o nosso, com região cerebral correspondente à fala bem desenvolvida.

Mas voltemos à mandioca (Manihot esculenta crantz), da qual Dilma se tornou adoradora, talvez porque tenha substituído a farinha de trigo pela tapioca na bem-sucedida dieta que faz para emagrecer. “Nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação, e aqui nós temos uma, como também os índios e os indígenas americanos têm a deles. Temos a mandioca, e aqui nós estamos, e, certamente, teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje (terça), eu estou saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil”, disparou a presidente da República, para surpresa geral, inclusive para um comedor de tapioca desde criancinha, o líder indígena Marcos Terena, organizador dos Jogos Indígenas.

Gastronomia

Poucos sabem, mas existe um forte movimento em defesa da produção e do consumo do tubérculo no Brasil, liderado pela Associação Brasileira da Mandioca, que promove eventos como o Congresso Caribenho e Latino-Americano da Mandioca, marcado para novembro, em Foz do Iguaçu (PR). A mandioca não é apenas um ingrediente básico da nossa culinária nordestina e caipira, também dá um chame “fusion” a alguns dos restaurantes mais sofisticados do Brasil. Em São Paulo, o D.O.M., de Alex Atala, considerado um dos 10 melhores restaurantes do mundo, serve palitinhos de mandioca de entrada (R$ 17 a porção), além de um sofisticado mil-folhas de mandioca com queijo coalho e manteiga de garrafa nos menus de degustação: quatro pratos (R$ 357) e oito pratos (R$ 495).

No Rio de Janeiro, já existe uma rota gastronômica da mandioca, que vai do brasileiríssimo e sofisticado Nomangue — na Barra, no qual a chef Suzana Batista prepara o bobó de camarão com mandioca batida no leite de coco (R$ 130, para duas pessoas), servido com arroz branco e farofinha de dendê — ao oriental fast-food Manikineko — rede de culinária japonesa, na qual as lâminas de haddock com geleia de pimenta e chutney de abacaxi são servidas numa base de chips de mandioca (R$ 26,90, seis unidades). Em Brasília, a mandioca também frequenta os restaurantes da cidade, desde os de comida típica, como o Brasil Vexado e o Feitiço Mineiro, ao Piantella, um templo da política.

No mesmo evento, Dilma demonstrou também intimidade com a bola, ao receber uma “pelota” feita de folhas de bananeira, presenteada por nativos da Nova Zelândia: “Aqui tem uma bola, uma bola que eu acho que é um exemplo. Ela é extremamente leve, já testei aqui, testei embaixadinha, meia embaixadinha... Bom, mas a importância da bola é justamente essa, é símbolo da capacidade que nos distingue”. Foi aí que surgiu a nova abordagem antropológica das nossas origens: “Nós somos do gênero humano, da espécie sapiens, somos aqueles que têm a capacidade de jogar, de brincar, porque jogar é isso aqui (...) Então, para mim, essa bola é o símbolo da nossa evolução, quando nós criamos uma bola dessas, nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens”, concluiu, para gargalhada geral.

 O que pensar de tudo isso? Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ao completar seis meses do segundo mandato ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande. Na próxima segunda-feira, Dilma terá um almoço com os maiores investidores dos Estados Unidos e um jantar com o presidente norte-americano Barack Obama, que podem sinalizar novos rumos para a política externa e para a economia, mais coerentes entre si. Não pode, porém, sair da casinha.

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