Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 30/06/2015
As declarações de Dilma podem ter a conotação de que Pessoa foi obrigado
a confessar suas atividades criminosas, depois de pressionado por
delegados, por procuradores e pelo juiz federal Sérgio Moro
A presidente Dilma Rousseff não conseguiu se livrar do assunto político
do momento e acabou falando mais do que seria prudente sobre a Operação
Lava-Jato, ainda mais em visita aos Estados Unidos, na qual se reuniu
com investidores e jantou com o presidente Barack Obama. Durante
entrevista coletiva, desqualificou a “delação premiada” do empresário
Ricardo Pessoa, dono da UTC e chefe assumido do cartel de empreiteiras
investigado pela Lava-Jato, que apura o escândalo da Petrobras.
“Eu não
respeito um delator, até porque eu estive presa na ditadura e sei o que
é. Tentaram me transformar em delatora, a ditadura fazia isso com as
pessoas. Eu garanto para vocês: eu resisti bravamente e, até em alguns
momentos, fui mal interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem
de resistir porque, senão, você entrega. Não respeito nenhum, nenhuma
fala”, disse aos repórteres em Nova York.
A referência à tortura e
à prisão é recorrente quando a presidente da República se vê em apuros,
diante de questionamentos de adversários, uma espécie de atestado de
idoneidade moral e de coragem. Certa vez, questionada pelo presidente do
DEM, senador José Agripino (RN), no Senado, Dilma chegou a dizer que
mentira “adoidado” durante a tortura para proteger seus companheiros das
consequências de uma delação caso falasse a verdade.
No contexto do
regime militar, mentir nos interrogatórios era uma forma legítima de
autodefesa. O episódio foi decisivo para a consolidação de sua
candidatura à Presidência. Na campanha de reeleição, fundamentou a
imagem de “Dilma, coração valente”, que acabou usada no segundo turno
para conquistar o apoio de setores de esquerda que haviam apoiado Marina
Silva (PSB) ou Luciana Genro (PSol) no primeiro.
A tese de que
“os fins justificam os meios”, atribuída ao pensador italiano Nicolau
Maquiavel, norteou a narrativa eleitoral petista. Dilma Rousseff usou e
abusou de mentiras para derrotar seus principais adversários Marina
Silva e Aécio Neves. Fez campanha anunciando “mais mudança”, vendeu um
país em forte expansão da economia e contínua elevação dos níveis de
emprego e renda.
Prometeu mundos e fundos, mesmo sabendo que nada disso
era possível. Escondeu os verdadeiros dados da economia, com manobras
contábeis que agora estão sendo julgadas pelo Tribunal de Contas da
União (TCU), as chamadas “pedaladas fiscais”. Caso suas contas sejam
rejeitadas, Dilma pode ser enquadrada em crime de responsabilidade,
passível até de impeachment.
Delação premiada
Dilma
garante que “nunca” se encontrou com Ricardo Pessoa desde que assumiu a
Presidência. Ao explicar que as doações da UTC foram legais, a
presidente ressaltou que não aceita e “jamais” aceitará qualquer
irregularidade sobre ela ou sobre sua campanha. “Se insinuam, têm
interesses políticos”, protestou.
Destacou que o seu adversário no
segundo turno da corrida presidencial de 2014, também recebeu
contribuições da construtora UTC. “A minha campanha recebeu dinheiro
legal, registrado, de R$ 7,5 milhões. Na mesma época que eu recebi os
recursos, pelo menos uma das vezes, o candidato que concorreu comigo
recebeu também, com uma diferença muito pequena de valores. Eu estou
falando do Aécio Neves.”
Dilma pode estar falando a verdade, mas
nada impede que esteja mentindo outra vez. Ricardo Pessoa teve a sua
“delação premiada” aceita pelo relator do processo que investiga a
participação de políticos na Operação Lava-Jato, ministro do Supremo
Tribunal Federal Teori Zavascki. Um dos integrantes da Corte nomeados
por ela, nem de longe pode ser acusado de fazer o jogo da oposição.
Como
se sabe, o delator precisa apresentar robustas comprovações de que suas
informações são verdadeiras para esse tipo de delação ser aceita. Mas
as declarações de Dilma podem ter a conotação de que Pessoa foi obrigado
a confessar suas atividades criminosas, depois de pressionado por
delegados, por procuradores e pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável
pelas investigações.
Estaria Dilma insinuando que Ricardo Pessoa
sofreu “tortura psicológica”, como argumentam os advogados? Pouco
importa. A presidente da República sinaliza para outros envolvidos no
escândalo da Petrobras, como o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto,
que está preso e supostamente à beira de fazer outra “delação premiada”,
que não estão sós. Nesse sentido, cede às pressões do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que a acusava de nada fazer para defendê-los.
terça-feira, 30 de junho de 2015
domingo, 28 de junho de 2015
O rei e a rainha
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Brazilinse - 28/06/2015
O ex-presidente Lula joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobra que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação na qual isso valha a pena
No jogo de xadrez, a peça mais valiosa depois do rei é a rainha. Mesmo assim, seu valor é relativo, pois pode ser compensador sacrificar a rainha se houver ganho nisso. Jogadores de xadrez costumam antecipar mentalmente as jogadas seguintes, alguns até 15, 20 lances, e sabem quando uma posição estratégica é robusta o suficiente para decidir o jogo antes mesmo de um xeque-mate. Por essa razão, entre os grandes mestres, é comum o derrotado não esperar o desenlace da partida para se retirar da disputa.
É comum ouvir os petistas compararem a presidente Dilma a um jogador de damas, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao de xadrez. A primeira se movimenta de maneira diagonal; o segundo, de forma muito mais complexa. Com os últimos acontecimentos da Operação Lava-Jato, o jogo político está mais para o xadrez, sem trocadilho.
Vamos supor, então, que Lula seja o rei. O ex-presidente da República, nas últimas semanas, joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobra que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação no tabuleiro que valha realmente a pena.
Grosso modo, há quatro jogadas de sacrifício da rainha: para forçar um xeque-mate no adversário; capturar a rainha adversária numa troca vantajosa; limpar o caminho para um “peão passado” que substitua a rainha sacrificada; ou forçar uma sequência que ofereça real vantagem estratégica no tabuleiro. Aparentemente, nenhuma dessas situações se apresenta para que Lula possa entregar Dilma aos adversários e se safar de um xeque-mate.
Vejamos: o Palácio do Planalto foi pego completamente de surpresa pela aceitação da “delação premiada” do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao contrário do que se imaginava, a denúncia chegou à presidente Dilma, acusada de receber R$ 7,5 milhões provenientes do esquema de propina da Petrobras, e envolveu os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e da Comunicação Social, Edinho Silva, seu tesoureiro de campanha, além de ex-ministros, parlamentares da base aliada e até da oposição.
O sacrifício
Dilma viajou ontem para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Joaquim Levy seguiu em voo comercial, contra recomendação médica devido à embolia pulmonar que o levou a ser hospitalizado de véspera, sinal de que já não dá conta das pressões que sofre. A situação da economia é desastrosa, o ajuste fiscal está sendo sabotado pela própria base e cresce no PMDB a tese de afastamento do PT, cujo desgaste com a Lava-Jato só aumenta.
É nesse cenário que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também foi citado na delação como beneficiário de R$ 2,5 milhões do esquema, desembarcará amanhã em Brasília. Vem se reunir com senadores e deputados petistas. Lula faz críticas à Dilma, ao governo e ao PT de forma sistemática, às vezes para que se tornem públicas. Aparentemente, desistiu de mandar na presidente, que chama de cabeça dura. Ultimamente, convoca os ministros petistas para reuniões no Instituto Lula e conversa com os aliados à revelia da presidente da República.
O objetivo de Lula é fazer o PT retomar a iniciativa no Congresso, onde a legenda está cada vez mais isolada. Para Lula, as bancadas petistas estão à matroca, desde a convocação de seu fiel escudeiro Paulo Okamotto pela CPI da Petrobras. As reações de Lula são de quem está antevendo um xeque-mate, para voltar à linguagem do xadrez.
Além do petardo disparado por Ricardo Pessoa contra o governo Dilma e ele próprio, Lula sabe que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está prestes a fazer a denúncia contra os políticos citados nas “delações premiadas” do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Youssef. Candidato à reeleição, Janot tem duas opções: apresentar a denúncia amanhã ou terça-feira, antes do recesso do Judiciário, ou somente em agosto.
Caso os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sejam denunciados, como tudo leva a crer, dificilmente ambos deixarão de atribuir o fato a uma articulação do próprio Palácio do Planalto para empatar o jogo e bloquear a possibilidade de um impeachment da presidente da República. Seria uma tentativa de virada de mesa, derrubando o tabuleiro. Esse recrudescimento da crise que abala a República pode resultar no sacrifício da rainha. Qual será a jogada de Lula para evitar o xeque-mate?
Correio Brazilinse - 28/06/2015
O ex-presidente Lula joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobra que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação na qual isso valha a pena
No jogo de xadrez, a peça mais valiosa depois do rei é a rainha. Mesmo assim, seu valor é relativo, pois pode ser compensador sacrificar a rainha se houver ganho nisso. Jogadores de xadrez costumam antecipar mentalmente as jogadas seguintes, alguns até 15, 20 lances, e sabem quando uma posição estratégica é robusta o suficiente para decidir o jogo antes mesmo de um xeque-mate. Por essa razão, entre os grandes mestres, é comum o derrotado não esperar o desenlace da partida para se retirar da disputa.
É comum ouvir os petistas compararem a presidente Dilma a um jogador de damas, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao de xadrez. A primeira se movimenta de maneira diagonal; o segundo, de forma muito mais complexa. Com os últimos acontecimentos da Operação Lava-Jato, o jogo político está mais para o xadrez, sem trocadilho.
Vamos supor, então, que Lula seja o rei. O ex-presidente da República, nas últimas semanas, joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobra que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação no tabuleiro que valha realmente a pena.
Grosso modo, há quatro jogadas de sacrifício da rainha: para forçar um xeque-mate no adversário; capturar a rainha adversária numa troca vantajosa; limpar o caminho para um “peão passado” que substitua a rainha sacrificada; ou forçar uma sequência que ofereça real vantagem estratégica no tabuleiro. Aparentemente, nenhuma dessas situações se apresenta para que Lula possa entregar Dilma aos adversários e se safar de um xeque-mate.
Vejamos: o Palácio do Planalto foi pego completamente de surpresa pela aceitação da “delação premiada” do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao contrário do que se imaginava, a denúncia chegou à presidente Dilma, acusada de receber R$ 7,5 milhões provenientes do esquema de propina da Petrobras, e envolveu os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e da Comunicação Social, Edinho Silva, seu tesoureiro de campanha, além de ex-ministros, parlamentares da base aliada e até da oposição.
O sacrifício
Dilma viajou ontem para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Joaquim Levy seguiu em voo comercial, contra recomendação médica devido à embolia pulmonar que o levou a ser hospitalizado de véspera, sinal de que já não dá conta das pressões que sofre. A situação da economia é desastrosa, o ajuste fiscal está sendo sabotado pela própria base e cresce no PMDB a tese de afastamento do PT, cujo desgaste com a Lava-Jato só aumenta.
É nesse cenário que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também foi citado na delação como beneficiário de R$ 2,5 milhões do esquema, desembarcará amanhã em Brasília. Vem se reunir com senadores e deputados petistas. Lula faz críticas à Dilma, ao governo e ao PT de forma sistemática, às vezes para que se tornem públicas. Aparentemente, desistiu de mandar na presidente, que chama de cabeça dura. Ultimamente, convoca os ministros petistas para reuniões no Instituto Lula e conversa com os aliados à revelia da presidente da República.
O objetivo de Lula é fazer o PT retomar a iniciativa no Congresso, onde a legenda está cada vez mais isolada. Para Lula, as bancadas petistas estão à matroca, desde a convocação de seu fiel escudeiro Paulo Okamotto pela CPI da Petrobras. As reações de Lula são de quem está antevendo um xeque-mate, para voltar à linguagem do xadrez.
Além do petardo disparado por Ricardo Pessoa contra o governo Dilma e ele próprio, Lula sabe que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está prestes a fazer a denúncia contra os políticos citados nas “delações premiadas” do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Youssef. Candidato à reeleição, Janot tem duas opções: apresentar a denúncia amanhã ou terça-feira, antes do recesso do Judiciário, ou somente em agosto.
Caso os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sejam denunciados, como tudo leva a crer, dificilmente ambos deixarão de atribuir o fato a uma articulação do próprio Palácio do Planalto para empatar o jogo e bloquear a possibilidade de um impeachment da presidente da República. Seria uma tentativa de virada de mesa, derrubando o tabuleiro. Esse recrudescimento da crise que abala a República pode resultar no sacrifício da rainha. Qual será a jogada de Lula para evitar o xeque-mate?
quinta-feira, 25 de junho de 2015
A mandioca e a mulher sapiens
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/06/2015
Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande
Em baixa nas pesquisas, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva puxando o seu tapete e a base aliada só enrolando na hora de concluir a aprovação do ajuste fiscal, a presidente Dilma Rousseff decidiu assumir a liderança absoluta dos mandioqueiros do Brasil, posição até então exercida pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), um nativista convicto. Em quase 10 minutos de elogios, na abertura dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Brasília, na terça-feira, fez um cumprimento especial “à mandioca” e se autoproclamou uma “mulher sapiens”, ou seja, um Homo sapiens de saias.
Como Dilma exige o tratamento oficial de “presidenta”, nada mais natural que se considere também uma “mulher sapiens”. Como se sabe, os primeiros Homo sapiens surgiram há mais de 300.000 anos. Eram caçadores hábeis, cozinhavam carne, usavam roupas de pele de animais e construíam lanças e cabanas. O fóssil mais próximo, representativo e estudado da espécie foi o Homem de Neanderthal, encontrado na Alemanha. Sua provável existência certamente compreendeu o período entre 70.000 e 40.000 anos atrás, habitando a Europa e a Ásia. Segundo o indício fóssil, era de baixa estatura e musculoso, com um cérebro praticamente do mesmo tamanho que o nosso, com região cerebral correspondente à fala bem desenvolvida.
Mas voltemos à mandioca (Manihot esculenta crantz), da qual Dilma se tornou adoradora, talvez porque tenha substituído a farinha de trigo pela tapioca na bem-sucedida dieta que faz para emagrecer. “Nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação, e aqui nós temos uma, como também os índios e os indígenas americanos têm a deles. Temos a mandioca, e aqui nós estamos, e, certamente, teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje (terça), eu estou saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil”, disparou a presidente da República, para surpresa geral, inclusive para um comedor de tapioca desde criancinha, o líder indígena Marcos Terena, organizador dos Jogos Indígenas.
Gastronomia
Poucos sabem, mas existe um forte movimento em defesa da produção e do consumo do tubérculo no Brasil, liderado pela Associação Brasileira da Mandioca, que promove eventos como o Congresso Caribenho e Latino-Americano da Mandioca, marcado para novembro, em Foz do Iguaçu (PR). A mandioca não é apenas um ingrediente básico da nossa culinária nordestina e caipira, também dá um chame “fusion” a alguns dos restaurantes mais sofisticados do Brasil. Em São Paulo, o D.O.M., de Alex Atala, considerado um dos 10 melhores restaurantes do mundo, serve palitinhos de mandioca de entrada (R$ 17 a porção), além de um sofisticado mil-folhas de mandioca com queijo coalho e manteiga de garrafa nos menus de degustação: quatro pratos (R$ 357) e oito pratos (R$ 495).
No Rio de Janeiro, já existe uma rota gastronômica da mandioca, que vai do brasileiríssimo e sofisticado Nomangue — na Barra, no qual a chef Suzana Batista prepara o bobó de camarão com mandioca batida no leite de coco (R$ 130, para duas pessoas), servido com arroz branco e farofinha de dendê — ao oriental fast-food Manikineko — rede de culinária japonesa, na qual as lâminas de haddock com geleia de pimenta e chutney de abacaxi são servidas numa base de chips de mandioca (R$ 26,90, seis unidades). Em Brasília, a mandioca também frequenta os restaurantes da cidade, desde os de comida típica, como o Brasil Vexado e o Feitiço Mineiro, ao Piantella, um templo da política.
No mesmo evento, Dilma demonstrou também intimidade com a bola, ao receber uma “pelota” feita de folhas de bananeira, presenteada por nativos da Nova Zelândia: “Aqui tem uma bola, uma bola que eu acho que é um exemplo. Ela é extremamente leve, já testei aqui, testei embaixadinha, meia embaixadinha... Bom, mas a importância da bola é justamente essa, é símbolo da capacidade que nos distingue”. Foi aí que surgiu a nova abordagem antropológica das nossas origens: “Nós somos do gênero humano, da espécie sapiens, somos aqueles que têm a capacidade de jogar, de brincar, porque jogar é isso aqui (...) Então, para mim, essa bola é o símbolo da nossa evolução, quando nós criamos uma bola dessas, nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens”, concluiu, para gargalhada geral.
O que pensar de tudo isso? Ou a presidente Dilma resolveu desencanar dos problemas que enfrenta ao completar seis meses do segundo mandato ou perdeu mesmo o rumo da prosa. Os políticos se divertem com a situação, mas, no Palácio do Planalto e no Itamaraty, a preocupação é grande. Na próxima segunda-feira, Dilma terá um almoço com os maiores investidores dos Estados Unidos e um jantar com o presidente norte-americano Barack Obama, que podem sinalizar novos rumos para a política externa e para a economia, mais coerentes entre si. Não pode, porém, sair da casinha.
quarta-feira, 24 de junho de 2015
A tática do bigode
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/06/2015
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição
Na Constituinte da fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, o líder do então MDB, amplamente majoritário na Casa, era o deputado fluminense Cláudio Moacir, com reduto eleitoral em Macaé. Seu estilo era uma mistura de populismo trabalhista com esperteza pessedista, as duas grandes correntes que controlavam a legenda, lideradas, respectivamente, pelo ex-governador Chagas Freitas e o senador Ernani do Amaral Peixoto.
O novo estado era governado pelo almirante Faria Lima, um interventor nomeado pelo general-presidente Ernesto Geisel, e tinha como líder do governo uma lacerdista histórica, Sandra Cavalcanti, da Arena. Não demorou muito para que os emedebistas fizessem um acordo velado com o governador e Sandra renunciasse ao cargo, dando lugar a um deputado ligado a Chagas Freitas. Indagado sobre a posição de sua bancada acerca do governo, Cláudio Moacir me confidenciou: “Vamos adotar a tática do bigode: na boca, mas do lado de fora”.
Lembrei-me da Constituinte da fusão, instalada em 1975, porque foi nela que estreei como repórter político, no antigo Diário de Notícias, à época, o jornal de preferência dos professores e dos militares cariocas. E as recentes críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff sinalizam um reposicionamento tático semelhante à manobra fisiológica de Cláudio Moacir.
O petista continua sendo o político mais poderoso junto ao governo, mesmo sem mandato, mas começa a se pronunciar como quem está politicamente fora dele. Ontem, ao participar de reunião com integrantes do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016, no Rio de Janeiro, Dilma acusou o golpe: “Eu acho que todo mundo tem o direito de criticar. Mais ainda o presidente Lula. Até porque ele é muito criticado por vocês”. A petista não respondeu se concorda ou não com a fala dele, mas sabe que o líder petista não é qualquer um.
Desde que a Operação Lava-Jato chegou ao andar de cima, como se diz, e agora mais ainda, com a prisão dos donos e executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, o ex-presidente da República vem subindo o tom das críticas ao governo e ao PT. Num encontro com religiosos, não teve papas na língua ao falar mal de Dilma; depois, numa reunião do Instituto Lula, desceu o sarrafo no próprio partido: “Eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Hoje, a gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito. Ninguém trabalha mais de graça”, afirmou. Para ele, a sigla não mobiliza multidões, a não ser em troca de dinheiro, se afastou da juventude e está diante de uma encruzilhada. “Temos que definir se queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto.”
A desestabilização
Qual projeto? O lulismo tem uma narrativa que, dependendo do tema ou da situação, alterna “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, “trabalhadores contra patrões”, “esquerda versus direita”, “patriotas contra entreguistas”, mas nunca teve um projeto claramente definido. Quando Lula assumiu o poder, até a eclosão da crise mundial, manteve os fundamentos da política econômica que herdou do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Deu uma cara própria ao seu governo ampliando a escala das políticas de transferência de renda com o programa Bolsa Família. Em meados do segundo mandato, ao adotar as chamadas “medidas anticíclicas”, deu início à política econômica de forte expansão do crédito e do consumo e de investimentos maciços na construção civil e no setor de energia, depois chamada de “nova matriz econômica” por Dilma.
Adotou-se uma espécie de “capitalismo de Estado” revisitado, que serviu de fonte de financiamento eleitoral para o PT e seus aliados, até eclodir o escândalo da Petrobras. O modelo está indo para o brejo. Uma incrível sequência de medidas equivocadas e mal planejadas na condução da economia, como o congelamento de preços dos combustíveis, a redução das tarifas de energia e a baixa forçada da taxa de juros, num ambiente externo desfavorável, trouxe de volta a inflação, a estagnação e o desemprego.
Logo após assumir o segundo mandato, Dilma foi obrigada a dar um cavalo de pau na economia, com o ajuste fiscal e a alta dos juros, e terceirizou a condução política do governo, entregue ao vice-presidente, Michel Temer, que hoje é uma espécie de fiador da governabilidade. Lula tenta se desvencilhar dos desgastes do governo, mas é impossível fazê-lo sem desencarnar do PT, cujo envolvimento no escândalo da Petrobras começa a contaminar a imagem do petista.
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição cada vez mais aberta à condução do governo; por sua vez, isso aumenta o poder de barganha do PMDB e a tendência da legenda a impor a sua própria agenda no Congresso. É aí que a tática do bigode pode ser um desastre total, porque todos os partidos aliados gostariam de adotá-la, ou seja, usufruir do bônus de participar da coalizão governista e deixar para Dilma o ônus do mau governo.
Correio Braziliense - 24/06/2015
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição
Na Constituinte da fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, o líder do então MDB, amplamente majoritário na Casa, era o deputado fluminense Cláudio Moacir, com reduto eleitoral em Macaé. Seu estilo era uma mistura de populismo trabalhista com esperteza pessedista, as duas grandes correntes que controlavam a legenda, lideradas, respectivamente, pelo ex-governador Chagas Freitas e o senador Ernani do Amaral Peixoto.
O novo estado era governado pelo almirante Faria Lima, um interventor nomeado pelo general-presidente Ernesto Geisel, e tinha como líder do governo uma lacerdista histórica, Sandra Cavalcanti, da Arena. Não demorou muito para que os emedebistas fizessem um acordo velado com o governador e Sandra renunciasse ao cargo, dando lugar a um deputado ligado a Chagas Freitas. Indagado sobre a posição de sua bancada acerca do governo, Cláudio Moacir me confidenciou: “Vamos adotar a tática do bigode: na boca, mas do lado de fora”.
Lembrei-me da Constituinte da fusão, instalada em 1975, porque foi nela que estreei como repórter político, no antigo Diário de Notícias, à época, o jornal de preferência dos professores e dos militares cariocas. E as recentes críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff sinalizam um reposicionamento tático semelhante à manobra fisiológica de Cláudio Moacir.
O petista continua sendo o político mais poderoso junto ao governo, mesmo sem mandato, mas começa a se pronunciar como quem está politicamente fora dele. Ontem, ao participar de reunião com integrantes do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016, no Rio de Janeiro, Dilma acusou o golpe: “Eu acho que todo mundo tem o direito de criticar. Mais ainda o presidente Lula. Até porque ele é muito criticado por vocês”. A petista não respondeu se concorda ou não com a fala dele, mas sabe que o líder petista não é qualquer um.
Desde que a Operação Lava-Jato chegou ao andar de cima, como se diz, e agora mais ainda, com a prisão dos donos e executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, o ex-presidente da República vem subindo o tom das críticas ao governo e ao PT. Num encontro com religiosos, não teve papas na língua ao falar mal de Dilma; depois, numa reunião do Instituto Lula, desceu o sarrafo no próprio partido: “Eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Hoje, a gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito. Ninguém trabalha mais de graça”, afirmou. Para ele, a sigla não mobiliza multidões, a não ser em troca de dinheiro, se afastou da juventude e está diante de uma encruzilhada. “Temos que definir se queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto.”
A desestabilização
Qual projeto? O lulismo tem uma narrativa que, dependendo do tema ou da situação, alterna “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, “trabalhadores contra patrões”, “esquerda versus direita”, “patriotas contra entreguistas”, mas nunca teve um projeto claramente definido. Quando Lula assumiu o poder, até a eclosão da crise mundial, manteve os fundamentos da política econômica que herdou do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Deu uma cara própria ao seu governo ampliando a escala das políticas de transferência de renda com o programa Bolsa Família. Em meados do segundo mandato, ao adotar as chamadas “medidas anticíclicas”, deu início à política econômica de forte expansão do crédito e do consumo e de investimentos maciços na construção civil e no setor de energia, depois chamada de “nova matriz econômica” por Dilma.
Adotou-se uma espécie de “capitalismo de Estado” revisitado, que serviu de fonte de financiamento eleitoral para o PT e seus aliados, até eclodir o escândalo da Petrobras. O modelo está indo para o brejo. Uma incrível sequência de medidas equivocadas e mal planejadas na condução da economia, como o congelamento de preços dos combustíveis, a redução das tarifas de energia e a baixa forçada da taxa de juros, num ambiente externo desfavorável, trouxe de volta a inflação, a estagnação e o desemprego.
Logo após assumir o segundo mandato, Dilma foi obrigada a dar um cavalo de pau na economia, com o ajuste fiscal e a alta dos juros, e terceirizou a condução política do governo, entregue ao vice-presidente, Michel Temer, que hoje é uma espécie de fiador da governabilidade. Lula tenta se desvencilhar dos desgastes do governo, mas é impossível fazê-lo sem desencarnar do PT, cujo envolvimento no escândalo da Petrobras começa a contaminar a imagem do petista.
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição cada vez mais aberta à condução do governo; por sua vez, isso aumenta o poder de barganha do PMDB e a tendência da legenda a impor a sua própria agenda no Congresso. É aí que a tática do bigode pode ser um desastre total, porque todos os partidos aliados gostariam de adotá-la, ou seja, usufruir do bônus de participar da coalizão governista e deixar para Dilma o ônus do mau governo.
terça-feira, 23 de junho de 2015
Vai de bicicleta
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/06/2015
A boataria de domingo preocupou os meios políticos porque a semana que passou foi um desastre para o governo. Culminou com uma pesquisa de opinião na qual Dilma amarga os piores índices de aprovação
A presidente Dilma Rousseff deu uma demonstração de que tudo vai muito bem, obrigado, com ela: ontem, saiu bem cedo para mais uma de suas pedaladas nas imediações do Palácio da Alvorada. Não confundir com as “pedaladas fiscais”, que continuaram no primeiro trimestre deste ano, apesar das advertências do Tribunal de Contas da União (TCU) de que são uma ilegalidade.
A volta de bicicleta seria uma resposta suficiente para a onda de boatos que inundou as redes sociais e agitou os bastidores da política nacional no domingo. Com duas versões fantasiosas, uma de que a presidente da República havia renunciado e outra de que tentara o suicídio com consumo de remédios. A imprensa ignorou o boato, mas Dilma não se deu por satisfeita e resolveu comentar o assunto publicamente pela manhã.
Foi ao final da cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar: “Eu vim falar com vocês hoje, apesar de não ter tempo. Disseram há pouco que havia um boato de que eu estava internada. Vocês acham que eu estava?”, indagou a presidente. Em seguida, sorriu e mandou um beijo para os jornalistas. Na sequência, deixou o recinto e se dirigiu para o gabinete.
Tem alguma coisa de estranha no comportamento da presidente da República. A bicicleta é um veículo que, simplesmente, não para em pé sozinho. Seu equilíbrio somente é alcançado quando está em movimento. A regra para aprender a andar de bicicleta é “olhe para frente e não para o chão”. As crianças aprendem a andar de bicicleta, andando. Algumas coisas também são assim, para que aconteçam é preciso que o processo esteja em pleno funcionamento.
Os mestres em administração de empresas gostam do exemplo para discutir mudanças em uma organização. A empresa não vai parar, absorver a mudança e reiniciar a operação. Ela precisa ser implementada com os negócios fluindo e as pessoas trabalhando. É mais ou menos o que precisa ser feito pelo atual governo, mas parece que Dilma resolveu levar o princípio da bicicleta ao pé da letra. É mais fácil andar de bike.
Terreno pedregoso
A boataria de domingo preocupou os meios políticos porque a semana que passou foi um desastre para o governo. Culminou com uma pesquisa de opinião que confirmou o que todo mundo já sabia: Dilma amarga os piores índices de aprovação de um presidente da República desde a campanha do impeachment contra Collor de Mello, que o levou à renúncia. No sábado à noite, acompanhada do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Dilma compareceu ao casamento da filha do líder do PMDB, Eunício de Oliveira (CE), uma festa que reuniu toda a corte de Brasília.
O vestido da noiva não era o assunto mais comentado. Só se falava da pesquisa DataFolha, na qual Dilma tinha 10% de bom e ótimo, 24% de regular e 65% de ruim e péssimo, e das declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o prestígio de Dilma estava igual ao “volume morto” da Cantareira. E da prisão do presidente da Odebrecht. Marcelo Odebrecht, que ameaçara implodir a República. Os mais gaiatos comparavam a festa de casamento ao baile da Ilha Fiscal, o último grande evento do Império.
O vice-presidente Michel Temer deixou a festa junto com Dilma Rousseff. Passara o sábado preocupado com situação política do país, segundo revelou a correligionários. A semana havia começado com a expectativa de rejeição das contas do governo de 2014 pelo Tribunal de Contas da União.
Na Câmara, a aprovação da revisão da desoneração da folha de pagamento para alguns setores da economia foi novamente adiada. Os números da economia também vão de mal a pior: a recessão pode chegar a menos 2% do PIB brasileiro neste ano, a inflação rondará os 9%, e o desemprego superará 10% da população que trabalha.
Dilma tenta criar uma agenda positiva. Sua grande cartada para reverter as expectativas negativas dos investidores será o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no próximo dia 29, mas a realidade é cruel. O ajuste fiscal é meia-boca, pouco pode se fazer quanto isso, por causa da fraqueza do governo, que não tem como bancar a meta de superavit fiscal.
E tem a Operação Lava Jato, que parece um trem fantasma, no qual Dilma leva um susto a cada estação por causa do envolvimento do PT. É uma variável completamente fora de controle do Palácio do Planalto. Dilma pedala num terreno pedregoso, à beira de um precipício.
Correio Braziliense - 23/06/2015
A boataria de domingo preocupou os meios políticos porque a semana que passou foi um desastre para o governo. Culminou com uma pesquisa de opinião na qual Dilma amarga os piores índices de aprovação
A presidente Dilma Rousseff deu uma demonstração de que tudo vai muito bem, obrigado, com ela: ontem, saiu bem cedo para mais uma de suas pedaladas nas imediações do Palácio da Alvorada. Não confundir com as “pedaladas fiscais”, que continuaram no primeiro trimestre deste ano, apesar das advertências do Tribunal de Contas da União (TCU) de que são uma ilegalidade.
A volta de bicicleta seria uma resposta suficiente para a onda de boatos que inundou as redes sociais e agitou os bastidores da política nacional no domingo. Com duas versões fantasiosas, uma de que a presidente da República havia renunciado e outra de que tentara o suicídio com consumo de remédios. A imprensa ignorou o boato, mas Dilma não se deu por satisfeita e resolveu comentar o assunto publicamente pela manhã.
Foi ao final da cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar: “Eu vim falar com vocês hoje, apesar de não ter tempo. Disseram há pouco que havia um boato de que eu estava internada. Vocês acham que eu estava?”, indagou a presidente. Em seguida, sorriu e mandou um beijo para os jornalistas. Na sequência, deixou o recinto e se dirigiu para o gabinete.
Tem alguma coisa de estranha no comportamento da presidente da República. A bicicleta é um veículo que, simplesmente, não para em pé sozinho. Seu equilíbrio somente é alcançado quando está em movimento. A regra para aprender a andar de bicicleta é “olhe para frente e não para o chão”. As crianças aprendem a andar de bicicleta, andando. Algumas coisas também são assim, para que aconteçam é preciso que o processo esteja em pleno funcionamento.
Os mestres em administração de empresas gostam do exemplo para discutir mudanças em uma organização. A empresa não vai parar, absorver a mudança e reiniciar a operação. Ela precisa ser implementada com os negócios fluindo e as pessoas trabalhando. É mais ou menos o que precisa ser feito pelo atual governo, mas parece que Dilma resolveu levar o princípio da bicicleta ao pé da letra. É mais fácil andar de bike.
Terreno pedregoso
A boataria de domingo preocupou os meios políticos porque a semana que passou foi um desastre para o governo. Culminou com uma pesquisa de opinião que confirmou o que todo mundo já sabia: Dilma amarga os piores índices de aprovação de um presidente da República desde a campanha do impeachment contra Collor de Mello, que o levou à renúncia. No sábado à noite, acompanhada do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Dilma compareceu ao casamento da filha do líder do PMDB, Eunício de Oliveira (CE), uma festa que reuniu toda a corte de Brasília.
O vestido da noiva não era o assunto mais comentado. Só se falava da pesquisa DataFolha, na qual Dilma tinha 10% de bom e ótimo, 24% de regular e 65% de ruim e péssimo, e das declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o prestígio de Dilma estava igual ao “volume morto” da Cantareira. E da prisão do presidente da Odebrecht. Marcelo Odebrecht, que ameaçara implodir a República. Os mais gaiatos comparavam a festa de casamento ao baile da Ilha Fiscal, o último grande evento do Império.
O vice-presidente Michel Temer deixou a festa junto com Dilma Rousseff. Passara o sábado preocupado com situação política do país, segundo revelou a correligionários. A semana havia começado com a expectativa de rejeição das contas do governo de 2014 pelo Tribunal de Contas da União.
Na Câmara, a aprovação da revisão da desoneração da folha de pagamento para alguns setores da economia foi novamente adiada. Os números da economia também vão de mal a pior: a recessão pode chegar a menos 2% do PIB brasileiro neste ano, a inflação rondará os 9%, e o desemprego superará 10% da população que trabalha.
Dilma tenta criar uma agenda positiva. Sua grande cartada para reverter as expectativas negativas dos investidores será o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no próximo dia 29, mas a realidade é cruel. O ajuste fiscal é meia-boca, pouco pode se fazer quanto isso, por causa da fraqueza do governo, que não tem como bancar a meta de superavit fiscal.
E tem a Operação Lava Jato, que parece um trem fantasma, no qual Dilma leva um susto a cada estação por causa do envolvimento do PT. É uma variável completamente fora de controle do Palácio do Planalto. Dilma pedala num terreno pedregoso, à beira de um precipício.
domingo, 21 de junho de 2015
Todos os homens são mortais
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/06/2015
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais ou menos na situação do personagem de Simone de Beauvoir. Dono de imenso carisma, parece imortal, mas começa a colecionar cadáveres ao redor
A escritora francesa Simone de Beauvoir, esposa do filósofo Jean-Paul Sartre, na obra da qual tomo emprestado o título, conta a história de Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279, que bebe o remédio da imortalidade para salvar seu reino ameaçado pelos genoveses. Ao contrário do que ele imaginava, porém, se torna um “amaldiçoado” sobre a terra, condenado a viver para todo o sempre. Nosso personagem, que no final do ano passado foi lembrado aqui na coluna, surge no romance pelos olhos de Regine.
Fosca queria fazer algo importante para a humanidade e temia não ter o tempo necessário: “Morrerão todos e Carmona será salva. E então eu morrerei, e a cidade cairá nas mãos dos florentinos ou de Milão. Terei salvo Carmona e nada terei feito”. Diante desse dilema, bebe a fórmula mágica oferecida por um pobre homem que seria executado. Na condição de imortal, torna-se inflexível e capaz de tudo para alcançar o seu objetivo: “Com a condição de que o mal seja útil”. É intolerante e insensível perante as efêmeras existências alheias: “O que era uma vida?”.
Esse sentimento de ser soberano e deus na terra o acompanha por muitos séculos. Mas não apenas os inimigos sucumbem, o mesmo acontece com os seres queridos, que sacrifica por um fim inexistente. Sua visão de mortal, com o passar do tempo, perde totalmente o sentido. Fosca não vive as emoções de Marianne, sua grande paixão, não vive também as conquistas e vitórias dos demais, como as de Armand, de Garnier, de Laure, e de todo o povo e a humanidade. Vê as pessoas de forma muito prática: cumpria-lhe decidir!
Mesmo depois de ter o filho Antônio morto numa guerra sem sentido, como todas as outras, Fosca acredita que a sua felicidade está em dominar o mundo. Esse desejo o faz guerrear por muito tempo, até que chega à conclusão de que lutar não serve para nada, e que não existe vitória, para um ser imortal. Um monge lhe diz: “Acredita ter realizado grandes coisas, e o que fez não é nada”. Fosca, então, indaga sobre o próprio passado: “Útil a quem? A quê?” E chega à conclusão derradeira: “Eis o império que destruímos, o império que eu desejava estabelecer sobre a terra (...)”.
Senhor do tempo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais ou menos na situação do personagem de Simone de Beauvoir. Dono de imenso carisma, parece imortal, mas começa a colecionar cadáveres ao redor. Sobrevive ao fracasso e aos reveses alheios, mas está cada vez mais só. O modelo econômico que acreditava ser capaz de transformar o Brasil numa potência, enquanto o mundo afundava, resultou num grande fracasso e desmoralizou o “desenvolvimentismo” petista. As alianças políticas que teceu com engenho e arte voltam-se contra seu partido e operam uma guinada conservadora. A presidente Dilma Rousseff amarga os mais baixos índices de popularidade e não consegue sair da defensiva. Os empresários amigos estão na cadeia, a mesma pela qual já passaram companheiros históricos que o levaram ao poder e executivos que promoveu na empresa símbolo do orgulho nacional.
Parece que não restará outra alternativa para Lula a não ser acreditar na própria imortalidade e antecipar sua candidatura a presidente da República em 2018. Seria uma maneira de manter o PT unido, conter a debandada dos aliados que querem abandonar o governo, pôr a oposição de joelhos novamente. Mas o que pode um senhor da guerra diante da destruição e dos sacrifícios que impõe ao seu próprio povo? É aí que a dúvida de Fosca passa a ser um drama existencial.
Lula era senhor do tempo e da razão, mas a Operação Lava-Jato é como um trem parador da Central do Brasil que precisa chegar a Japeri. Mudou o cronograma político do país. Por mais que o Palácio do Planalto tente construir uma agenda positiva para a presidente Dilma Rousseff; e por mais que os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), lancem o Congresso num grande ativismo legislativo, a investigação sobre o escândalo de corrupção na Petrobras tem seu próprio ritmo e comove a vida nacional. Tanto a crise política como a crise econômica estão vinculadas à espantosa crise ética que se abateu sobre a República. Em nome da governabilidade e da estabilidade econômica, tudo se faz para conter o escândalo aos limites de conveniência do status quo, mas a mesma sociedade que sofre as consequências de tudo isso quer ver o caso passado a limpo, doa a quem doer.
Correio Braziliense - 21/06/2015
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais ou menos na situação do personagem de Simone de Beauvoir. Dono de imenso carisma, parece imortal, mas começa a colecionar cadáveres ao redor
A escritora francesa Simone de Beauvoir, esposa do filósofo Jean-Paul Sartre, na obra da qual tomo emprestado o título, conta a história de Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279, que bebe o remédio da imortalidade para salvar seu reino ameaçado pelos genoveses. Ao contrário do que ele imaginava, porém, se torna um “amaldiçoado” sobre a terra, condenado a viver para todo o sempre. Nosso personagem, que no final do ano passado foi lembrado aqui na coluna, surge no romance pelos olhos de Regine.
Fosca queria fazer algo importante para a humanidade e temia não ter o tempo necessário: “Morrerão todos e Carmona será salva. E então eu morrerei, e a cidade cairá nas mãos dos florentinos ou de Milão. Terei salvo Carmona e nada terei feito”. Diante desse dilema, bebe a fórmula mágica oferecida por um pobre homem que seria executado. Na condição de imortal, torna-se inflexível e capaz de tudo para alcançar o seu objetivo: “Com a condição de que o mal seja útil”. É intolerante e insensível perante as efêmeras existências alheias: “O que era uma vida?”.
Esse sentimento de ser soberano e deus na terra o acompanha por muitos séculos. Mas não apenas os inimigos sucumbem, o mesmo acontece com os seres queridos, que sacrifica por um fim inexistente. Sua visão de mortal, com o passar do tempo, perde totalmente o sentido. Fosca não vive as emoções de Marianne, sua grande paixão, não vive também as conquistas e vitórias dos demais, como as de Armand, de Garnier, de Laure, e de todo o povo e a humanidade. Vê as pessoas de forma muito prática: cumpria-lhe decidir!
Mesmo depois de ter o filho Antônio morto numa guerra sem sentido, como todas as outras, Fosca acredita que a sua felicidade está em dominar o mundo. Esse desejo o faz guerrear por muito tempo, até que chega à conclusão de que lutar não serve para nada, e que não existe vitória, para um ser imortal. Um monge lhe diz: “Acredita ter realizado grandes coisas, e o que fez não é nada”. Fosca, então, indaga sobre o próprio passado: “Útil a quem? A quê?” E chega à conclusão derradeira: “Eis o império que destruímos, o império que eu desejava estabelecer sobre a terra (...)”.
Senhor do tempo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais ou menos na situação do personagem de Simone de Beauvoir. Dono de imenso carisma, parece imortal, mas começa a colecionar cadáveres ao redor. Sobrevive ao fracasso e aos reveses alheios, mas está cada vez mais só. O modelo econômico que acreditava ser capaz de transformar o Brasil numa potência, enquanto o mundo afundava, resultou num grande fracasso e desmoralizou o “desenvolvimentismo” petista. As alianças políticas que teceu com engenho e arte voltam-se contra seu partido e operam uma guinada conservadora. A presidente Dilma Rousseff amarga os mais baixos índices de popularidade e não consegue sair da defensiva. Os empresários amigos estão na cadeia, a mesma pela qual já passaram companheiros históricos que o levaram ao poder e executivos que promoveu na empresa símbolo do orgulho nacional.
Parece que não restará outra alternativa para Lula a não ser acreditar na própria imortalidade e antecipar sua candidatura a presidente da República em 2018. Seria uma maneira de manter o PT unido, conter a debandada dos aliados que querem abandonar o governo, pôr a oposição de joelhos novamente. Mas o que pode um senhor da guerra diante da destruição e dos sacrifícios que impõe ao seu próprio povo? É aí que a dúvida de Fosca passa a ser um drama existencial.
Lula era senhor do tempo e da razão, mas a Operação Lava-Jato é como um trem parador da Central do Brasil que precisa chegar a Japeri. Mudou o cronograma político do país. Por mais que o Palácio do Planalto tente construir uma agenda positiva para a presidente Dilma Rousseff; e por mais que os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), lancem o Congresso num grande ativismo legislativo, a investigação sobre o escândalo de corrupção na Petrobras tem seu próprio ritmo e comove a vida nacional. Tanto a crise política como a crise econômica estão vinculadas à espantosa crise ética que se abateu sobre a República. Em nome da governabilidade e da estabilidade econômica, tudo se faz para conter o escândalo aos limites de conveniência do status quo, mas a mesma sociedade que sofre as consequências de tudo isso quer ver o caso passado a limpo, doa a quem doer.
quinta-feira, 18 de junho de 2015
O tombo da bicicleta
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Cotrreio Braziliense - 18/06/2015
Dificilmente o governo conseguirá explicar o que não tem explicação, a não ser como evidente abuso de poder econômico na campanha eleitoral
A presidente Dilma Rousseff recebeu prazo de 30 dias do Tribunal de Contas da União (TCU) para explicar o que andou fazendo de errado como gestora dos recursos públicos no ano da reeleição, uma decisão unânime e inédita da Corte, que põe na berlinda a chefe do Executivo. Em seu parecer, o presidente do TCU, o ministro Augusto Nardes, relata que técnicos do TCU indicaram 31 “achados”, ou irregularidades, nas contas de Dilma, dos quais o tribunal pretende pedir esclarecimentos de 13, número cabalístico para os petistas, diretamente à Dilma. À luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, cometeu “crime de responsabilidade”. Como se sabe, esse é um dos motivos previstos na Constituição para o impeachment do presidente da República.
Dilma se elegeu graças às “pedaladas fiscais” feitas pelo governo durante o ano passado, deduz-se das contas da União. Algumas são flagrantes violações da legislação vigente: omissão de dívidas da União com o Banco do Brasil, BNDES e FGTS nas estatísticas da dívida pública de 2014; adiantamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal à União para despesas dos programas Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial nos exercícios de 2013 e 2014; adiantamentos concedidos pelo FGTS à União para despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida nos exercícios de 2010 a 2014; adiantamentos concedidos pelo BNDES à União para despesas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) nos exercícios de 2010 a 2014; pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem a devida autorização orçamentária no exercício de 2014.
Estatais também gastaram mais do estava previsto no Orçamento de Investimento. Entre elas, a Telebrás; a Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE) e Furnas-Centrais Elétricas S.A, que executaram recursos acima do limite autorizado para a fonte de financiamento, sejam recursos próprios, recursos para aumento do patrimônio líquido e operações de crédito. Três estatais ultrapassaram o limite global de dotação, considerando a soma de todas as fontes de financiamento. São elas: Araucária Nitrogenados S.A., Energética Camaçari Muricy I S.A. (ECM I) e Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE).
Além disso, a União deixou de cortar despesas conforme previsto no Decreto 8.367/2014. A economia deveria ter sido de pelo menos R$ 28,54 bilhões. Outra denúncia grave é a acusação de que o governo liberou recursos (na execução orçamentária de 2014) para influir na votação do PLN 36/2014, que mudou a meta fiscal prevista para o ano passado, exatamente para impedir que Dilma fosse enquadrada em crime de responsabilidade antes da posse. Com as contas no vermelho, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para reduzir a meta de superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública), que passou de R$ 116 bilhões para R$ 10,1 bilhões.
Manobras
Também foi feita uma inscrição irregular em restos a pagar (os valores já empenhados de anos anteriores e que não foram executados) de R$ 1,367 bilhão no programa Minha Casa, Minha Vida no exercício de 2014 e houve omissão de pagamentos da União para o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS nas estatísticas dos resultados fiscais de 2014. Ou seja, as “pedaladas fiscais” foram feitas para fraudar os resultados do superávit primário naquele ano. Além disso, o TCU critica também a existência de distorções em parte significativa das informações sobre indicadores e metas previstos no Plano Plurianual 2012-2015. Durma-se com o barulho.
Tradicionalmente, os ministros do TCU lidam com esses assuntos de forma política, mas desta vez os erros e maquiagens na prestação de contas são tão grosseiros que não dá para simplesmente ignorar o relatório técnico e o pedido de rejeição das contas feito pelo procurador da República Júlio Cesar de Marcelo. A decisão de ontem, convocando Dilma a se explicar, foi salomônica, mas nem por isso menos desmoralizante. Dificilmente o governo conseguirá explicar o que não tem explicação, a não ser como evidente abuso de poder econômico na campanha eleitoral.
Se as contas serão rejeitadas ou não pelo TCU é outra história. Caso fossem votadas ontem, com certeza, o seriam; depois das explicações, é melhor deixar acontecer do que tentar adivinhar a nova posição dos ministros. O fato é que Dilma novamente tornou-se refém do PMDB, que comanda o Senado e a Câmara. Suas relações com os presidentes das duas Casas, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vão de mal a pior. As contas precisam ser aprovadas pelo Congresso, o que não acontece desde 2002, mas não existem precedentes de o TCU tê-las previamente rejeitado. É aí que o tombo da bicicleta pode resultar numa tremenda crise política.
Cotrreio Braziliense - 18/06/2015
Dificilmente o governo conseguirá explicar o que não tem explicação, a não ser como evidente abuso de poder econômico na campanha eleitoral
A presidente Dilma Rousseff recebeu prazo de 30 dias do Tribunal de Contas da União (TCU) para explicar o que andou fazendo de errado como gestora dos recursos públicos no ano da reeleição, uma decisão unânime e inédita da Corte, que põe na berlinda a chefe do Executivo. Em seu parecer, o presidente do TCU, o ministro Augusto Nardes, relata que técnicos do TCU indicaram 31 “achados”, ou irregularidades, nas contas de Dilma, dos quais o tribunal pretende pedir esclarecimentos de 13, número cabalístico para os petistas, diretamente à Dilma. À luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, cometeu “crime de responsabilidade”. Como se sabe, esse é um dos motivos previstos na Constituição para o impeachment do presidente da República.
Dilma se elegeu graças às “pedaladas fiscais” feitas pelo governo durante o ano passado, deduz-se das contas da União. Algumas são flagrantes violações da legislação vigente: omissão de dívidas da União com o Banco do Brasil, BNDES e FGTS nas estatísticas da dívida pública de 2014; adiantamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal à União para despesas dos programas Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial nos exercícios de 2013 e 2014; adiantamentos concedidos pelo FGTS à União para despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida nos exercícios de 2010 a 2014; adiantamentos concedidos pelo BNDES à União para despesas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) nos exercícios de 2010 a 2014; pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem a devida autorização orçamentária no exercício de 2014.
Estatais também gastaram mais do estava previsto no Orçamento de Investimento. Entre elas, a Telebrás; a Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE) e Furnas-Centrais Elétricas S.A, que executaram recursos acima do limite autorizado para a fonte de financiamento, sejam recursos próprios, recursos para aumento do patrimônio líquido e operações de crédito. Três estatais ultrapassaram o limite global de dotação, considerando a soma de todas as fontes de financiamento. São elas: Araucária Nitrogenados S.A., Energética Camaçari Muricy I S.A. (ECM I) e Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE).
Além disso, a União deixou de cortar despesas conforme previsto no Decreto 8.367/2014. A economia deveria ter sido de pelo menos R$ 28,54 bilhões. Outra denúncia grave é a acusação de que o governo liberou recursos (na execução orçamentária de 2014) para influir na votação do PLN 36/2014, que mudou a meta fiscal prevista para o ano passado, exatamente para impedir que Dilma fosse enquadrada em crime de responsabilidade antes da posse. Com as contas no vermelho, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para reduzir a meta de superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública), que passou de R$ 116 bilhões para R$ 10,1 bilhões.
Manobras
Também foi feita uma inscrição irregular em restos a pagar (os valores já empenhados de anos anteriores e que não foram executados) de R$ 1,367 bilhão no programa Minha Casa, Minha Vida no exercício de 2014 e houve omissão de pagamentos da União para o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS nas estatísticas dos resultados fiscais de 2014. Ou seja, as “pedaladas fiscais” foram feitas para fraudar os resultados do superávit primário naquele ano. Além disso, o TCU critica também a existência de distorções em parte significativa das informações sobre indicadores e metas previstos no Plano Plurianual 2012-2015. Durma-se com o barulho.
Tradicionalmente, os ministros do TCU lidam com esses assuntos de forma política, mas desta vez os erros e maquiagens na prestação de contas são tão grosseiros que não dá para simplesmente ignorar o relatório técnico e o pedido de rejeição das contas feito pelo procurador da República Júlio Cesar de Marcelo. A decisão de ontem, convocando Dilma a se explicar, foi salomônica, mas nem por isso menos desmoralizante. Dificilmente o governo conseguirá explicar o que não tem explicação, a não ser como evidente abuso de poder econômico na campanha eleitoral.
Se as contas serão rejeitadas ou não pelo TCU é outra história. Caso fossem votadas ontem, com certeza, o seriam; depois das explicações, é melhor deixar acontecer do que tentar adivinhar a nova posição dos ministros. O fato é que Dilma novamente tornou-se refém do PMDB, que comanda o Senado e a Câmara. Suas relações com os presidentes das duas Casas, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vão de mal a pior. As contas precisam ser aprovadas pelo Congresso, o que não acontece desde 2002, mas não existem precedentes de o TCU tê-las previamente rejeitado. É aí que o tombo da bicicleta pode resultar numa tremenda crise política.
quarta-feira, 17 de junho de 2015
Maioridade penal
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/062015
O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade
Ao criticar a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou os presídios do país como “verdadeiras escolas do crime”. Durante audiência pública na Câmara, argumentou que não é razoável colocar adolescentes dentro de penitenciárias com criminosos experientes, que, de acordo com o ministro, comandam das cadeias boa parte da violência registrada no Brasil.
O tema está na ordem do dia porque tramita na Casa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz para 16 anos a idade mínima para responsabilização criminal. O texto está sob análise de uma comissão especial e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pretende pô-la em votação até o fim de junho.
“Boa parte da violência que temos na nossa sociedade, dos crimes, das drogas, das situações que atingem profundamente nossa vida cotidiana e aterrorizam o cidadão, é comandada de dentro dos presídios. Ora, o que vamos fazer, então? Colocar adolescentes dentro dos presídios para serem capturados por essas organizações criminosas?”, indagou.
A declaração reflete uma opinião sincera de advogado militante em defesa dos direitos humanos; porém, o governo federal subinveste na construção de presídios, na recuperação de menores infratores e na proteção às crianças e adolescentes em situação de risco.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 716 mil detentos, perde apenas para os Estados Unidos (2,2 milhões) e a China (1,7 milhão), dois exemplos que complicam as análises simplistas de que o problema seria apenas decorrência da pobreza (o primeiro é o país mais rico do mundo) ou falta de controle de natalidade (a China proíbe aos casais de terem mais de um filho há décadas).
Os criminalistas contrários à mudança argumentam que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não houve redução da violência. Alemanha e Espanha chegaram a fazê-lo, porém, diante dos resultados, voltaram ao universo dos países que estabeleceram a idade mínima em 18 anos, que são 70% das nações.
Talvez seja melhor fechar o foco na relação entre a violência e a criminalidade. O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade. É uma reação natural da sociedade quando o Estado perde o monopólio da violência.
A violência
No Brasil, a violência historicamente faz parte do cotidiano, embora o mito do “homem cordial” mascare essa dura realidade. Essa violência decorre em parte de nossa histórica iniquidade social, como demonstrou Euclides da Cunha ao retratar os jagunços de Antônio Conselheiro (Os Sertões). Basta ler o livro-reportagem Abusado — o dono do Morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcelos, para ver como o ser humano raçudo dos cafundós do Brasil migrou para as favelas dos nossos grandes centros urbanos, mas continuou abandonado à própria sorte.
Nesse ambiente, o crime organizado explora três condições favoráveis: uma base territorial com topografia adequada, uma fonte permanente de financiamento (o tráfico de drogas) e uma base social consolidada, na qual crianças e adolescentes são recrutados. Os números demonstram a gravidade do problema: somos o 6º país com mais mortes de crianças e adolescentes a cada 100 mil habitantes, na mesma faixa etária, com 17 mortes, atrás de El Salvador (27), Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18).
Contra 2,9 mil que cometeram algum crime contra a pessoa, há 11 mil assassinatos de jovens por ano (2012), ou seja, 30 crianças assassinadas por dia. Nossos jovens em situação de risco — a maioria formada por negros, pardos e mulatos — são mais vítimas do que infratores.
Crimes de grande repercussão, como o brutal assassinato de um médico a facadas por jovens delinquentes, quando andava de bicicleta na Lagoa, no Rio de Janeiro, chocam a opinião pública e, muito justamente, incendeiam o debate sobre a maioridade penal, mas as estatísticas mostram que apenas 13,3% dos adolescentes presos cometeram algum crime contra as pessoas, sendo 9% por homicídio. A esmagadora maioria cumpre pena por roubo (38%) e tráfico de drogas (27,1%).
Se as autoridades reconhecem que a criminalidade é comandada dos presídios, é preciso atuar nas duas pontas: de um lado, evitar que crianças e adolescentes em situação de risco sejam atraídas pelas organizações criminosas; de outro, criar condições para que a maioria dos jovens infratores em regime interno, semi-interno ou de liberdade assistida tenham condições efetivas de recuperação. Mas o que acontece não é isso.
Correio Braziliense - 17/062015
O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade
Ao criticar a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou os presídios do país como “verdadeiras escolas do crime”. Durante audiência pública na Câmara, argumentou que não é razoável colocar adolescentes dentro de penitenciárias com criminosos experientes, que, de acordo com o ministro, comandam das cadeias boa parte da violência registrada no Brasil.
O tema está na ordem do dia porque tramita na Casa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz para 16 anos a idade mínima para responsabilização criminal. O texto está sob análise de uma comissão especial e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pretende pô-la em votação até o fim de junho.
“Boa parte da violência que temos na nossa sociedade, dos crimes, das drogas, das situações que atingem profundamente nossa vida cotidiana e aterrorizam o cidadão, é comandada de dentro dos presídios. Ora, o que vamos fazer, então? Colocar adolescentes dentro dos presídios para serem capturados por essas organizações criminosas?”, indagou.
A declaração reflete uma opinião sincera de advogado militante em defesa dos direitos humanos; porém, o governo federal subinveste na construção de presídios, na recuperação de menores infratores e na proteção às crianças e adolescentes em situação de risco.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 716 mil detentos, perde apenas para os Estados Unidos (2,2 milhões) e a China (1,7 milhão), dois exemplos que complicam as análises simplistas de que o problema seria apenas decorrência da pobreza (o primeiro é o país mais rico do mundo) ou falta de controle de natalidade (a China proíbe aos casais de terem mais de um filho há décadas).
Os criminalistas contrários à mudança argumentam que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não houve redução da violência. Alemanha e Espanha chegaram a fazê-lo, porém, diante dos resultados, voltaram ao universo dos países que estabeleceram a idade mínima em 18 anos, que são 70% das nações.
Talvez seja melhor fechar o foco na relação entre a violência e a criminalidade. O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade. É uma reação natural da sociedade quando o Estado perde o monopólio da violência.
A violência
No Brasil, a violência historicamente faz parte do cotidiano, embora o mito do “homem cordial” mascare essa dura realidade. Essa violência decorre em parte de nossa histórica iniquidade social, como demonstrou Euclides da Cunha ao retratar os jagunços de Antônio Conselheiro (Os Sertões). Basta ler o livro-reportagem Abusado — o dono do Morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcelos, para ver como o ser humano raçudo dos cafundós do Brasil migrou para as favelas dos nossos grandes centros urbanos, mas continuou abandonado à própria sorte.
Nesse ambiente, o crime organizado explora três condições favoráveis: uma base territorial com topografia adequada, uma fonte permanente de financiamento (o tráfico de drogas) e uma base social consolidada, na qual crianças e adolescentes são recrutados. Os números demonstram a gravidade do problema: somos o 6º país com mais mortes de crianças e adolescentes a cada 100 mil habitantes, na mesma faixa etária, com 17 mortes, atrás de El Salvador (27), Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18).
Contra 2,9 mil que cometeram algum crime contra a pessoa, há 11 mil assassinatos de jovens por ano (2012), ou seja, 30 crianças assassinadas por dia. Nossos jovens em situação de risco — a maioria formada por negros, pardos e mulatos — são mais vítimas do que infratores.
Crimes de grande repercussão, como o brutal assassinato de um médico a facadas por jovens delinquentes, quando andava de bicicleta na Lagoa, no Rio de Janeiro, chocam a opinião pública e, muito justamente, incendeiam o debate sobre a maioridade penal, mas as estatísticas mostram que apenas 13,3% dos adolescentes presos cometeram algum crime contra as pessoas, sendo 9% por homicídio. A esmagadora maioria cumpre pena por roubo (38%) e tráfico de drogas (27,1%).
Se as autoridades reconhecem que a criminalidade é comandada dos presídios, é preciso atuar nas duas pontas: de um lado, evitar que crianças e adolescentes em situação de risco sejam atraídas pelas organizações criminosas; de outro, criar condições para que a maioria dos jovens infratores em regime interno, semi-interno ou de liberdade assistida tenham condições efetivas de recuperação. Mas o que acontece não é isso.
terça-feira, 16 de junho de 2015
Vetar ou não vetar
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/06/2015
No Palácio do Planalto, o temor é que o veto seja derrubado pelo Congresso, onde o senador Paulo Paim (PT-RS) articula um movimento contra o fator previdenciário, envolvendo governistas como ele e a oposição. Está disposto a deixar seu próprio partido pela causa
A presidente Dilma Rousseff não dorme desde o Congresso do PT. Conseguiu conter as críticas públicas dos correligionários ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas não evitou a encruzilhada em que se encontra: seguir o rumo pretendido pela legenda ou a direção que escolheu para combater a crise. O ajuste fiscal, sempre ele, sinaliza na direção do combate à inflação e ao déficit público, mas a militância petista reivindica o combate ao desemprego e a manutenção dos direitos sociais e trabalhistas. A escolha foi adiada no congresso, mas Dilma tem 24 horas para decidir o rumo a tomar. Ou melhor, se veta ou não o fim do fator previdenciário, uma espécie de fronteira entre o ajuste ou o desajuste, do ponto de vista da equipe econômica.
O risco de sancionar a lei que permite aos brasileiros se aposentarem com o valor integral do benefício pela chamada fórmula 85/95 (soma da idade e do tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente, uma velha reivindicação dos aposentados e do movimento sindical), segundo os técnicos do Ministério da Previdência, é gerar um gasto extra para a Previdência estimado em R$ 3,2 bilhões em 2060. A fórmula aprovada pelo Congresso é uma excelente alternativa para os trabalhadores que estão prestes a se aposentar, mas representaria um desastre para s gerações futuras, segundo o ministro da Previdência, Carlos Gabas.
No Palácio do Planalto, o temor é que o veto seja derrubado pelo Congresso, onde o senador Paulo Paim (PT-RS) articula um movimento contra o fator previdenciário, envolvendo governistas como ele e a oposição. Está disposto a deixar seu próprio partido pela causa. Diante disso, o cálculo é saber se Dilma ganha mais jogando para a arquibancada ou com a derrota política. Domou os insatisfeitos com o ajuste no congresso do PT, mas não conseguiu enquadrar os sindicalistas da CUT, que estão perdendo suas bases sindicais para outras centrais e partidos de esquerda radical, como o PSol e o PSTU.
O presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, por exemplo, faz aberta oposição ao ajuste. Condicionou o apoio da central ao governo: “A presidente precisa fazer duas coisas importantes para ter o apoio que ela solicitou da área petista do movimento sindical. Vetar o PL 4330 (projeto de lei da terceirização) e sancionar o 85/95. Com estas duas medidas, ela vai ter nosso apoio irrestrito”, disse. Vagner ainda sonha com aumentos do salário real, mesmo numa situação em que os trabalhadores estão acuados pelo desemprego. “Os trabalhadores não podem dar apoio a uma política econômica em que eles não têm aumento de salário”, afirmou.
Responsabilidade
Mas as agruras de Dilma não param nisso. Amanhã, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgará as contas de 2014. Não há precedentes de rejeição de contas de um presidente da República, porém, desta vez o risco existe porque os ministros estão divididos quanto ao assunto. O “xis” da questão é a legalidade das chamadas “pedaladas fiscais”, as manobras feitas por Dilma durante o ano passado para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal e vencer as eleições gastando mais do que o governo arrecada. A decisão do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, que só vota para desempatar, pode pôr a presidente na berlinda, pois a caracterização de crime de responsabilidade repõe na pauta do Congresso uma palavra maldita: o impeachment.
As consequências do oba-oba eleitoral do ano passado, porém, são generalizadas. Em 22 das 27 unidades da Federação, a despesa com funcionalismo já é maior do que 44,1% da receita líquida, um dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, em consequência da queda na arrecadação e do aumento na folha salarial. Mato Grosso, Tocantins, Rio Grande do Norte e Alagoas ultrapassaram, no fim de abril, o limite máximo de gastos com funcionalismo estabelecido pela lei (49% da receita corrente líquida). Mais 18 estados estão próximos desse teto. Ou seja, a maioria dos governadores corre risco de inelegibilidade ou cassação por causa do déficit nas contas públicas. Como isso dificilmente ocorrerá, o faz de conta de Dilma no ano passado pode se generalizar neste ano, estendendo-se não só aos estados como também às prefeituras.
Correio Braziliense - 16/06/2015
No Palácio do Planalto, o temor é que o veto seja derrubado pelo Congresso, onde o senador Paulo Paim (PT-RS) articula um movimento contra o fator previdenciário, envolvendo governistas como ele e a oposição. Está disposto a deixar seu próprio partido pela causa
A presidente Dilma Rousseff não dorme desde o Congresso do PT. Conseguiu conter as críticas públicas dos correligionários ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas não evitou a encruzilhada em que se encontra: seguir o rumo pretendido pela legenda ou a direção que escolheu para combater a crise. O ajuste fiscal, sempre ele, sinaliza na direção do combate à inflação e ao déficit público, mas a militância petista reivindica o combate ao desemprego e a manutenção dos direitos sociais e trabalhistas. A escolha foi adiada no congresso, mas Dilma tem 24 horas para decidir o rumo a tomar. Ou melhor, se veta ou não o fim do fator previdenciário, uma espécie de fronteira entre o ajuste ou o desajuste, do ponto de vista da equipe econômica.
O risco de sancionar a lei que permite aos brasileiros se aposentarem com o valor integral do benefício pela chamada fórmula 85/95 (soma da idade e do tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente, uma velha reivindicação dos aposentados e do movimento sindical), segundo os técnicos do Ministério da Previdência, é gerar um gasto extra para a Previdência estimado em R$ 3,2 bilhões em 2060. A fórmula aprovada pelo Congresso é uma excelente alternativa para os trabalhadores que estão prestes a se aposentar, mas representaria um desastre para s gerações futuras, segundo o ministro da Previdência, Carlos Gabas.
No Palácio do Planalto, o temor é que o veto seja derrubado pelo Congresso, onde o senador Paulo Paim (PT-RS) articula um movimento contra o fator previdenciário, envolvendo governistas como ele e a oposição. Está disposto a deixar seu próprio partido pela causa. Diante disso, o cálculo é saber se Dilma ganha mais jogando para a arquibancada ou com a derrota política. Domou os insatisfeitos com o ajuste no congresso do PT, mas não conseguiu enquadrar os sindicalistas da CUT, que estão perdendo suas bases sindicais para outras centrais e partidos de esquerda radical, como o PSol e o PSTU.
O presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, por exemplo, faz aberta oposição ao ajuste. Condicionou o apoio da central ao governo: “A presidente precisa fazer duas coisas importantes para ter o apoio que ela solicitou da área petista do movimento sindical. Vetar o PL 4330 (projeto de lei da terceirização) e sancionar o 85/95. Com estas duas medidas, ela vai ter nosso apoio irrestrito”, disse. Vagner ainda sonha com aumentos do salário real, mesmo numa situação em que os trabalhadores estão acuados pelo desemprego. “Os trabalhadores não podem dar apoio a uma política econômica em que eles não têm aumento de salário”, afirmou.
Responsabilidade
Mas as agruras de Dilma não param nisso. Amanhã, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgará as contas de 2014. Não há precedentes de rejeição de contas de um presidente da República, porém, desta vez o risco existe porque os ministros estão divididos quanto ao assunto. O “xis” da questão é a legalidade das chamadas “pedaladas fiscais”, as manobras feitas por Dilma durante o ano passado para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal e vencer as eleições gastando mais do que o governo arrecada. A decisão do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, que só vota para desempatar, pode pôr a presidente na berlinda, pois a caracterização de crime de responsabilidade repõe na pauta do Congresso uma palavra maldita: o impeachment.
As consequências do oba-oba eleitoral do ano passado, porém, são generalizadas. Em 22 das 27 unidades da Federação, a despesa com funcionalismo já é maior do que 44,1% da receita líquida, um dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, em consequência da queda na arrecadação e do aumento na folha salarial. Mato Grosso, Tocantins, Rio Grande do Norte e Alagoas ultrapassaram, no fim de abril, o limite máximo de gastos com funcionalismo estabelecido pela lei (49% da receita corrente líquida). Mais 18 estados estão próximos desse teto. Ou seja, a maioria dos governadores corre risco de inelegibilidade ou cassação por causa do déficit nas contas públicas. Como isso dificilmente ocorrerá, o faz de conta de Dilma no ano passado pode se generalizar neste ano, estendendo-se não só aos estados como também às prefeituras.
domingo, 14 de junho de 2015
Sobre o carisma e a ética
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/06/2015
Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central
Toda a tensão registrada no congresso do PT encerrado ontem, habilmente contornada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gira em torno da permanência da legenda no poder e não em razão da crise ética que se instalou no país, cujo epicentro são as investigações da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo da Petrobras e ameaça levar de roldão o partido e seu principal líder. Nenhuma autocrítica profunda foi feita em relação aos fatos que puseram a legenda à beira do precipício. A estratégia adotada pelo petista foi salvar seu carisma, fonte de sua liderança, e deixar à própria sorte a presidente Dilma Rousseff, que exerce uma liderança de perfil burocrático, castilhista e sofre dramática rejeição desde que assumiu o segundo mandato.
O pensador alemão Max Weber definia, grosso modo, três formas de exercício do poder. O primeiro deles é o carismático, que é exercido pelo “profeta”, pelo “senhor da guerra”, pelo “demagogo” ou “pelo governante plebiscitário”, papéis nos quais Lula se encaixa perfeitamente, dependendo das circunstâncias. Não é o caso da presidente Dilma Rousseff, cujo perfil fica perdido entre o poder “tradicional”, patriarcal, no qual os dominados são totalmente dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões feitas por ele; e o poder “racional-legal”, que se baseia na existência de um estatuto, um processo legal, no qual o cidadão obedece à regra e não à autoridade.
As fronteiras do bem e do mal são mais complexas do que a narrativa petista. Por exemplo, numa ordem democrática, há quem viva “para” a política e aqueles que vivem “da” política, isto é, a veem como meio de enriquecimento. Quem vive por uma causa, porém, segundo Weber, também viveria dela, pois transforma sua ação num fim e, simultaneamente, no meio de vida. Fica muito difícil distinguir aqueles que veem a política como um “bem comum” e os que a praticam como “negócio”, para usar a tradução do jurista italiano Norberto Bobbio. O drama dos militantes e eleitores petistas é que já não conseguem distinguir entre seus dirigentes e representantes quem é quem nessa situação, embora o partido tenha sido construído sob a égide do “bem comum”.
Mas voltemos ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma. Enquanto o primeiro se movimenta com foco no próprio carisma, com objetivo de se manter como alternativa de poder em 2018, a segunda se vê diante da tarefa de administrar o fracasso político-administrativo e a crise ética do PT. Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central.
Toda ação política pode se orientar por uma ou outra, mas isso “não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de convicção”, dizia Weber. A ética da convicção justifica as ações, porém, quando os fins se mostram catastróficos, na política, a responsabilidade não pode ser terceirizada, atribuída à vontade divina, à incompreensão humana, à decadência do mundo... Já não basta pôr a culpa no outro para manter a chama da convicção. Essa é a lógica, porém, que orientou o PT no seu congresso.
No Estado democrático, a ética da responsabilidade se sobrepõe à vontade política. É ela que garante a legitimidade das ações. Esse é o drama da legenda, que não aceitou esse limite em vários momentos, da crise do “mensalão” às “pedaladas fiscais”. A fuga pra frente de Lula, ao se movimentar como candidato a presidente em 2018, não resolve o problema de Dilma. Haja vista, por exemplo, o julgamento das contas do ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que deve ocorrer esta semana. O governo subestimou suas dívidas em R$ 256 bilhões, além de cometer 16 distorções legais. Dilma amarga alta impopularidade, não pode se dar ao luxo de governar pela ética das convicções. Sua sobrevivência depende da ética da responsabilidade no exercício do cargo.
Correio Braziliense - 14/06/2015
Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central
Toda a tensão registrada no congresso do PT encerrado ontem, habilmente contornada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gira em torno da permanência da legenda no poder e não em razão da crise ética que se instalou no país, cujo epicentro são as investigações da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo da Petrobras e ameaça levar de roldão o partido e seu principal líder. Nenhuma autocrítica profunda foi feita em relação aos fatos que puseram a legenda à beira do precipício. A estratégia adotada pelo petista foi salvar seu carisma, fonte de sua liderança, e deixar à própria sorte a presidente Dilma Rousseff, que exerce uma liderança de perfil burocrático, castilhista e sofre dramática rejeição desde que assumiu o segundo mandato.
O pensador alemão Max Weber definia, grosso modo, três formas de exercício do poder. O primeiro deles é o carismático, que é exercido pelo “profeta”, pelo “senhor da guerra”, pelo “demagogo” ou “pelo governante plebiscitário”, papéis nos quais Lula se encaixa perfeitamente, dependendo das circunstâncias. Não é o caso da presidente Dilma Rousseff, cujo perfil fica perdido entre o poder “tradicional”, patriarcal, no qual os dominados são totalmente dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões feitas por ele; e o poder “racional-legal”, que se baseia na existência de um estatuto, um processo legal, no qual o cidadão obedece à regra e não à autoridade.
As fronteiras do bem e do mal são mais complexas do que a narrativa petista. Por exemplo, numa ordem democrática, há quem viva “para” a política e aqueles que vivem “da” política, isto é, a veem como meio de enriquecimento. Quem vive por uma causa, porém, segundo Weber, também viveria dela, pois transforma sua ação num fim e, simultaneamente, no meio de vida. Fica muito difícil distinguir aqueles que veem a política como um “bem comum” e os que a praticam como “negócio”, para usar a tradução do jurista italiano Norberto Bobbio. O drama dos militantes e eleitores petistas é que já não conseguem distinguir entre seus dirigentes e representantes quem é quem nessa situação, embora o partido tenha sido construído sob a égide do “bem comum”.
Mas voltemos ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma. Enquanto o primeiro se movimenta com foco no próprio carisma, com objetivo de se manter como alternativa de poder em 2018, a segunda se vê diante da tarefa de administrar o fracasso político-administrativo e a crise ética do PT. Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central.
Toda ação política pode se orientar por uma ou outra, mas isso “não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de convicção”, dizia Weber. A ética da convicção justifica as ações, porém, quando os fins se mostram catastróficos, na política, a responsabilidade não pode ser terceirizada, atribuída à vontade divina, à incompreensão humana, à decadência do mundo... Já não basta pôr a culpa no outro para manter a chama da convicção. Essa é a lógica, porém, que orientou o PT no seu congresso.
No Estado democrático, a ética da responsabilidade se sobrepõe à vontade política. É ela que garante a legitimidade das ações. Esse é o drama da legenda, que não aceitou esse limite em vários momentos, da crise do “mensalão” às “pedaladas fiscais”. A fuga pra frente de Lula, ao se movimentar como candidato a presidente em 2018, não resolve o problema de Dilma. Haja vista, por exemplo, o julgamento das contas do ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que deve ocorrer esta semana. O governo subestimou suas dívidas em R$ 256 bilhões, além de cometer 16 distorções legais. Dilma amarga alta impopularidade, não pode se dar ao luxo de governar pela ética das convicções. Sua sobrevivência depende da ética da responsabilidade no exercício do cargo.
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Lusco-fusco da crise
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/06/2011
A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue, mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal
O Palácio do Planalto evitou uma derrota acachapante ontem ao adiar a votação da medida provisória que acaba com as desonerações tributárias sobre a folha de pagamentos.
O acordo entre o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PMDB, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), foi providencial, pois um resultado adverso sinalizaria, simultaneamente, a fragilidade do dispositivo parlamentar montado pelo vice-presidente Michel Temer e a dificuldade de o governo levar adiante o ajuste fiscal.
Picciani defende que os setores de transportes, comunicação, tecnologia da informação e produtores de alimentos para a cesta básica mantenham os privilégios tributários. O governo, porém, não quer abrir nenhuma exceção.Trocando em miúdos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quer que as empresas que pagam alíquota de 1% de contribuição previdenciária sobre a receita bruta ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) passem a arcar com 2,5% e os setores que hoje estão na alíquota de 2% passem a contribuir com 4,5%.
Espera arrecadar R$ 12,5 bilhões com a medida, compensando assim os gastos que não conseguiu cortar no Orçamento da União. Assim como o PT resistiu ao ajuste na área social, o PMDB também refuga o apoio na área tributária. Está em sintonia com o forte lobby empresarial capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que foi candidato ao governo de São Paulo pela legenda.
O líder do governo, José Guimarães, não esconde o desejo de que Levy recue e aceite as exceções. Segundo ele, a Fazenda deveria ceder e concordar que o projeto crie exceções e mantenha o benefício para algumas áreas: “Às vezes, se perde um anel do mindinho para não perder os dedos”, disse. Além das exceções, o PMDB deseja que a nova legislação tributária somente entre em vigor em dezembro, enquanto o governo pretende começar a cobrança em 90 dias para cobrir o rombo no caixa. A negociação dessas desonerações é um capítulo à parte do lusco-fusco da crise.
Lento e gradual
A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue ao delegar ao vice-presidente Michel Temer a coordenação política do governo. Mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal, o que gera instabilidade política. O estresse maior ainda está por vir na votação do Orçamento da União de 2016. Para Levy, o Orçamento é o principal instrumento de execução do ajuste fiscal, com uma meta de superavit primário de 1,5%, já antecipada no ano passado. O PT e o PMDB, porém, consideram essa meta inalcançável.
No Senado, os políticos governistas querem reduzir a meta de superavit para algo em torno de 1%, o que será um péssimo sinal para o mercado. O PSDB, que vem se posicionando contra o governo mesmo em questões de mérito que coincidem com suas posições históricas — como foi o caso do fator previdenciário —, negocia um acordo com o PMDB para atenuar a situação de insolvência de governos estaduais e prefeituras.
Também quer impedir o governo federal de criar programas e repasses de encargos a estados e municípios — incluídos os pisos salariais de funcionários públicos —, sem os recursos correspondentes; obrigar o governo federal a reinvestir na área de saneamento básico toda a receita de tributos recolhidos nesse setor; e punir gestores federais responsáveis pelos atrasos nas transferências de recursos do SUS e de fundos de compensação de isenções fiscais concedidas às exportações.
Esse lusco-fusco na aprovação do ajuste pode ser uma grande armadilha para o próprio governo. Um velho princípio da política, enunciado por Nicolau Maquiavel, diz que o mal deve ser feito de uma só vez. Economistas ortodoxos são unânimes em avaliar que quanto mais duro for o choque fiscal aplicado à economia mais rápida será sua recuperação, o que é uma velha receita liberal.
O ajuste fiscal em curso está sendo lento, gradual e o mais suave possível, o que fará com que a recuperação seja mais lenta. A prova disso é que a inflação continua em alta, embora os efeitos da recessão já se façam sentir na redução da atividade industrial e no desemprego, o que provocará nova elevação da taxa de juros. É um jogo que a oposição topou fazer porque aposta no desgaste do governo a longo prazo. O PT também porque imagina que isso salvará sua base social tradicional, embora o governo Dilma continue com altas taxas de desaprovação até o fim do mandato.
Correio Braziliense - 11/06/2011
A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue, mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal
O Palácio do Planalto evitou uma derrota acachapante ontem ao adiar a votação da medida provisória que acaba com as desonerações tributárias sobre a folha de pagamentos.
O acordo entre o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PMDB, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), foi providencial, pois um resultado adverso sinalizaria, simultaneamente, a fragilidade do dispositivo parlamentar montado pelo vice-presidente Michel Temer e a dificuldade de o governo levar adiante o ajuste fiscal.
Picciani defende que os setores de transportes, comunicação, tecnologia da informação e produtores de alimentos para a cesta básica mantenham os privilégios tributários. O governo, porém, não quer abrir nenhuma exceção.Trocando em miúdos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quer que as empresas que pagam alíquota de 1% de contribuição previdenciária sobre a receita bruta ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) passem a arcar com 2,5% e os setores que hoje estão na alíquota de 2% passem a contribuir com 4,5%.
Espera arrecadar R$ 12,5 bilhões com a medida, compensando assim os gastos que não conseguiu cortar no Orçamento da União. Assim como o PT resistiu ao ajuste na área social, o PMDB também refuga o apoio na área tributária. Está em sintonia com o forte lobby empresarial capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que foi candidato ao governo de São Paulo pela legenda.
O líder do governo, José Guimarães, não esconde o desejo de que Levy recue e aceite as exceções. Segundo ele, a Fazenda deveria ceder e concordar que o projeto crie exceções e mantenha o benefício para algumas áreas: “Às vezes, se perde um anel do mindinho para não perder os dedos”, disse. Além das exceções, o PMDB deseja que a nova legislação tributária somente entre em vigor em dezembro, enquanto o governo pretende começar a cobrança em 90 dias para cobrir o rombo no caixa. A negociação dessas desonerações é um capítulo à parte do lusco-fusco da crise.
Lento e gradual
A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue ao delegar ao vice-presidente Michel Temer a coordenação política do governo. Mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal, o que gera instabilidade política. O estresse maior ainda está por vir na votação do Orçamento da União de 2016. Para Levy, o Orçamento é o principal instrumento de execução do ajuste fiscal, com uma meta de superavit primário de 1,5%, já antecipada no ano passado. O PT e o PMDB, porém, consideram essa meta inalcançável.
No Senado, os políticos governistas querem reduzir a meta de superavit para algo em torno de 1%, o que será um péssimo sinal para o mercado. O PSDB, que vem se posicionando contra o governo mesmo em questões de mérito que coincidem com suas posições históricas — como foi o caso do fator previdenciário —, negocia um acordo com o PMDB para atenuar a situação de insolvência de governos estaduais e prefeituras.
Também quer impedir o governo federal de criar programas e repasses de encargos a estados e municípios — incluídos os pisos salariais de funcionários públicos —, sem os recursos correspondentes; obrigar o governo federal a reinvestir na área de saneamento básico toda a receita de tributos recolhidos nesse setor; e punir gestores federais responsáveis pelos atrasos nas transferências de recursos do SUS e de fundos de compensação de isenções fiscais concedidas às exportações.
Esse lusco-fusco na aprovação do ajuste pode ser uma grande armadilha para o próprio governo. Um velho princípio da política, enunciado por Nicolau Maquiavel, diz que o mal deve ser feito de uma só vez. Economistas ortodoxos são unânimes em avaliar que quanto mais duro for o choque fiscal aplicado à economia mais rápida será sua recuperação, o que é uma velha receita liberal.
O ajuste fiscal em curso está sendo lento, gradual e o mais suave possível, o que fará com que a recuperação seja mais lenta. A prova disso é que a inflação continua em alta, embora os efeitos da recessão já se façam sentir na redução da atividade industrial e no desemprego, o que provocará nova elevação da taxa de juros. É um jogo que a oposição topou fazer porque aposta no desgaste do governo a longo prazo. O PT também porque imagina que isso salvará sua base social tradicional, embora o governo Dilma continue com altas taxas de desaprovação até o fim do mandato.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
O PT desarvorado
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/06/2015
Corre o risco de perder a Prefeitura de São Bernardo do Campo, cidade que vive um dos seus piores momentos, pois o ajuste fiscal atingiu em cheio a indústria automobilística, e teme a não reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cuja administração continua com muita rejeição
O PT vai para seu quinto congresso desarvorado, mais até do que no encontro posterior às eleições de 1994, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o favorito disparado para a sucessão de Itamar Franco e acabou perdendo para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), porque permaneceu na oposição e apostou no fracasso do Plano Real.
Qual é a diferença entre uma situação e outra? Àquela época, o PT era contra tudo e contra todos, prometia renovar a política, moralizar a vida pública e mudar o país; hoje, o PT está no poder, mas jogou o país na recessão, a inflação e o desemprego estão de volta, a política parece tomar um rumo conservador e o partido está se afogando no pântano, em meio a escândalos de corrupção.
A cúpula petista se digladia. O atual presidente Rui Falcão nem tem o mesmo carisma do ex-governador Tarso Genro, que lidera a oposição e propõe uma guinada à esquerda ao partido. Quem segura as pontas é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que opera uma manobra no mínimo ambígua em relação à presidente Dilma Rousseff. De um lado estimula a CUT, o MST e outros movimentos atrelados à legenda no sentido de combaterem o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy; de outro, tenta evitar que o PT retire o apoio parlamentar à aprovação do pacote recessivo pelo Congresso.
Sob pressão, o ponto de encontro entre as alas petistas é a apresentação de propostas que resgatem a velha narrativa “pobres contra ricos”, “trabalhador contra o patrão” e “patriotas contra entreguistas”. Vêm aí resoluções a favor da recriação da CPMF, do imposto sobre herança e grandes fortunas e de uma nova matriz tributária, menos regressiva. Lula mitiga as críticas mais duras ao ajuste fiscal e ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com a aprovação de uma “agenda de desenvolvimento” que resgate a esperança. Não quer que o PT chegue ao sábado, dia do encerramento do congresso, como uma força descolada do governo e em aberta oposição à presidente Dilma Rousseff.
Nau à deriva
Os estrategistas do Palácio do Planalto avaliam que a presidente Dilma não recuperará sua popularidade antes das eleições de 2016. A expectativa é de desastre eleitoral no pleito municipal. Em reunião com o ex-presidente Lula, em Brasília, há duas semanas, Dilma ouviu do marqueteiro João Santana que sua popularidade não sairá da lona antes disso.
É nesse cenário que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva opera uma linha de resistência para a legenda em São Paulo. O PT corre o risco de perder a Prefeitura de São Bernardo do Campo, cidade que vive um dos seus piores momentos, pois o ajuste fiscal atingiu em cheio a indústria automobilística, e teme a não reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cuja administração continua com muita rejeição.
O prefeito Luiz Marinho (PT), com popularidade em baixa por conta da falta de execução de obras e cortes no serviço de merenda escolar, ainda administra uma luta fratricida entre seu poderoso secretário de Serviços Urbanos, Tarcísio Secoli, e o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, para ser o candidato petista à sucessão municipal. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, corre por fora, mas é o deputado federal Alex Manente (PPS), por pura ironia, quem lidera as pesquisas de opinião na disputa municipal, chegando a 39,3% das intenções de votos contra os petistas.
Para salvar Haddad, Lula quer que a presidente Dilma Rousseff libere R$ 8 bilhões em verbas federais para obras na capital paulista, na contramão do corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União anunciado pelo governo. A maior dor de cabeça do petista é a senadora Marta Suplicy, que deixou a legenda e se movimenta com desenvoltura como candidata: na periferia da capital, deixou um legado reconhecido pela população pobre, principalmente na educação; na classe média, é aplaudida pelo rompimento com o PT.
A estratégia de Lula é isolar a petista e manter a aliança do PMDB, do PDT e do PSB com Haddad, que tem o apoio de Gabriel Chalita, Luís Antônio Medeiros e Luiza Erundina, respectivamente. São Paulo é uma espécie de laboratório eleitoral para Lula, que mira a própria volta ao poder em 2018.
Correio Braziliense - 10/06/2015
Corre o risco de perder a Prefeitura de São Bernardo do Campo, cidade que vive um dos seus piores momentos, pois o ajuste fiscal atingiu em cheio a indústria automobilística, e teme a não reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cuja administração continua com muita rejeição
O PT vai para seu quinto congresso desarvorado, mais até do que no encontro posterior às eleições de 1994, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o favorito disparado para a sucessão de Itamar Franco e acabou perdendo para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), porque permaneceu na oposição e apostou no fracasso do Plano Real.
Qual é a diferença entre uma situação e outra? Àquela época, o PT era contra tudo e contra todos, prometia renovar a política, moralizar a vida pública e mudar o país; hoje, o PT está no poder, mas jogou o país na recessão, a inflação e o desemprego estão de volta, a política parece tomar um rumo conservador e o partido está se afogando no pântano, em meio a escândalos de corrupção.
A cúpula petista se digladia. O atual presidente Rui Falcão nem tem o mesmo carisma do ex-governador Tarso Genro, que lidera a oposição e propõe uma guinada à esquerda ao partido. Quem segura as pontas é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que opera uma manobra no mínimo ambígua em relação à presidente Dilma Rousseff. De um lado estimula a CUT, o MST e outros movimentos atrelados à legenda no sentido de combaterem o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy; de outro, tenta evitar que o PT retire o apoio parlamentar à aprovação do pacote recessivo pelo Congresso.
Sob pressão, o ponto de encontro entre as alas petistas é a apresentação de propostas que resgatem a velha narrativa “pobres contra ricos”, “trabalhador contra o patrão” e “patriotas contra entreguistas”. Vêm aí resoluções a favor da recriação da CPMF, do imposto sobre herança e grandes fortunas e de uma nova matriz tributária, menos regressiva. Lula mitiga as críticas mais duras ao ajuste fiscal e ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com a aprovação de uma “agenda de desenvolvimento” que resgate a esperança. Não quer que o PT chegue ao sábado, dia do encerramento do congresso, como uma força descolada do governo e em aberta oposição à presidente Dilma Rousseff.
Nau à deriva
Os estrategistas do Palácio do Planalto avaliam que a presidente Dilma não recuperará sua popularidade antes das eleições de 2016. A expectativa é de desastre eleitoral no pleito municipal. Em reunião com o ex-presidente Lula, em Brasília, há duas semanas, Dilma ouviu do marqueteiro João Santana que sua popularidade não sairá da lona antes disso.
É nesse cenário que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva opera uma linha de resistência para a legenda em São Paulo. O PT corre o risco de perder a Prefeitura de São Bernardo do Campo, cidade que vive um dos seus piores momentos, pois o ajuste fiscal atingiu em cheio a indústria automobilística, e teme a não reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cuja administração continua com muita rejeição.
O prefeito Luiz Marinho (PT), com popularidade em baixa por conta da falta de execução de obras e cortes no serviço de merenda escolar, ainda administra uma luta fratricida entre seu poderoso secretário de Serviços Urbanos, Tarcísio Secoli, e o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, para ser o candidato petista à sucessão municipal. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, corre por fora, mas é o deputado federal Alex Manente (PPS), por pura ironia, quem lidera as pesquisas de opinião na disputa municipal, chegando a 39,3% das intenções de votos contra os petistas.
Para salvar Haddad, Lula quer que a presidente Dilma Rousseff libere R$ 8 bilhões em verbas federais para obras na capital paulista, na contramão do corte de R$ 69 bilhões no Orçamento da União anunciado pelo governo. A maior dor de cabeça do petista é a senadora Marta Suplicy, que deixou a legenda e se movimenta com desenvoltura como candidata: na periferia da capital, deixou um legado reconhecido pela população pobre, principalmente na educação; na classe média, é aplaudida pelo rompimento com o PT.
A estratégia de Lula é isolar a petista e manter a aliança do PMDB, do PDT e do PSB com Haddad, que tem o apoio de Gabriel Chalita, Luís Antônio Medeiros e Luiza Erundina, respectivamente. São Paulo é uma espécie de laboratório eleitoral para Lula, que mira a própria volta ao poder em 2018.
terça-feira, 9 de junho de 2015
Atrás do prejuízo
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/06/2015
O que acontece no país, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista
A presidente Dilma Rousseff lança hoje o Plano de Concessões em Infraestrutura e Logística com a esperança de virar o jogo e oferecer aos agentes econômicos uma agenda positiva. Na verdade, o Palácio do Planalto corre atrás do prejuízo. Desde a aprovação da lei das parcerias público-privadas, que passou a vigorar em dezembro de 2004, o maior obstáculo à realização de investimentos em infra-estrutura no país foi a teimosia da presidente da República, que insistia em estabelecer taxas de retorno para os negócios com as quais as empresas interessadas não concordavam.
Circulava até uma piada entre os executivos, comparando o comportamento do cariocas, do paulista e do gaúcho em conversas sobre negócios: o primeiro indagaria: Quanto é que nós vamos ganhar? O segundo: Quanto é que eu vou ganhar? E o terceiro: Quanto é que tu vais ganhar? Dilma, apesar de mineira, pensaria como os gaúchos. E foi ao gaúcho Arno Augustin, então secretrário de Tesouro, que encarregou de fazer as contas de quanto as empresas e o governo ganhariam nas concessões. O resultado foram sucessivas licitações e leilões sem interessados no negócio, principalmente no caso das ferrovias.
Dilma acabou mudando a legislação para tentar viabilizar seu programa de investimentos em infraestrutura. Em dezembro de 2014, ou após dez anos perdidos, a Lei 12.766, precedida pela MP 575, introduziu alterações importantes nas parcerias público-privadas. A principal diz respeito à redução do prazo mínimo para o acionamento pelo parceiro privado do Fundo Garantidor. Também foram flexibilizadas as exigências quanto aos estudos de engenharia. Espera-se que as mudanças atraiam mais investimentos em rodovias, portos, aeroportos e, principalmente, ferrovias, que ontem corriam o risco de ficar fora do pacote de hoje pelos motivos de sempre.
De acordo com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a ideia é manter leilões sistemáticos das concessões, à semelhança do que é feito hoje nas licitações de blocos de exploração de petróleo e de fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado. O BNDES deverá participar como financiador do pacote, estimado entre R$ 100 e 120 bilhões, o que seria o bastante para alavancar a economia. Vem daí a esperança da presidente Dilma Rousseff de que o país sairá da recessão até o final do ano.
Pacto rompido
Esse é o otimismo de Brasília. O que acontece no país, porém, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista. O setor mais atingido é o automotivo. Rompeu-se o “pacto” iniciado durante o governo Itamar Franco, que pavimentou a ascensão política do PT a partir de uma forte estrutura sindical. O acordo automotivo entre montadoras, sindicatos e governo garantia desonerações tributárias e financiamentos para as empresas, estabilidade no emprego e aumentos reais de salário para os metalúrgicos, mais poder para os sindicatos e tranquilidade social para o Palácio do Planalto.
O que começou com a volta do “fusca”, o que parecia um capricho do presidente Itamar, virou um eixo do modelo macroeconômico brasileiro, que trocou o transporte coletivo pelo “carro popular” como política de mobilidade urbana, que inundou de veículos as cidades do país. Mantido no governo de Fernando Henrique Cardoso, o ”acordo automotivo” foi ampliado ainda mais no governo Lula, chegando ao ápice com as medidas anticíclicas adotadas pelo ex-ministro Guido Mantega. Agora, a festa acabou.
A produção de veículos no Brasil caiu 25,3% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2014. Foram montadas 210,1 mil unidades, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Em abril, o montante chegou a 217,6 mil, o que resulta em uma queda de 3,4%. A produção retornou ao ano de 2005, sendo que a de caminhões a maio de 1999. Somente de janeiro a maio, o encolhimento foi de 19,1%, com 1,09 milhão de unidades produzidas, ante 1,35 milhão no mesmo período do ano passado.
Esse cenário desolador, principalmente no ABC, tem forte impacto na base petista, que questiona o ajuste fiscal e pede a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele está sendo tratado como bode expiatório da crise pelos militantes do PT, que realizará seu congresso no final de semana e ameaça condenar a atual política econômica. No domingo, a presidente Dilma foi obrigada a defender Levy, ao dizer que o seu ministro da Fazenda não pode ser tratado como um “judas”. Ontem, foi a vez do vice-presidente Michel Temer defender Levy, comparando-o a Jesus Cristo. Exagerou.
Correio Braziliense - 09/06/2015
O que acontece no país, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista
A presidente Dilma Rousseff lança hoje o Plano de Concessões em Infraestrutura e Logística com a esperança de virar o jogo e oferecer aos agentes econômicos uma agenda positiva. Na verdade, o Palácio do Planalto corre atrás do prejuízo. Desde a aprovação da lei das parcerias público-privadas, que passou a vigorar em dezembro de 2004, o maior obstáculo à realização de investimentos em infra-estrutura no país foi a teimosia da presidente da República, que insistia em estabelecer taxas de retorno para os negócios com as quais as empresas interessadas não concordavam.
Circulava até uma piada entre os executivos, comparando o comportamento do cariocas, do paulista e do gaúcho em conversas sobre negócios: o primeiro indagaria: Quanto é que nós vamos ganhar? O segundo: Quanto é que eu vou ganhar? E o terceiro: Quanto é que tu vais ganhar? Dilma, apesar de mineira, pensaria como os gaúchos. E foi ao gaúcho Arno Augustin, então secretrário de Tesouro, que encarregou de fazer as contas de quanto as empresas e o governo ganhariam nas concessões. O resultado foram sucessivas licitações e leilões sem interessados no negócio, principalmente no caso das ferrovias.
Dilma acabou mudando a legislação para tentar viabilizar seu programa de investimentos em infraestrutura. Em dezembro de 2014, ou após dez anos perdidos, a Lei 12.766, precedida pela MP 575, introduziu alterações importantes nas parcerias público-privadas. A principal diz respeito à redução do prazo mínimo para o acionamento pelo parceiro privado do Fundo Garantidor. Também foram flexibilizadas as exigências quanto aos estudos de engenharia. Espera-se que as mudanças atraiam mais investimentos em rodovias, portos, aeroportos e, principalmente, ferrovias, que ontem corriam o risco de ficar fora do pacote de hoje pelos motivos de sempre.
De acordo com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a ideia é manter leilões sistemáticos das concessões, à semelhança do que é feito hoje nas licitações de blocos de exploração de petróleo e de fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado. O BNDES deverá participar como financiador do pacote, estimado entre R$ 100 e 120 bilhões, o que seria o bastante para alavancar a economia. Vem daí a esperança da presidente Dilma Rousseff de que o país sairá da recessão até o final do ano.
Pacto rompido
Esse é o otimismo de Brasília. O que acontece no país, porém, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista. O setor mais atingido é o automotivo. Rompeu-se o “pacto” iniciado durante o governo Itamar Franco, que pavimentou a ascensão política do PT a partir de uma forte estrutura sindical. O acordo automotivo entre montadoras, sindicatos e governo garantia desonerações tributárias e financiamentos para as empresas, estabilidade no emprego e aumentos reais de salário para os metalúrgicos, mais poder para os sindicatos e tranquilidade social para o Palácio do Planalto.
O que começou com a volta do “fusca”, o que parecia um capricho do presidente Itamar, virou um eixo do modelo macroeconômico brasileiro, que trocou o transporte coletivo pelo “carro popular” como política de mobilidade urbana, que inundou de veículos as cidades do país. Mantido no governo de Fernando Henrique Cardoso, o ”acordo automotivo” foi ampliado ainda mais no governo Lula, chegando ao ápice com as medidas anticíclicas adotadas pelo ex-ministro Guido Mantega. Agora, a festa acabou.
A produção de veículos no Brasil caiu 25,3% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2014. Foram montadas 210,1 mil unidades, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Em abril, o montante chegou a 217,6 mil, o que resulta em uma queda de 3,4%. A produção retornou ao ano de 2005, sendo que a de caminhões a maio de 1999. Somente de janeiro a maio, o encolhimento foi de 19,1%, com 1,09 milhão de unidades produzidas, ante 1,35 milhão no mesmo período do ano passado.
Esse cenário desolador, principalmente no ABC, tem forte impacto na base petista, que questiona o ajuste fiscal e pede a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele está sendo tratado como bode expiatório da crise pelos militantes do PT, que realizará seu congresso no final de semana e ameaça condenar a atual política econômica. No domingo, a presidente Dilma foi obrigada a defender Levy, ao dizer que o seu ministro da Fazenda não pode ser tratado como um “judas”. Ontem, foi a vez do vice-presidente Michel Temer defender Levy, comparando-o a Jesus Cristo. Exagerou.
domingo, 7 de junho de 2015
Correntes do passado
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 07/06/2015
Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo
José Honório Rodrigues, falecido em abril de 1987, aos 73 anos de idade, era um liberal-democrata radical. Historiador de formação anglo-saxã, foi discípulo “incondicional” de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil.
Correio Braziliense - 07/06/2015
Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo
José Honório Rodrigues, falecido em abril de 1987, aos 73 anos de idade, era um liberal-democrata radical. Historiador de formação anglo-saxã, foi discípulo “incondicional” de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil.
Tinha sincera admiração pelo amigo Sérgio Buarque de Holanda, mas dele divergia numa questão crucial: o homem cordial retratado pelo autor de Raízes do Brasil (José Olympio, 1936), para ele, era um mito. “A nossa história é cruenta”, demonstrava Honório Rodrigues com eloquentes exemplos, da Inconfidência a Canudos, da Cabanagem à Farroupilha.
Uma de suas obras completa 50 anos e mantém incrível atualidade. É a coletânea Conciliação e reforma no Brasil: interpretação histórico-política (Civilização Brasileira, 1965). Reúne os ensaios “A política de conciliação: história cruenta e incruenta”, “Teses e antíteses da história do Brasil”, “Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil” e “O voto do analfabeto e a tradição política brasileira”.
Nessa obra, Honório Rodrigues mostrou como a concentração do poder político por um grupo conservador pode impedir a democratização da política, como estamos presenciando agora na votação da reforma eleitoral e partidária pelo Congresso. Era um crítico da “política de conciliação”, cujo protagonismo na construção do Estado nacional e na preservação da nossa integridade territorial foi realçado por Joaquim Nabuco em Um estadista no Império (H. Garnier, 1899), o livro de cabeceira de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República.
Além de confrontar o mito da cordialidade como comportamento histórico permanente dos brasileiros, Honório Rodrigues considerava a política de conciliação um artifício das elites políticas para absorver elementos divergentes e, ao mesmo tempo, fazer pequenas e mínimas concessões à maioria da sociedade — e assim manter o status quo. Isto é, perpetuarem as oligarquias no poder mediantes alianças e pactos perversos.
“O povo brasileiro é uma vítima, um derrotado no processo histórico”, escreveu. Segundo ele, a independência poderia ter sido uma revolução, de modo a fundar as bases nacionais em terreno popular e liberal, mas foi derrotada. Não significou uma ruptura, mas a continuidade da ordem privilegiada das elites da época. Em 1822, e também nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e, não menos importante, em 1964 deu-se o mesmo. “Os poderes dominantes tiveram sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos de modo a sustentar seu sistema, e seus privilégios”, afirmava.
Honório Rodrigues tinha certa admiração por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, pelo ímpeto transformador, porém, era um critico implacável do populismo. Caracterizou-o como “uma espécie de primitivismo político (...), um instrumento de agitação irresponsável, de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”.
Como agora, o populismo foi um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A campanha de luta e agitação (...) desgastou o progressismo que se vinha formando e criou barreiras intransponíveis (...) O radicalismo vindo de cima, que mais agitava do que propunha construir(...) foi, como no poema de Carlos Drummond de Andrade, uma pedra no caminho da reforma e do progresso nacional. Não uniu, dividiu”.
É incrível a atualidade desse diagnóstico. Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo. Seu ideólogo foi Oliveira Viana, o mais conservador dos grandes intérpretes do Brasil.
Autor de Evolução do povo brasileiro, obra publicada em 1923, Viana influenciou fortemente tanto Getulio Vargas como seus arqui-inimigos Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Estado de compromisso, forte e intervencionista; culto à personalidade; sindicatos como cadeia de transmissão; nacionalismo chauvinista — esses elementos da Era Vargas estão aí vivíssimos, como plataformas do petismo. E são reais obstáculos às reformas democráticas e ao desenvolvimento sustentável.
quinta-feira, 4 de junho de 2015
A caixa preta dos campeões
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 04/06/2015
O BNDES financiou US$ 11,9 bilhões em obras
tocadas no exterior por empresas brasileiras, com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT)
O modelo de “capítalismo de estado” adotado no segundo mandato de
Lula e no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff era a base de
sustentação do projeto de longa permanência do PT no poder, seja pela
aliança com grandes grupos empresariais, seja pela capacidade de
financiamento eleitoral que o partido passou a ostentar. Desde a
reeleição de Lula em 2006, mas principalmente eleições de 2010, foi com
espanto que a oposição e mesmo os aliados do PT sentiram o peso das
campanhas milionárias dos candidatos petistas.
Esse modelo começou a entrar em colapso com as investigações da
Operação Lava-ato, que desnudaram o escândalo de superfaturamento e
farta distribuição de propinas na Petrobras. Orgulho nacional, a empresa
foi usada e abusada como fonte de financiamento eleitoral, por meio de
uma triangulação que passava por 27 empresas fornecedoras de serviços e
contratadas para execução de obras. Hoje, o Ministério Público acusa o
PT de utilizar as doações eleitorais para supostamente lavar dinheiro
sujo de obras superfatruradas ou provenientes de serviços não prestados à
empresa.
O outro braço de sustentação do modelo petista, batizado pela
presidente Dilma Rousseff de “nova matriz econômica”, começa a ter que
prestar contas à opinião pública de sua atuação. É o BNDES, responsável
pelo financiamento bilionário de grandes grupos econômicos, no Brasil e
no exterior. São os chamados “campeões nacionais”. Ontem, acatando
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério da Indústria e
Comércio retirou o caráter sigiloso das informações sobre operações de
financiamento do BNDES no exterior e a diretoria de banco divulgou pela
primeira vez um relatório com informações mais detalhadas sobre o
assunto.
Foi o desfecho de uma queda de braço com o Tribunal de Contas da
União (TCU) e o Congresso Nacional, que por iniciativa da oposição
chegou a aprovar uma lei de transparência para as operações do banco,
mas a presidente Dilma Rousseff vetou a nova legislação. Por ironia, o
BNDES havia recorrido ao Supremo para manter o sigilo, mas levou uma
resposta negativa da Corte, que determinou a abertura da caixa preta.
Transparência
Soubemos, então, que o BNDES financiou US$ 11,9 bilhões em obras
tocadas no exterior por empresas brasileiras, com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT). As operações fazem parte do segmento
“exportações de serviços”, em que as empresas brasileiras que vencem
licitações no exterior levam junto o crédito barato para o país que
contrata a obra. Os juros são mamão com açúcar: de 4% a 6% ao ano.
No
Brasil, atualmente, o financiamento mais barato do BNDES para a área de
infraestrutura é o do Programa de Investimento em Logística (PIL), a 7%
ao ano. Os prazos de pagamento começam em 120 meses — 10 anos —, mas
podem chegar a 25 anos. E, de modo geral, as garantias são dadas pelo
próprio Tesouro brasileiro, por meio de um seguro de crédito do Fundo de
Garantia às Exportações (FGE).
Entre os negócios, Andrade Gutierrez faz um corredor rodoviário em
Gana. O financiamento é de 2,8% ao ano, com 234 meses de prazo de
pagamento. Na América Central, Honduras obteve um financiamento de US$
145 milhões com taxa de 2,83% ao ano, a cargo da OAS. O porto de Mariel,
em Cuba, recebeu US$ 642,97 milhões, pelos quais Cuba paga entre 4,4% e
7% de juros. Já a Venezuela obteve 20% dos empréstimos, entre 2007 e
2015, para quatro obras, com juros menores, entre 3,45% e 4,45%.
Algumas empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato lideram o
ranking dos projetos beneficiados pelos financiamentos. A Odebrecht
recebeu apoio de US$ 8,2 bilhões, 69% de todos os recursos, para
financiar 69 obras. A Andrade Gutierrez ficou com US$ 2,81 bilhões para
quatro obras, enquanto a Queiroz Galvão recebeu US$ 388,85 milhões para
19 projetos; a OAS, US$ 354,3 milhões para três obras; e a Camargo
Corrêa, US$ 255,6 milhões para nove empreendimentos. Além dos contratos
internacionais, foram postos no site do BNDES 1.753 operações domésticas
no valor de R$ 320 milhões.
Camargo Correa, Andrade Gutierrez, JBS, Queiroz Galvão, OAS, Banco
BMG e Galvão Engenharia doaram aproximadamente R$ 496 milhões para
candidatos e partidos em 2010. Nas eleições passadas, somente a JBS,
detentora das marcas de alimentos Friboi e Seara, doou ao todo R$ 352
milhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais R$ 69,2
milhões foram destinados à campanha de Dilma à reeleição. Também
desembolsou R$ 61,2 milhões aos postulantes a uma vaga na Câmara dos
Deputados e R$ 10,7 milhões aos candidatos ao Senado.
O discurso do PT
contra o financiamento privado de campanha tornou-se, por isso mesmo,
uma espécie de vacina contra as acusações feitas contra o partido, que é
o que mais tem se beneficiado das doações de empresas.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Futebol e negócios
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 03/05/2-14
Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo.
Nas democracias ocidentais, grosso modo, há duas grandes definições de dualidade política: uma é a clássica divisão entre direita e esquerda, tão enfatizada pelo jurista italiano Norberto Bobbio, que vem da Revolução Francesa; a outra, tem origem no Segundo Império Alemão e na República de Weimar, é de autoria do alemão Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, e separa a política entre os que a vêem como “negócio” e aqueles que a vêem como “bem comum”.
No Brasil, como tudo é mitigado, a direita não se assume como tal, a esquerda no poder adotou o programa social-liberal e todos os políticos dizem defender o bem comum. Ninguém admite que faz política como negócio, embora nos bastidores do Congresso não se faça outra coisa.
É mais ou menos o que também acontece com o futebol, a nossa grande paixão nacional, e com os demais esportes olímpicos, onde a política e os negócios se misturam. Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As nossas entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo. Mas tudo pode ser ainda pior.
Existe um engessamento do sistema partidário brasileiro, que obstrui a renovação e desconsidera a maioria da sociedade, mas as nossas eleições são democráticas e à prova de fraudes, o voto popular ainda consegue se impor diante do poder econômico nas eleições majoritárias. Nos esportes, porém, o sistema é completamente dominado pela cartolagem, atletas não têm direito de voto, a transparência não existe e a situação da maioria dos clubes é calamitosa. A democracia não chegou ao esporte, cuja estrutura atual é um entulho autoritário, tomado por relações mafiosas.
Sim, o futebol e outras modalidades são tratados como grandes negócios pelos cartolas. Essa é uma realidade da qual não se pode mais escapar, porque o esporte como entretenimento foi globalizado e virou uma indústria poderosíssima, que produz conteúdos multimídia para todos os veículos de comunicação de massa. A televisão a cabo, por exemplo, não seria capaz de ocupar sua grade de programação sem o esporte.
Na era digital, oferece beleza, criatividade, emoção, sensualidade e outros atributos positivos que o marketing esportivo procura associar aos bens de consumo de toda sorte, do material esportivo aos automóveis, dos alimentos à perfumaria. Seja pela promoção de eventos ou torneios, seja pelo apoio e patrocínio a clubes esportivos, grandes empresas e marcas líderes privilegiam o esporte, seus melhores atletas e clubes, para vender seus produtos. E a mídia, de um modo geral, tem no esporte conteúdo de produção relativamente barata e uma fonte quase inesgotável de financiamento.
O padrão Fifa
Os Estados Unidos lideram esse negócio, especialmente no basquete, futebol americano, beisebol e hóquei, com bilionárias ligas nacionais; seguido pelo futebol europeu, sobretudo o inglês, o espanhol e o italiano. No Brasil, o esporte também já é um grande negócio, mas padece de uma visão amadorística de dirigentes esportivos e empresários.
Os escândalos envolvendo clubes, federações, empresas de marketing esportivo e até atletas e treinadores são a prova de que ainda estamos no estágio da “acumulação primitiva”. Mesmo assim, nos projetamos como protagonistas do esporte globalizado, com a realização da Copa do Mundo de Futebol, no ano passado, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, marcadas para o próximo ano.
O escândalo da Fifa lança um foco de luz sobre o submundo desse grande negócio e suas relações com a política. Na medida em que o futebol começou a ganhar popularidade nos Estados Unidos, as autoridades americanas passaram a investigar seu modus operandi, o que resultou na prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marín.
Ontem, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, que havia sido reeleito pela quinta vez no sábado, renunciou ao cargo e convocou novas eleições para a entidade. Depois de acusar os Estados Unidos de tentar interferir indevidamente nas eleições da entidade, com o apoio ostensivo do presidente russo, Vladimir Putin — em razão da Copa do Mundo de 2018, que será realizada na Rússia —, Blatter jogou a toalha: soube que está realmente sendo investigado pelo FBI, que dispõe de ilimitado poder de fiscalização sobre operações financeiras realizadas nos Estados Unidos ou por empresas com sede naquele país, em qualquer lugar mundo.
Não será surpresa, portanto, se o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, acabar no olho do furacão. O senador Romário está em vias de instalar a CPI que vai investigar a CBF e vibrou com a renúncia de Blatter. A presidente Dilma Rousseff já mandou recado de que Del Nero não conta com seu apoio. O cartola era homem de confiança de Marín e apoiou a reeleição de Blatter.
A pedido do FBI e da Interpol, a Polícia Federal já investiga dirigentes, empresários e empresas envolvidos no escândalo. Pode ser que isso resulte numa reforma estruturante do futebol e do mundo esportivo no Brasil, mas isso, como sempre, vai depender dos nossos políticos, que costumam proteger os cartolas que os apoiam, quando não são um deles.
Correio Braziliense - 03/05/2-14
Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo.
Nas democracias ocidentais, grosso modo, há duas grandes definições de dualidade política: uma é a clássica divisão entre direita e esquerda, tão enfatizada pelo jurista italiano Norberto Bobbio, que vem da Revolução Francesa; a outra, tem origem no Segundo Império Alemão e na República de Weimar, é de autoria do alemão Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, e separa a política entre os que a vêem como “negócio” e aqueles que a vêem como “bem comum”.
No Brasil, como tudo é mitigado, a direita não se assume como tal, a esquerda no poder adotou o programa social-liberal e todos os políticos dizem defender o bem comum. Ninguém admite que faz política como negócio, embora nos bastidores do Congresso não se faça outra coisa.
É mais ou menos o que também acontece com o futebol, a nossa grande paixão nacional, e com os demais esportes olímpicos, onde a política e os negócios se misturam. Os “donos” da bola não assumem que seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo do Barão de Coubertin. As nossas entidades esportivas padecem dos mesmos males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo. Mas tudo pode ser ainda pior.
Existe um engessamento do sistema partidário brasileiro, que obstrui a renovação e desconsidera a maioria da sociedade, mas as nossas eleições são democráticas e à prova de fraudes, o voto popular ainda consegue se impor diante do poder econômico nas eleições majoritárias. Nos esportes, porém, o sistema é completamente dominado pela cartolagem, atletas não têm direito de voto, a transparência não existe e a situação da maioria dos clubes é calamitosa. A democracia não chegou ao esporte, cuja estrutura atual é um entulho autoritário, tomado por relações mafiosas.
Sim, o futebol e outras modalidades são tratados como grandes negócios pelos cartolas. Essa é uma realidade da qual não se pode mais escapar, porque o esporte como entretenimento foi globalizado e virou uma indústria poderosíssima, que produz conteúdos multimídia para todos os veículos de comunicação de massa. A televisão a cabo, por exemplo, não seria capaz de ocupar sua grade de programação sem o esporte.
Na era digital, oferece beleza, criatividade, emoção, sensualidade e outros atributos positivos que o marketing esportivo procura associar aos bens de consumo de toda sorte, do material esportivo aos automóveis, dos alimentos à perfumaria. Seja pela promoção de eventos ou torneios, seja pelo apoio e patrocínio a clubes esportivos, grandes empresas e marcas líderes privilegiam o esporte, seus melhores atletas e clubes, para vender seus produtos. E a mídia, de um modo geral, tem no esporte conteúdo de produção relativamente barata e uma fonte quase inesgotável de financiamento.
O padrão Fifa
Os Estados Unidos lideram esse negócio, especialmente no basquete, futebol americano, beisebol e hóquei, com bilionárias ligas nacionais; seguido pelo futebol europeu, sobretudo o inglês, o espanhol e o italiano. No Brasil, o esporte também já é um grande negócio, mas padece de uma visão amadorística de dirigentes esportivos e empresários.
Os escândalos envolvendo clubes, federações, empresas de marketing esportivo e até atletas e treinadores são a prova de que ainda estamos no estágio da “acumulação primitiva”. Mesmo assim, nos projetamos como protagonistas do esporte globalizado, com a realização da Copa do Mundo de Futebol, no ano passado, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, marcadas para o próximo ano.
O escândalo da Fifa lança um foco de luz sobre o submundo desse grande negócio e suas relações com a política. Na medida em que o futebol começou a ganhar popularidade nos Estados Unidos, as autoridades americanas passaram a investigar seu modus operandi, o que resultou na prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marín.
Ontem, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, que havia sido reeleito pela quinta vez no sábado, renunciou ao cargo e convocou novas eleições para a entidade. Depois de acusar os Estados Unidos de tentar interferir indevidamente nas eleições da entidade, com o apoio ostensivo do presidente russo, Vladimir Putin — em razão da Copa do Mundo de 2018, que será realizada na Rússia —, Blatter jogou a toalha: soube que está realmente sendo investigado pelo FBI, que dispõe de ilimitado poder de fiscalização sobre operações financeiras realizadas nos Estados Unidos ou por empresas com sede naquele país, em qualquer lugar mundo.
Não será surpresa, portanto, se o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, acabar no olho do furacão. O senador Romário está em vias de instalar a CPI que vai investigar a CBF e vibrou com a renúncia de Blatter. A presidente Dilma Rousseff já mandou recado de que Del Nero não conta com seu apoio. O cartola era homem de confiança de Marín e apoiou a reeleição de Blatter.
A pedido do FBI e da Interpol, a Polícia Federal já investiga dirigentes, empresários e empresas envolvidos no escândalo. Pode ser que isso resulte numa reforma estruturante do futebol e do mundo esportivo no Brasil, mas isso, como sempre, vai depender dos nossos políticos, que costumam proteger os cartolas que os apoiam, quando não são um deles.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Não está pra Temer
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/06/2015
Ao não cumprir os acordos de Temer, Palácio do Planalto enfraquece o dispositivo parlamentar que o vice-presidente da República tenta consolidar no Congresso
O vice-presidente Michel Temer parece navegar contra o vento numa jangada em meio ao mar proceloso. Assumiu a condição de articulador político do Palácio do Planalto para salvar a presidente Dilma Rousseff de uma grande borrasca, que ameaçava desestabilizar seu governo, por causa da desagregação da base no Congresso e das grandes manifestações de protestos de 15 de março, que pediam seu impeachment.
Sem ele, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não teria a menor chance de aprovar o juste fiscal. Passado o pirajá, porém, antes mesmo de o ajuste ser aprovado integralmente, o Palácio do Planalto já começa a minar o prestígio de Temer entre os seus próprios pares, ao não cumprir os acordos feitos com os aliados. Essa sempre foi a grande queixa dos políticos da base do governo contra Dilma Rousseff.
O vice-presidente da República, porém, passou recibo de sua insatisfação: na entrevista que concedeu domingo aos repórteres Valdo Cruz e Natuza Nery, na Folha de São Paulo, disse com todas as letras que abandonará a missão se os acordos que fez com os partidos da base não forem cumpridos – leia-se, nomeações para os cargos de segundo e terceiro escalões, que estão emperradas. “Se a burocracia não funcionar, quem não funciona sou eu, aí eu saio”, disparou.
O recado só pode ter sido endereçado à presidente Dilma, porque Temer disse que os ministros petistas da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e das Comunicações, Ricardo Berzoine, têm a memória das nomeações e estão “ajudando muito”. Temer sinalizou também que a ruptura com o PT é inexorável, ao anunciar que o PMDB terá candidato a presidente da República em 2018.
Ao não cumprir os acordos de Temer, Palácio do Planalto enfraquece o dispositivo parlamentar que o vice-presidente da República tenta consolidar no Congresso. Deixa o caminho livre para que os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentem suas próprias agendas e deixem em segundo plano o ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda. Apesar de aprovadas pelo Congresso, as Medidas Provisórias nº 664 (auxílio-doença) e nº 665 (seguro-desemprego e abono salarial), por exemplo, ainda não são assuntos resolvidos.
A alternativa ao fator previdenciário, incluída na MP nº 664, deve voltar ao exame do Congresso, já que há expectativa de veto da presidente. Dilma tem 15 dias úteis, contados a partir da data do recebimento do projeto, para sancionar a lei. Caso ocorra na próxima semana, o prazo de sanção será no final de junho. Havendo veto, este será analisado pelos parlamentares 30 dias após seu recebimento pelo Senado. Ou seja, a aprovação vai se estender até setembro, por causa do recesso de julho.
No caso da MP nº 665, a legalidade das mudanças feitas no abono salarial será questionada pela oposição na Justiça, caso não haja veto da presidente. O argumento é que o pagamento proporcional ao tempo de trabalho é inconstitucional. O julgamento no Supremo deve ficar para o segundo semestre, já que o tribunal entrará em recesso em julho e retornará apenas em agosto.
Tudo isso gera expectativas negativas na sociedade e retarda os investimentos. Há, porém, mais problemas. Renan e Cunha resolveram fazer um ajuste do ajuste. Acertaram com 23 governadores um acordo para aprovar uma “agenda federativa”, que já deixa Levy de cabelo em pé.
Trata-se do compartilhamento entre a União, estados e municípios das despesas com segurança e da transferência para o Tesouro das despesas de educação que ultrapassarem os 60% do Fundo Nacional da Educação. O pacto foi firmado à revelia de Temer, que se enfraquece internamente. Ou seja, precisa chegar a um porto seguro, sob pena de ter que escolher entre Dilma e o PMDB. Parece que escolha já está feita.
Mestres dos mares
Uma jangada é feita com seis paus: dois no centro (chamados de "meios"), dois seguintes, dispostos simetricamente (chamados "mimburas", palavra de origem tupi), e dois externos, chamados de "bordos". Os paus mais centrais (meios e mimburas) são unidos por cavilhas de madeira mais dura. Já os paus de bordo são encavilhados nos mimburas, de modo a ficarem um pouco mais elevados.
Sobre essa armação básica, instalam-se dois bancos de madeira. O banco mais central, ou banco "de vante", apóia o mastro da jangada. O outro, da ré, também é chamado de banco "do mestre". O remo se encaixa entre o mimbura e um dos paus do meio (o meio de boreste). Há ainda uma outra abertura entre os dois paus do meio, para a passagem da "tábua de bolina", que reduz o caimento da jangada quando ela navega contra o vento.
As jangadas surgiram na costa do Nordeste brasileiro em meados do século XVII. Com sua admirável capacidade de navegar contra o vento, e de usar a força do vento para sobrepujar a corrente oceânica, é muito eficiente para a navegação à vela nas condições do litoral nordestino. Mestres do uso das marés, dos regimes de ventos, das correntes, da sazonalidade da pesca, os jangadeiros passavam em média três dias no mar, às vezes uma semana, chegando a 50 milhas da costa.
Correio Braziliense - 02/06/2015
Ao não cumprir os acordos de Temer, Palácio do Planalto enfraquece o dispositivo parlamentar que o vice-presidente da República tenta consolidar no Congresso
O vice-presidente Michel Temer parece navegar contra o vento numa jangada em meio ao mar proceloso. Assumiu a condição de articulador político do Palácio do Planalto para salvar a presidente Dilma Rousseff de uma grande borrasca, que ameaçava desestabilizar seu governo, por causa da desagregação da base no Congresso e das grandes manifestações de protestos de 15 de março, que pediam seu impeachment.
Sem ele, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não teria a menor chance de aprovar o juste fiscal. Passado o pirajá, porém, antes mesmo de o ajuste ser aprovado integralmente, o Palácio do Planalto já começa a minar o prestígio de Temer entre os seus próprios pares, ao não cumprir os acordos feitos com os aliados. Essa sempre foi a grande queixa dos políticos da base do governo contra Dilma Rousseff.
O vice-presidente da República, porém, passou recibo de sua insatisfação: na entrevista que concedeu domingo aos repórteres Valdo Cruz e Natuza Nery, na Folha de São Paulo, disse com todas as letras que abandonará a missão se os acordos que fez com os partidos da base não forem cumpridos – leia-se, nomeações para os cargos de segundo e terceiro escalões, que estão emperradas. “Se a burocracia não funcionar, quem não funciona sou eu, aí eu saio”, disparou.
O recado só pode ter sido endereçado à presidente Dilma, porque Temer disse que os ministros petistas da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e das Comunicações, Ricardo Berzoine, têm a memória das nomeações e estão “ajudando muito”. Temer sinalizou também que a ruptura com o PT é inexorável, ao anunciar que o PMDB terá candidato a presidente da República em 2018.
Ao não cumprir os acordos de Temer, Palácio do Planalto enfraquece o dispositivo parlamentar que o vice-presidente da República tenta consolidar no Congresso. Deixa o caminho livre para que os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentem suas próprias agendas e deixem em segundo plano o ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda. Apesar de aprovadas pelo Congresso, as Medidas Provisórias nº 664 (auxílio-doença) e nº 665 (seguro-desemprego e abono salarial), por exemplo, ainda não são assuntos resolvidos.
A alternativa ao fator previdenciário, incluída na MP nº 664, deve voltar ao exame do Congresso, já que há expectativa de veto da presidente. Dilma tem 15 dias úteis, contados a partir da data do recebimento do projeto, para sancionar a lei. Caso ocorra na próxima semana, o prazo de sanção será no final de junho. Havendo veto, este será analisado pelos parlamentares 30 dias após seu recebimento pelo Senado. Ou seja, a aprovação vai se estender até setembro, por causa do recesso de julho.
No caso da MP nº 665, a legalidade das mudanças feitas no abono salarial será questionada pela oposição na Justiça, caso não haja veto da presidente. O argumento é que o pagamento proporcional ao tempo de trabalho é inconstitucional. O julgamento no Supremo deve ficar para o segundo semestre, já que o tribunal entrará em recesso em julho e retornará apenas em agosto.
Tudo isso gera expectativas negativas na sociedade e retarda os investimentos. Há, porém, mais problemas. Renan e Cunha resolveram fazer um ajuste do ajuste. Acertaram com 23 governadores um acordo para aprovar uma “agenda federativa”, que já deixa Levy de cabelo em pé.
Trata-se do compartilhamento entre a União, estados e municípios das despesas com segurança e da transferência para o Tesouro das despesas de educação que ultrapassarem os 60% do Fundo Nacional da Educação. O pacto foi firmado à revelia de Temer, que se enfraquece internamente. Ou seja, precisa chegar a um porto seguro, sob pena de ter que escolher entre Dilma e o PMDB. Parece que escolha já está feita.
Mestres dos mares
Uma jangada é feita com seis paus: dois no centro (chamados de "meios"), dois seguintes, dispostos simetricamente (chamados "mimburas", palavra de origem tupi), e dois externos, chamados de "bordos". Os paus mais centrais (meios e mimburas) são unidos por cavilhas de madeira mais dura. Já os paus de bordo são encavilhados nos mimburas, de modo a ficarem um pouco mais elevados.
Sobre essa armação básica, instalam-se dois bancos de madeira. O banco mais central, ou banco "de vante", apóia o mastro da jangada. O outro, da ré, também é chamado de banco "do mestre". O remo se encaixa entre o mimbura e um dos paus do meio (o meio de boreste). Há ainda uma outra abertura entre os dois paus do meio, para a passagem da "tábua de bolina", que reduz o caimento da jangada quando ela navega contra o vento.
As jangadas surgiram na costa do Nordeste brasileiro em meados do século XVII. Com sua admirável capacidade de navegar contra o vento, e de usar a força do vento para sobrepujar a corrente oceânica, é muito eficiente para a navegação à vela nas condições do litoral nordestino. Mestres do uso das marés, dos regimes de ventos, das correntes, da sazonalidade da pesca, os jangadeiros passavam em média três dias no mar, às vezes uma semana, chegando a 50 milhas da costa.