Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/03/2014
Temer
resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para
salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em
razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal
Uma das grandes histórias
da luta entre o homem e a natureza é a do naufrágio do Endurence, um
veleiro de três mastros no qual Sir Ernest Shackleton navegou para a
Antártida, em 1914, na Expedição Transantártica Imperial. Lançado ao mar
dois anos antes, na Noruega, ficou encalhado no Mar de Weddell e acabou
esmagado pelo gelo.
Apesar de muito forte, o casco de carvalho
reforçado não tinha o fundo arredondado. Quando veio a invernada, o
barco ficou preso, não resistiu à pressão e afundou numa banquisa.
Durante 15 meses, 28 homens ficaram à deriva no gelo. Quando o tempo
melhorou, divididos em três pequenos botes abertos, suportaram sete dias
apavorantes até chegarem à ilha Elephant. No total, foram 497 dias sem
pisar em terra firme.
No inóspito local, Shackleton escolheu seis
homens para uma travessia quase impossível até a ilha da Geórgia do
Sul, a 1.300km de distância. Num bote aberto de 22 pés, em pleno
inverno, atravessou o mais temido trecho de oceano do planeta: o Cabo
Horn. Foram mais 17 dias e um furacão, que pôs a pique um vapor de 500t
com todos os homens a bordo. Os seis homens mantiveram uma rotina de
bordo, uma estrutura de comando, um revezamento de tarefas que permitiu a
superação das circunstâncias mais adversas que um navegador pode
enfrentar.
Devido à I Guerra Mundial, porém, a Inglaterra não
dispunha de navios para o resgate. Shackleton percorreu a Argentina, o
Uruguai e o Chile para encontrar um navio que suportasse a viagem de
volta. Três meses depois, à bordo de um pequeno rebocador, chegou a Ilha
Elephant e resgatou os 22 tripulantes que deixara pra trás. Não perdeu
nenhum homem. Desde então, o naufrágio do Endurence é um “case” de
formação de equipe, liderança e gerenciamento de crise.
A reforma política
O
governo de Dilma Rousseff está mais ou menos como o Endurece encalhado
no gelo. Até agora, porém, a presidente Dilma Rousseff não revelou as
qualidades de Shackleton, cujo livro Sul (Editora Allegro) foi traduzido
no Brasil. Quem está preocupado em resgatar do naufrágio iminente a sua
tripulação é o vice-presidente Michel Temer (PMDB).
Depois de
recusar o tardio convite para integrar o núcleo duro do governo, Temer
resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para
salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em
razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
O projeto de
reforma política do PMDB foi coordenado pelo ex-governador fluminense
Moreira Franco, a pedido de Temer, e anunciado ontem pela cúpula da
legenda. Propõe a adoção do sistema distrital puro, chamado de
“distritão”, no qual são eleitos os deputados mais votados por estado,
não importa a legenda; mantém o sistema de financiamento público e
privado, mas limita as doações de pessoas jurídicas e físicas a um só
partido e a um só candidato por cargo.
Também acaba com as
coligações eleitorais e mantém o atual dispositivo de fidelidade
partidária. Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho que exclui
do Congresso as legendas que obtiverem menos de 5% dos votos, em pelo
menos um terço dos estados, com pelo menos 2% em cada um deles.
O
PMDB quer ainda o fim da reeleição e a coincidência dos mandatos, com
eleição geral em 2022. Todos os mandatos teriam cinco anos, com exceção
dos senadores, que seriam eleitos para um mandato de 10 anos. Nas
eleições do ano que vem, os prefeitos e vereadores seriam eleitos para
um mandato de seis anos.
A reforma proposta pelo PMDB provocou
uma reação desesperada do PT e aliados no Congresso, que tentam evitar
que seja votada. No contexto em que será discutida, nos bastidores já se
fala na adoção do modelo francês de parlamentarismo. Argumenta-se que a
crise atual desapareceria com a aprovação de um voto de desconfiança
pelo Congresso e a formação de nova equipe ministerial — sem
impeachment.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto ainda tenta
toscamente retomar a iniciativa política. Os ministros da Justiça, José
Eduardo Cardozo, e das Relações Institucionais, Pepe Vargas,
apresentaram ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as propostas do pacote de
combate à corrupção. Dilma fará hoje um oba-oba no Palácio do Planalto
para anunciar as medidas. É como falar de corda em casa de enforcado.
Ainda que o objetivo principal seja salvar o partido, me parece que a proposta tem muitos pontos positivos. Entre as quais o voto distrital e a cláusula de desempenho dos partidos. Não é de se estranhar a reação do PT e afins. Esses não querem resolver senão a vida deles.
ResponderExcluirAinda que o objetivo principal seja salvar o partido, me parece que a proposta tem muitos pontos positivos. Entre as quais o voto distrital e a cláusula de desempenho dos partidos. Não é de se estranhar a reação do PT e afins. Esses não querem resolver senão a vida deles.
ResponderExcluir