quarta-feira, 18 de março de 2015

À beira do naufrágio

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/03/2014

 Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal

Uma das grandes histórias da luta entre o homem e a natureza é a do naufrágio do Endurence, um veleiro de três mastros no qual Sir Ernest Shackleton navegou para a Antártida, em 1914, na Expedição Transantártica Imperial. Lançado ao mar dois anos antes, na Noruega, ficou encalhado no Mar de Weddell e acabou esmagado pelo gelo.

Apesar de muito forte, o casco de carvalho reforçado não tinha o fundo arredondado. Quando veio a invernada, o barco ficou preso, não resistiu à pressão e afundou numa banquisa. Durante 15 meses, 28 homens ficaram à deriva no gelo. Quando o tempo melhorou, divididos em três pequenos botes abertos, suportaram sete dias apavorantes até chegarem à ilha Elephant. No total, foram 497 dias sem pisar em terra firme.

No inóspito local, Shackleton escolheu seis homens para uma travessia quase impossível até a ilha da Geórgia do Sul, a 1.300km de distância. Num bote aberto de 22 pés, em pleno inverno, atravessou o mais temido trecho de oceano do planeta: o Cabo Horn. Foram mais 17 dias e um furacão, que pôs a pique um vapor de 500t com todos os homens a bordo. Os seis homens mantiveram uma rotina de bordo, uma estrutura de comando, um revezamento de tarefas que permitiu a superação das circunstâncias mais adversas que um navegador pode enfrentar.

Devido à I Guerra Mundial, porém, a Inglaterra não dispunha de navios para o resgate. Shackleton percorreu a Argentina, o Uruguai e o Chile para encontrar um navio que suportasse a viagem de volta. Três meses depois, à bordo de um pequeno rebocador, chegou a Ilha Elephant e resgatou os 22 tripulantes que deixara pra trás. Não perdeu nenhum homem. Desde então, o naufrágio do Endurence é um “case” de formação de equipe, liderança e gerenciamento de crise.

A reforma política
O governo de Dilma Rousseff está mais ou menos como o Endurece encalhado no gelo. Até agora, porém, a presidente Dilma Rousseff não revelou as qualidades de Shackleton, cujo livro Sul (Editora Allegro) foi traduzido no Brasil. Quem está preocupado em resgatar do naufrágio iminente a sua tripulação é o vice-presidente Michel Temer (PMDB).

Depois de recusar o tardio convite para integrar o núcleo duro do governo, Temer resolveu deflagrar no Congresso uma reforma política sob medida para salvar o partido do desastre político e eleitoral que se avizinha, em razão da Operação Lava-Jato da Polícia Federal.

O projeto de reforma política do PMDB foi coordenado pelo ex-governador fluminense Moreira Franco, a pedido de Temer, e anunciado ontem pela cúpula da legenda. Propõe a adoção do sistema distrital puro, chamado de “distritão”, no qual são eleitos os deputados mais votados por estado, não importa a legenda; mantém o sistema de financiamento público e privado, mas limita as doações de pessoas jurídicas e físicas a um só partido e a um só candidato por cargo.

Também acaba com as coligações eleitorais e mantém o atual dispositivo de fidelidade partidária. Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho que exclui do Congresso as legendas que obtiverem menos de 5% dos votos, em pelo menos um terço dos estados, com pelo menos 2% em cada um deles.

O PMDB quer ainda o fim da reeleição e a coincidência dos mandatos, com eleição geral em 2022. Todos os mandatos teriam cinco anos, com exceção dos senadores, que seriam eleitos para um mandato de 10 anos. Nas eleições do ano que vem, os prefeitos e vereadores seriam eleitos para um mandato de seis anos.

A reforma proposta pelo PMDB provocou uma reação desesperada do PT e aliados no Congresso, que tentam evitar que seja votada. No contexto em que será discutida, nos bastidores já se fala na adoção do modelo francês de parlamentarismo. Argumenta-se que a crise atual desapareceria com a aprovação de um voto de desconfiança pelo Congresso e a formação de nova equipe ministerial — sem impeachment.

Enquanto isso, o Palácio do Planalto ainda tenta toscamente retomar a iniciativa política. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Institucionais, Pepe Vargas, apresentaram ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as propostas do pacote de combate à corrupção. Dilma fará hoje um oba-oba no Palácio do Planalto para anunciar as medidas. É como falar de corda em casa de enforcado.

2 comentários:

  1. Ainda que o objetivo principal seja salvar o partido, me parece que a proposta tem muitos pontos positivos. Entre as quais o voto distrital e a cláusula de desempenho dos partidos. Não é de se estranhar a reação do PT e afins. Esses não querem resolver senão a vida deles.

    ResponderExcluir
  2. Ainda que o objetivo principal seja salvar o partido, me parece que a proposta tem muitos pontos positivos. Entre as quais o voto distrital e a cláusula de desempenho dos partidos. Não é de se estranhar a reação do PT e afins. Esses não querem resolver senão a vida deles.

    ResponderExcluir